OS DOGMAS DA RELIGIÃO CIVIL DE JEAN JACQUES ROUSSEAU
Joyce Neves de Campos
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RESUMO
As idéias político-filosóficas de Jean Jacques Rousseau se fundamentam na afirmação de que
“todos os homens nascem bons, mas a sociedade os torna perversos”. No seu Discurso sobre as
Origens e Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, sustenta a idéia de que os homens se
tornam maus por causa das instituições. Posteriormente, no Contrato Social, Rousseau examina a
possibilidade de resgate da felicidade que o homem civilizado perdeu juntamente com os seus
direitos na transição do estado de natureza para estado civil. Tal resgate se efetiva no
estabelecimento de um contrato social em que o homem, associando-se a outros, se protege e
defende. Ao invés de destruir a igualdade natural, tal pacto a substitui por uma igualdade moral e
legitima aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade física e intelectual entre os homens,
que se tornam iguais por convenção e direito. Antigamente, os homens não tiveram outros reis além
dos deuses, nem outro governo que não o teocrático. Foi necessária uma longa alteração de
sentimentos e idéias para que se resolvesse tomar um semelhante como senhor e persuadir-se de
que isso constituía um bem. Importa ao estado que cada cidadão tenha uma religião que o faça
amar os seus deveres. Bom seria, pois, uma profissão de fé meramente civil cujos dogmas devem
ser simples e enunciados com precisão.
Palavras-chave: dogma, religião civil, Jean-Jacques Rousseau.
INTRODUÇÃO
A defesa da necessidade de uma religião civil no Estado idealizado por Rousseau é
apresentada como desfecho do Contrato Social (1762). Entretanto, tal recurso à religião já aparece
no capítulo VII do Livro II da referida obra no capítulo intitulado “Do legislador” no qual Rousseau
admite que na origem das nações a religião serviu como instrumento à política e a política à religião,
esclarecendo que ambas não possuem um objeto comum.
O caminho de Rousseau para a justificação das suas teses no Contrato Social consiste
basicamente em remeter aos usos e costumes do passado ou o que conviria às nações. Logo a
seguir propõe suas opiniões políticas cuja necessidade pretende empregar sem força nem violência.
Quando Rousseau, por exemplo, defende a necessidade de um legislador no Estado, ele
primeiramente remete à necessidade de uma inteligência superior que fosse capaz de ver todas as
paixões do homem, mas, que por outro lado não experimentasse nenhuma delas (Capítulo VII). Ele
mesmo conclui que tal fato só se efetivaria caso houvesse deuses para dar as leis aos homens.
Posteriormente Rousseau interpõe ai o desejo do povo em fazer o bem a si próprio. Contudo, afirma
Rousseau, a vontade geral pode se enganar. Daí a necessidade de um legislador apto a redigir as
leis e auxiliar o povo no exercício de sua autonomia. Outra referência apresentada pelo autor é ao
paganismo, cujo Estado não fazia distinção entre seus deuses e suas leis. Essa religião unia o culto
divino ao amor das leis que, fazendo da pátria objeto de adoração dos cidadãos, lhes ensinava que
servir o Estado era servir o deus tutelar.
Tais fundamentos servem de base para Rousseau defender a necessidade de uma religião
que sirva de instrumento à política com o objetivo de que a manutenção do Estado seja assegurada.
A relevância da religião civil na teoria política do Contrato está no fato de que a religião faz o
cidadão amar os seus deveres. Isso aumenta a possibilidade do cidadão cumpri-los. “Ora, não
cumpre o seu dever senão o homem que os ama e é preciso chamar de religiosa essa inclinação
para o amar o dever com todos os sacrifícios que ele pode exigir”. (GOUHIER)
Dogmas religiosos
Os dogmas de uma religião dizem respeito àquelas inquestionáveis crenças que
fundamentam sua doutrina. Não escapa a religião civil de Rousseau a permanência de dogmas sem
os quais a religião não cumpriria seus objetivos de manutenção do Estado. Interessa ao Estado que
cada um tenha uma religião cujos dogmas atendam estes interesses de cumprimento das leis
expostos anteriormente. Após a análise de sistemas religiosos como o monoteísmo, o cristianismo, o
politeísmo grego e até o maometismo e seus respectivos problemas (Rousseau, capítulo VIII),
Rousseau propõe uma profissão de fé puramente civil. Tal solução parece tentar unir a religião do
homem à do cidadão. No Contrato Social os dogmas da religião civil devem ser simples, em
pequeno número e enunciados com precisão. São eles, portanto, além de enunciados, classificados
em duas categorias: os positivos e o negativo. Os positivos são: a existência de Deus; a vida futura;
a felicidade dos justos e o castigo dos maus. Ou seja, dogmas que implicam na santidade do
Contrato e das leis. O único negativo diz respeito à intolerância implícita nos cultos que excluímos. O
dogma negativo se justifica pela impossibilidade de se poder viver em paz com pessoas réprobas,
pois o contrário, amá-las, seria odiar Deus que supostamente as castiga. Rousseau não distingue a
intolerância civil da teológica. Para ele elas são inseparáveis. Por isso, deve o indivíduo se mostrar
tolerante com todas as religiões desde que os seus dogmas não tenham nada de contrário aos
deveres dos cidadãos.
Antes de participar do pacto social, o indivíduo, segundo Rousseau, encontrava-se no
estado de natureza. Tal condição primitiva implicava que o homem pudesse agir segundo seus
apetites e impulsos até o limite das forças que cada um pudesse empregar. Contudo, ameaçada a
conservação do homem no estado de natureza, os homens sem poder engendrar novas forças só
poderiam se unir e dirigir as forças existentes fazendo-as agir em comum acordo para fins de
conservação. No pacto social, o homem abdica sua liberdade natural por uma liberdade
convencional, cujas cláusulas, contidas no contrato, se reduzem à alienação total de cada
associado, com todos os seus direitos, a toda comunidade que passa a constituir um corpo
soberano. (Rousseau, Capítulo VII). A vontade geral, diz respeito ao desejo deste soberano para o
bem e conservação de todos. Contudo, a vontade geral pode se equivocar na escolha das leis, já
que via de regra, vontades particulares podem interferir nas decisões populares. Disto surge a
necessidade de um legislador capacitado cuja experiência labore em favor do soberano. Mas, até
que o legislador consiga mudar a “natureza humana”; enquanto o homem não for aquilo que deverá
tornar-se depois das leis, a maioria deve ser guiada pelas crenças, que inspiram “o respeito ao
dever, a obediência e o amor ao próximo” (GOUHIER). Infringir a lei implica punição, mas o que se
faz ao introduzir a religião no Estado, que acrescenta força extra àquela, é impedir que se desvie da
lei. Portanto, desprezar os dogmas da religião civil é o mesmo que desprezar as leis.
Referências bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
CAMUNHA, Elaine. A função da religião civil e sua relevância na teoria política do Contrato Social de
Jean-Jacques Rousseau. Dissertação. USP, São Paulo, 2008.
GOUHIER, H. Lés méditations méthaphysiques de Jean-Jacques Rousseau, p. 251. In: CAMUNHA,
Elaine. A função da religião civil e sua relevância na teoria política do Contrato Social de JeanJacques Rousseau. Dissertação. USP, São Paulo, 2008.
KAWAUCHE, Thomaz. Da religião natural à religião civil. Revista Princípios, Natal, v. 15, n.23,
jan./jun. 2008, p. 117-133.
NETO, Henrique Nielsen. Filosofia Básica. 3ª ed, Atual, São Paulo, 1986.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução: Rolando Roque da Silva. Edição
eletrônica de 4/01/2002. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv00014a.pdf. Acesso em 10 de abril de 2009.
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