Mauricio Fonseca Polato
A Fundação Escola de Comércio Álvares
Penteado (Fecap) e o ensino comercial em
São Paulo (1902-1931)
Mestrado em Educação:
História, Política, Sociedade
PUC / São Paulo
2008
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Mauricio Fonseca Polato
A Fundação Escola de Comércio Álvares
Penteado (Fecap) e o ensino comercial em
São Paulo (1902-1931)
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em Educação, sob a orientação
do Prof. Dr. Bruno Bontempi Júnior.
PUC / São Paulo
2008
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
Prof. Dr. Bruno Bontempi Júnior
_____________________________________
Prof. Dr. Kazumi Munakata
_____________________________________
Prof. Dr. Luiz Carlos Barreira
RESUMO
Esta pesquisa histórica visa o estudo da Fundação Escola de
Comércio Álvares Penteado (Fecap) e o desenvolvimento do
ensino comercial em São Paulo, de 1902 a 1931. Tem como
objetivo, em um primeiro momento, descrever as transformações
urbanas que ocorreram na capital paulista que justificaram a
criação de tal escola em 1902. Posteriormente, analisar as
pessoas
envolvidas
na
sua
fundação,
sua
rede
de
relacionamentos e expectativas que tinham em relação ao ensino
comercial, relacionando os discursos deste novo grupo social
com a história da escola até o advento do Decreto nº 20.158, de
30 de junho de 1931 - norma federal que prescreveu a
organização do ensino comercial e regulamentou a profissão de
contador no país. Portanto, estudar esta instituição privada no
período em que praticamente é ausente a regulamentação
estatal. Por fim, demonstrar como se deu o desenvolvimento do
ensino comercial na cidade de São Paulo, tendo a Fecap como
modelo. O que entendiam como curso comercial e quais foram os
cursos oferecidos no decorrer dos seus primeiros 29 anos de
existência. A pesquisa baseia-se na documentação administrativa
da Fecap, artigos e anúncios publicados em jornais e revistas
especializadas
da
época,
na
legislação
federal,
livros
comemorativos da instituição e bibliografia acerca da história do
ensino contábil no Brasil.
Palavras-chave: História da Educação; Fundação Escola de
Comércio Álvares Penteado (Fecap); Ensino comercial; Curso
técnico e profissional; São Paulo, 1902 a 1931.
ABSTRACT
This historical research aims at studying “Fundação Escola de
Comércio Álvares Penteado (Fecap)” and the development of the
commercial education in São Paulo, from 1902 to 1931. The
objective is, in the first place, to describe the urban development
that took place in the São Paulo State capital that justified the
creation of the referred school in 1902. Subsequently, to analyse
the people involved in its foundation, their relationship networks
and the expectations they had about the commercial education,
connecting the new group discourse to the history of Fecap until
the advent of the Decree 20.158, from June, 30th, 1931 - a
federal rule that enforced the organization of commercial
education and regulated the accounting profession in the country.
Therefore, it is the object of this research, to study this private
institution during a period when the state regulation was
practically absent. Ultimately, it intends to show how the
development of commercial cousers took place in the city of São
Paulo, having Fecap as a model. What was understood by
“commercial course” and the courses offered during its first 29
years of existence. The research is based on the administrative
documentation of Fecap, on news and articles published in
newspapers and specialized journals at the time, on the federal
law, commemorative publications from the institution and the
bibliography on the history of accountancy in Brazil.
Keywords: History of education; “Fundação Escola de Comércio
Álvares Penteado (Fecap)”; Commercial education; Technical and
professional course; São Paulo, 1902 to 1931.
AGRADECIMENTOS
Aos colegas Paulo Jorge de Oliveira Carvalho e Macioniro Celeste Filho,
pelo incentivo à realização do mestrado e a indicação deste programa;
Ao meu orientador Prof. Dr. Bruno Bontempi Júnior, pela maneira profissional
com que conduziu a orientação, com muita paciência, sabendo escutar e sempre
muito objetivo e preciso em suas observações;
A todos os professores do Programa EHPS da PUC-SP, pelas ferramentas
proporcionadas, em especial à Profa. Dra. Alda Junqueira Marin, Prof. Dr. Kazumi
Munakata (também pelos comentários na qualificação), Profa. Dra. Maria Rita de
Almeida Toledo, Prof. Dr. Odair Sass e Profa. Dra. Paula Perin Vicentini;
À secretária do programa Elisabete “Betinha” Adania, sempre disposta a
ajudar na correria do dia-a-dia e aos colegas de turma, que proporcionaram uma
rica experiência para quem não veio da área da educação;
Ao Prof. Dr. Ivam Ricardo Peleias, que abriu as portas e indicou todos os
caminhos dentro da Fecap, além de seu interesse pessoal na pesquisa;
Ao Prof. Dr. Sérgio de Gouveia Franco Magnífico Reitor do Centro
Universitário Fecap e ao Superintendente Geral Sr. Marcelo Camargo, por terem
autorizado meu acesso à documentação histórica da Fecap, ao Prof. Dr. João
Bosco Segreti, pelos comentários na qualificação e demais funcionários da Fecap:
Profa. Marizilda Aparecida Crusco, Sra. Vânia Choi, Prof. Alexandre Garcia, Prof.
Álvaro César Giansanti, Sr. Rogério Dias, Sr. José Carlos de Paula e ao “seu”
Domingos, pela simpatia e acolhimento nas várias visitas efetuadas na instituição;
À Capes, pela concessão da bolsa de auxílio à pesquisa; e
À minha família, sempre, em especial a Sílvia e “Dudico”,
pelo apoio e compreensão das minhas ausências.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. A cidade do café, os imigrantes e as transformações urbanas ............... 09
2. A necessidade de mão-de-obra especializada ........................................ 11
3. A evolução do ensino comercial no Brasil e em São Paulo .................... 14
4. Definição do tema e das questões .......................................................... 17
5. Descrição das fontes e seu tratamento ................................................... 21
6. Estrutura da dissertação .......................................................................... 25
CAPÍTULO I - Personagens, redes de relacionamento e debates em torno
do tema ensino comercial
1.1. Os fundadores e a criação da Fecap .................................................... 27
1.2. A organização da classe e a valorização da profissão contábil ........... 43
1.3. As reivindicações da regulamentação do ensino comercial e da
profissão contábil ......................................................................................... 48
CAPÍTULO II - O desenvolvimento do ensino comercial, cursos e
profissões
2.1. A instauração do curso comercial ......................................................... 57
2.2. A consolidação dos cursos comerciais ................................................. 64
2.3. Ramificação dos cursos e especialização dos conhecimentos
comerciais .................................................................................................... 66
2.4. Comparativo do desenvolvimento do ensino comercial ....................... 73
CONCLUSÃO .............................................................................................. 78
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................... 84
ANEXOS ...................................................................................................... 92
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Brasil, Estado de São Paulo e Cidade de São Paulo - População Total:
1872 - 1890 - 1900 - 1920 ............................................................................. 10
Tabela 2
Cidade de São Paulo - Repartição dos estabelecimentos industriais,
segundo as datas de sua fundação: 1850 - 1919 ......................................... 12
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Inquérito de 1900 com 252 alunos - Expectativas de trabalho dos alunos
da Escola Modelo .......................................................................................... 33
Quadro 2
Comparativo da grade curricular da Escola Prática de Comércio do Pará e
proposta de Veiga Filho, no ano de 1901 ..................................................... 38
Quadro 3
Resultado da subscrição popular realizada em 1902 ................................... 39
Quadro 4
Comparativo do desenvolvimento do ensino comercial de 1901 a 1931 ...... 74
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Caderno de anúncios - Professores, aulas e cursos ..................................... 47
Figura 2
Edital de inscrição de matrículas ................................................................... 58
Figura 3
Edital de prorrogação de prazo para matrículas do curso diurno ................. 59
Figura 4
Registro do diploma de Elisa Alfred .............................................................. 63
Figura 5
Abertura e encerramento dos cursos - 1910 ................................................. 64
Figura 6
Tabela das taxas e emolumentos - 1910 ...................................................... 65
INTRODUÇÃO
1. A cidade do café, os imigrantes e as transformações urbanas
A cidade de São Paulo conheceu profundas transformações em sua
fisionomia urbana na segunda metade do século XIX, especificamente a partir dos
anos 1870, graças ao desenvolvimento da economia cafeeira no oeste do estado.
Grande parte desse desenvolvimento é devido à construção da primeira
estrada de ferro no território paulista, entre 1860 e 1867, por iniciativa de Irineu
Evangelista de Souza, que se associou a empresários ingleses na fundação da
companhia São Paulo Railway. “O desenvolvimento da economia cafeeira não
teria sido possível sem as estradas de ferro. A antigas tropas de mulas não
podiam escoar uma grande produção espalhada por milhares de quilômetros”
(Silva, 1980, p. 56).
Para se ter uma idéia aproximada do caminho realizado em São Paulo, no
primeiro lustro do período republicano, e nos anos que marcaram a agonia
do regime monárquico, basta lembrar que em 1884 tínhamos um tráfego
na Província de 1.541 quilômetros de estrada de ferro. A São Paulo
Railway - aorta que distribuía a circulação entre o planalto e o porto de
Santos - acusava um saldo de 3.917:284$570, e a Companhia Paulista de
Vias Férreas e Fluviais - que forçava triunfalmente as portas do sertão do
oeste - um saldo de 1.318:371$558. Em 1895 a mesma situação assim se
expressava: extensão ferroviária em tráfego: 2.962 quilômetros; saldo da
São Paulo Railway, 9.616:001$130; saldo da Companhia Paulista 10.561:761$667 (Bloen, s/d., p. 8).
Aliado ao desenvolvimento do transporte, o grande contingente de imigrantes
trazidos à Província de São Paulo também figurou como fundamental nessa
transição. E é a própria Província que investe no provimento de mão-de-obra para
as fazendas.
Após 1870, o governo da Província de São Paulo tomou a seu cargo todas
as despesas relativas à imigração: pagamento da viagem dos
trabalhadores e de suas famílias, criação de um organismo encarregado
de dirigir a imigração, através de agências fixadas em vários países da
Europa (sobretudo na Itália). (...) Foi fundamentalmente graças a essa
imigração massiva de trabalhadores de origem européia que o mercado de
trabalho formou-se e desenvolveu-se no Brasil até a década de 1920. E
nesse mercado de trabalho, formado pelos trabalhadores imigrados, se
abasteceram não somente os fazendeiros de café, mas também os
primeiros industriais brasileiros (Silva, 1980, p. 44).
9
Em 1890, o número de imigrantes já ultrapassava a demanda das fazendas
de café. Este contingente, ao se deparar com “um acentuado declínio no salário
rural como conseqüência da contínua chegada de trabalhadores” (Fausto, 2000,
p. 24), transfere-se para os centros urbanos, criando ali os verdadeiros bolsões
humanos que constituiriam a base da força de trabalho, tanto no setor industrial
como no setor de serviços.
a imigração européia e a migração rural criarão uma grande oferta de
mão-de-obra disponível na cidade, que será a base da formação de um
verdadeiro exército industrial de reserva para o desenvolvimento
econômico de São Paulo. O início dos anos 90, no século XIX, é marcado
pela entrada no estado de São Paulo, de mais de que o dobro das
pessoas necessárias para cuidar do café produzido no campo (Carvalho,
2005, p. 28).
Em apenas 18 anos, a população da cidade dobrou. A explosão demográfica
apontava para o desenfreado processo de urbanização de São Paulo, que em
1900 já contava com mais de 239 mil habitantes, ou 7,64 vezes a população
registrada em 1872, em crescimento muito superior à média do estado (2,72
vezes) e do país (1,77 vez).
Tabela 1
Brasil, Estado de São Paulo e Cidade de São Paulo
População Total: 1872 - 1890 - 1900 - 1920
1872
Brasil
Números
Habitantes
Índices
9.930.478
100
1890
14.333.915
144
1.384.753
165
64.934
207
1900
17.438.434
177
2.282.279
272
239.820
764
1920
30.635.605
308
4.592.188
548
579.033
1.845
Anos
Estado de São Paulo
Números
Habitantes
Índices
837.354
100
Cidade de São Paulo
Números
Habitantes
Índices
31.385
100
Fonte: Emplasa, 2001, p. 24
O expressivo aumento da população na cidade no último quartel do século
XIX, na maioria imigrantes que traziam consigo novos hábitos de consumo, gerou
profundas transformações na vida urbana paulistana, entre elas a ampliação de
empreendimentos para atender a essa nova demanda de consumo e serviços
com conseqüente aumento das ofertas de empregos:
10
A partir dos anos 70 do século XIX, a fisionomia urbana de São Paulo
começa a transformar-se. A expansão da economia cafeeira, a riqueza
gerada pelo café e a série de empreendimentos decorrentes ampliaram o
setor de serviços urbanos, os empregos no comércio, na indústria
nascente e na burocracia e provocaram um brusco crescimento
populacional (Moraes, 1990, p. 357).
Somados a esses fatores, devem ser também considerados como essenciais
no desenvolvimento da urbe desde fins do século XIX a evolução dos meios de
transporte, a geração de energia elétrica e a ampliação dos serviços financeiros
responsáveis pelo financiamento dessa empreitada (Dean, s/d.).
2. A necessidade de mão-de-obra especializada
Com a demanda da atividade cafeeira aliada ao processo de urbanização e
aos novos hábitos de consumo dos imigrantes (que formaram um grande
mercado consumidor), houve um grande aumento na atividade comercial na
cidade de São Paulo. Dentre os empreendimentos essenciais na ampliação dos
empregos no comércio destacam-se as firmas importadoras, que inicialmente
atuavam na importação e comércio.
No início, a economia do café quase não tinha capacidade industrial para
alimentar-se ou vestir-se. (...) o paulista comprava todos os produtos da
Europa e dos Estados Unidos, desde o mais básico até ao mais supérfluo.
(...) A preponderância dos artigos importados de comércio era apenas uma
conseqüência secundária do rápido crescimento do comércio de
exportação (Dean, s/d., p. 25).
Os mesmos importadores passaram posteriormente a financiar e distribuir a
produção industrial: “o importador era tão valioso para o fabricante em relação aos
seus mercados quanto o era em relação ao crédito que poderia proporcionar-lhe”
(Dean, s/d., p. 28).
Começam os investimentos na indústria, impulsionados pela ampliação do
mercado somado às variações cambiais que desfavoreciam a importação de
produtos de primeira necessidade. Em apenas cinco anos (de 1885 a 1889) foram
fundados mais estabelecimentos industriais na cidade do que nos 25 anos
anteriores (de 1850 a 1884):
11
Tabela 2
Cidade de São Paulo
Repartição dos estabelecimentos industriais,
segundo as datas de sua fundação: 1850 - 1919
Datas
1850-84
1885-89
1890-94
1895-99
1900-04
1905-09
1910-14
1915-19
Desconhecida
Estabelecimentos
39
55
138
161
334
414
1.038
1.867
99
Fonte: Emplasa, 2001, p. 76
No final do século XIX, os bens produzidos pelo parque industrial paulistano
eram fundamentalmente bens de consumo de primeira necessidade (tecidos,
produtos alimentícios e outros pequenos objetos de uso pessoal), destinados a
atender à demanda da atividade cafeeira. “As indústrias mais importantes eram,
de longe, as têxteis, não somente pelo número de fábricas, mas também pelo
número de operários que empregavam: mais de 20.000” (Pereira, 1967, p. 19). A
instalação de estabelecimentos de maior porte, dedicados também à fabricação
de bens intermediários e de produção ocorreu somente após a década de 1920.
Acompanhando tais mudanças, são fundadas em São Paulo, ainda no
século XIX, várias instituições, periódicos e associações ligadas ao comércio1:
Associação
Comercial
de
Santos
(1870);
Sociedade
Humanitária
dos
Empregados do Comércio de Santos (1879); Associação Comercial e Agrícola de
São Paulo (1884); Junta Comercial de São Paulo (1890); jornal O Commercio de
São Paulo (1893); Associação Comercial de São Paulo (1894) (sucessora da
Associação Comercial e Agrícola). Além dessa lista, destacam-se outras duas
sociedades que tiveram um papel ativo nas discussões sobre a criação de uma
escola de comércio em São Paulo e posteriormente na regulamentação da
1
Também fora de São Paulo observam-se eventos relevantes no desenvolvimento do comércio, como por exemplo a
fundação das Associações Comerciais do Rio de Janeiro (1809), da Bahia (1811) e do Pará (1819). Em 25 de junho de
1850 foi editada a Lei nº 556, que institui o Código Comercial Brasileiro. Nele, o guarda-livros passou a ser considerado um
agente auxiliar do comércio. “Pelo artigo 35, item 3, desse primeiro Código Comercial, ele também é considerado preposto
da Casa Comercial e, antes de entrar em serviço, deveria receber do empregador ou preponente uma nomeação por
escrito que, por sua vez, deveria ser inscrita no Tribunal do Comércio. Naqueles dias, não se falava em diplomados e nãodiplomados e, pelos registros da época, presume-se que a grande maioria dos Contabilistas ou guarda-livros era prático –
exerciam a profissão de forma empírica – ou, até mesmo, comerciante que usava rudimentos da Contabilidade para tocar
seus próprios negócios, mas que, apesar disso, já utilizava o método de partidas dobradas, na época conhecidas como
‘quarta fórmula’” (Jucesp, 2007). Posterior ao Código Comercial são fundadas a Associação Comercial do Maranhão
(1854), a Associação dos Guarda-Livros do Rio de Janeiro (1869) e a Junta Comercial do Rio de Janeiro (1875).
12
profissão de contador: a Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio de
São Paulo e o Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo (já existente em 1895).
Também se observa a preocupação na elaboração de obras que fossem
úteis na instrução para a atividade comercial. Em seu artigo, Alberto Rodrigues
faz um levantamento da “bibliografia das obras de contabilidade publicadas no
Brasil de 1836 a 1905” e elenca 31 obras, dentre elas duas de autoria do
professor Horácio Berlinck, um dos fundadores da Fundação Escola de Comércio
Álvares Penteado (Fecap): “Contabilidade aplicada às empresas comerciais,
industriais, financeiras e agrícolas”, de 1899 e “Questões comerciais”, de 1901
(Rodrigues, 1986, pp. 27-28).
Francisco D’Áuria (1929, pp. 2-3), ao fazer menção à bibliografia contábil,
divide a produção dos autores “patrícios” em dois períodos, sendo a do século
XIX considerada como empírica e a do início do século XX como introdutora da
“moderna contabilidade”:
Desejamos acenar os vários períodos e pôr em destaque a obra produzida
pelos autores patrícios. Dois são os ciclos das nossas obras sobre
contabilidade. O que antecedeu o Tratado de Escrituração Mercantil [de
1885], de Verediano de Carvalho, o posterior a este Tratado até o
presente. (...) O livro de Verediano fez época, tendo atingido a mais de
vinte edições. Com esta publicação encerrou-se o ciclo da contabilidade
empírica, no Brasil. O segundo ciclo abriu-se com as obras de Berlinck e
Carlos de Carvalho, autores cultos e primeiros expositores dos princípios
em que se assenta a moderna contabilidade. Isto data de 1900. Dai para
cá, numerosos livros têm vindo à luz da publicidade (...)2.
Em conseqüência desse processo de urbanização na capital paulista, com o
desenvolvimento do comércio, dos serviços e da indústria e a preocupação em
organizar e aprimorar essas atividades, emerge uma nova demanda na
sociedade:
empregados
qualificados
para
trabalhar
nas
empresas
e
administradores para gerenciá-las.
Os imigrantes ampliaram o mercado interno não somente pelo aumento
numérico da população, como pela introdução de novos hábitos de
consumo. Além disso, fundaram e desenvolveram boa parte das indústrias
instaladas em São Paulo nos princípios deste século. Afora a contribuição
como instaladores de indústrias, ainda forneceram grande parte da mãode-obra necessária, pois muitos deles eram operários qualificados e
artesãos em suas pátrias de origem (Pereira, 1967, p. 15).
2
Em todas as transcrições, a grafia dos originais foi atualizada, exceto em casos em que estão destacadas, demonstrando
a intenção do autor.
13
A burguesia passa a desempenhar um importante papel nessa “nova fase de
expansão dos mercados, que se consolida na segunda metade do século XIX”
(Deaecto, 2002, p. 92).
Ao determinar as atribuições do comerciante e, principalmente, ao lhe
conferir um caráter profissional, reafirma-se, no campo socioeconômico,
não apenas a emergência de uma classe, mas a sua imprescindibilidade
para o desenvolvimento das forças produtivas.
(...) os negociantes estavam propensos a uma maior especialização e
profissionalização de suas tarefas (Deaecto, 2002, pp. 92 e 94).
Nesse período também houve um crescimento dos serviços públicos, pela
criação de novos órgãos administrativos e aumento da burocracia (principalmente
após a proclamação da República e promulgação da Constituição Federal de
1891, em que os Estados passaram a ter autonomia em relação ao Governo
Federal), o que aumentou ainda mais a necessidade de mão-de-obra
especializada no setor público.
3. A evolução do ensino comercial no Brasil e em São Paulo
E onde as empresas e o Governo encontrariam os profissionais
especialistas? Uma das alternativas foi investir na instrução, pela criação de aulas
de comércio.
“As sementes para o ensino comercial e de Contabilidade no Brasil foram
lançadas no século XIX, com a vinda da Família Real Portuguesa, em 1808”
(Peleias, 2007, p. 22). Em novembro de 1808 foi criada uma cadeira de Aula
Pública de Ciências Econômicas no Rio de Janeiro, seguida da instituição, por
Alvará de 28 de junho de 1809, de Aulas de Comércio, as quais não chegaram a
ser verificadas na prática. Somente a partir da década de 1830 é que o Governo
Imperial passa a identificar de modo mais claro o que seriam as Aulas de
Comércio na capital, pela edição de diversos atos normativos, especificamente
entre 1835 e 1880 para regulamentar a Aula de Comércio da Corte, que
posteriormente se transformou no Instituto Comercial do Rio de Janeiro (Peleias,
2007, p. 31 e Rodrigues, 1986, p. 27)3.
3
Em 1835, são aprovados os Estatutos da Aula de Comércio da Corte, mantida pela Secretaria do Tribunal da Real Junta
de Comércio; Decreto nº 121/1842, regulamenta o provimento das cadeiras da aula do comércio; Decreto nº 456/1846,
aprova e manda executar o regulamento da aula de comércio da Cidade do Rio de Janeiro; Decreto, de 1846, regula a
carta de habilitação dos diplomados da aula de comércio; Decreto nº 769/1854, autoriza o governo a reformar a aula de
comércio da Corte e a elevar até a quantia de vinte mil réis a contribuição dos alunos; Decreto nº 1763/1856, cria o Instituto
14
Por ser um curso diurno e pago, o Instituto Comercial sempre funcionou com
um número reduzido de alunos, até a sua extinção em razão da fundação do
Curso Comercial do Imperial Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, em 26 de
junho de 1882, que oferecia o curso gratuito e em período noturno (o qual, no
primeiro ano, recebeu 478 candidatos à matrícula) (Bielinski, 2000, pp. 05-06). A
mesma autora transcreve o Relatório do Ministro de Estado que confirma a causa
da extinção do Instituto em 1882: "O Instituto Comercial há muito não funciona por
falta de alunos. Tendo o Liceu de Artes e Ofícios aberto as aulas para o curso
comercial, o governo resolveu extinguir o Instituto".
Quase todo o investimento inicial se verifica na capital. Fora dela, destaque
para as aulas de comércio no Maranhão (1831), Bahia (1846), Juiz de Fora (1891)
e Pará (1899).
A aula de Comércio no Maranhão, após tentativa fracassada em 1811, foi
restabelecida por Decreto de 02 de agosto de 1831, publicado em 04 de janeiro
de 1832. O novo lente, Estevão Raphael de Carvalho, lançou uns dos primeiros
livros sobre contabilidade de que se tem notícia, escrito e editado no Brasil (ACMMA, 2007 e Ricardino, 2008); na Bahia, foi criado em 1846 um “Curso de
Contabilidade por Partidas Dobradas e Geographia”, dirigido especificamente aos
comerciantes, seus filhos e empregados, suprindo uma falta aguda de guardalivros e elementos treinados em administração comercial (ACB, 2007); em 1891,
foi lançada a pedra fundamental da Academia de Comércio de Juiz de Fora - MG,
por Francisco Batista de Oliveira. Em 1894, foi inaugurada a sede da Academia
(Academia de Comércio de Juiz de Fora, 2007); e, em 1899, foi fundada a Escola
Prática de Comércio do Pará (ACP, 2007).
No século XIX, não houve em São Paulo nenhuma instituição oficial de
ensino comercial, embora tenha havido algumas tentativas.
Desde 1865, falava-se na criação de um curso de comércio na cidade de
São Paulo. Todavia, enquanto a municipalidade alegava falta de recursos,
os governos provinciais, bem como, posteriormente, também os estaduais,
protelavam o atendimento da solicitação (Fazoli Filho, 1992, p. 17).
Comercial do Rio de Janeiro, em substituição à Aula de Comércio da Corte; Decreto nº 2741/1861, dá nova organização ao
Instituto Comercial do Rio de Janeiro; Decreto nº 3058/1863, dá novos estatutos ao Instituto Comercial do Rio de Janeiro;
Decreto nº 7538/1879, extingue as cadeiras de francês, inglês, alemão, caligrafia e matemáticas e os lugares de Diretor,
Secretário e Porteiro do Instituto Comercial; e Decreto nº 7679/1880, altera os estatutos do Instituto Comercial do Rio de
Janeiro, baixados pelo Decreto nº 3058/1863.
15
João Pedro da Veiga Filho, em nota de rodapé de seu artigo “Escola de
Comércio em S. Paulo”4, cita o primeiro trabalho publicado sugerindo a criação de
uma escola na capital, no jornal Diário do Comércio, do qual lhe confiaram a
redação:
Vide os primeiros números deste jornal, a partir de 7 de abril de 1890. Ai
encontra-se o primeiro trabalho publicado sugerindo a idéia da fundação
de uma Escola de Comércio nesta Capital (Veiga Filho, 1907, p. 26).
Todas as iniciativas nesse período ficaram a cargo de instituições
particulares, que ofereciam “aulas de comércio” para atender a essa demanda de
profissionais, como as do Colégio Atheneu Paulista, o Mackenzie College e a
Escola Politécnica de São Paulo.
O “Curso Superior de Comércio” do Mackenzie foi criado em 1886,
sucedendo a “classe de comércio” que existia desde 1880, por Horácio Lane e
“visava preparar profissionais adestrados para altos cargos do Comércio Cafeeiro
de Santos e São Paulo, notadamente nas casas Comissárias”.
Com o início do Curso de Engenharia [em 1896] a maioria dos estudantes
do Curso Comercial transferiu-se para essa Escola.
O currículo do Curso Comercial, de 2 anos, constava das seguintes
cadeiras: Elementos de Escrituração Mercantil, Geografia Comercial e
Matemática Comercial, no primeiro ano; História do Comércio, Direito
Comercial e Economia Política, no segundo ano.
O Curso Superior de Comércio foi transformado em 1902, na Escola de
Comércio (Garcez, 1970, p. 138).
Já a Escola Politécnica de São Paulo dava o título de contador para os
alunos que concluíssem o curso geral de um ano. Entre 1894 e 1918, formou 282
contadores (Motoyama, 2004, p. 62).
Tratava-se de cursos, e não de uma escola regular dedicada ao ensino
comercial propriamente dita. No início do século XX porém, as ofertas existentes
de classes comerciais pareciam não atender a tal demanda e “crescia a agitação
em torno da idéia de organizar as atividades comerciais paulistas” (Carvalho,
2005, p. 80), especificamente da necessidade da criação de uma escola de
comércio, como demonstra Veiga Filho, em seu artigo de 1901:
4
Este artigo de Veiga Filho, datado de 19 de dezembro de 1901, foi originalmente publicado na Revista da Faculdade de
Direito e reproduzido em forma de livro, em edição especial, pela Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio e
Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo. Para este trabalho, foram consultadas outras duas reproduções, uma na revista
“Edição Comemorativa do Lançamento da Pedra Fundamental da Escola de Commercio Alvares Penteado em 30 de maio
de 1907”, publicada em 1907 (citada) e outra no livro “Histórico da Fundação, Solenidades Comemorativas do 30º
Aniversário e Constituição Atual da Escola de Comércio ‘Alvares Penteado’”, publicado em 1932.
16
Por estarmos plenamente convencidos dos inestimáveis proveitos que,
para o Estado de S. Paulo, podem advir da fundação de uma Escola de
Comércio, nesta capital, desde 1890, em que nos confiaram a redação do
<Diario do Comércio>, até hoje, sempre temos propugnado pela realização
de tão momentoso empreendimento (Veiga Filho, 1907, p. 26).
Depois de pouco mais de quatro meses, em 25 de abril de 1902, foram
aprovados os estatutos da primeira escola especializada no ensino comercial do
Estado de São Paulo, em reunião ocorrida na Sociedade Humanitária de
Empregados do Comércio, na capital (anexo 4).
Em 1º de junho de 1902 ocorreu a sessão solene de inauguração da “Escola
Prática de Commercio de São Paulo”5, em imóvel oferecido por Eduardo Prates,
para ser a primeira sede da escola. Já vale apontar o relacionamento existente
entre essas figuras: Eduardo Prates foi o primeiro secretário da Associação
Comercial e Agrícola de São Paulo, a qual teve como primeiro presidente Antonio
da Silva Prado. Este, por sua vez, era vizinho de fazenda de Álvares Penteado,
que viria a se tornar o quarto presidente da Associação Comercial de São Paulo
(sucessora da Associação Comercial e Agrícola). O início das aulas se deu em 15
de julho de 1902, com um grupo de 216 alunos e um corpo docente formado por
aproximadamente trinta pessoas (Fazoli Filho, 1992, p. 26).
4. Definição do tema e das questões
Expostos os acontecimentos relevantes do século XIX que justificaram a
criação de uma escola de comércio na capital paulista, segue explanação sobre a
definição do tema e as questões que nortearam a pesquisa.
O presente trabalho teve como objeto o estudo da Fundação Escola de
Comércio Álvares Penteado (Fecap) de 1902 até o advento do Decreto Federal nº
20.158, de 30 de junho de 1931, que organiza o ensino comercial e regulamenta a
profissão de contador no país. Visa compreender, analisando esta instituição de
ensino privada, o ensino comercial em São Paulo em um período em que
praticamente não há qualquer regulamentação estatal ou instituição oficial que
ministrasse tal modalidade de ensino.
5
Quando da sua fundação, a Fecap recebeu a denominação de “Escola Prática de Commercio de São Paulo”, a qual foi
alterada em 1905 para “Escola de Commercio de São Paulo”. Em 05 de janeiro de 1907, em homenagem ao conde Álvares
Penteado, que no ano anterior havia doado o terreno e assegurado a construção da nova sede da escola, passa a se
chamar “Escola de Comércio Álvares Penteado”. Em 08 de dezembro de 1923, os estatutos da “Associação Civil Escola
Prática de Comércio Álvares Penteado” foram alterados para “Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado”, surgindo
assim, a sigla Fecap que perdura até hoje (2008), a qual será utilizada para designar a escola em todo o período estudado.
17
Se passarmos do campo do ensino profissional para o ensino destinado à
preparação para as atividades técnicas comerciais, a primeira impressão
que se colhe é que o Estado que às vezes atribui a si, a ponto de absorvêla, a tarefa da educação, deixou este departamento do ensino inteiramente
ao cargo da iniciativa privada. O Estado, vendo que pelo esforço particular,
rompiam por toda parte, escolas de comércio, cruzou os braços e respirou
satisfeito... (Azevedo, 1960, p. 178).
Esses 29 anos correspondem ao período que abrange a fundação da
primeira instituição especializada em ministrar o ensino comercial no Estado de
São Paulo, a qual posteriormente ganhou prestígio e passou a ser tida como
modelo para as outras instituições (conforme será demonstrado), até o advento
de uma norma federal que organizou o ensino comercial no país e reconheceu a
profissão de contador, em 1931. Até então, não apenas a Fecap, mas todas as
instituições que ministravam o ensino comercial no país possuíam grande
flexibilidade na elaboração dos chamados “cursos comerciais” ou das “aulas de
comércio”.
No primeiro momento, o foco foi na fundação da Fecap. Quais foram as
pessoas envolvidas na instauração da nova escola, suas biografias, rede de
relacionamentos
e
expectativas
que
depositavam
no
ensino
comercial.
Posteriormente foi elaborada a evolução histórica da escola, apontando o seu
posicionamento, pelos depoimentos de seus dirigentes e professores, nos
principais debates ocorridos acerca do ensino comercial e da regulamentação da
profissão de contador. Investiga-se os fatores que fizeram da Fecap uma
instituição-modelo propagadora do saber técnico comercial, e que posteriormente
se tornou a sede de um grupo, porta-voz de um novo extrato da sociedade que
passou a se organizar e adquirir identidade.
Em um segundo momento, foi analisado o desenvolvimento dos cursos
oferecidos pela Fecap, relacionando os regulamentos e as atividades práticas da
instituição com as poucas tentativas do Estado em regulamentar o ensino
comercial, até o advento do citado Decreto nº 20.158/31.
Na história da educação da Primeira República, o ensino das ciências
econômicas e comerciais apresenta esta particularidade: apenas em três
momentos - 1905, 1923 e 1926 - a União traçou algumas normas para o
ensino das ciências econômicas e comerciais e, mesmo assim, eram
normas que atingiam instituições privadas que, a partir daí, passaram a ser
diretamente fiscalizadas pela União. Inexistiu, portanto, durante todo o
período, instituição oficial, do governo federal, destinada a ministrar o
ensino técnico nessas especialidades (Nagle, 1976, p. 176)
18
No período pesquisado, até o decreto de 1931 - divisor de águas na história
do ensino comercial -, foram publicados quatro decretos federais, que não
retiraram das instituições o caráter de autonomia: 1.339, de 09 de janeiro de
1905; 1.423, de 27 de novembro de 1905; 4724-A, de 23 de agosto de 1923; e
17.329, de 28 de maio de 1926.
O Decreto nº 1.339, com apenas três artigos, declara de utilidade pública a
Academia de Comércio do Rio de Janeiro e a Escola Prática de Comércio de São
Paulo (ambas fundadas em 1902), determina a existência de dois cursos: um
geral e outro superior, estipulando a grade curricular de cada um deles e
reconhece os diplomas conferidos por estas instituições, além das já extintas
Instituto Comercial do Rio de Janeiro e Academia de Comércio de Juiz de Fora.
No mesmo ano, o Decreto nº 1.423 estende à Escola Comercial da Bahia,
fundada em 12 de março de 1905, as disposições do Decreto nº 1.339. O Decreto
nº 4.724-A, com cinco artigos, equipara os diplomas conferidos pela Academia de
Ciências Comerciais de Alagoas e por outras instituições aos da Academia de
Comércio do Rio de Janeiro. Em seu artigo 3º dispõe que “o Governo instituirá
desde já a fiscalização destes e demais estabelecimentos congêneres já
reconhecidos”. São os primeiros sinais de intervenção do Estado no ensino
comercial. Em 28 de maio de 1926 é publicado o Decreto nº 17.329, com 19
artigos, que apesar de manter os mesmos cursos previstos no decreto de 1905,
traz inovações: determina o período de quatro anos para o curso geral e de três
anos para o superior, divide as disciplinas em cadeiras e as distribui pelos anos
(grade ampliada), determina o número de aulas mínimas, em cada disciplina, por
ano, prevê obrigações administrativas às instituições, além de disciplinar a
nomeação de fiscais pelo Ministério da Agricultura, a fim de fiscalizar os
estabelecimentos de ensino comercial. Embora tenha trazido relevantes
alterações, este decreto teve um período de vigência curto, de 1º de julho de 1926
a 09 de julho de 1931.
Finalmente, com o Decreto nº 20.158 é alterada toda a estrutura do ensino
comercial do país. Em seus 82 artigos, o Estado (re)organiza o ensino comercial,
trazendo nova divisão de cursos em propedêutico, técnicos (secretário, guardalivros, administrador-vendedor, atuário e perito-contador), elementar do auxiliar do
comércio
e
superior
de
administração
e
finanças,
passando
a
atuar
19
definitivamente como regulador. É o fim do período de autonomia das instituições.
Também dispõe sobre o regime escolar, determina a criação da Superintendência
do Ensino Comercial, com a finalidade de fiscalizar os estabelecimentos e
regulamenta a profissão de contador.
E como essas normas foram absorvidas pela Fecap? Houve real eficácia
desses mandamentos, especificamente em relação aos cursos? Essas são outras
questões que nortearam a presente pesquisa. A Fecap, instituição privada que
gozava de prestígio, teve que se adequar às normas ou então, considerando-se o
inverso, influenciou o legislador, servindo de padrão real à lei? Essas perguntas
foram respondidas mediante análise dos estatutos e regulamentos da instituição,
juntamente com as pastas de alunos, em que constam fichas anuais contendo o
curso, disciplinas, notas e presença e posterior comparação com os decretos. No
quadro da evolução dos cursos também foi analisado o perfil dos alunos e as
possíveis carreiras que poderiam seguir ao concluir o curso comercial.
As fontes analisadas indicam grandes transformações do ensino comercial
ministrado pela Fecap no início do século XX, acompanhando as próprias
transformações da sociedade. Na época de sua fundação, a Fecap era procurada
por jovens letrados, provenientes de uma parcela da sociedade que ascendia
econômica e politicamente, que buscavam no ensino técnico comercial a
especialização necessária para atingir altos cargos na administração pública e
privada. Para atender a essa demanda, foi oferecido um único curso, com três
anos de duração, pago. A grade curricular, bastante simplificada, resumia-se ao
ensino prático de línguas, matemática, contabilidade, geografia, estatística,
ciências naturais, noções de economia política e finanças e legislação. No final do
período pesquisado, são observadas mudanças em todos os elementos
abordados, o que significa não somente o desenvolvimento do ensino comercial,
mas principalmente o desenvolvimento das relações sociais na metrópole
paulistana: por exemplo o perfil dos alunos, que era predominantemente
masculino, passa a ser também feminino; a categoria social a que pertenciam; a
ampliação dos cursos e seu tempo de duração; e a amplitude da grade curricular.
Pelo exposto, o objetivo da pesquisa foi o estudo da Fecap e, através dela,
compreender o ensino comercial em São Paulo, no período de 1902 a 1931. As
perguntas que nortearam a presente pesquisa foram:
20
- Quais foram os idealizadores da criação de uma escola de comércio em
São Paulo? Qual a sua rede de relacionamentos e quais as expectativas que
depositavam no ensino comercial?
- A Fecap legitimou-se como instituição credenciada na transferência do
saber comercial no período? O que era entendido como “ensino técnicocomercial”, e quais foram os cursos oferecidos e seu desenvolvimento? Quais as
profissões para as quais formava a Fecap?
5. Descrição das fontes e seu tratamento
A fim de buscar as respostas às questões propostas no item anterior, foram
consultadas fontes de quatro tipos, e origens diferentes: os documentos
administrativos produzidos pela instituição, a legislação federal e estadual, os
artigos e anúncios publicados em revistas especializadas e jornais da época, e a
bibliografia acerca da Fecap e do ensino comercial (produzida pela instituição e
fora dela).
A Fecap possui seu acervo histórico preservado, com vasto material, o qual
se encontra atualmente dividido em três setores da instituição: o museu, o arquivo
morto do colégio e a biblioteca.
No museu foram consultados o “Livro de Registro de Diplomas nº 1”, onde
constam os diplomas de todos os cursos, registrados entre 1905 e 19316; os
estatutos da instituição de 1902 e os Regulamentos de 1903 e 1921 (que trazem,
entre outras coisas, dispositivos sobre o objetivo da escola, os cursos, a grade
curricular, a administração, os professores e os exames), o livro “Edição
Comemorativa do Lançamento da Pedra Fundamental da Escola de Commercio
Alvares Penteado em 30 de maio de 1907”, além de exemplares da Revista
Paulista de Contabilidade e Revista Brasileira de Contabilidade.
No arquivo morto do colégio encontram-se as pastas individuais de cada
aluno, organizadas por ordem alfabética (até aproximadamente a década de
1930, quando passam a ser organizadas por ano). As “pastas dos alunos” contêm
6
A primeira formatura da Escola e respectiva sessão solene foram divulgadas no jornal Correio Paulistano de 06 de agosto
de 1905. Nessa matéria, foram registrados os nomes dos primeiros alunos que concluíram o curso comercial. Ao buscar o
nome desses 21 formandos no Livro Registro de Diplomas, observou-se que dos 21 formados, apenas sete têm diplomas
registrados no respectivo livro. Não foi possível identificar se os outros alunos chegaram a possuir o diploma e não o
registraram ou então, nem mesmo o obtiveram. De qualquer forma, conclui-se dessa observação que o número de
diplomas registrados não corresponde ao número de formandos e que neste período, o diploma poderia não ter o mesmo
valor documental que hoje possui (2008).
21
documentos pessoais dos alunos e administrativos da escola, como certificado de
vacinação, certificado escolar, certidão de idade, requerimento de matrícula,
recibo de pagamento de matrícula, fichas dos alunos, boletins etc. Foram
privilegiadas as fichas dos alunos e os boletins. Nas fichas, uma para cada ano,
constam o curso, nome do aluno, idade, data de nascimento, filiação, naturalidade
e endereço, além das informações das notas de cada disciplina e freqüência. Nos
boletins, as disciplinas, notas e freqüência. Para o presente trabalho foram
consultadas cinco caixas, contendo 40 pastas cada uma, além de algumas
consultas aleatórias, visando obter informações específicas de um aluno ou
período específico (anexos 1, 2 e 3).
Na biblioteca foi possível consultar o livro “Escola de Comércio ‘Alvares
Penteado’ 1902-1910”, com informações sobre a escola, tipos de cursos e
períodos, requisitos para a matrícula, horário das aulas para o ano letivo de 19101911, taxas de matrícula e mensalidades, além de 19 fotos das instalações, aulas,
professores e alunos; o livro “Histórico da fundação, solenidades comemorativas
do 30º aniversário e constituição atual da Escola de Comércio ‘Alvares
Penteado’”, de 1932, contendo breve histórico da instituição, discursos de
professores, notícias da imprensa, descritivo do edifício e algumas fotos; além dos
livros comemorativos dos cinqüenta, noventa e cem anos da instituição.
Além da documentação administrativa da instituição e livros comemorativos,
também foram consultadas as normas federais que regulamentaram o ensino
comercial no país, no período de 1905 a 1931: Decretos nºs 1.339/1905,
1.423/1905, 4.724-A/1923, 17.329/1926 e 20.158/1931, além do Decreto Estadual
nº 969/1905, que não trata especificamente do ensino comercial, mas concede
favores à Fecap.
Ainda foram consultados artigos e anúncios publicados em revistas
especializadas (Revista Brasileira de Contabilidade, Revista Paulista de
Contabilidade, Revista de Commercio & Industria e Revista da Associação
Comercial de São Paulo) e jornais da época (Commercio de São Paulo, O Estado
de S. Paulo, A Platéia, Correio Paulistano), além de sítios eletrônicos,
principalmente na busca de informações sobre a criação de instituições ligadas ao
comércio no Brasil e biografia de personagens relevantes no ensino comercial.
Finalmente, publicações referentes à história do ensino comercial e da
Contabilidade no Brasil, efetuadas tanto por pesquisadores da história da
22
educação, quanto por estudiosos do ensino da contabilidade, a qual parece ser
ainda escassa em relação às possibilidades de tema existentes.
Diante da quantidade e diversidade do material a ser pesquisado, faz-se
necessária especial atenção na análise, a fim de obter de cada tipo de fonte, com
credibilidade, informações que úteis na escrita da história da Fecap e do ensino
comercial em São Paulo.
Ragazzini (2001, p. 15) ensina que a fonte pode ser representada como um
“complexo estratificado composto de vários níveis de relações, no qual todos os
elementos que compõem cada um dos níveis estão correlacionados”. Para ele
são três níveis essenciais:
1. As relações nas quais nasce e se produz o documento;
2.1 As relações que, no âmbito dos acontecimentos, selecionam o
documento;
2.2 As relações que, no âmbito dos acontecimentos, conservam,
inventariam, catalogam o documento;
3. As relações do leitor-intérprete com as suas questões e com os
destinatários dos seus estudos (estado da pesquisa, hipóteses, resultados,
metodologia, interesses, estilo etc).
Da documentação produzida pela Fecap é possível se extrair uma série de
informações, principalmente as referentes ao funcionamento da instituição:
regulamento, número de alunos, sexo, idade, valores dos cursos, grade curricular
etc. Porém, isoladamente, ela não é suficiente para enfrentar as questões
propostas. Há artigos em revistas especializadas em contabilidade e em jornais
que trazem artigos de personalidades ligadas direta ou indiretamente à Fecap
(professores, contadores, empresários) e ainda debates sobre a importância da
regulamentação e do reconhecimento da profissão de guarda-livros.
Assim, especial atenção é devida na interpretação de cada tipo de fonte,
para não se deixar trair por falsas conclusões, devido ao envolvimento com o
tema e personagens. Como grande parte do material foi produzido pela própria
instituição, é necessário ter cautela no momento de sua análise.
Os livros comemorativos de trinta, cinqüenta, noventa e cem anos da Fecap,
sem dúvida trazem informações importantes referentes à sua fundação,
desenvolvimento dos cursos e pessoas envolvidas, mas muitas vezes estas são
subjetivas e carregadas de valores, resultado de análises parciais de seus autores
(como é comum observar nas obras comemorativas, cheias de adjetivações e
exaltando seus personagens). Para tanto, procurou-se sempre utilizar essas
23
fontes como indícios, buscando-se em outras a sua confirmação, ou então tirar
delas ilustrações ao invés de conclusões, como foi no caso das biografias.
No material administrativo, assim chamadas as pastas dos alunos, outro tipo
de filtro é necessário. Não parece que foram produzidos para enaltecer um
personagem ou glorificar a história de sua instituição. Todavia, como todos os
documentos dependiam da escrituração manual dos funcionários, a atenção deve
ser redobrada. Houve, por exemplo, a constatação de que as matérias de um
determinado ano e curso de um mesmo aluno não eram as mesmas,
comparando-se as da ficha com as do boletim. Para dirimir esse tipo de dúvida,
foi necessário encontrar outros alunos cursando o mesmo ano e observar as suas
fichas e boletins.
Quanto às normas jurídicas, não foi possível analisar as atas do congresso
para verificar os debates que se travaram (se houve) e os responsáveis pela sua
elaboração. Nesse estudo foi possível interpretá-las e saber até onde foram
aplicadas na prática. Uma conclusão é segura: não se pode simplesmente
estudar uma modalidade de ensino pelas normas que a regulam (ou pretendiam
regular). Em primeiro lugar, porque nem sempre é possível saber como elas
foram criadas, qual foi a intenção do legislador e os interesses por trás delas;
após sua aprovação deve-se observar se realmente foram aplicadas; e, por
último, como se deu a absorção destas regras pela sociedade. A escolha do
decreto de 1931 como marco final deste trabalho se deve ao fato de que foi
verificada, na prática, a sua eficácia, o que não ocorreu da mesma forma com os
seus antecessores. Essa é a razão pela qual pode ser considerado um marco
divisor da história do ensino comercial em nosso país.
Com referência aos artigos publicados em revistas especializadas e jornais,
por profissionais que formavam um novo grupo na sociedade paulistana, outras
considerações devem ser postas. Ao analisar a evolução dos discursos
(inicialmente defendendo a criação da escola e depois a regulamentação da
profissão de contador), verifica-se que na maioria dos casos é possível relacionar
o autor ou o veículo utilizado ao pequeno grupo que se organizava. Participavam
de determinada associação comercial, eram professores da Fecap ou amigos
políticos. A rede de relacionamento era estreita, da mesma forma que os assuntos
por eles tratados. A percepção é que se tratava de um único grupo, coeso em
suas opiniões e que, embora tivesse algumas divergências em determinados
24
pontos, apontava para um mesmo fim. Não parece, pelo material consultado, que
tenha existido outro grupo no mesmo período com idéias conflitantes, que utilizou
outros meios para expressar suas opiniões. Nos jornais, além de artigos, também
se observa a existência de material publicitário, editais e anúncios.
6. Estrutura da dissertação
O primeiro capítulo - Personagens, redes de relacionamento e debates em
torno do tema ensino comercial - buscou apresentar, primeiramente, a biografia
dos fundadores da Fecap, além de outras pessoas que foram relevantes na sua
história, e relacioná-las a fim de estabelecer onde essas figuras se encontravam e
a razão pela qual decidiram se unir em torno do tema ensino comercial.
Identificados alguns dos agentes, o foco passa a ser a sua organização até a
fundação da escola. Desde os debates anteriores a ela, como pensavam que
deveria ser o curso comercial, suas influências, as tentativas de conseguir junto
ao poder público essa iniciativa, até a fundação da sociedade que foi responsável
pela aprovação de seus estatutos.
Como o número inicial de matrículas parece ter superado às expectativas, os
esforços passaram a se concentrar na construção ou aquisição de uma nova
sede, até que em dezembro de 1908, é inaugurado o “Palácio do Comércio”,
“habitat” aos que pretendiam seguir na carreira comercial (nas palavras de Veiga
Filho). Da inauguração da sede em 1908 até o início dos anos 1920, não houve
grandes alterações na estrutura e funcionamento da escola. Passou-se então a
ser observado quais foram os novos temas de discussão. Do lado do ensino
comercial, a crítica se dava à multiplicação de cursos comerciais e, como não
havia nenhuma padronização dos cursos ou grade curricular mínima, nem
fiscalização do poder público, o caráter mercantilista que havia se tornado o
ensino. De outro lado, o grupo começa a se organizar, através de instituições e a
publicar revistas especializadas. Posteriormente verifica-se um maior número de
discursos que tratam da importância da profissão contábil para o desenvolvimento
do país e a necessidade de sua regulamentação pelo Estado. Passam a cobrar
dele
também
a
intervenção
na
disciplinarização
do
ensino
comercial,
determinando sua estrutura, cursos e grade curricular, além de fazer o papel de
fiscalizador. Essas reivindicações são atendidas, eficazmente somente em 1931.
25
O segundo capítulo - O desenvolvimento do ensino comercial, cursos e
profissões - tratou de observar como se deu o desenvolvimento do ensino
comercial na cidade de São Paulo, tendo a Fecap como modelo. O que se
entendia como curso comercial e quais foram os cursos oferecidos no decorrer
dos seus primeiros 29 anos de existência, em que praticamente não existiu
qualquer regulamentação estatal. Interessante é a observação de que se tratava
de ensino técnico, pois visava a prática de uma profissão, mas que não foi
destinado (pelo menos nos primeiros anos de existência) às camadas pobres da
sociedade, com o objetivo de retirar os menores da rua e dar-lhes uma profissão.
Trata-se, por hipótese, de uma modalidade de ensino intermediária, situada entre
os cursos de Medicina, Direito e Engenharia e o ensino técnico industrial.
Quanto aos cursos oferecidos, de um único de três anos, passou-se para
uma estrutura complexa de oito cursos, que totalizavam, em caminhos diferentes,
vinte anos de ensino. Neste percurso, são analisados os cursos dispostos em
regulamentos da instituição, sua verificação na prática e relação com os
mandamentos legais a fim de ser traçado, ao final, um quadro comparativo dessa
evolução. Juntamente à evolução dos cursos, demonstra-se o desenvolvimento
das relações sociais que justificavam essa ampliação, o perfil dos alunos e para
quais profissões eles estariam habilitados ao se formarem pela Fecap. O próprio
conceito de ensino comercial se transformou muito em apenas três décadas.
Na conclusão, procura-se responder às questões propostas, a fim de
contribuir ao estudo da História da Educação Brasileira e apontar expectativas
para novos trabalhos. É certo que o tema ensino comercial é um campo ainda
pouco explorado e portanto, com grandes possibilidades de pesquisa.
26
CAPÍTULO I
Personagens, redes de relacionamento e
debates em torno do tema ensino comercial
1.1. Os fundadores e a criação da Fecap
Analisando a história da Fecap, observa-se que tiveram destaque na sua
criação quatro personalidades: Conde Antônio de Álvares Leite Penteado,
senador Antônio de Lacerda Franco, Dr. João Pedro da Veiga Filho e Prof.
Horácio Berlinck. Em vários discursos são citados como os responsáveis pela sua
fundação, como no proferido por Antonio Teixeira, professor de Direito Comercial,
Economia Política e Estatística da Escola de Comércio do Mackenzie College7:
Na verdade, Veiga Filho concebendo a idéia de fundar a Escola de
Comércio; Horácio Berlinck e Lacerda Franco, este, estimado e influente
chefe político apadrinhando-a e contribuindo poderosamente para a sua
fundação; e, finalmente, Álvares Penteado dotando-a com um belo e
esplêndido edifício, tornaram-se credores da estima e consideração de
seus concidadãos.
(...) se reuniram em gabinete reservado os membros da Congregação da
Escola e outros cavalheiros, trocando-se ainda muitos brindes à imprensa,
ao sr. conde Álvares Penteado, ao senador Lacerda Franco, dr. Veiga
Filho e Horácio Berlinck. (Fecap, 1907, pp. 20-23)
Antônio de Álvares Leite Penteado (Mogi-Mirim-SP, 03 de fevereiro de 1852 Paris, 25 de maio de 1912). Casou-se com Anna Paulina Lacerda Penteado (irmã
do senador Antônio de Lacerda Franco), com quem teve cinco filhos: Antonieta,
Silvio, Armando, Stella e Englantina. Foi agricultor em Palmeiras, formando a
importante “Fazenda Palmares”, tendo como vizinho o conselheiro Antônio Prado
(suas três filhas casaram-se com três filhos do conselheiro). Cafeicultor
competente, soube fazer a passagem do capital agrário para o industrial. Em
1890, mudou-se para São Paulo e em 1892 funda a Fiação de Juta Santana e a
Manufatura de Lã Penteado. Também investiu em outros setores, como na
construção do Teatro Paulistano e no Grande Hotel Rotisserie Sportsman. Foi o
quarto presidente da Associação Comercial de São Paulo, na gestão 1899/1901 e
por muitos anos diretor da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Em 1907,
recebe duas homenagens: uma da prefeitura de São Paulo, que pela Lei nº 977
7
Discurso proferido na comemoração do lançamento da pedra fundamental do edifício da Fecap, publicado originalmente
no jornal Correio Paulistano de 31 de maio de 1907 e posteriormente em livro editado pela Fecap.
27
altera a denominação da Rua do Comércio, uma das mais populares do centro de
São Paulo, para Rua Álvares Penteado e outra do Papa Pio X, que lhe confere o
título de Conde Romano e as insígnias de condecorações das Ordens de São
Gregório Magno e do Santo Sepulcro. Em 07 de dezembro de 1908, assina com
sua esposa a escritura de doação do terreno e do edifício à Sociedade Escola de
Comércio Álvares Penteado.
Antônio Lacerda Franco (Itatiba-SP, 13 de junho de 1853 - São Paulo-SP, 19
de maio de 1936). Transferindo-se muito jovem para Araras, dedicou-se até 1882
à agricultura e à política local. Ardoroso defensor das idéias republicanas e
abolicionistas fundou nessa cidade o Partido Republicano, sendo eleito vereador
e presidente da câmara em várias legislaturas. Logo após a proclamação da
República veio para a capital paulista e fez parte da Comissão Permanente do
Partido a que se filiara definitivamente. Eleito senador estadual em 1892,
conservou-se nesse posto por longos anos, só o deixando quando eleito para a
senadoria federal, cargo exercido de 1924 a 1930. Fora da política, dirigiu a casa
comissária Lacerda Franco & Cia. e foi um dos fundadores do Banco União, da
Companhia Telefônica Brasileira, do Conservatório Dramático e Musical, da
Escola Livre de Sociologia e Política, do Automóvel Clube de São Paulo e da
Sociedade Hípica Paulista, além de ter sido o primeiro vice-presidente da
Associação Comercial de São Paulo. Cunhado do Conde Álvares Penteado, foi
um dos idealizadores da Fecap, além de ter sido eleito seu primeiro diretorpresidente. Presidiu ainda várias companhias industriais e dirigiu o Correio
Paulistano e O Commercio de São Paulo. À Santa Casa de Misericórdia prestou
notáveis serviços como mesário, escrivão e provedor, cargos que desempenhou
sucessivamente desde 1894 até os últimos dias de sua vida.
João Pedro da Veiga Filho (Campanha-MG, 18 de maio de 1862 - São
Paulo-SP, 1911). Matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1881,
recebendo grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em 1886. Durante o
curso militou na imprensa acadêmica e fez parte de vários clubes de estudantes
conservadores. Redigiu o “Diário Mercantil”, de importante circulação. Formado,
estabeleceu seu escritório de advocacia em São Paulo. Em 1893, em concurso
alcançou
nomeação
de
professor
da
Faculdade
de
Direito.
Exerceu
continuadamente a advocacia, ocupou os cargos de vereador na Câmara
Municipal de São Paulo e deputado estadual. Foi secretário da Associação
28
Comercial de São Paulo e da Sociedade Paulista de Agricultura, além de
integrante da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio de São
Paulo. Em 1897, enquanto vereador de São Paulo, foi procurado por
representantes do comércio, tendo à frente o presidente do Grêmio dos GuardaLivros de São Paulo - Prof. Horácio Berlinck, com um memorial solicitando a
abertura de uma escola de comércio, a qual restou infrutífera em razão da falta de
verbas municipais. Em 1901 publicou um livro “Escola de Comércio de São Paulo”
no qual exprime todo o pensamento da classe comercial sobre a necessidade da
fundação da escola. Foi também autor de diversas obras, muitas delas
relacionadas às finanças.
Horácio Berlinck (Brusque-SC, 17 de janeiro de 1868 - São Paulo-SP, 20 de
setembro de 1948). Fez seus primeiros estudos em Florianópolis, seguindo para o
Rio de Janeiro onde os concluiu. Em fevereiro de 1888 veio para São Paulo,
contratado pelo governo do Estado para tratar de questões ligadas à imigração.
Posteriormente, trabalhou na contabilidade de empresas comerciais e industriais
(inclusive nas de Álvares Penteado) e foi administrador do Banco União (fundado
por
Lacerda
Franco),
“completando
seu
aprendizado
com
contadores
estrangeiros, normalmente escoceses” (Fazoli Filho, 1992, p. 94)8. Em 1895, foi
nomeado professor de Contabilidade Geral da Escola Politécnica de São Paulo,
onde lecionou por 32 anos até sua aposentadoria em 1927. Casou-se em 1899
com Benedita Olívia de Godói, com quem teve cinco filhos: Cyro, Noemi, Ruth,
Nelson e Maria de Lourdes. Um dos mentores da fundação da Fecap, foi seu
diretor em diferentes níveis, de secretário a presidente, da fundação em 1902 até
sua morte em 1948. Em 1919 representou o Brasil no 1º Congresso Americano de
Expansão e Ensino Comercial, ocorrido em Montevidéu. Em 1922 recebeu o grau
de Doutor Honoris Causa em Ciências Econômicas pela Universidade Nacional
de Buenos Aires. Foi ainda conselheiro da Sociedade Humanitária dos
Empregados do Comércio de São Paulo, presidente do Grêmio dos Guarda-Livros
de São Paulo, membro do Instituto de Contabilidade da França, teve suas obras
premiadas com medalha de ouro e adotadas nas escolas na Itália e presidente de
honra em vários congressos internacionais. A convite do governo brasileiro,
8
Berlinck ensina que “A honra, de quem primeiro legalizou a profissão de contador, pertence aos Escoceses, que
conseguiram, em 1854, um privilégio para a “The Society of Accountants”, de Edimburgo, privilégio que foi mais tarde
ampliado e concedido ao “The Institute of Chartered Accountants” (...)” (Berlinck, 1920, pp. 445-446).
29
colaborou nas reformas no ensino comercial de 1905, 1926 e 1931. Deixou
apreciadas obras, dentre as quais: “Contabilidade Aplicada às Empresas
Comerciais, Indústrias, Financeiras e Agrícolas”, “Tratado de Seguros” e
“Matemática Comercial e Financeira”.
Ao analisar as biografias desses quatro personagens, nota-se que embora
tenham formações e origens distintas, acabam se unindo em torno do ideal da
educação para a criação da escola de comércio. O primeiro, famoso cafeicultor e
industrial paulista, enviou seus filhos à Inglaterra para adquirirem instrução
comercial, que acreditava ser fundamental para o século XX (o que demonstra
sua preocupação com a educação); já Lacerda Franco, que inicia sua carreira
como agricultor, segue para a política e se torna o primeiro diretor da Fecap;
Veiga Filho, advogado, também atuou na política, sempre ligado nas questões
comerciais e financeiras; e Horácio Berlinck, que dedicou sua vida ao magistério,
completa a formação do grupo que representou a classe comercial de São Paulo,
na fundação da primeira escola de comércio.
E é interessante destacar a rede de relacionamento que unia esses
personagens. Álvares Penteado foi cunhado de Lacerda Franco, um dos
fundadores do banco União, no qual trabalhou Horácio Berlinck, que aliás
trabalhou também nas indústrias de Álvares Penteado, e que foi a Veiga Filho,
enquanto este exercia mandato de vereador de São Paulo, solicitar a criação de
uma escola de comércio. Veiga Filho, professor da Faculdade de Direito e político,
foi secretário da Associação Comercial de São Paulo, a qual foi presidida por
Álvares Penteado (o quarto presidente) e teve como Lacerda Franco o seu
primeiro vice-presidente. Por outro lado, estes também se relacionavam com
outros personagens e instituições, o que demonstra sua posição dentro da
sociedade paulistana, que foram fundamentais no auxílio à criação e consolidação
da Fecap. Ao observar, por exemplo, as doações iniciais para a criação da escola
tem-se, além de inúmeras instituições financeiras, nomes de famílias tradicionais
na cidade, como Prado, Prates, Burchard, Siciliano, entre outras. Esses
personagens, circulavam e se relacionavam principalmente em três instituições
relevantes na organização e desenvolvimento do comércio de São Paulo: a
Associação Comercial de São Paulo, a Sociedade Humanitária dos Empregados
do Comércio de São Paulo e o Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo.
30
Dentre todas as discussões, debates e discursos sobre a importância da
criação de uma escola de comércio ocorridas no final do século XIX e início do
XX, o artigo “Escola de Comércio em São Paulo”, escrito por Veiga Filho, pode
ser entendido como reflexo do pensamento daquele grupo. É escrito na primeira
pessoa do plural, como se o autor estivesse falando em nome deste grupo,
conforme exemplificado em algumas transcrições: “Por estarmos plenamente
convencidos”; “parece-nos ser conveniente”; “concluídas as nossas observações”.
O artigo é dividido em seis partes. Inicia com as propostas de criação de
uma escola de comércio na capital, uma delas apresentada pelos empregados do
comércio ao Governo Municipal em 1867, e outra em projeto apresentado ao
Congresso Legislativo do Estado, em sessão de 26 de abril de 1901, pela
comissão de instrução pública, composta dos deputados Fontes Júnior, Coronel
Carlos Porto e Gabriel Prestes, as quais não foram atendidas sob justificativa de
falta de verbas.
No item II, discorre sobre as descobertas e invenções que resultaram em
“uma renovação completa no mundo industrial contemporâneo, bem como no
comércio internacional”. Coloca a concorrência entre mercadorias estrangeiras e
nacionais como uma luta entre povos - um estado normal das relações
internacionais -, que é “na realidade tão mortífera para os vencidos como os mais
sanguinolentos combates. A vitória sempre pertence aos mais preparados, aos
mais instruídos." Já demonstra sua posição a respeito da instrução, não apenas
como uma questão pedagógica, mas como uma questão vital para o país.
Termina o item com a citação em francês: “L´organisation de l´enseignement
technicque n´est done pas une simple question de pédagogie; c´est, au premier
chef, une question vitale pour notre pays”.
Segue o artigo, falando de algumas classes existentes no Estado de São
Paulo (dos lavradores, dos industriais, dos engenheiros, dos capitalistas e dos
proprietários), como se organizaram e se desenvolveram, e questiona a classe
dos comerciantes:
(...) a classe dos comerciantes, que tem feito?... nada, absolutamente
nada!... Consentiu que os estrangeiros se colocassem à frente das
principais casas, tanto do grande como do pequeno comércio,
monopolizando já o de alimentação pública! Sem pessoal habilitado e
suficiente, não tem o comércio paulista quem venda no estrangeiro, o
nosso principal artigo de exportação - o café! Espera que o estrangeiro
venha comprá-lo em Santos (p. 27).
31
Veiga Filho levanta neste item uma outra questão relevante para a criação
de uma escola de comércio: a da nacionalidade e o perigo de deixar o comércio
nas mãos de estrangeiros.
Percorrendo-se um por um dos estabelecimentos comerciais desta praça,
ter-se-á desagradável impressão, verificando que na maioria deles, desde
o chefe até o mais modesto empregado, quase todo o pessoal se compõe
de estrangeiros, que não têm a obrigação de ser patriotas (p. 27).
Outros artigos também demonstram o pensamento vigente à época, como o
de José da Costa Sampaio, intitulado “O ensino commercial”9. Inicia mencionando
ser extraordinário e animador o desenvolvimento do ensino comercial “porque
revela, evidentemente, uma nova tendência desse mesmo povo para certas
carreiras que até então pareciam monopolizadas pelos estrangeiros que aqui
vinham aplicar a sua atividade”. A questão do ensino técnico como “caminho
seguro para a nacionalização” também estava presente na questão do ensino
profissional industrial:
O fato de as firmas paulistas continuarem a empregar artífices
estrangeiros relativamente privilegiados indica que havia um déficit de
trabalhadores especializados, pelo menos em determinadas indústrias.
Muitos informes sobre os primeiros anos da vida industrial de São Paulo
identificam os operários mais especializados das fábricas como
estrangeiros, trazidos a um custo altíssimo da Grã-Bretanha, da França ou
da Espanha para preencher vagas para as quais não havia candidatos
locais qualificados. Foi desta perspectiva que o Anuário do Ensino do
Estado de São Paulo [de 1918] definiu as escolas profissionais como “um
caminho seguro para a nacionalização” e como uma maneira de conseguir
“nossa emancipação da força de trabalho estrangeira.” (Weinstein, 2000,
p. 50)
Na mesma linha pensava outro professor da Fecap: Gervásio Araújo (Fecap,
1907, p. 14), conforme a publicação de seu discurso que, embora mencionado
não ter sido possível “obter na íntegra, o discurso do ilustrado catedrático”,
menciona que o mesmo fez “sábias considerações sobre a imperiosa
necessidade que o nosso país tem de tomar muito a peito o ensino comercial e
industrial, como meio seguro de por ao abrigo da concorrência estrangeira os
nossos legítimos interesses”.
9
José da Costa Sampaio, foi o primeiro 2º secretário da Fecap, em eleição realizada a 25 de abril de 1902 e lecionou de
1902 a 1912. Prefaciou o livro de Horácio Berlinck “Questões comerciais”, de 1901. Publicou seu artigo “O ensino
commercial” dividido em 3 edições da Revista de Commercio & Industria: março, abril e julho de 1920 (nºs. 63, 64 e 67).
32
Ainda no final da década de vinte a questão da nacionalidade estava
presente, como demonstra Francisco D’Áuria: “As nossas sociedades anônimas
confiam o exame de seus balanços a profissionais estrangeiros. Como se vê, em
nossa terra, a contabilidade é desprezada, o profissional contabilista é
postergado” (1929, p. 3).
E Veiga Filho retoma com a pergunta: “A que se pode atribuir tamanha falta
de elemento nacional, do elemento paulista, em nosso comércio em geral?”
Entende haver dois motivos: os governos estarem se preocupando mais com o
ramo financeiro e a falta de estímulo à mocidade “para abraçar tão nobre
carreira”. Justifica o segundo motivo após realização de inquérito em 1900, com
252 alunos da Escola Modelo Caetano de Campos (embora diga ser um critério
relativo), a fim de descobrir as tendências dos alunos acerca “deste ou daquele
trabalho social ou ocupação humana”. Foram as respostas:
Quadro 1
Inquérito de 1900 com 252 alunos
Expectativas de trabalho dos alunos da Escola Modelo
profissão
engenheiros
empregados públicos
médicos
advogados
guarda-livros
professores particulares
agricultores
farmacêuticos
negociantes
dentistas
padres
nº resp.
52
36
32
24
23
21
12
09
09
07
06
profissão
pintores
maestros
marinheiros
mecânicos
militares
telegrafistas
fotógrafo
ourives
eletricista
carpinteiro
sem escolha
nº resp.
04
03
03
02
02
02
01
01
01
01
01
Fonte: Elaborado conforme os resultados apresentados no artigo de Veiga Filho (1907, p. 27)
Concluiu daí que:
Resumindo: - desejavam consagrar-se às profissões liberais 64%; ao
funcionalismo 14% e como a aspiração comum do médico, do engenheiro
ou advogado é uma elevada e conveniente colocação na hierarquia
administrativa, concluímos que oitenta por cento da população escolar tem
como aspiração remota, como ideal, o emprego público. Nem se diga que
seria singular manifestarem os escolares gosto por uma profissão
desconhecida e que não se atendeu ao discernimento dos mesmos. O que
procuramos foi um critério aproximado para comprovar a necessidade
indiscutível da difusão do ensino agrícola e comercial.
33
Ainda neste item fala do preconceito existente em relação às profissões
comerciais e da importância em se mudar essa mentalidade para poder “bem
preparar a nossa mocidade para esse grande e patriótico desideratum”. Não
sendo direto, acaba comparando o ensino comercial técnico (específico, para a
formação de homens habilitados) com o ensino genérico das humanidades
(formação de intelectuais), mais precisamente o de direito, engenharia e
medicina.
Esse preconceito se observa até no seio da família, onde já um escritor
notou que, não raro, o chefe diz: “Este meu filho, como é o mais
inteligente, vai ser advogado e quem sabe mesmo se deputado ou
ministro; aquele por ser mais hábil, será engenheiro; aquele outro, por falta
de recursos, irá para o comércio!”.
(...) Este instituto de ensino habilitará, em pouco tempo, os nossos jovens
a seguirem para as praças estrangeiras (...) em vez de aumentarem o
proletariado intelectual ou figurarem na mendicância do emprego público!
(p. 28)
Essa comparação é verificada em vários outros artigos e demonstra a
preocupação da classe comercial em valorizar a sua profissão e, mais ainda, os
diplomas por ela obtidos. Trata-se de uma parcela da sociedade que está
ascendendo economicamente e ganhando status político, mas cuja profissão não
foi regulamentada legalmente.
Veiga Filho transcreve o depoimento de Gustavo Pena, de 15 de agosto de
1897, sobre a Academia de Comércio de Juiz de Fora e o “largo horizonte” que
esta oferece à ambição da mocidade:
De posse do seu diploma, tão honroso como qualquer outro e que
representa um sólido preparo intelectual, o novo acadêmico se pretende
seguir uma carreira pública pode disputar com vantagem qualquer posto,
certo de que, se é amigo de seu país, poderá servi-lo dignamente (p.29).
Nessa breve transcrição é possível identificar todos os valores que a classe
pretendia atribuir aos seus diplomas: “tão honroso como qualquer outro” - quais
seriam esses outros?; “um sólido preparo intelectual” - não é porque o ensino é
técnico que os alunos (do ensino comercial) não tinham habilidades intelectuais
(ou, ainda, não tinham cultura geral); “o novo acadêmico” - o que seria o velho
acadêmico? e também o termo “acadêmico”, vindos da academia; “seguir uma
carreira pública” - aproveitando da transcrição de Veiga Filho, “e como a
aspiração comum do médico, do engenheiro ou advogado é uma elevada e
conveniente colocação na hierarquia administrativa(...)” -, temos uma nova
34
categoria profissional na briga pela almejada carreira pública; “pode disputar com
vantagem” - os alunos do ensino comercial teriam vantagem sobre quem?; e
finalmente “se é amigo de seu país, poderá servi-lo dignamente” - novamente a
questão do patriotismo, do ensino comercial como o melhor caminho para a
nacionalização.
Essa
comparação
continua
presente
quando
das
discussões
da
regularização da profissão de contador, em momento posterior ao da fundação da
escola, conforme depoimentos de Horácio Berlinck, José da Costa Sampaio e
Júlio de Sampaio Dória, nos anos de 1917, 1920 e 1923:
Assim falamos, porque toda a nossa atividade profissional gravita em torno
dos elementos que constituem os patrimônios. O exercício da medicina, da
advocacia, da engenharia, do magistério, não é reservado universalmente
a quem possui seu diploma e tenha reconhecida competência?
Porque, então, o mesmo critério não é adotado em favor dos contadores?
(Berlinck, 1917, p. 50)
Extraordinário, - porque as escolas e institutos comerciais surgem quase
ano por ano entre um povo para o qual, até o princípio deste século, o
suprasummum do ensino parecia consubstanciar-se apenas no que lhe
era ministrado pelas poucas faculdades de direito e de medicina, e escolas
politécnicas (...) (Sampaio, 1920)
O contador é um técnico, como o são o advogado, o engenheiro e o
médico. Sob o ponto de vista moral, todos eles se devem subordinar, no
exercício de suas funções, a preceitos comuns daquela (Dória, 1923, p.
76).
Ainda em 1929 esse discurso estava presente, como no de Francisco
D’Áuria, que mesmo reconhecendo a evolução do ensino comercial, ainda se
refere à “mania bacharelista” e coloca a dualidade existente dos discursos entre
bacharéis X homens práticos:
Fomos uma espécie de Roma Imperial, em que o trabalho era indigno e
próprio dos escravos. Quando, em outros tempos, se cogitou, no
Congresso Legislativo, da regulamentação do ensino comercial, os
remoques aos diplomados ou diplomandos não foram poucos, chamandose-os doutores em carne seca. (...)
Nós evoluímos bastante e já se vê algum pai sensato dirigir seus filhos
para as escolas de comércio e a mania bacharelista está cedendo lugar ao
preparo de homens práticos e aptos para labutarem nas pelejas da nossa
vida econômica (D’Áuria, 1929, p. 2).
No item IV, Veiga Filho coloca que “todas as nações civilizadas, de há muito,
compreenderam o grande alcance do ensino comercial”, associando o ensino
comercial como uma questão de civilização. Relaciona alguns países e datas de
35
fundação das respectivas escolas de comércio. No Brasil, reconhece apenas a
Academia de Comércio de Juiz de Fora (que diz estar em vias de reorganização)
e a Escola Prática de Comércio do Pará, que “há três anos funciona com a maior
regularidade”.
O item V trata da parte prática da instauração da escola de comércio. O
autor propõe começar com a fundação de “Escolas Práticas” ou de 1º grau - para
“rudimentar preparo intelectual dos moços para o comércio, isto é, a formação de
soldados para o exército do comércio” -, para depois de instituído o ensino
elementar, cuidar das “Escolas Superiores” ou de 2º grau - “destinadas a formar
os bons patrões ou generais, que ainda com o ensino sempre se habilitam, de
modo definitivo, na luta de concorrência que é o campo de batalha do comércio!”
Em nota de rodapé, critica o projeto da Universidade, de Conselheiro
Leôncio de Carvalho (professor da Faculdade de Direito de São Paulo), proposto
ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Dr. Sabino Alves Barroso Júnior, no
qual indica um plano para o funcionamento de uma Academia de Comércio aos
que pretendiam “habilitar-se para o exercício de consulados, diretores de bancos,
companhias e estabelecimentos mercantis”. Critica o referido projeto por ser de
nível superior, exigindo para matrícula o certificado conferido pelo Ginásio
Nacional (ou ginásios estaduais e particulares a ele equiparados), longo e teórico:
“O ensino foi dividido por quatro anos e não nos parece obedecer ao intuito
exclusivamente prático”. Coloca como modelo a ser seguido o plano adotado na
Escola Prática de Comércio do Pará que era “diverso do que se projeta e bem
satisfatório”. Para se matricular no primeiro ano, o interessado deveria
instruir petição, dirigida ao diretor da escola, com atestados de ser o
candidato vacinado, de não sofrer de moléstia contagiosa e de ter feito
exame de instrução primária. Faltando este último documento, o candidato
fica sujeito a exame prévio perante a congregação da escola (p. 29).
O ensino da escola do Pará, de 1º grau, era dividido em facultativo e integral,
sendo que no primeiro os alunos poderiam se matricular em qualquer uma das
disciplinas, a fim de adquirirem “conhecimentos úteis à profissão mercantil”. Já o
integral consistia em um plano de curso de três anos “metódico e obrigatório” com
direito a diploma e que dava a seus alunos “habilitação suficiente para o cargo de
guarda-livros (...) e outros empregos do comércio”. Foi assim distribuída a sua
grade curricular:
36
1º ano - matemáticas, língua portuguesa e inglesa, caligrafia, estenografia
e datilografia e geografia comercial e história do comércio.
2º ano - continuação da 1ª parte das matemáticas, escrituração mercantil,
mercadorias, línguas francesa, inglesa e alemã.
3º ano - matemática superior, direito comercial e economia política,
contabilidade, língua portuguesa e prática das línguas francesa, inglesa e
alemã.
O estudo das línguas estrangeiras no 1º e 2º ano é o mais prático possível
e tendente ao seu objetivo final:isto é, que os exercícios de leitura,
tradução e versões sejam de preferência relativos a assuntos comerciais e
com emprego da tecnologia comercial.
No 3º ano se faz a síntese, sendo as lições alteradas em umas e ouras
línguas, fazendo-se aplicação às especialidades profissionais do que se
aprender nos dois primeiros (pp. 29-30).
E o comentário final sobre a escola do Pará: “como se vê, a Escola de
Comércio do Pará só tem por objetivo um ensino assaz genérico, assaz preciso e
prático, “l´enseignement court” na frase simples e expressiva do ministro
Hanotaux (...)” (p.30). Finaliza o item colocando que, sobre o ponto de vista
escolar ou de programa de ensino pouco dirá, por faltar-lhe conhecimento
especial da matéria. Mesmo assim entende conveniente um curso comercial
também de três anos (apenas), para alunos maiores de 15 anos, com a grade
curricular assim distribuída:
1º ano - Línguas, nacional, francesa, inglesa ou alemã. Exercícios orais.
Matemáticas. Aritmética, elementos de álgebra e geometria. Contabilidade.
Noções gerais de escrituração mercantil.
2º ano - Línguas, nacional, francesa, inglesa ou alemã. (Exercícios orais).
Contabilidade comercial e financeira. Estenografia e desenho. Tecnologia
ou estudo geral de mercadorias. Conhecimento da composição física e
química das mercadorias, sua proveniência, valor e processos pelos quais
se pode conhecer a sua falsificação ou alteração.
3º ano - Geografia econômica e comercial. Produtos de cada país e
mercados. Produção Brasileira. O café. História do comércio e tratados de
comércio. Legislação. Regras gerais de direito. Legislação comercial,
industrial e marítima, com especialidade a aduaneira e de falências.
Economia política e finanças. Estatística. Sistemas monetários; operações
de bolsa e de bancos (p. 30).
Ao comparar as duas grades curriculares expostas, independentemente da
distribuição das matérias em cada ano, observa-se que elas praticamente
coincidem, o que demonstra a influência que a Escola Prática de Comércio do
Pará exerceu no grupo que planejava a instauração de uma escola em São Paulo.
37
Quadro 2
Comparativo da grade curricular da Escola Prática de Comércio
do Pará e proposta de Veiga Filho, no ano de 1901
Escola do Pará
matemáticas / matemática superior
língua port., francesa, inglesa e alemã
geografia comercial e história do com.
escrituração mercantil
mercadorias
direito comercial
economia política
contabilidade
estenografia e datilografia
caligrafia
Proposta de Veiga Filho
matemáticas
língua port., francesa, inglesa ou alemã
geografia econ. e com. e hist. do com.
noções gerais escrituração mercantil
estudo geral de mercadorias
legislação
economia política e finanças
contabilidade comercial e financeira
estenografia e desenho
Fonte: Elaborado conforme informações constantes do artigo de Veiga Filho (1907, pp. 29-30)
No último item, fala da importância de professores habilitados e devotados
na tarefa de ministrar o ensino: “Recomendar um rigoroso escrúpulo na escolha
dos professores ou na organização do corpo docente de um instituo da ordem do
que se trata - é de toda a conveniência” e, em nota de rodapé, menciona ter
recebido programas de escolas de comércio da Europa, as quais não foram
apreciadas em seu trabalho, por falta de tempo.
Depois de concluído este artigo recebemos do exmo. sr. Dr. Gabriel Piza,
ministro do Brasil em Paris, os programas e mais informações acerca das
principais Escolas de Comércio da Europa e que conservamos à
disposição de quem melhor queira estudar o assunto.
Deixamos de apreciá-los neste trabalho, porque isso importaria na
modificação do plano adotado... Demais falta-nos tempo para um largo e
conveniente exame da interessante questão (p. 30).
Afastadas as possibilidades da criação da escola pelo poder público, foi
formada uma comissão para a elaboração de seus estatutos. Em 24 de abril de
1902, o jornal O Commercio de São Paulo noticiava, sob o título “Escola Prática
de Comércio”, o entusiasmo de “todo o comércio”, em especial pela “Sociedade
Humanitária dos Empregados do Comércio e Grêmio dos Guarda-Livros de São
Paulo”, pela organização de uma sociedade anônima com o fim de fundar e
manter “uma Escola Prática de Comércio”. Em outro artigo no mesmo jornal, no
mesmo dia e com o mesmo título, a denominada comissão apresenta convite a
(...) todas as pessoas, sem distinção de nacionalidade ou classe,
interessadas na difusão do ensino comercial, a se reunirem amanhã, 25 do
corrente, às 8 horas da noite, à Rua São José, nº 17, (sobrado),em uma
das salas da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, para
discutir e aprovar os estatutos de uma sociedade que terá por fim a
fundação e manutenção de uma escola prática de comércio nesta capital.
38
Além da discussão e aprovação dos estatutos elaborados por uma comissão
já nomeada, a ordem do dia previa ainda a eleições da diretoria da Sociedade e
da diretoria da escola.
No dia 25 de abril de 1902, em reunião em que compareceu um “grande
número de cidadãos pertencentes ao comércio, à indústria e às letras”, foram
aprovados os Estatutos da Escola Prática de Comércio de São Paulo, além de
eleitas as diretorias da sociedade e da escola. As quatro pessoas apontadas
como responsáveis pela fundação da Fecap tiveram posição de destaque nas
eleições: Antônio Álvares Leite Penteado foi eleito como presidente honorário;
Horácio Berlinck, como 1º secretário; e pela escola, senador Lacerda Franco,
diretor; e Dr. Veiga Filho, como vice-diretor.
Logo em seguida à sua fundação, foi iniciada uma subscrição popular para
angariar fundos, conforme noticiado no O Commercio de São Paulo de 30 de abril
de 1902, a qual foi “acolhida favoravelmente na praça de São Paulo”. Foram os
beneméritos e suas doações10:
Quadro 3
Resultado da subscrição popular realizada em 1902
Doador
Conde Álvares Penteado
Rodolpho Miranda
Senador Lacerda Franco
Conde de Prates
Hermann Burchard
Cristiano P. Vianna
Horácio Berlinck
Conde Asdrúbal do Nascimento
Prado Chaves & Cia.
Dr. Procópio Malta
Duprat & Cia.
Alexandre Siciliano
José Weissohn
Banco Alemão
Banco Comércio e Industria
Banco União de S. Paulo
Banco de Crédito Real
Banco de S. Paulo
Total
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Rs.
Valor
10:000$000
3:000$000
1:000$000
1:000$000
1:650$000
1:000$000
2:050$000
500$000
500$000
500$000
500$000
500$000
500$000
500$000
500$000
500$000
500$000
500$000
25:200$000
Fonte: Fecap, 2002, p. 36
10
Há uma pequena divergência na relação de doadores e valores entre duas fontes pesquisadas (Fecap, 2002, p.36 acima exposta - e Fecap, 1907,p. 25). Consta da última como o total das doações de Rs. 23:500$00, assim distribuídas: A.
Alvares Penteado, 10:000$000; Rodolpho Miranda, 3:000$000; Conde de Prates, 1:000$000; A. de Lacerda Franco Rs.
1:000$000; Raphael Tobias de Oliveira, 1:000$000; H. Buchard, 1:000$000; C. P. Vianna, 1:000$000; Procópio Malta,
500$000; A. Siciliano, 500$000; Banco Com. e Industria, 500$000; Duprat & Comp., 500$000; Brasilianische Bank,
500$000; José Veissohn, 500$000; Prado, Chaves & Comp., 500$000; Banco União, 500$000; Banco de S.Paulo,
500$000; Banco de Crédito Retal, 500$000; Asdrúbal do Nascimento, 500$000.
Pesquisa na imprensa da época permite uma comparação de valores: terrenos na Avenida Paulista com 35 metros de
frente por 11 metros de fundos: Rs. 300$000; sobrado no alto da Rua Santo Antonio: Rs. 13:000$000; fazenda com 180
alqueires, 40 mil pés de café e benfeitorias, com a estação Igaçaba da Mogiana: Rs. 45:000$000 (Fecap, 2002, p. 36).
39
No dia 1º de junho de 1902 foi publicado na imprensa anúncio da Escola
Prática de Comércio de São Paulo, convidando os membros eleitos da sociedade
e diretoria da Escola a comparecerem naquele dia na sede da escola, oferecida
pelo Conde Prates, para “Sessão solemne de inauguração” (anexo 5)11. No dia
seguinte, o mesmo veículo, ao noticiar o evento, elenca as personalidades que
estiveram presentes, dentre elas políticos, empresários, o chefe de polícia,
secretários do Interior e Justiça, da Fazenda e da Agricultura, o diretor do Ginásio
da Capital e o inspetor geral do ensino, o cônsul de Portugal, além de
“representantes do magistério público e das diversas associações desta capital,
avultado número de cavalheiros da nossa melhor sociedade e os representantes
da imprensa paulistana”. Foram também recebidas cartas e telegramas de
felicitações de todas as partes do país. Do rol das personalidades, destaque para
o Presidente da República Campos Salles, Rodrigues Alves, Domingos C. de
Moraes, Bernardino de Campos e Quintino Bocaiúva.
O início das aulas se deu em 15 de julho de 1902, com um grupo de 216
alunos e um corpo docente formado por aproximadamente trinta pessoas. Nos
primeiros anos de operação, as atenções passaram ao seu funcionamento e,
dada à superação das expectativas em torno do número de alunos matriculados,
às suas instalações.
Quando da organização dos estatutos da escola pela comissão, antes
mesmo de sua aprovação e eleição da diretoria, o jornal O Commercio de São
Paulo de 24 de abril de 1902 noticiava que a “Sociedade Humanitária logo pôs à
disposição dos fundadores da Escola algumas salas do seu edifício, para o
funcionamento das aulas”. Essa possibilidade, todavia, não se concretizou.
Inicialmente, a Fecap se instalou no prédio nº 36 da Rua Líbero Badaró,
cedido pelo Conde de Prates12. Em 1904, se transfere para as salas de aula do
11
Também em 1902 foi fundada no Rio de Janeiro uma escola de comércio. Embora as duas escolas tenham sido criadas
no mesmo ano e com os mesmos objetivos, ficou caracterizada a diferença entre a escola de São Paulo, voltada mais para
os interesses particulares dos comerciantes e industriais paulistas (estes, inclusive, contribuindo financeiramente para a
instituição da escola) e a do Rio de Janeiro, com foco nas questões da administração pública, principalmente das do
Distrito Federal (Saes e Cytrynowicz, 2001).
12
Conde Eduardo Prates (1860-1928), importante comerciário paulista, ocupou cargos diretivos na Companhia Paulista de
Estradas de Ferro e Banco de São Paulo. Foi presidente da Companhia Central de Armazéns Gerais, da Companhia
Mineraes Santa Rosa; Companhia Paulista de Navegação; e vice-presidente da Companhia Frigorífica e Pastoril de
Barretos. Sendo um dos maiores proprietários da parte central da cidade de São Paulo, contribuiu com os governos
municipal e estadual nas obras de urbanização do centro. Foi o segundo presidente da Associação Comercial de São
Paulo e auxiliou financeiramente muitas instituições, tais como a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, o Orfanato
Cristóvão Colombo, a Igreja Santo Antônio e o Liceu Sagrado Coração de Jesus.
40
extinto curso anexo da Faculdade de Direito de São Paulo, onde em três anos já
demandava mais espaço, conforme discurso de Veiga Filho proferido em 1907:
O edifício imediatamente oferecido pelo sr. conde de Prates, onde se
instalou o instituto que vinha a ser criado, em poucos meses, tornou-se
acanhado para acomodar uma numerosa plêiade de moços que correu ao
encontro daqueles que entendem ser a carreira comercial uma das mais
nobres, das mais compensadoras do trabalho, na moderna civilização.
Os salões do tradicional mosteiro de S. Francisco gentilmente cedido pelo
governo federal e pela diretoria da Faculdade de Direito, no decurso de
três anos apenas, também atestaram a sua deficiência, para o regular
funcionamento dos diversos cursos da Escola, já freqüentada por 150
alunos, da nossa secretaria, biblioteca e laboratório de análises químicas
(Fecap, 1907, p. 12).
Começam as movimentações para conseguir uma nova sede. Em 05 de
dezembro de 1905, foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo a Lei nº
969/1905, assinada pelo presidente do Estado Jorge Tibiriçá, que concedia os
seguintes favores à “Escola de Comércio”:
(...) a) Isenção de impostos e de pagamento de taxas de água e esgotos,
relativamente ao prédio que pela mesma escola for adquirido ou
construído para funcionamento das aulas do curso por ela mantido;
b) Isenção do imposto de transmissão de propriedade para quaisquer
donativos ou legados que, em seu benefício, forem instituídos.
Em 1906 o Conde Álvares Penteado, inclusive atendendo ao apelo de seu
cunhado, o senador Lacerda Franco e do professor Horácio Berlinck (Fazoli Filho,
1992, p. 33), doa um terreno de 46 x 25 metros (1.150 m2) localizado no Largo de
São Francisco para a construção da nova sede, cuja construção seria totalmente
subsidiada por seus recursos particulares. Em razão dessa doação (e por
iniciativa de sua Diretoria e Congregação) a instituição passa a se chamar, a partir
de 05 de janeiro de 1907, “Escola de Comércio Álvares Penteado”.
Em 30 de maio de 1907 é lançada a pedra fundamental da nova sede, em
solenidade ocorrida no Largo de São Francisco. Após as cerimônias oficiais, em
que estiveram presentes diversas autoridades, foi oferecido aos convidados lunch
na Rotisserie Sportman13:
Em seguida, a exma. Paraninfa, membros da congregação dos vários
estabelecimentos de ensino, alunos de diversas escolas superiores e mais
convidados dirigiram-se à Rotisserie Sportman, em cujo salão de
banquetes, todo decorado de folhagens, os aguardava profuso e delicado
lunch.
13
Conforme exposto na biografia de Álvares Penteado, o mesmo, se não proprietário, havia investido na Rotisserie
Sportman, a qual aparece em textos e sítios eletrônicos com duas grafias: Sportman e Sportsman.
41
À extensa mesa, guarnecida de ricas jardineiras floridas, tomaram assento
os convidados, sendo-lhes servidos champagne, sandwiches, sorvetes e
doces finos.
Começaram então os brindes (Fecap, 1907, p. 18).
Em cerca de 18 meses após o lançamento da pedra fundamental, a 12 de
dezembro de 1908, deu-se a inauguração do prédio próprio, onde estiveram
presentes personalidades como o Conde Antônio de Álvares Leite Penteado, o
Governador Albuquerque Lins, o Secretário de Segurança Dr. Washington Luís, o
Prefeito em exercício Asdrúbal do Nascimento, deputados, vereadores,
representantes dos consulados e das entidades de classe e diretores e
professores das principais escolas da cidade.
Como a nova sede, projetada pelo arquiteto Carlos Eckman, a Escola pôde
ampliar seus cursos e também ceder suas instalações para outras instituições,
como a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (que posteriormente se
torna Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), o Instituto Brasileiro
de Contadores Fiscais e a Escola Livre de Sociologia e Política (esta na década
de 30)14.
O edifício (chamado de Palácio do Comércio, pela sua grandiosidade e
imponência) (anexo 6) refletiu as expectativas que aqueles homens depositavam
no ensino comercial e na profissão comercial. A parcela da sociedade que se
organizava em torno da atividade comercial havia ganhado não apenas uma sede
para sua escola, mas um símbolo que passava a representar o grupo. Veiga
Filho, em discurso proferido no lançamento da pedra fundamental, um ano e meio
antes da inauguração, fala da falta de um “habitat” aos que pretendiam seguir a
carreira comercial e é realmente essa a concepção da nova sede:
Agora nos é lícito afirmar que, muito breve, a mocidade que, entre nós, se
destina à carreira comercial, terá afinal o seu habitat, onde em magnífica e
suntuosa instalação, poderá cultivar e desenvolver a inteligência,
adquirindo proveitosos ensinamentos tendentes a fazer compreender os
grandes interesses comerciais da pátria e deles tirar partido, na profissão
preferida (Fecap, 1907, p. 12).
14
Abre-se aqui um parêntese para retomar aos assuntos “rede de relacionamentos” e “comparação entre o ensino
comercial x ensino das humanidades”. Embora algumas pessoas ligadas diretamente à Fecap tenham criticado em seus
discursos a “mania bacharelista”, a rede de relacionamentos dela com as demais instituições era muito mais estreita do que
se parece. Horácio Berlinck lecionou na Escola Politécnica de 1895 a 1927; o salão do mosteiro de S. Francisco (segunda
sede da Fecap) foi “gentilmente cedido” pelo governo federal e pela diretoria da Faculdade de Direito; muitos dos lentes da
Fecap eram provenientes da Faculdade de Direito; e a Fecap cedeu suas instalações à primeira faculdade de medicina do
Estado de São Paulo.
42
1.2. A organização da classe e a valorização da profissão contábil
Passada a fase de criação da Escola, de ajustes ao disposto no Decreto nº
1.339/1905 e as celebrações em torno da sede própria, a Fecap inicia um ritmo de
trabalho em que praticamente nada é alterado nos dez anos subseqüentes. “Há
referências à influência da Primeira Guerra Mundial na diminuição do número de
aspirantes” (Fecap, 2002, p. 55), a qual não foi possível aferir. Também vale
ressaltar o falecimento de Veiga Filho, em 1911 e Álvares Penteado, em 1912.
O discurso que até então era dirigido à importância do ensino e a
necessidade da criação de uma escola comercial passa agora a defender a
organização da classe, pela criação de associações e revistas especializadas, e a
valorização da profissão contábil. Novos personagens começam a despontar. As
denominações
anteriormente
utilizadas
de
“Grêmio
dos
Guarda-livros”;
“Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio” e “Profissões comerciais”
são cada vez menos utilizadas e o grupo passa então a utilizar o termo “contador”
para designar sua atividade profissional.
Em 1912 foi criada em São Paulo a Revista Brasileira de Contabilidade, por
iniciativa (dentre outros) de Horácio Berlinck, cuja primeira fase de publicação vai
até 192015. Intitulava-se “Periódico de Contabilidade Finanças, Indústria e
Comércio”. Em 1915, foi fundado o Instituto Brasileiro de Contadores Fiscais, a
primeira entidade para congregar contabilistas de que se tem notícia no país. No
ano seguinte, foram fundados o Instituto Brasileiro de Contabilidade, no Rio de
Janeiro e a Associação dos Contadores de São Paulo. Horácio Berlinck (1917, p.
51) comenta da importância desta agremiação, já vislumbrando a possibilidade
dela auxiliar a ação do legislador:
Em um país como o nosso, que vê o desenvolvimento econômico mundial,
mas em que ainda se desconhecem os meios de fomentar a expansão
mercantil, uma agremiação como a que vamos fundar, - a Associação dos
Contadores de S. Paulo, será um utilíssimo auxílio à ação do legislador e
das corporações incumbidas da prática daquela expansão, sugerindo-lhe o
aperfeiçoamento e colaborando, enfim, com a sua voz coletiva, em todas
as combinações tendentes a realizá-la com eficácia.
15
A história da Revista Brasileira de Contabilidade é dividida em três fases: a 1ª fase (1912 a 1920) foi fruto de uma
sociedade anônima, dirigida por Carlos de Carvalho, Horácio Berlink e José da Costa Boucinhas (com iniciativa apoiada
por Francisco D’Áuria). Com o falecimento de Carlos de Carvalho, seu primeiro editor, e de José da Costa Boucinhas, a
sociedade foi extinta e a revista parou de circular; a 2ª fase (1929 a 1932), quando voltou a circular graças à iniciativa de
Francisco D’Áuria, Ubaldo Lobo, João Salustiano de Campos, Paulo Lyra Tavares e Hugo da Silveira Lobo. Deixou de ser
publicada em 1932 em razão de problemas financeiros e em face do falecimento de alguns de seus diretores; a terceira
fase se inicia em 1971 e perdura até os dias de hoje (CFC, 2008).
43
Em 19 de julho de 1919, foi fundado no salão nobre da Fecap o Instituto
Paulista de Contabilidade (IPC), com o objetivo de “lutar pelos interesses da
classe” (Sindcont-SP, 2007). Seis meses após a sua criação, o IPC contava com
151 sócios, absorvendo o Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo. Foi obra da
iniciativa de 11 jovens recém formados, tendo como primeiro presidente Francisco
D’Áuria. Embora não tenha sido um dos fundadores da Fecap, é considerado um
de seus alunos mais ilustres, atuando como professor e contador, na defesa dos
interesses da classe comercial16.
Passada a Primeira Guerra Mundial e o período da formação das
associações, a classe comercial vai se fortalecendo e juntamente com as
discussões da regulamentação da profissão observa-se a retomada do discurso
do ensino comercial, só que apontando para a multiplicação dos estabelecimentos
de ensino comercial na capital e à queda da qualidade do ensino.
José da Costa Sampaio (1920) inicia, otimista, seu artigo a respeito do
aumento das escolas comerciais,
É realmente extraordinário o desenvolvimento que o ensino comercial tem
manifestado em nosso meio de há certo tempo para cá. E não só
extraordinário, mas também animador.
Extraordinário, - porque as escolas e institutos comerciais surgem quase
ano por ano (....).
Em seguida, porém, reconhece a falta de aptidão e preparo de algumas
pessoas, na criação de escolas de comércio e coloca como responsável a falta de
fiscalização:
(...) cada pessoa se julga não só apta para estabelecer uma nova escola
ou um novo instituto comercial, mas também para ensinar as respectivas
ciências. (...) Então, surgem escolas e mais escolas, e os professores
pululam desassombradamente, porque não há concursos que os assustem
nem fiscalização que os obrigue à tensão espiritual de quem ensina por
dever de ofício.
Em tais condições, a concorrência é fatal, e onde há concorrência, não
pode coexistir independência.
16
Francisco D’Áuria (São Paulo-SP, 16 de julho de 1894 - São Paulo, 1958). Foi aluno da segunda turma da Fecap,
formando-se em 1906. Iniciou a carreira de professor em 1907, ensinando Contabilidade Mercantil no curso mantido pela
Associação Cristã de Moços. Na Fecap, lecionou entre 1911-1914 e 1918-1922. Além do magistério, foi contador-geral da
República, de 1922 a 1928, diretor da Fazenda do Distrito Federal em 1930 e exerceu muitos outros cargos públicos. Foi o
autor de diversas obras sobre contabilidade e participou de vários congressos nacionais e internacionais. Foi o fundador e
primeiro presidente do Instituto Paulista de Contabilidade e da Academia Paulista de Contabilidade e diretor da Revista
Brasileira de Contabilidade, em sua segunda fase (de 1929 a 1932). Em 1953, foi eleito diretor-presidente da Fecap, onde
permaneceu até sua morte em 1958.
44
Conclui o artigo com o seguinte parágrafo: “O que é preciso, portanto, é que
nos esforcemos o mais possível porque o ensino comercial não degenere em
comércio de ensino”.
Já Raul Vaz17, com a mesma opinião, ataca as instituições que prometem a
formação comercial em um curto período, chamando-as de “tendas de
rendimento”:
A que atribuir essa multiplicação espantosa de tendas de rendimento que
se escondem sob a máscara de escolas de comércio? É, nada mais nada
menos do que a sede do dinheiro. Umas fazem concorrência às outras.
Umas oferecem mundos e fundos, outras oferecem fundos e mundos.
<Tal escola forma guarda-livros em três meses> é a afirmativa que a todo
instante ouvimos e que nós taxamos como um verdadeiro conto do vigário.
Sim, conto do vigário porque asseguram ao candidato que dentro daquele
tempo será guarda-livros e quando expirado o prazo protelam a
terminação do curso, alegando aperfeiçoamento e outras argumentações
esfaceladas (Vaz, 1922, p. 4).
O colaborador do Instituto Paulista de Contabilidade Sebastião Silva Andrade
(1923, p. 181)18, acompanha as posições acima expostas:
Temos, é verdade, principalmente aqui em São Paulo, um número elevado
de escolas que se propõem a formar guarda-livros, contadores e até
bacharéis em comércio, mas, quase todas não preenchem os seus fins,
pois além de faltar a organização necessária a esses estabelecimentos,
distribuem diplomas com relativa facilidade, dependendo isso
exclusivamente das posses financeiras de cada estudante.
Escolas há que conservam aberto, durante todo o ano, o seu livro de
matrículas, conforme anúncios que fazem nos jornais e outras há que se
propõem mesmo a formar guarda-livros em três meses, garantindo, sob
sua responsabilidade, o valor oficial dos seus diplomas.
Tais considerações referem-se a instituições que prometiam formar seus
alunos “em poucos meses”, “ensinando só as matérias absolutamente
necessárias”, inclusive concedendo diploma “válido, registrado pelo governo
Federal”, após exames efetuados por correspondência. Como exemplo, segue
dois anúncios da mesma escola, veiculados nos anos de 1925 e 1927:
A Escola Prática de Comércio do Prof. Jean Brando, forma guarda-livros
em poucos meses, em pequenas turmas ou particular, para ambos os
sexos, ensinando só as matérias absolutamente necessárias. (...) Concede
diploma válido, registrado pelo governo Federal, independente de lições,
às pessoas competentes, prévio exame por correspondência ou
pessoalmente. Centenas de rapazes formaram já o seu futuro. Rua Barão
de Itapetininga, nº 66 (O Estado de S. Paulo, 03 de março de 1925, p. 12).
17
Raul Vaz foi 2º Secretário do Instituto Paulista de Contabilidade, na gestão 1923.
Sebastião Silva Andrade foi 1º Secretário do Instituto Paulista de Contabilidade, na gestão 1922 e 2º Tesoureiro na
gestão de 1930.
18
45
Escola de Comércio Jean Brando - Para formatura de guarda-livros em
poucos meses, em pequenas turmas ou particular, para ambos os sexos e
ensinando só as matérias absolutamente necessárias. Nesta escola não
se ensinam 10 ou 15 matérias para inglês ver. Rapaziada, não perca o seu
tempo em bobice! (...) concedendo diploma válido, registrado pelo
Governo Federal. centenas de moços formaram já o seu futuro, pois conta
com os dois livros mais fáceis do mundo: “O Guarda-Livros” Moderno” e “O
Commerciante Calculador”. Peçam prospectos hoje mesmo ao
conhecidíssimo prof. Jean Brando. Rua Barão de Itapetininga, 66 - S.
Paulo (O Estado de S. Paulo, 06 de janeiro de 1927, p. 14).
A sociedade já não era a mesma de 1902 e o próprio conceito de ensino
comercial é expandido, o que será mais explorado no capítulo II desta
dissertação. Observando uma página de anúncios de 1923, vê-se a amplitude que
ganhou, englobando até mesmo cursos de datilografia!
46
Figura 1
Caderno de anúncios - Professores, aulas e cursos
Fonte: O Estado de S. Paulo, 25 de outubro de 1923, p. 10
47
Em uma página de anúncios, na seção Professores, aulas e cursos, temos
dois que oferecem livros - “Contabilidade Geral” e “O Guarda-Livros Moderno” -,
“para aprender a escrituração mercantil sem professor” e cinco de cursos
“comerciais”. O primeiro, da já citada Escola Prática do Prof. Jean Brando,
oferece o curso de guarda livros; outro, do Instituto Moderno, que, embora
anuncie como datilografia, oferece outros tipos no corpo do anúncio: taquigrafia,
escrituração mercantil etc.; outro que se diz “Escola de Comércio” (sem nome da
instituição), e oferece cursos de datilografia, línguas, preparatórios etc.; o quarto é
da Escola Remington, que oferece “Cursos práticos de datilografia, taquigrafia,
contabilidade, inglês etc.” e ainda “matrícula sempre aberta”; e finalmente, o
anunciado como datilografia, que em seu corpo oferece “Ensino completo e
perfeito - CURSO COMERCIAL”. É a ampliação das profissões comerciais e do
termo curso comercial, acompanhando as transformações na sociedade.
1.3. As reivindicações da regulamentação do ensino comercial e da
profissão contábil
Em 1921 a Fecap altera o seu Regulamento e traz novidades no ensino
comercial, como o curso da Faculdade de Ciências Econômicas e o Curso
Especial Feminino, além dos já existentes Anexo, Geral e Superior.
No ano seguinte, em junho, é lançado o primeiro número da Revista Paulista
de Contabilidade, órgão do Instituto Paulista de Contabilidade, com publicação
trimestral (após 1926 passa a ser mensal). Com o término da circulação da
Revista Brasileira de Contabilidade em 1920 (voltou em 1929, na sua 2ª fase), os
contabilistas ganharam um novo canal para apresentar suas idéias em defesa da
classe.
Ainda no começo da década de 1920 continuam os debates sobre o ensino
comercial. Um deles é referente à mão-de-obra estrangeira, que parece não ter
sido superado: “Diz, o noticiarista, no começo do seu trabalho, que o governo
pretende contratar profissionais estrangeiros para virem ao nosso país remodelar
o ensino comercial, porque, o que adotamos, é muito deficiente” (Vaz, 1922, p. 3).
Outros assuntos que ganham relevância e estão presentes em vários artigos são:
o da fiscalização dos estabelecimentos, o da uniformização dos programas e o da
falta de preparo dos professores.
48
Como o número de escolas crescia sem controle, alguns autores passaram a
defender a fiscalização das instituições pelo poder público, como forma de
garantir a qualidade do ensino. Herrmann Júnior (1924, p. 102) expõe que “A
regulamentação desta matéria é de natureza imprescindível”. José da Costa
Sampaio (1920c, p. 345) foi outro que defendeu a fiscalização:
Já vimos que a fiscalização do ensino comercial é uma necessidade que
deve ser satisfeita quanto antes, se quisermos enveredar pelo direito
caminho do êxito, pois que a verdadeira eficácia de tal ensino, como a de
qualquer outro - quer seja primário, secundário ou profissional - consiste
principalmente no método com que ele é ministrado, método esse que
deve ser uma das constantes preocupações dos poderes públicos.
Também Dória (1923, p. 80), três anos depois, considera a fiscalização como
condição sine qua non para a existência das escolas, propondo inclusive uma
forma de financiamento dos fiscais:
Além disso, é necessário que se institua definitivamente, a fiscalização
oficial de tais cursos. Para tal, cada escola contribuiria para os cofres
públicos com a quota necessária ao pagamento ao fiscal, que seria de
nomeação do Governo. Essa fiscalização deveria ser, então, condição
sem a qual não poderia funcionar escola alguma.
No mesmo ano, Andrade (1923, p. 182) alerta para que a reforma ocorra
“sem perda de tempo”.
Urge, pois, que os nossos homens públicos tratem, sem perda de tempo,
da reforma da nossa legislação comercial e que regulamentem o exercício
da nossa profissão, exercendo-se uma fiscalização rigorosa no ensino
comercial, de cujas escolas saem profissionais competentes e dignos.
Os mesmos dois autores trataram em seus artigos da questão da
uniformização dos programas:
Os programas do ensino comercial devem ser uniformes, para não haver
mesquinhas rivalidades entre estabelecimentos que devem ter o mesmo
fito em mira, e para que não vejam extravagâncias como esta: - “português
para estrangeiros”, - como se o português para nacionais fosse diferente
do português propriamente dito (Sampaio, 1920b, p. 94).
Duas coisas é preciso que se façam a bem do ensino técnico-comercial e
para a elevação do nível moral da classe dos contadores: uma é a
remodelação do ensino comercial por uma lei do congresso nacional, a
sua organização técnica e sistemática, de acordo com a sua finalidade
própria; a outra, é a organização de um código de ética profissional dos
contadores (Dória, 1923, p. 80).
49
Quanto ao despreparo dos professores, Sampaio (1920) faz a crítica de que
eles não possuem autonomia e sob “a constante ameaça do possível concorrente
ou da demissão”, acabam submetendo-se “à irrisória remuneração do seu
trabalho”. E conclui:
Se para a fundação do novo estabelecimento de ensino, indispensável é
um certo cabedal, - infelizmente para o ensino propriamente dito, em
grande número de casos nada é necessário senão uma forte dose de
audácia. Então, surgem escolas e mais escolas, e os professores pululam
desassombradamente, porque não há concursos que os assustem nem
fiscalização que os obrigue à tensão espiritual de quem ensina por dever
de ofício.
Em tais condições, a concorrência é fatal, e onde há concorrência, não
pode coexistir independência.
Ainda, em artigo não assinado publicado em 1920 na Revista Paulista de
Contabilidade (junho de 1922, p. 5): “Um dos grandes defeitos desse ensino,
defeito que salta à vista, consiste na deficiência técnica quase absoluta do
professorado”.
Concomitante a essas discussões sobre o ensino comercial, outro assunto
observa-se presente: o dos maus profissionais. Há a preocupação em demonstrar
a responsabilidade e importância da profissão de contador para o país, o que
justificava a sua regulamentação. Nesse sentido foi o discurso de Deocleciano
Rodrigues Seixas19, proferido no salão nobre da Fecap, ao ser homenageado por
ter sido investido no cargo de juiz substituto da capital:
Urge que continueis, denodadamente, a vossa campanha contra os
especuladores da profissão; que essa campanha seja tenaz e inteligente e
que se manifeste não só perante os juízes e tribunais, como pela
imprensa; que o vosso grito de alarme vá ecoar nas altas câmaras
legislativas do país, pleiteando a abolição das velhas usanças e fórmulas
do nosso direito comercial e marítimo que não mais se coadunem com as
necessidades dos tempos modernos. Deveis pugnar pela promulgação de
leis sábias que protejam a verdade e que castiguem com severidade os
artifícios fraudulentos dos que infestam em nome de uma profissão
honesta, os corredores e as Câmaras dos nossos Tribunais (Seixas, 1922,
p. 446)
19
Deocleciano Rodrigues Seixas foi aluno de uma das primeiras turmas da Fecap. Durante a vida acadêmica, foi escolhido
para dirigir o periódico acadêmico O Primeiro de Junho e a representar a Fecap em atos oficiais: “Foi ainda sobre mim que
os colegas e até mesmo a direção superior da Escola fizeram recair, por vezes, a nomeação para representá-los em atos e
solenidades oficiais” (Seixas, 1922, p. 446). Exerceu as atividades profissionais de contador, advogado, professor e juiz de
direito.
50
Em conferência ocorrida na Fecap no dia 04 de setembro de 1916, o
discurso proferido por Carlos de Carvalho20 criticou a utilização do título de
contador por pessoas “que mal sabem alinhar algarismos em coluna de débito e
de crédito”, sem conhecerem a teoria da escrituração e seus novos métodos.
Começam as discussões da utilização do título por pessoas desabilitadas e a
responsabilidade que envolve a profissão,
tanto que em nossas praças os trabalhos periciais, tão melindrosos, são
confiados, às vezes, a falsos guarda-livros que nem sequer possuem as
primeiras noções da ciência da contabilidade.
(...) esses balanços são logogrifos indecifráveis; são a negação da
contabilidade. Em vez de ordem e clareza que deviam oferecer, eles
confundem e enredam os próprios donos da empresa, os acionistas;
parecem mesmo inventados para os embrulhar (Carvalho, 1920, p. 442).
O mesmo autor menciona os trabalhos do senador João Lyra para que a
profissão seja regulamentada, “subordinada a uma lei na qual se estabeleçam os
deveres e se enumeram as obrigações do contador”. Não apenas regulamente a
profissão, mas também impeça “o exercício da profissão a quem não tenha,
reconhecidamente, o suficiente preparo técnico”. E conclui defendendo essa
iniciativa.
Contador não é nem será nunca quem só praticamente conhece as regras
de escrituração. Este título só deve ser conferido dignamente a quem
tenha preparo científico. (...) assim compreenderam os mais adiantados
países do mundo - onde a profissão do contador é francamente amparada
por lei (Carvalho, 1920, p. 442).
Além das iniciativas do senador João Lyra, foi apresentado ao Congresso
Nacional, em 12 de agosto de 1920, projeto de lei regulamentando a profissão de
contador, de autoria do senador Raymundo de Miranda. A Fecap não ficou alheia
a essas questões, tendo enviado, ao autor do projeto, representação pleiteando
melhorias e aditivos, conforme expôs Deocleciano Seixas em discurso em 1922:
E ainda há pouco tempo, nesta mesma sala [salão nobre da Fecap], fui
honrado com a presidência da reunião promovida pelo ilustre colega
Emílio de Figueiredo para o fim de elaborarmos uma representação ao
senador Raymundo de Miranda, em que se pleiteavam, perante o Senado
da República, melhorias e aditivos ao projeto que então se discutia
regulamentando a classe dos Contadores (Seixas, 1922, p. 447).
20
Carlos de Carvalho foi contador, professor, editor da Revista Brasileira de Contabilidade, em sua primeira fase (19121920), e autor de inúmeras obras de contabilidade, dentre elas “Tratado Teórico-Prático de Contabilidade, por Indução e
Análise”, editada em 1903 e considerada por Francisco D’Áuria, uma das duas obras, juntamente com a de Horácio
Berlinck, a inaugurar o ciclo da moderna contabilidade no país.
51
Em dezembro de 1920, a Revista de Comércio & Indústria publica o parecer
da comissão de Justiça e Legislação da Câmara Federal a respeito desse projeto,
inicialmente falando da profissão de guarda-livros:
Ele deixou de ser o escrevinhador inconsciente cuja ignorância corria
parelhas com o belo talho de letra, único requisito que se lhe exigia, para
se transformar no contabilista moderno, possuidor de conhecimentos
gerais, versado na ciência do cálculo e em línguas vivas. Em vista disso,
fundaram-se por toda parte instituto de ensino, destinado a ministrar-lhe o
preparo técnico, indispensável ao bom desempenho da sua árdua tarefa. E
daqui a necessidade de se regulamentar a sua profissão no sentido de
afastar dele os incapazes moral e intelectualmente, e cercar de
prerrogativas os que procurarem tornar-se dignos dela (Ano VI, nº 72, p.
583).
E conclui favoravelmente ao “estabelecimento de certos requisitos sem os
quais a ninguém será permitido o exercício da função de guarda-livros”:
(...) É um princípio corriqueiro em direito comercial que os livros dos
negociantes, desde que estejam em forma regular, fazem prova em juízo,
nos casos em que a lei não exige instrumento público ou particular (Cód.
Com., art. 24). Sendo assim, a fortuna particular fica muitas vezes
dependendo da boa ou má-fé do comerciante ou da probidade do seu
guarda-livros, e não é difícil a troca proposital de uma cifra ou a data de
um lançamento....
Ora, se a legislação dá ao livro tão grande valor, não pode deixar de
pugnar para que o seu conteúdo seja a expressão da verdade, e para isso,
é preciso que se exija, de quem nele escreve, a maior idoneidade
intelectual e moral, de modo a garantir, o mais possível, a veracidade dos
seus assentamentos. E, para conseguir esse desiderato, torna-se
indispensável o estabelecimento de certos requisitos sem os quais a
ninguém será permitido o exercício da função de guarda-livros.
Apesar de todo o esforço da classe, refletido nas duas primeiras tentativas
de aprovação de uma lei regulamentando a profissão contábil, estas restaram
infrutíferas e não seguiram adiante. Quanto à fiscalização dos estabelecimentos,
diferentemente da regulamentação da profissão contábil, o Decreto Federal nº
4.724-A, de 23 de agosto de 192321, determinou a sua instituição, conforme o
disposto em seu artigo 3º:
Art. 3º O Governo instituirá desde já a fiscalização destes e demais
estabelecimentos congêneres já reconhecidos, a cujos ônus ficarão
sujeitas as instituições beneficiadas, estabelecendo em regulamento as
suas condições e importâncias das quotas, a cujo recolhimento ficarão
aquelas obrigadas.
21
É a ementa deste decreto: “Equipara os diplomas da Academia de Sciencias Commerciaes de Alagôas e de outras
instituições, aos da Academia de Commercio do Rio de Janeiro e dá outras providências”.
52
Não foi possível verificar se esta determinação foi cumprida. Pelas
expressões utilizadas no decreto, conclui-se que o Governo reconhecia a
necessidade de normatização do ensino comercial: “enquanto não for organizado
o ensino oficial das ciências econômicas e comerciais” (art. 2º); “Quando houver
estabelecimento oficial desse ensino” (art. 2º, parágrafo único); “estabelecendo
em regulamento as suas condições” (art. 3º); e “Organizado o ensino oficial das
ciências econômicas e comerciais, serão determinadas então as condições a que
se terão de submeter os estabelecimentos que de então em diante pretenderem a
equiparação” (art. 4º). Embora o decreto de 1923 tenha sido positivo por ter
sinalizado a intenção do Governo, em nada atingiu o funcionamento da Fecap.
Em 1924 foi realizado no Rio de Janeiro, o 1º Congresso Brasileiro de
Contabilidade, liderado pelo senador João Lyra, quando foi iniciada nova
campanha para a regulamentação da profissão de contador e para a reforma do
ensino comercial.
No mesmo ano, o Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, Dr. Miguel
Calmon du Pin e Almeida convocou “as pessoas mais diretamente interessadas
no assunto, para uma reunião destinada ao estudo de sugestões que orienta o
governo, no sentido de dotar o Brasil com uma lei de ensino comercial” (Revista
Paulista de Contabilidade, Ano III, nº 9, junho de 1924). Várias reuniões
ocorreram no mês de maio e, de todos os trabalhos apresentados, destaque-se o
“apresentado pela delegação da Escola de Comércio ‘Álvares Penteado’, que é
substitutivo aos projetos Heitor Brandão e Figueira de Mello - Horácio Berlinck,
relativo à ‘organização do ensino’ e dos ‘cursos’”. Ao final do artigo, há a seguinte
nota:
Como complemento desta notícia, comunicamos que a congregação da
Escola de Comércio “Álvares Penteado” vai designar uma comissão para
tratar não só do projeto de uma lei, sobre o ensino comercial, com seu
respectivo regulamento, como também de estudar um projeto sobre a
regulamentação da profissão.
Álvaro Motolla (1923, p. 45) defendeu a elaboração da lei por especialistas,
tanto pelos conhecimentos técnicos que possuíam, diferentemente do legislador,
como pela busca de seus interesses particulares. Só eles, através de suas
associações, poderiam brigar pelos interesses da classe.
53
A lei dos guarda-livros devia ser em quase seu todo formulada pelas
Associações desta classe existentes no país, pois é notório que cada
classe sabe o que sente em si muito melhor do que a alheia. As
Associações dos guarda-livros é que deviam apresentar as bases para a
lei, isto é, coadjuvar o legislador, porque, por melhor que este a faça sem o
auxílio daquelas, sempre ferirá a vontade da classe, sempre esta terá em
que se manifestar ao contrário.
Parte dessas reivindicações foram atendidas pelo Governo Federal, quando
da edição do Decreto nº 17.329/1926 que, ao aprovar o “Regulamento pra os
Estabelecimentos de Ensino Técnico Comercial Oficialmente Reconhecidos pelo
Governo Federal”, que reflete o trabalho de Horácio Berlinck (representando a
Fecap) e resolve praticamente todas as questões que foram objeto de inúmeros
artigos (aqui já demonstradas).
Com referência à uniformização dos programas, estabelece os cursos (geral
e superior), prazo de duração (quatro e três anos), período letivo (mínimo de nove
meses ao ano) e grade curricular (distribuídas por ano); sobre os professores e
avaliações dos alunos, dispõe que os cargos de professor deverão ser providos
mediante concurso ou estágio de pelo menos dois anos e a obrigatoriedade de
exames finais e provas trimestrais, além de bancas examinadoras para as provas
orais; cria a obrigatoriedade ao diretor de cada estabelecimento de apresentar
minucioso relatório do funcionamento da instituição; e, tratando da fiscalização,
estabelece que fiscais nomeados pelo Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio
farão
a
verificação
da
organização
e
funcionamento
dos
estabelecimentos, devendo apresentar relatório circunstanciado das ocorrências
que verificar. Foi atendida parte das reivindicações, pois o mencionado decreto
não tratou da regulamentação da profissão contábil.
É o início da intervenção estatal. Embora 1926 marque o início das
transformações do ensino comercial no país, na Fecap essa norma teve quase
nenhuma eficácia. Em primeiro lugar, porque essas alterações praticamente
tornaram oficial o que já era verificado na prática da Fecap (exceto a ampliação
de um ano no curso superior), confirmando a influência de Berlinck. Em segundo
lugar, porque teve um curto período de vigência. Não se verificou na prática, o
aumento de um ano do curso superior ou qualquer tipo de fiscalização. Também
deve ser levado em consideração o momento político conturbado do país, com a
Revolução de 1930.
54
Restava ainda a questão da regulamentação da profissão. Em 1927,
Francisco D’Áuria instituiu o Registro Geral de Contabilistas do Brasil, com o
propósito de selecionar, de acordo com os títulos de habilitação, os profissionais
aptos para o desempenho das funções de contador. Este Registro Geral foi o
embrião do que hoje é o sistema do Conselho Federal de Contabilidade/
Conselhos Regionais de Contabilidade. O registro era dividido em três categorias:
contabilistas, contadores e aspirantes (D’Áuria, 1929, p. 3).
Paralelamente ao registro dos profissionais, tramitava na Câmara Estadual o
Projeto de Lei nº 24, de 1928, de autoria do Deputado Orlando de Almeida Prado,
versando sobre a obrigatoriedade de profissionais cadastrados na Junta
Comercial para realizarem certos atos (estes, por sua vez, deveriam ter diploma
de estabelecimento oficial ou reconhecidos pelo Governo Estadual / Federal ou
atestado de mais de cinco anos de atividade profissional).
Embora as mobilizações da classe comercial verificadas na década de 1920
- destacando-se o Congresso Brasileiro de Contabilidade -, que resultaram na
edição de duas normas federais (1923 e 1926), as grandes transformações
ocorreram no ano de 1931, com a edição do Decreto nº 20.158:
Em 1931, foi concretizada a reforma do ensino comercial, efetuada nos
mesmos moldes que haviam sido reivindicados durante o 1º Congresso
Brasileiro de Contabilidade [de 1924]. Nesse ano, foi instituído também o
registro obrigatório dos guarda-livros e dos Contadores na
Superintendência do Ensino Comercial. No ano seguinte, o governo
provisório baixou o Decreto nº 21.033, que estabeleceu novas condições
para o registro de Contadores e Guarda-livros e que resolvia o problema
dos práticos. O decreto estabeleceu condições e prazos para o registro
desses práticos e, a partir de então, a profissão contábil esteve
indissoluvelmente ligada à preparação escolar (CRCSP, 2007).
Frustradas as tentativas de instituir um estabelecimento público de ensino
comercial na capital, alguns representantes do grupo comercial, com destaque
para Horácio Berlinck, Lacerda Franco, Veiga Filho e Álvares Penteado,
decidiram se unir em torno desse objetivo e criaram a Fecap, em 1902. Existia a
confiança no ensino comercial, como forma de preparar o Brasil para a nova
modalidade de guerra: a do capital (também a questão da civilização), mas não
estavam tão seguros quanto ao resultado dessa investida. É o que demonstra
Seixas, em depoimento de 1922:
55
A esse tempo, bem longe estávamos de imaginar que a então Escola
Pratica de Commercio da Rua Líbero Badaró, fundada com o esforço
patriótico dos ilustres e beneméritos paulistas senador Lacerda Franco e
professor Horácio Berlinck, mais tarde transferida para os velhos salões da
Faculdade de Direito de São Paulo, se transformasse neste suntuoso
templo de instrução, em que o observador não sabe o que mais admirar na
sua majestade soberba - se os contornos magníficos do belo edifício que a
magnanimidade de Álvares Penteado fez erigir e transferir para o
patrimônio da Escola, - se o desdobrar dos programas didáticos,
magistralmente organizados, e o magistério que aqui se professa, pela
eloqüência e sabedoria dos mestres, alguns dos quais discípulos que
foram desta casa que sempre me traz à mente as mais gratas recordações
(Seixas, 1922, p. 446).
Do início tímido, nas instalações cedidas pelo Conde Prates, a Fecap se
desenvolveu, ganhou uma nova sede, reconhecimento, tornando-se referência no
ensino comercial. Ela representava os esforços de um grupo ascendente na
sociedade paulistana, cuja rede de relacionamentos permitiu que ela estivesse no
centro dos debates mais importantes acerca do ensino comercial e da
regulamentação da profissão de contador no país. Com a falta de controle estatal,
teve autonomia para criar durante 29 anos, até a publicação do Decreto nº
20.158/1931, quando se inicia um novo período da história do ensino comercial e
da profissão contábil no Brasil: em que o Estado passa a figurar no papel central.
56
CAPÍTULO II
O desenvolvimento do ensino comercial, cursos e profissões
2.1. A instauração do curso comercial
Quando publica o seu artigo em 1901, Veiga Filho apresenta a discussão
entre a criação de “Escolas Práticas” e “Escolas Superiores” e conclui pela
conveniência de começar pelas primeiras, visando inicialmente o ensino
elementar de jovens.
Tratando-se da organização do ensino, devemos primeiramente ter em
linha de conta a grande conveniência de começarmos pela fundação de
Escolas Práticas ou de 1º grau, cujo fim é um rudimentar preparo
intelectual dos moços para o comércio, isto é, a formação de soldados
para o exército do comércio. Só depois de organizado o ensino elementar
por assim dizer, é que devemos cuidar das Escolas Superiores ou do 2º
grau, destinadas a formar os bons patrões ou generais, que ainda com o
ensino sempre se habilitam, de modo definitivo, na luta de concorrência
que é o campo de batalha do comércio! (Fecap, 1932, pp. 55-56)
No mesmo artigo, propõe a criação de um único curso prático de três anos,
nos mesmos moldes do já existente curso integral da Escola Prática de Comércio
do Pará, para alunos maiores de 15 anos. Tal proposta foi acolhida pela comissão
que elaborou os estatutos da sociedade (aprovados em 25 de abril de 1902) e
que seria responsável pela fundação e manutenção da Escola Prática de
Comércio de São Paulo. Reza seu artigo 2º que “a Escola compreenderá”, além
de um museu de mercadorias, um laboratório de análises e uma biblioteca, um
curso comercial, distribuído em três anos (Fecap, 1902).
O artigo 28 dos Estatutos dispõe sobre o período letivo, com abertura dos
cursos no dia 1º de julho e encerramento no dia 30 de abril. O valor da anuidade
de 50$000 seria pago em duas parcelas: uma no momento da matrícula e outra
para a inscrição nos exames. Previa ainda, como requisitos para a matrícula:
Artigo 31 Para ser admitido à matrícula é necessário:
Requer ao diretor, declarando a idade, filiação e naturalidade, juntando-se:
a) Certidão de idade maior de 16 anos, ou na sua falta justificação;
b) Atestado de vacinação;
c) Certidão de aprovação em exames de admissão feitos perante uma
banca especial organizada pela Escola, ou outros estabelecimentos a juízo
da congregação, ou ainda em qualquer escola complementar do país;
d) documento de haver pago a primeira prestação da taxa de matrícula no
valor de 25$000;
e) Prova de identidade de pessoa.
57
Além do curso normal, o artigo 40 dos Estatutos permitia a freqüência de
ouvintes, “aos sócios da sociedade mantenedora da Escola, precedendo licença
do diretor”. Também era autorizada “aos ouvintes estranhos à sociedade, que
paguem taxa igual a da matrícula, a freqüência aos trabalhos das aulas,
sujeitando-se a mesma disciplina dos alunos matriculados”.
Instalada a nova escola, capitalizada (após subscrição popular referida no
capítulo anterior) e com seu corpo docente organizado, inicia-se o prazo de
matrículas, que ocorreu entre os dias 10 e 25 de junho de 1902. A abertura das
inscrições foi anunciada por editais publicados pela imprensa e afixados na
Escola.
Figura 2
Edital de inscrição de matrículas
Fonte: O Commercio de São Paulo, 07 de junho de 1902
58
Conforme noticiado em O Commercio de São Paulo de 20 de maio do
mesmo ano, o objetivo inicial era oferecer apenas o curso noturno, de 1º de julho
a 31 de março (término um mês antes do previsto nos estatutos). Mas, “à vista do
grande número de matrículas”, foi nomeada “uma comissão para dar parecer
sobre a criação de um curso diurno, além do noturno, destinado aos empregados
da nossa praça” (O Commercio de São Paulo, 14 de junho de 1902). No dia 25 de
junho, último dia de matrículas, é publicado no mesmo jornal um artigo da Fecap,
mencionando que “Provavelmente, além do curso noturno gratuito, haverá um
curso diurno mediante módica remuneração e servindo as mesmas matrículas”.
Tal previsão se confirma, conforme edital da escola publicado em 29 de junho:
Figura 3
Edital de prorrogação de prazo para
matrículas do curso diurno
Fonte: O Commercio de São Paulo, 29 de junho de 1902
59
Como o número de matrículas superou as expectativas, além do curso
noturno previsto inicialmente, foi criado também o curso diurno, cujo período de
inscrições foi prorrogado para o dia 10 de julho. As aulas se iniciaram no dia 15
de julho de 1902, para um grupo de 216 alunos e com um corpo docente de
aproximadamente 30 pessoas.
Embora Veiga Filho tenha mencionado que no primeiro momento deveriam
preparar os “soldados para o exército do comércio” para depois os “generais”, em
alusão ao ensino de 1º e 2º graus, os Estatutos da Fecap e artigo veiculado em
jornal, dispunham de um rol de profissões - para as quais prepararia a Fecap que não pareciam corresponder ao perfil de jovens concluintes do 1º grau:
Art. 1º - A Escola Prática de Comércio de São Paulo, tem por fim ministrar
o ensino técnico necessário à profissão comercial ou preparar
empregados, negociantes, administradores, tradutores e agentes
consulares, capazes de desenvolver o nosso comércio interior e
representar dignamente o Brasil no comércio internacional (Fecap, 1902).
Embora o termo ensino comercial indique profissões ligadas ao comércio, as
fontes indicam uma possibilidade muito mais ampla de atuação do profissional
com formação comercial. Não apenas nos estabelecimentos comerciais, mas
também em bancos, serviços públicos, companhias de seguros e no setor
industrial. É o que indica o jornal O Commercio de São Paulo de 26 de junho de
1902, na coluna denominada “Secção Livre”, assinada por Mauá, que elenca mais
de trinta profissões possíveis em cinco categorias: inicial do comércio, comercial,
profissional, administrativa e consular:
As carreiras para as quais a Escola Prática de Comércio de São Paulo
prepara, são as seguintes;
INICIAL DE COMÉRCIO: -empregados de comércio propriamente ditos; de
bancos e estradas de ferro; guarda-livros; ajudantes; escriturários de
empresas industriais; caixas; agentes ou representantes de casas
exportadoras e importadoras.
COMERCIAL: -negociantes; comissários; corretores; prepostos; agentes
de câmbio e de negócios de praça.
PROFISSIONAL: -professores de comércio; síndicos de bolsa;
superintendentes; tradutores; avaliadores; intérpretes; secretários e
amanuenses de associações, juntas comerciais e de câmaras sindicais.
ADMINISTRATIVA: -inspetores de alfândegas; conferentes; despachantes;
diretores de estatística; diretores de colônias e de museus comerciais;
agentes e comissários de imigração; oficiais de gabinete.
CONSULAR: -agentes consulares; chanceleres; secretários e adidos de
legações e outros.
Qual carreira oferece maior horizonte à mocidade brasileira, a fim de bem
servir e dignificar a pátria, estendendo seu comércio aos pontos mais
extremados do mundo?
60
Nenhuma! - A matrícula de cento e cinqüenta moços em nossa Escola
Prática do Comércio, aí está para atestar essa inteligente compreensão.
Nossos aplausos à nascente instituição e ao progresso paulista.
No ano seguinte (1903), a Fecap publica um Regulamento que manteve o
único curso de três anos, tendo alterado alguns dispositivos dos Estatutos, como
as datas de abertura e encerramento dos cursos (para 1º de agosto e 31 de maio,
respectivamente) e o valor da anuidade (de 50$000 para 80$000).
Pelo observado nas pastas dos alunos, através dos requerimentos, boletins,
recibos de pagamento de matrícula e outros documentos, conclui-se que se
efetivou, na prática, esse primeiro curso em três anos, que dava aos alunos
habilitados em todas as matérias o direito a um Diploma de Habilitação Comercial,
o qual deveria ser registrado em livro especial.
A primeira alteração na estrutura de seu curso ocorreria somente dois anos
depois. Com a publicação do Decreto Federal nº 1.339, de 09 de janeiro de 1905,
assinado pelo Presidente da República Francisco de Paula Rodrigues Alves e
pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores José Joaquim Seabra, o Estado
pela primeira vez, na República, intervém no ensino comercial. Essa norma
declara a Academia de Comércio do Rio de Janeiro e a Fecap (de forma
extensiva) como instituições de utilidade pública e reconhece os diplomas por elas
conferidos como de caráter oficial. Ainda, estende seus benefícios aos alunos
diplomados pelas extintas Academia do Comércio de Juiz de Fora e Instituto
Comercial do Distrito Federal. A principal novidade, todavia, foi a organização do
curso comercial:
§1º A Academia de Comércio [referindo-se à escola do Rio de Janeiro]
manterá dois cursos: um geral, habilitando para o exercício das funções de
guarda-livros, perito judicial e empregos de Fazenda e o outro, superior,
habilitando mais para os cargos de agentes consulares, funcionários do
Ministério das Relações Exteriores, atuários de companhias de seguros e
chefes de contabilidade de estabelecimentos bancários e grandes
empresas comerciais.
Referido dispositivo legal determinou, ainda, a grade curricular mínima
obrigatória para cada um dos cursos regulares (possibilitando a criação de aulas
livres de outras matérias), não mencionando, todavia, a duração de cada um
deles nem mesmo como as matérias deveriam ser distribuídas. Menciona apenas
que “O ensino em geral será essencialmente prático, devendo quanto às
61
matemáticas, ser todo de aplicação ao comércio e, quanto às línguas referidas,
será efetuado de modo a que os alunos consigam falar e escrever corretamente o
idioma lecionado”.
Essa norma foi absorvida pela Fecap, que passou seu aniversário de três
anos se reorganizando para atender ao aludido decreto, conforme noticiado na
imprensa:
Estamos informados de que o aludido aniversário não é hoje solenizado
condignamente na Escola, por estar ela agora em via de reorganização, de
acordo com a recente lei que uniformizou as escolas congêneres do país.
Encerrados os exames e realizadas que sejam as reformas e
reorganização referidas, o que se dará em agosto próximo futuro, será
efetuada a solenidade do aniversário da fundação e da instalação de
novos cursos (O Commercio de São Paulo, 1º de junho de 1905).
Não foi possível observar na prática a imediata aplicação do Decreto nº
1.339/1905, em especial da criação dos cursos superiores. Embora a imprensa
tenha informado que em agosto daquele ano seriam instalados os novos cursos,
não foi encontrado indício da sua ocorrência, como anúncio em jornal, recibo de
matrícula, boletim ou ficha de aluno. No livro que celebra o lançamento da pedra
fundamental da nova sede (Fecap, 1907) também não há qualquer referência a
eles22.
Ainda em 1905, a mesma norma estadual que havia dado isenção de
impostos para a aquisição ou construção de uma nova sede para a Fecap (Lei nº
969, de 1º de dezembro de 1905), também concedeu benefícios aos alunos por
ela diplomados:
Art. 2º Os alunos diplomados pela Escola de Comércio, a que se refere o
artigo antecedente, poderão ser nomeados, independentemente de
concurso ou quaisquer outras provas de habilitação intelectual, para os
cargos de escrituração ou de contabilidade de qualquer das repartições
públicas do Estado.
Em 1908 é criado o curso preliminar, como curso de adaptação preparatório
ao geral. Conforme noticiado em 1910:
22
Levanta-se aqui uma hipótese, não comprovada mas que pode vir a ser objeto de pesquisa. Considerando a estrutura
dos cursos apresentada em 1910, a Fecap implantou o curso geral em 3 anos, superior em 2 anos (obrigatórios) e, além
desses, o preliminar em um ano. Caso essa nova estrutura tenha sido implantada logo em 1905 (com início dos cursos em
agosto), a primeira turma do curso superior iniciaria apenas em meados de 1908, momento em que as expectativas
estavam voltadas para a construção da nova sede. Outros dois fatores a serem considerados são a falta de espaço da
segunda sede, na Faculdade de Direito e a alteração da grade curricular dos cursos entre os anos de 1907 e 1909, o que
indica que houve mudanças na sua estrutura. Assim, as fontes analisadas indicam para a instituição do curso superior
apenas após a inauguração da nova sede em 1908.
62
Reconhecendo, também, a diretoria da Escola, as vantagens que poderiam
resultar da formação de um curso de adaptação, para o preparo dos que
se destinam à matrícula no curso geral, estabeleceu um curso preliminar,
que, pelos resultados obtidos nos dois anos do seu funcionamento, já
confirmou as previsões dos fundadores (Fecap, 1910, p. 2).
Há indícios da criação, em 1909, de um curso especial feminino que formava
guarda-livros e auxiliares do comércio (Fecap, 2002, p. 50), tendo sido as
pioneiras Elisa Alfred, Corina Lorena, Lucilla Furquim, Alexandrina Furquim,
Esther Dias Baptista e Anna Thereza Pinto de Andrade. O livro comemorativo dos
dez anos da Fecap, ao especificar os cursos existentes, a grade curricular de
cada um deles e os horários das aulas, em momento algum menciona a
existência de um curso feminino. Da mesma forma o anúncio veiculado no jornal
O Commercio de São Paulo, de 10 de março de 1911 (anexo 7) informa o prazo
de matrícula apenas para os cursos preliminar, geral e superior. No arquivo morto
da escola, organizado em ordem alfabética, não foram encontradas as pastas de
nenhuma delas, o que dificultou na confirmação desses indícios. Outra indicação
negativa está no Livro Registro de Diplomas nº 1: de todas as alunas citadas, a
única a ter seu diploma registrado foi Elisa Alfred, que concluiu o seu curso em 20
de junho de 1912 (três anos após início do curso), sendo o mesmo “Geral”,
conforme consta da página 18:
Figura 4
Registro do diploma de Elisa Alfred
Fonte: Fecap, Livro Registro de Diplomas nº 1, 1905-1931, p. 18
63
Assim, a indicação é de que realmente foram as primeiras mulheres a
estudar na Fecap, não em curso especial dedicado a elas, mas no geral, junto de
estudantes do sexo masculino.
2.2. A consolidação dos cursos comerciais
O livro comemorativo publicado em 1910 (Fecap, 1910) traz a nova
configuração dos cursos disponíveis: preliminar, geral e superior - comprovando a
eficácia do Decreto nº 1.339/1905 -, datas de abertura e encerramento dos cursos
e requisitos de matrícula, sendo que para o curso preliminar, a idade mínima era
de 15 anos:
Figura 5
Abertura e encerramento dos cursos - 1910
Fonte: Fecap, 1910
Os valores e formas de pagamento também mudam. Além de taxas de
matrícula e de inscrição de exame, são também devidas mensalidades, as quais
variam de acordo com o curso, além de emolumentos para a expedição de
diplomas e certidões.
64
Figura 6
Tabela das taxas e emolumentos - 1910
Fonte: Fecap, 1910
São as primeiras transformações verificadas no ensino comercial, que passa
de um único curso para três (preliminar, geral e superior), projetando nele a
expectativa de continuidade da formação profissional (de único de três anos para
o seqüencial de seis anos), em um crescimento vertical. Nesse período de
transições também se verificam mudanças na grade curricular, as quais não
foram objeto de consideração no presente estudo. Os alunos deixam de receber o
“Diploma de Habilitação Comercial” e passam a receber os diplomas do “Curso
Geral” e “Curso Superior”. O já citado anúncio de jornal de 10 de março de 1911
prevê ainda a existência de dois outros cursos oferecidos pela Fecap: o “Ginásio
‘Álvares Penteado’” e o “Curso Especial de Datilografia”.
Quanto às carreiras e aos primeiros resultados, o livro de 1910 coloca os
relevantes serviços que a Fecap “tem prestado e continua a prestar” ao Estado e
a reconhecida competência do seu corpo docente “largamente atestada pelos
ótimos resultados que os alunos têm colhido, e pela manifesta consciência com
que estão desempenhando os seus cargos nos departamentos de contabilidade
das nossas repartições públicas, bancos, casas comerciais etc.” (Fecap, 1910).
65
Embora seja um livro comemorativo da instituição, há indícios de que
realmente os alunos formados pela Fecap atingiam “ótimos resultados”
profissionais. Essa posição é corroborada pelo artigo de jornal veiculado no A
Platéia, de 14 de agosto de 1915:
O Ministro do Interior Carlos Maximiliano afirma em entrevista sobre sua
viagem a São Paulo que impressionou-o a Escola de Commercio; que o
Tesouro Estadual contrata contadores dessa Escola para seus altos
cargos, e o Tesouro Nacional para ordenar a escrituração contratou dois
alunos da mesma escola.
Em 1914, pela observação das pastas dos alunos, observa-se reformulação
da grade curricular, mantendo-se a mesma estrutura de cursos, que passam a ser
de fevereiro a outubro, variando um mês antes ou depois (de início ou término)
dependendo do ano e do curso. O curso preliminar passa a ser chamado de
anexo, com as mesmas características de preparatório ao curso geral.
Passada a fase de fundação da Fecap, em que, embora houvesse
expectativas positivas em relação ao ensino comercial, ainda não era seguro o
sucesso da empreitada (oferecendo apenas um curso de três anos), instaurou-se
um novo momento: o de consolidação do curso comercial, a fim de atender às
novas demandas da sociedade. De um lado, o conceito de curso comercial foi
ampliado, passando a englobar o ensino de várias profissões (que também
tiveram seu conceito modificado). De outro, a multiplicação de instituições de
ensino comercial que demonstrava que os fundadores da Fecap não estavam
enganados.
2.3.
Ramificação
dos
cursos
e
especialização
dos
conhecimentos
comerciais
A primeira grande transformação, dentro do período estudado, ocorre com a
publicação do novo Regulamento da Fecap, em 1921, o qual ampliou o número
de cursos e sua duração. Manteve os cursos anexo preparatório de um ano, o
geral, que foi acrescido de um ano (de três para quatro anos) e o superior de dois
anos. As novidades foram a reestruturação do curso feminino que passou a ser
chamado de “Curso Especial Feminino” e dividido em anexo de um ano e geral de
três anos e a criação da “Faculdade de Ciências Econômicas” de três anos.
66
Para se matricularem nos cursos anexo e anexo feminino, os alunos maiores
de 14 anos deveriam apresentar certificado de exame de estabelecimento oficial
ou prestar exame de admissão. Daí poderiam prosseguir seus estudos para o
curso geral (para iniciar no geral, idade mínima de 15 anos). Para os homens,
havia uma nova opção ao terminarem o geral: seguir para o superior ou para a
Faculdade de Ciências Econômicas (idade mínima de 18 anos), cada qual voltado
para uma especialidade profissional. Foi estipulada a abertura dos cursos no dia
1º de fevereiro e seu encerramento no dia 14 de novembro. Antes desse período
havia prazos para a efetivação da matrícula e exames de admissão. Caso o aluno
quisesse entrar, por exemplo, diretamente no curso geral, sem ter feito o curso
anexo, poderia prestar exame de admissão. Também foram alterados as formas
de pagamento e os valores, que passaram a variar de acordo com o curso. Por
exemplo o curso geral noturno, para o 1º ano, tinha os seguintes valores:
Matrícula 50$000, Expediente 33$000, 10 prestações mensais de 25$000, e
Inscrição de exames 30$000. No anexo noturno, os valores eram de,
respectivamente, 30$000, 26$000, 20$000 e 30$000.
Os diplomas conferidos aos alunos passam a ser os seguintes, conforme
artigo 66 do regulamento: “de Contador, aos alunos que concluírem o Curso
Geral, de Licenciado em Ciências Comerciais aos que terminarem o Curso
Superior, e Bacharel em Ciências Jurídico-Econômicas aos que terminarem o
curso da Faculdade”.
O regulamento nada diz a respeito de diploma ou certificado conferido aos
cursos anexo e femininos. No Livro Registro de Diplomas, encontram-se registros
de diplomas do “Curso Especial Feminino”, sendo o primeiro conferido a Violeta
Turola, a qual concluiu o curso em 27 de novembro de 1920 (antes mesmo do
novo regulamento). O registro é datado de 09 de novembro de 1922.
Do curso seriado em geral e superior, temos a partir de então a ampliação
vertical de mais um ano no curso geral e principalmente, a ampliação horizontal,
com a reestruturação do curso especial feminino e a Faculdade de Ciências
Econômicas, como complemento ao geral, num total de seis cursos. É o reflexo
das transformações da sociedade e da abrangência que o conceito de curso
comercial passa a ter. Essa abrangência já havia sido objeto de artigos, como o
publicado na Revista Paulista de Contabilidade (junho de 1922, p. 5) - não
67
assinado. Interessante é o termo utilizado para designar as diversas
especializações: “ramos de conhecimentos comerciais”.
O comércio torna-se cada vez mais complexo, mais contribuições exige de
conhecimentos, mais atividades especializadas reclama. Hoje, nos
grandes países mercantis, há uma classe de verdadeiros bacharéis (sem
malícia) em vários ramos de conhecimentos comerciais: especialistas
profundos em seguros, em estatística, em bancos, em cooperativas, em
organização de explorações, em balanços, e até em publicidade.
Também o conceito da profissão é ampliado. O que anteriormente era
definido unicamente como “contador”, passa a ser entendido como, no mínimo,
três
áreas
de
atuação
distintas,
as
quais
coincidentemente
(ou
não)
correspondiam aos cursos oferecidos pela Fecap: cursos anexos aos aspirantes,
curso geral e especial feminino aos contadores e curso superior e faculdade aos
contabilistas. Essa classificação foi criada por D’Áuria em 1927 ao instituir o
Registro Geral de Contabilistas do Brasil.
Contabilistas, Contadores e Aspirantes. São Contabilistas os profissionais
chefes de escritórios, os professores e os autores consagrados de
contabilidade. Os Contadores são os guarda-livros ajudantes e os
auxiliares de escritório. A categoria de Aspirantes, compreende os
auxiliares e praticantes de escritórios e os estudantes de comércio e
contabilidade (D’Áuria, 1929, p. 3).
Não apenas são ampliados o conceito de contador e os ramos de
conhecimentos comerciais - considerados estes desde os cursos práticos de
datilografia e taquigrafia (conforme visto no capítulo anterior) até a recém criada
Faculdade de Ciências Econômicas (de nível superior) -, como também o público
que buscava esses cursos. Do curso inicial de 1905, com idade mínima de 16
anos e formado em sua totalidade de alunos do sexo masculino, o perfil é alterado
para jovens a partir de 14 anos, de ambos os sexos23. Especial destaque para a
inserção das mulheres no mercado das profissões comerciais, conforme
demonstrado pela criação de cursos femininos não apenas pela Fecap, mas por
outras instituições de ensino comercial, como é o caso do anúncio da Academia
Mercúrio:
23
Outra possibilidade de pesquisa vislumbrada aqui é a da análise do perfil dos alunos. De onde vinham, qual a classe
social que ocupavam, o que buscavam no ensino comercial. Traçando um paralelo com os cursos oferecidos, requisitos
para o ingresso e profissões para as quais o curso credenciava, temos que no início, o perfil do aluno é um jovem letrado,
que buscava no curso comercial a ascensão social na classe comercial que despontava como promissora. Não buscavam
o ensino abrangente dos cursos de direito, engenharia e medicina, mas ao ensino técnico. No final do período estudado,
observa-se a maior amplitude de cursos e perfil dos alunos, desde os que buscavam apenas o curso geral (para
trabalharem, por exemplo, como auxiliares do comércio), até os que pretendiam continuar os estudos no ensino superior.
Todavia, faz-se necessário um estudo aprofundado para obter respostas às questões suscitadas.
68
No internato a Academia “Mercúrio” não oferece aos vossos filhos um luxo
ostentado que, inútil e improfícuo, desnatura a mocidade, mas um
“refimen” de estudos comerciais, desvelado e severo, ao lado do
necessário conforto e uma educação SÃ, MORAL e CÍVICA,
aperfeiçoando neles o coração, suavizando os costumes, para formar
homens de CARÁTER E REAL VALOR. No externato as aulas funcionam
durante o dia e à noite, com corpo docente constituído de reputados
professores, todos empenhados no estrito cumprimento de seus deveres e
que têm dado provas da sua reconhecida competência como da sua
notável assiduidade, condição essencial da eficiência do ensino. É fato
digno de registro O CRESCIMENTO CONSTANTE DAS MATRÍCULAS
FEMININAS. Várias moças já se diplomaram, logrando invejáveis lugares
no comércio (O Estado de S. Paulo, 10 de janeiro de 1927, p. 07).
Na década de 1920 os debates passam a ser acerca da regulamentação da
profissão contábil e, em relação ao ensino comercial, as principais críticas eram a
respeito da falta de fiscalização, do despreparo dos professores e da falta de
uniformização dos programas. O Governo era alvo dessas críticas, considerado o
responsável por omissão, até que em 1926 responde com a publicação do
Decreto nº 17.329, de 28 de maio de 1926 (em vigor a partir de 1º de julho), que
aprovou o “regulamento para os estabelecimentos de ensino técnico comercial
reconhecidos oficialmente pelo Governo Federal”, que em parte atendia a tais
reivindicações. Conforme exposto no capítulo anterior, o Decreto nº 17.329/1926
foi elaborado como resultado de reuniões ocorridas entre o Ministro da
Agricultura, Indústria e Comércio Miguel Calmon du Pin e Almeida e pessoas
“interessadas
no
assunto”,
em
especial
o
professor
Horácio
Berlinck
(representando a Fecap), que colaborou pessoalmente nessas reformas.
O Estado, que até então deixava a cargo da iniciativa privada a
regulamentação dos cursos comerciais (com exceção da quase insignificante, do
Decreto nº 1.339, de 1905), aprova um regulamento que dá sinais da mudança
dos papéis, com ele passando a ser regulador e fiscalizador do ensino comercial
no país24.
Na questão objeto deste capítulo, a dos cursos e profissões, o decreto
mantém a divisão em dois cursos (geral e superior) - a mesma desde 1905,
inovando ao especificar o número de anos de cada curso (geral, quatro e
24
Não é possível afirmar, mas pela análise dos discursos e pessoas envolvidas na edição deste Decreto (análise menos
aprofundada nesse assunto), conclui-se que a sua conquista ocorreu de baixo para cima, ou seja, foi a classe dos
profissionais do comércio que pressionou o Governo nesse sentido (tendo inclusive participado de sua elaboração), e não
de cima para baixo, pois não pareceu que naquele momento os legisladores brasileiros se preocupavam com as questões
comerciais, com algumas exceções, como é o caso das iniciativas de João Lyra e Raymundo de Miranda, que participam
ativamente desses debates.
69
superior, três) e ao distribuir a grade curricular em cada ano (artigos 2º a 6º). Essa
nova distribuição difere da adotada na Fecap em 1921, que previa o curso
superior de apenas dois anos (um a menos).
As mudanças principais são a redução do limite de idade para 12 anos, no
curso geral e 16 anos, no superior (mudança do perfil dos alunos) e, talvez a
principal delas, o reconhecimento das diversas especializações na área comercial
quando dispõe que “os estabelecimentos poderão ainda manter cursos de
especialização, destinados a profissões determinadas (atuária, consular, de
perícia contábil etc.)”, apontando para a tendência do ensino técnico-comercial
ser desmembrado em razão das especificidades de cada profissão que ele
engloba.
Como tais alterações não modificaram profundamente a estrutura do ensino
comercial adotada na Fecap, este ato não pode ser considerado como relevante
em sua história, mas sim um reflexo do que já vinha sendo aplicado na prática.
Outro fator que deve ser levado em consideração é o pouco tempo de sua
vigência (logo seguido da Revolução de 30 e do decreto de 1931), que parece ter
sido insignificante para a implantação de qualquer reforma profunda.
Há o caso de uma outra instituição - a Academia Prática de Comércio,
fundada na capital em 1909 -, que se insurgiu contra o decreto de 1926, pois
entendia que o mesmo “não modifica em absoluto a posição dos diplomados em
comércio, continuando o ensino comercial à mercê de Deus”. É o artigo, na
íntegra:
DO DECRETO nº 17.329 DE 1926 – Consultando a diretoria os interesses
dos srs. alunos em face do novo Decreto que regulamenta o ensino
comercial, a diretoria da escola acha que o novo Decreto Federal não
modifica em absoluto a posição dos diplomados em comércio, continuando
o ensino comercial à mercê de Deus. Não sendo a fiscalização obrigatória,
conforme intenção professada pela Academia Prática de Comércio em
fundamentada representação ao exmo. sr. ex-Presidente da Republica sr.
dr. Epitácio Pessoa e consulta feita ao exmo. sr. ex-ministro da Agricultura,
a respeito da interpretação do novel Decreto, a Academia Pratica de
Comércio, manter-se-á até nova ordem, fiel ao Decreto Federal nº 1339 de
1905 (O Estado de S. Paulo, 19 de janeiro de 1927, p. 12).
70
Nesse cenário de transformações, uma outra questão foi levantada por
Francisco D’Áuria em 1929 (à época, no Rio de Janeiro) a respeito do ensino
comercial: ele ainda era de nível médio25.
Há muitos outros estabelecimentos de ensino comercial, principalmente na
Capital da República e em São Paulo, sendo que alguns freqüentados até
por centenas de alunos, muito bem organizados e onde se ministra o
ensino médio comercial. (...)
O nosso ensino comercial é médio. Não conseguimos, até hoje, elevá-lo
ao grau superior. É que a corrente dos jovens estudantes ainda não se
desviou, mesmo que em pequena parte, para a carreira comercial. E nós
tanto precisamos de homens preparados em assuntos econômicos. Os
nossos cônsules, os nossos grandes agricultores, os industriais, os
negociantes do alto comércio, os banqueiros, todos os homens de
negócios, enfim, deveriam estar saturados de conhecimentos econômicos,
para melhor colaborarem na nossa prosperidade. Os primeiros passos, em
todo o caso, já foram dados. Esperemos o natural evoluir dos nossos
homens e das nossas coisas (D’Áuria, 1929, p. 2).
Se de um lado promotores do ensino comercial diziam que os cursos
habilitavam “para altos cargos da administração pública e privada”, por outro, ao
analisar os 24 anos desde a edição do primeiro decreto observa-se que ele em
nada mudou e se manteve de nível médio. Considerando as alterações
introduzidas pelo decreto de 1926, um jovem que inicia o curso geral com 12 anos
conclui a formação comercial com 19, sem ter mais opções de prosseguir seus
estudos e aprofundar seus conhecimento. Volta aqui a questão da aprendizagem
prática.
Após a revolução de 1930, Getúlio Vargas assume como Presidente e, ao
criar o Ministério da Educação e Saúde Pública, nomeia como ministro para a
referida pasta Francisco Luís da Silva Campos. Sob essa estrutura política são
discutidas e implantadas diversas reformas na instrução nacional, inclusive no
ensino comercial, com a edição do Decreto Federal nº 20.158, de 30 de junho de
1931 que introduz profundas alterações ao modelo anteriormente adotado, em
especial ao prescrever nova organização do ensino comercial, criar a
Superintendência do Ensino Comercial e regulamentar a profissão de contador.
Foram as mudanças que caracterizariam o início de um novo período na história
do ensino comercial, o que refletiu diretamente na história da Fecap.
25
Embora tenha sido formado na Fecap, D’Áuria provavelmente não considerou neste artigo o curso de 3 anos da
Faculdade de Ciências Econômicas, existente na Fecap desde 1921, e que, embora estivesse paralelo ao denominado
“curso superior” (de nível médio), apresentava as características de um curso de nível superior, inclusive dando aos
formados o diploma de bacharel em ciências jurídico-econômicas.
71
Referida norma renova completamente a estrutura do curso comercial até
então prevista nos decretos anteriores e na própria prática da Fecap. Acaba com
a divisão entre geral e superior e prescreve em seu artigo 2º uma nova estrutura:
O ensino comercial constará de um curso propedêutico e dos seguintes
cursos técnicos de secretário, guarda-livros, administrador-vendedor,
atuário e de perito-contador e, ainda, de um curso superior de
administração e finanças e de um curso elementar do auxiliar do comércio.
O Decreto nº 20.158/1931 deve ser entendido como um divisor de águas na
história do ensino comercial no país, porque no lugar de incluir ou alterar
dispositivos das normas anteriores, simplesmente descarta toda a estrutura
existente (estruturada basicamente sobre dois cursos: geral e superior) e introduz
um novo modelo, dividindo os cursos em propedêutico (três anos), cinco
modalidades de técnicos, dirigidos às profissões comerciais (de um a três anos),
superior (três anos) e elementar do auxiliar do comércio (dois anos).
Quanto às demais inovações introduzidas pelo decreto de 1931, estão a
instituição da “Superintendência do Ensino Comercial”, para fiscalizar os
estabelecimentos de ensino comercial e a regulamentação da “Profissão de
Contador e das suas Regalias”, atendendo às demandas da classe comercial.
Art. 34 A Superintendência de Fiscalização dos Estabelecimentos do
Ensino Comercial, subordinada diretamente ao ministro da Educação e
Saúde Pública, e terá ao seu cargo a fiscalização dos estabelecimentos de
ensino comercial, reconhecidos ou em período de fiscalização prévia, e a
direção de todos os instituídos ou escolas de comércio, ciências
econômicas e administração, mantidos ou dependentes da União, e bem
assim o registro dos diplomas das escolas de comércio, de ciências
econômicas e administração e dos títulos de habilitação previstas neste
decreto.
Art. 35 Todos os estabelecimentos de ensino comercial, de ciências
econômicas e de administração, pertencentes a fundações, sociedades
particulares, estados e municípios, para que gozem dos favores legais,
devem ser equiparados ao padrão federal, requerendo fiscalização e
recolhimento pela Superintendência do Ensino Comercial.
(...)
Art. 53 Fica instituído, na Superintendência do Ensino Comercial, o registro
obrigatório dos certificados de auxiliar do comércio e dos diplomas de
perito-contador, guarda-livros, administrador-vendedor, atuário, secretário
e bacharel em ciências econômicas, expedidos pelos estabelecimentos
dependentes da mesma Superintendência, e para os diplomas, títulos ou
atestados de guarda-livros e contadores que se tenham habilitado para
esse fim e na forma estabelecida por este decreto.
Art. 54 São considerados contadores os que forem portadores de
diplomas conferidos, na vigência da legislação anterior, por institutos de
ensino comercial reconhecidos oficialmente.
72
Posteriormente a este ato, a administração da Fecap edita um novo manual
de normas - Extrato do Regimento Interno - para ajustar seus cursos aos novos
mandamentos legais.
2.4. Comparativo do desenvolvimento do ensino comercial
Da análise do material administrativo da Fecap (pastas de alunos,
regulamentos, livros comemorativos etc.) e da legislação federal, elaborou-se um
quadro comparativo do desenvolvimento do ensino comercial a fim de melhorar a
sua visualização e compreensão. Embora tenham sido colocados lado a lado os
cursos da Fecap e os previstos na legislação, não se trata de uma evolução
seqüencial, sendo um decorrente do outro.
73
74
É interessante observar no quadro como se deu a construção do conceito de
“ensino comercial”. Inicialmente um único curso - que dava o diploma de
“habilitação comercial” -, voltado para os jovens letrados de uma parcela
ascendente
da
sociedade,
nos
centros
urbanos.
Depois
se
verificam
transformações verticais e horizontais, ora classificando por sexo, ora por
profissão ou ainda pelos possíveis caminhos a serem percorridos até o momento
de maior complexidade, com o advento do decreto de 1931. Vale a transcrição
dos seus artigos 10 a 12:
Art. 10. Para a matrícula no 1º ano do curso propedêutico e de auxiliar do
comercio serão exigidos os seguintes documentos:
a) certidão provando a idade mínima de 12 anos;
b) certificado de aprovação nos exames a que se referem o artigo 3º e
seus parágrafos;
c) atestado de sanidade e vacinação ou revacinação recente;
d) recibo de pagamento da taxa de matrícula.
Art. 11. Para matrícula no 1º ano do curso de secretário, guarda-livros,
administrador-vendedor, atuário e perito-contador serão exigidos os
documentos seguintes:
a) certificado de conclusão do curso propedêutico, ou certificado de
aprovação na 5ª série do curso secundário, expedido pelo Colégio Pedro II
ou institutos congêneres, a este equiparados ou sob o regime de inspeção;
b) atestado de identidade;
c) atestado de idoneidade moral:
d) atestado de sanidade;
e) recibo de pagamento da taxa de matrícula.
Parágrafo único. Os diplomados por escolas superiores, que quiserem ingressar
no curso de perito-contador ou de atuário, ficarão dispensados de freqüência e
exames nas disciplinas de que já tiverem aprovação nos respectivos cursos
superiores.
Art. 12. Para a matrícula no 1º ano do curo superior de administração e finanças,
alem dos documentos enumerados no artigo anterior, alíneas b a e, será exigido
diploma de perito-contador ou de atuário.
Dessa análise também é possível classificar a evolução dos cursos
comerciais em três fases, considerando algumas peculiaridades de cada uma
delas: a primeira, de instauração (de 1902 a 1908), onde se oferecia apenas um
curso comercial de três anos de duração; a segunda, de consolidação (de 1908 a
1921), onde se mantém a estrutura seriada e contínua, porém com a ampliação
no número de cursos - crescimento vertical; e a última, de ramificação (de 1921 a
1931), quando aumentam as opções de cursos, possibilitando aos alunos
seguirem por diversos caminhos dentro do ensino comercial, como reflexo da
própria diversificação das chamadas profissões comerciais - crescimento
75
horizontal. Não ocorre nenhuma ruptura na transição de uma fase a outra
(permanece a mesma estrutura do curso), mas apenas ampliações e
ramificações, motivo pelo qual é possível o seu estudo como um único momento.
Em 1931, toda essa estrutura é descartada para a implantação de uma
completamente nova.
Uma outra questão interessante que foi observada na Fecap, é a relação
entre o dispositivo normativo e a prática pedagógica. Ao comparar a legislação
federal com as normas da instituição e as normas da instituição com o observado
nas pastas de alunos (boletins e fichas dos alunos), podemos extrair a seguinte
conclusão: por se tratar a Fecap de uma instituição privada sem o controle estatal
(durante os seus primeiros 29 anos) a administração escolar não dependia de
nenhum fator externo (e portanto não há que se falar em absorção de modelos /
processo de interpretação de normas). Como as questões de administração,
grade curricular, programas das lições, medidas para melhorar a organização
técnica etc. eram discutidas inicialmente entre a diretoria e professores e
posteriormente a cargo da diretoria, extrai-se daí que praticamente não há
divergências entre os dispositivos normativos internos e a prática educacional
(confirmados pela comparação regulamentos / fichas dos alunos). O mesmo não
ocorre com a relação entre a norma legal federal e a norma interna da escola. O
que se verifica é que a Fecap não absorveu as disposições dos decretos de 1905,
1923 e 1926 mas, pelo contrário, influenciou o legislador federal na elaboração
dessas normas.
Com referência ao conceito de ensino técnico-comercial, autores que
trabalham com o tema ensino técnico (Cunha, 2005; Moraes, 1990; Queluz, 2000;
Weinstein, 2000) convergem no sentido de que o objetivo da criação de cursos
profissionais, pelas elites, era instruir os operários (ou futuros operários) visando
racionalizar e melhorar a produção industrial. Outros termos e expressões que
são comumente relacionados ao ensino técnico são “controle social”, “relação
ensino / tecnologia”, “disciplinar moralmente o cidadão, estimulando os hábitos do
trabalho”, “padronização social”, “regeneração pelo trabalho”, “órfãos e filhos de
famílias pobres”, “uso da ciência e educação” e até mesmo “menores
delinqüentes”.
76
E engenheiros como Gaspar Ricardo Júnior e Roberto Mange
consideravam a aplicação de métodos racionais à capacitação e
aprendizagem profissional como a chave para a formação de uma força de
trabalho mais disciplinada e mais qualificada. (...)
A “educação profissional” organizada e formal em São Paulo tinha suas
raízes em instituições fundadas por diversas ordens religiosas. Tais
escolas davam treinamento a órfãos e filhos de famílias pobres para tornálos carpinteiros, sapateiros e pedreiros, mas pouco faziam para aumentar
o prestígio da educação profissional ou do trabalho manual na sociedade
paulista (Weinstein, 2000, p. 46).
O Estado deveria, portanto, criar instituições de preferência de
confinamento, preocupadas em formar o caráter da criança dentro da ética
do trabalho e dos valores burgueses. Neste contexto, era defendido como
fundamental, pelos médicos, educadores, filantropos e pela polícia, o
aprendizado profissional que não somente preparasse o menor para a
atividade produtiva, mas também moralizasse sua alma e higienizasse seu
corpo (Queluz, 2000, p. 20).
Ocorre que nesse molde, ainda que simplista, não se encaixam vários
elementos observados na Fecap: o curso comercial não buscava retirar das ruas
menores delinqüentes, não buscava formar operários para a indústria e não
buscava o controle social. O perfil dos alunos, na maioria jovens letrados, indicava
uma camada social ascendente que não buscava pelo título conferido pelos
cursos de Direito, Medicina ou Engenharia, mas sim uma especialização.
Por outro lado, indicava ser ensino técnico, pois visava formar para a
“profissão comercial” pelo uso da prática, utilizando-se da ciência e tecnologia.
Dessas considerações conclui-se que o ensino comercial surgiu como uma
modalidade de ensino entre as duas categorias existentes: a do ensino técnicoindustrial e o das faculdades de direito, medicina e engenharia.
77
CONCLUSÃO
A Fecap, instituição pioneira no ensino comercial no país, foi fundada em um
momento de profundas transformações na sociedade brasileira, em especial na
paulista, que vivia um acelerado processo de urbanização em razão da expansão
cafeeira no oeste do estado e conseqüente construção das estradas de ferro e
chegada de imigrantes. No final do século XIX, o excedente de mão-de-obra das
fazendas vêm à cidade de São Paulo, que começa a se desenvolver como um
importante pólo industrial. As relações comerciais vão se ampliando e surge uma
nova demanda profissional: empregados qualificados para trabalhar nas
empresas e administradores para gerenciá-las.
É nesse cenário que quatro pessoas, com trajetórias de vida diferentes,
unem-se em torno do ideal da educação para o comércio, alegando assim auxiliar
o progresso do país: Álvares Penteado, importante fazendeiro e industrial;
Lacerda Franco, político; Veiga Filho, advogado; e Horácio Berlinck, contador e
professor. Embora com perfis diferentes, relacionam-se com um grupo de
“profissionais do comércio” que se organizava na capital em principalmente três
associações: Associação Comercial de São Paulo, Sociedade Humanitária dos
Empregados do Comércio de São Paulo e Grêmio dos Guarda-livros de São
Paulo. Juntos, formavam uma rede de relacionamentos que foi fundamental para
o sucesso de tal empreitada.
Infrutíferas as tentativas de conseguir junto ao poder público esta iniciativa,
decidem criar uma escola privada. O pensamento do grupo é refletido em um
artigo de Veiga Filho, publicado em 1901, que defende a criação da escola
comercial. Em 25 de abril de 1902 são aprovados os Estatutos da Escola Prática
de Comércio de São Paulo. As aulas têm início em 15 de julho do mesmo ano, em
edifício cedido pelo Conde Prates, com 216 alunos matriculados. Em 1904 é
transferido para as instalações da Faculdade de Direito de São Paulo. No ano
seguinte, é editada a primeira norma do Governo Republicano versando sobre o
ensino comercial no país: o Decreto nº 1.339 que reconhece a Fecap como
instituição de utilidade pública sendo reconhecido os diplomas por ela conferidos
como de caráter oficial. Esta norma prevê a existência de dois cursos: um geral e
78
outro superior. As expectativas de profissões eram variadas: guarda-livros, perito
judicial, agentes consulares, chefes de contabilidade etc.
Dado o número de matrículas, cresce a agitação para a construção ou
aquisição de uma nova sede. Ainda em 1905, uma Lei Estadual concede
benefícios à Fecap, para facilitar na concretização desse plano. No ano seguinte,
o Conde Álvares Penteado doa o terreno e financia a construção de um edifício,
posteriormente chamado de Palácio do Comércio, dada sua imponência. Encerrase ai o primeiro momento do ensino comercial em São Paulo e da Fecap, de
instauração do curso comercial. É criada uma instituição privada especializada no
ensino comercial que oferece apenas um curso de três anos para jovens letrados
que pretendem ingressar na carreira comercial. Embora o ensino seja técnico, há
um forte movimento para o reconhecimento da carreira comercial, contra os
tradicionais cursos de humanidades: direito, medicina e engenharia, embora esse
grupo tenha bons relacionamentos com todas essas classes, dado ao prestígio
que foi sendo adquirido pela Fecap. Os alunos não buscavam simplesmente o
título. Buscavam atingir altos cargos da administração pública e privada. Essa
suposição tem como indícios de sua pertinência fontes, como currículos de
professores, empresas e empresários que investiram na criação da escola,
matérias ensinadas e anúncios em jornais.
A singularidade de São Paulo, que pode ser verificada em tantos aspectos
de sua história, consiste no fato de este núcleo urbano ter sido capaz de
criar o “tipo”, o agente, a classe que incorporou as necessidades da urbe.
Um tipo tão novo que se compõe de estrangeiros. Mas também de
nacionais, que formam essa classe de emergentes urbanos (Deaecto,
2002, p. 24).
O segundo momento, de consolidação, é quando a Fecap passa a oferecer
os dois cursos previstos no decreto de 1905 (geral e superior), além de um
terceiro preliminar não obrigatório, a partir de 1908. Começa o crescimento
vertical. Concomitante, começam a se multiplicar as escolas de comércio na
capital, acompanhando as transformações da sociedade, que gerava essa
demanda. O discurso deixou de ser o da criação da escola e o grupo passou a
defender a valorização da profissão contábil (termo que começa a ser mais
utilizado) e a regularização do ensino comercial, a fim de controlar os
estabelecimentos que não se preocupavam com a qualidade do ensino. Em
especial, discutiam a uniformização dos programas, a falta de preparo dos
79
professores e a necessidade de fiscalização das escolas. Novos personagens
começam a se destacar, como Francisco D’Áuria, aluno da segunda turma da
Fecap, formado em 1906. Dentre as profissões, o conceito de “atividade
comercial” passa a ter um significado muito amplo e começam a aparecer cursos
de datilografia, taquigrafia, escrituração mercantil, sobre o rótulo de “cursos
comerciais”. Um dos objetivos do grupo, utilizando como modelo a ser seguido a
Fecap, era impedir o funcionamento dessas escolas que prometia formar guardalivros em apenas três meses.
Nesse segundo período também se observa a preocupação da classe em se
organizar e fortalecer, criando periódicos e associações, como a Revista
Brasileira de Contabilidade (1912), Instituto Brasileiro de Contadores Fiscais
(1915), Instituto Brasileiro de Contabilidade (1916, no Rio de Janeiro), Associação
dos Contadores de São Paulo (1916), Instituto Paulista de Contabilidade (1919) e
Revista Paulista de Contabilidade (1922).
Após a Primeira Guerra Mundial, tem início o período de ramificação,
acompanhando o processo de especialização da profissão comercial, que justifica
a criação de novos cursos. A Fecap muda seu regulamento em 1921 e, como
novidade, passa a oferecer um curso especial feminino, dividido em anexo
(preparatório) e geral (na realidade, o curso feminino já vinha sendo aplicado
antes mesmo do novo regulamento em 1921), e cria a Faculdade de Ciências
Econômicas, que visava ao ensino superior e dava a seus formandos o diploma
de “Bacharel em Ciências Jurídico-Econômicas”. Além do crescimento vertical,
verifica-se também o crescimento horizontal dos curso, possibilitando ao aluno
seguir caminhos diferentes.
Nos discursos, mantém-se de forma mais intensa a questão da regularização
do profissão contábil e dos cursos comerciais. Alguns projetos de lei são
apresentados no Congresso Nacional, mas que não vigoram. Em 1924 acontece
no Rio de Janeiro o 1º Congresso Brasileiro de Contabilidade, onde todas essas
idéias são discutidas.
A influência da Fecap aparece claramente quando o proposta de Horácio
Berlinck é escolhida pelo Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio para servir
projeto ao novo decreto regulamentador do ensino comercial. Em 1926 é
publicado o Decreto nº 17.329 que atende em parte aos pedidos da classe
comercial: uniformiza o programa do curso comercial, distribui a grade curricular
80
pelos anos dos cursos, prevê a fiscalização das instituições, cria restrições para a
contratação de professores, prevê obrigações administrativas aos diretores das
escolas etc. Embora esse decreto tenha sinalizado favoravelmente às aspirações
do grupo, na Fecap ele pouco influenciou. Em questão dos cursos, ele retroage
para a mesma estrutura do Decreto 1.339/1905 e não traz nada de novo ao que já
vinha sendo aplicado na Fecap. Também teve curto período de vigência,
considerando a Revolução de 30, seguida da sua revogação pelo Decreto nº
20.158 promulgado junto às reformas da educação promovidas pelo Governo de
Vargas. Termina em 1931 o período em que as instituições particulares de ensino
comercial, por não haver instituição oficial pública, tinha liberdade na criação dos
cursos comerciais. Com o decreto de 1931 são atendidas as demandas do grupo
em relação à regularização da profissão contábil, a diversificação dos cursos
comerciais, versando mais para o caráter técnico e ainda superior. De um único
curso comercial de três anos, apresenta-se agora oito cursos, com possibilidades
de carreiras distintas, totalizando vinte anos de ensino comercial! Ainda, o decreto
trata da fiscalização das instituições, com a criação da Superintendência do
Ensino Comercial. O Governo Federal passa a ter o controle sobre as escolas, e a
Fecap adere ao mandamento legal. O ensino comercial em São Paulo e a Fecap
deixam de ser o modelo para as demais instituições.
Passo, então, às questões que foram objeto de pesquisa.
Foram muitos os personagens que influenciaram e ajudaram na criação da
Fecap e sua posterior administração. Os quatro apontados são considerados os
principais responsáveis e até hoje possuem lugar de destaque na história do
ensino comercial: Álvares Penteado, Lacerda Franco, Veiga Filho e Horácio
Berlinck. Como visto, Francisco D’Áuria assume posteriormente um papel de
destaque nas questões comerciais, mesmo que nem sempre vinculado à Fecap.
Não só fundaram a escola, como encabeçaram um grupo social envolvido na
atividade comercial que se prestava a defender a educação e a valorizar a
atividade comercial.
Sua rede de relacionamentos com industriais, políticos, professores,
agricultores foi fundamental nessa empreitada. É interessante observar o modo
como essas personalidades circulavam e se cruzavam em vários locais da
81
sociedade paulistana, como nas instituições de ensino, nas associações
comerciais, periódicos ou mesmo na Rotisserie Sportsman, da qual Álvares
Penteado era investidor. Era um grupo social que ascendia economicamente e
politicamente, inclusive tendo a possibilidade de criar a própria norma
regulamentadora de sua profissão. É difícil responder objetivamente à pergunta
sobre as expectativas que eles depositavam no ensino comercial, mas pelos
discursos de várias pessoas ligadas ao grupo, verifica-se que a questão comercial
era muitas vezes vista como uma batalha, como assunto de soberania nacional.
Defendiam que o progresso do Brasil, no mundo capitalista moderno, estava
vinculado às questões comerciais e assim, venceria a batalha o país que tivesse
melhores profissionais. Também entendiam o ensino comercial como questão de
civilidade.
Foi demonstrado o prestígio que a Fecap adquiriu ao longo dos 29 primeiros
anos de existência, que pode ser demonstrado de várias formas: foi declarada a
primeira instituição de ensino comercial reconhecida oficialmente no país; nela se
discutia o futuro do ensino comercial e da regularização da profissão contábil;
seus professores eram convidados a participar das reformas de ensino; era tida
como molde para outras instituições; em suas instalações reuniam-se
associações da classe comercial. Não é difícil encontrar nos anúncios de outras
escolas referências de seu corpo docente: “professor formado pela Fecap”. Tal
prestígio lhe forneceu legitimidade para ser a principal agência de qualificação do
saber técnico-comercial.
O conceito de ensino técnico-comercial acompanhou as transformações da
sociedade nesse período, englobando vários cursos e formando para várias
profissões. Dentro dessa evolução, configurou-se como uma modalidade de
ensino nova, ocupando uma posição intermediária entre os cursos técnicos
industriais e os cursos de direito, medicina e engenharia. O curso comercial não
buscava o controle social nem formar operários para a indústria mas, utilizando-se
da ciência e tecnologia, e pela prática, preparar os alunos para o exercício das
“profissões comerciais”. Possui elementos de ambas, mas não é nenhuma delas.
O desenvolvimento das relações comerciais se deu de forma muito rápida
nas três primeiras décadas do século XX e isso se refletiu nas possibilidades de
ocupações comerciais. Observa-se na Fecap que sempre existiu a preocupação
em manter a qualidade de ensino, desde os requisitos mínimos para a efetivação
82
da matrícula, exames de admissão, atividades práticas, exames orais, grade
curricular, nível dos professores etc., motivo pelo qual essas variações não
refletiram muito no perfil do seus alunos. De qualquer forma, com o crescimento
vertical e horizontal dos cursos, conforme já demonstrado em quadro, ela
procurou atender à evolução dos “ramos do conhecimento comercial”, de forma
técnica.
Feitas estas considerações, espero que o presente trabalho tenha
contribuído para a História da Educação Brasileira, em especial à História do
Ensino Comercial, terreno ainda tão carente de observação. Os assuntos
apresentados aqui não se esgotam, pelo contrário, devem ser entendidos como
possibilidades de futuras pesquisas, em um campo onde ainda há muito o que
fazer.
83
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FECAP. Regulamento da Escola Prática de Comércio de S. Paulo. São Paulo:
1903
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FECAP. Escola de Comércio “Álvares Penteado” - Extrato do Regimento Interno.
São Paulo: s/d.
FECAP. Livro Registro de Diplomas nº 1, 1905-1931.
FECAP. Pastas dos alunos
Publicações da Fecap
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anos servindo ao ensino comercial e econômico (1902-1992). São Paulo:
Letras & Letras, 1992.
FECAP. Edição Comemorativa do Lançamento da Pedra Fundamental da Escola
de Commercio Alvares Penteado em 30 de maio de 1907. São Paulo: Duprat
& Comp., 1907.
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FECAP. Histórico da fundação, solenidades comemorativas do 30º aniversário e
constituição atual da Escola de Comércio “Álvares Penteado”. São Paulo:
1932.
FECAP. A Escola de Comércio Álvares Penteado em seu 40º aniversário de
fundação (1902-1942). São Paulo: 1942.
84
FECAP. A Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado em seu 50º
aniversário (1902-1952). São Paulo: 1952.
FECAP. Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado. Fecap: 100 anos. São
Paulo: Marca D’Água, 2002.
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Contabilidade. Ano II, nº 6, pp. 181-183. São Paulo: setembro de 1923.
BERLINCK, Horácio. 1ª Conferência da Série promovida pela Associação dos
Contadores de S. Paulo, pronunciada pelo Snr. Horácio Berlinck. Revista
Brasileira de Contabilidade. Ano VI, pp. 48-51. São Paulo: março de 1917.
_________________. A Regulamentação da profissão de guarda-livros. Revista
de Commercio & Industria. Ano VI, nº 69, pp. 442-446. São Paulo: setembro
de 1920.
CARVALHO. Carlos de. A regulamentação da profissão de guarda-livros. Revista
de Commercio & Industria. Ano VI, nº 69, pp. 442-446. São Paulo: setembro
de 1920.
D’ÁURIA. Francisco. Primeiras Palavras. Revista Brasileira de Contabilidade. Ano
1, nº 1, pp. 1-4. Rio de Janeiro: janeiro de 1929.
DÓRIA, Júlio de Sampaio. Os contadores e o ensino technico-commercial.
Revista Paulista de Contabilidade. Ano II, nº 5, pp. 75-81. São Paulo: junho de
1923.
HERRMANN JÚNIOR. Frederico. Em torno do próximo Congresso de
Contabilidade. Revista Paulista de Contabilidade. Ano III, nº 9, pp. 100-102.
São Paulo: junho de 1924.
85
MOTOLLA,
Álvaro.
Os
Guarda-livros
Modernos.
Revista
Paulista
de
Contabilidade. Ano I, nº 4, pp. 43-45. São Paulo: março de 1923.
SAMPAIO, José da Costa. O ensino commercial I. Revista de Commercio &
Industria. Ano VI, nº 63. São Paulo: março de 1920
_______________________. O ensino commercial II. Revista de Commercio &
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_______________________. O ensino commercial III. Revista de Commercio &
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SEIXAS, Deocleciano Rodrigues. Escola de Commercio “Alvares Penteado”.
Revista da Associação Commercial de São Paulo. Ano VIII, Vol. II, nº 8, pp.
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VAZ, Raul. Ensino Comercial. Revista Paulista de Contabilidade. Ano I, nº 1, pp.
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VEIGA FILHO, João Pedro da. Escola de Comércio em S. Paulo. Edição
Comemorativa do Lançamento da Pedra Fundamental da Escola de
Commercio Alvares Penteado em 30 de maio de 1907. pp. 26-30. São Paulo:
Duprat & Comp., 1907.
Revistas especializadas e jornais
Revista Brasileira de Contabilidade.
Revista Paulista de Contabilidade.
Revista Commercio & Industria.
Revista da Associação Comercial de São Paulo.
Jornal O Estado de S. Paulo.
Jornal O Commercio de São Paulo.
Jornal A Platéia.
Jornal Correio Paulistano.
86
Legislação
BRASIL. Decreto Federal nº 1.339, de 09 de janeiro de 1905. CLBR- Coleção de
Leis do Brasil. Vol. 1, p. 28. 31 de dezembro de 1905.
_______. Decreto Federal nº 1.423, de 27 de novembro de 1905. CLBR- Coleção
de Leis do Brasil. Vol. 2. 31 de dezembro de 1905.
_______. Decreto Federal nº 4.724-A, de 23 de agosto de 1923. CLBR - Coleção
de Leis do Brasil. Vol. 1, p. 156. 31 de dezembro de 1923.
_______. Decreto Federal nº 17.329, de 28 de maio de 1926. CLBR - Coleção de
Leis do Brasil. Vol. 2, p. 506. 31 de dezembro de 1926.
_______. Decreto Federal nº 20.158, de 30 de junho de 1931. CLBR - Coleção de
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ESTADO DE SÃO PAULO. Lei Estadual nº 996, de 1º de dezembro de 1905.
Disponível em: <http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaGratuita
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ID=0%2f4%2f1%2f0&filtrocadernossalvar=0%2f4%2f1%2f0&filtropalavraschav
e=+&filtrotipopalavraschavesalvar=FE&filtrodatafimsalvar=19051205&NomeCa
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Dissertação de Mestrado. Educação: História, Política, Sociedade da PUC/SP.
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<http://www.jucesp.sp.gov.br/historia.asp>. Acesso em: dezembro de 2007.
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Sindicato
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Disponível
em:
<http://www.scpa.org.br/historia.php>. Acesso em: dezembro de 2007.
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<http://sindcontsp.locaweb.com.br/view/paginas.php?id=97>.
Acesso
em:
dezembro de 2007.
91
ANEXO 1
Certidão médica, boletim e recibo
92
ANEXO 2
Requerimento de matrícula
93
ANEXO 3
Ficha de aluno - 1916
94
ANEXO 4
Notícia da fundação da Fecap
Fonte: O Commercio de São Paulo, 26 de abril de 1902
95
ANEXO 5
Anúncio da sessão solene de inauguração - 1902
Fonte: O Commercio de São Paulo, 1º de junho de 1902
96
ANEXO 6
Foto do Palácio do Comércio
Fonte: Fecap, 2002, p. 43
97
ANEXO 7
Anúncio da Fecap - 1911
Fonte: O Commercio de São Paulo, 10 de março de 1911, p. 7
98
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Mauricio Fonseca Polato A Fundação Escola de Comércio Álvares