[síndrome]
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Certo alguém na
Terra do Nunca
Quem nunca sentiu vontade de voltar à infância
para reviver algum momento bom? Esse
sentimento é normal, o problema é continuar
vivendo como criança na idade adulta
[texto: Fahra
Q
uem nunca desejou reviver algum momento
da infância? Sentir novamente um cheiro ou
reencontrar alguém que já não
está ao seu lado? Este sentimento
é normal. Isso é o que chamamos
de saudade. Entretanto, algumas
pessoas não conseguem aceitar a
sua idade, tendo um comportamento infantil, sem responsabilidades e agindo de maneira imatura. Esses podem estar vivendo
a síndrome de Peter Pan.
Essa síndrome foi aceita pela
psicologia após a publicação de
The Peter Pan Syndrome: Men Who
Wittée]
[fotos: Bruna
Conforte]
Have Never Grown Up, ou “síndrome do homem que nunca
cresce”, escrito pelo médico
Dan Kiley em 1983. Um sucesso também entre o público, o
livro de auto-ajuda foi um dos
mais vendidos na história. O
nome da doença é baseado no
personagem da Disney que não
aceita crescer e vive num mundo irreal. Para a psicologia, esse
mundo é criado por pessoas que
não assumem responsabilidades
da vida adulto.
A psicóloga Maria Estelita
Gil comenta que a maioria dos
homens apresenta na adoles-
cência sintomas dessa síndrome: “Eles fazem isso por resistir
às mudanças impostas pela sociedade, de que meninos após
os dezoito anos viram homens,
e com a idade já devem ser responsáveis, maduros. Mas, na realidade, isso não funciona bem
assim”. Alguns homens não assumem um relacionamento a
sério por acreditar serem novos
demais para tal, agindo de maneira imatura. Em análise: essa
pessoa quer viver como homem,
mas com o comportamento de
uma criança. “Desejar voltar à
infância para reviver alguns mo-
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mentos é normal. O que não é
aceitável é viver como se fosse
ainda uma criança aos 30 anos
de idade”, diz Estelita.
A psiquiatria e a psicologia
não caracterizam essa síndrome como grave, mas sabem que
esse comportamento pode dificultar a vida dessa pessoa na
sociedade e dos que convivem
com ela. Segundo Estelita, a
doença apresenta algumas características: a pessoa foge de
suas responsabilidades e por
comodidade não sai da casa dos
pais (em idade adulta). Tem
pavor a compromissos, usa roupas e acessórios comuns a crianças ou adolescentes, freqüenta
baladas ou outros eventos onde
o público dominante está longe
de sua faixa etária, ou se interessa somente por companhia
bem mais nova.
Saindo do
imaginário
“Nunca fui do tipo responsável, mas, me destacava como
um empreendedor de sucesso.
Tenho 24 anos, sou casado e
hoje estou esperando meu primeiro filho. Há menos de oito
meses, me tornei um homem
fiel”, comenta Luiz Carlos*,
comerciante paulistano. Para
alguns estudiosos, o nascimento do primeiro filho pode significar uma ruptura entre a vida
imatura e a madura para alguns
homens e mulheres. Luiz, que
é filho de uma professora, comenta que sua mãe o chamava
de “Peter Pan” quando criança.
Mas nunca pensou se isso seria
bom ou ruim. “Desde que minha esposa deu-me a notícia
que iria ser papai, isso mexeu
comigo! Comecei a enxergar
que meus comportamentos
eram muito imaturos e que deveria agora ser um exemplo para
meu filho”, diz Luiz. Entretan-
to, admite que nunca contará a
esposa sobre suas traições.
A psicóloga Simone de Andrade trabalha clinicamente
no tratamento da síndrome de
Peter Pan há três anos. Hoje
fazendo mestrado na cidade de
Porto, em Portugal, comenta
que esta síndrome é uma predisposição de personalidade
que o ambiente e a educação
podem ou não acelerar. “Uma
mãe superprotetora pode auxiliar a desencadear esse tipo de
comportamento aos que já possuem a pré-disposição. Há casos em que se desenvolve uma
personalidade preocupante”,
alerta Simone.
A formação do caráter de
uma pessoa se inicia no elo
familiar. Os pais, segundo a
psicóloga, têm o papel fundamental de diferenciar o certo
do errado. O diálogo pode auxiliar na construção deste ser em
processo de amadurecimento.
Aceitar comportamentos imaturos ou agressivos pode fazer
com que a pessoa passe a considerar esses comportamentos
aceitáveis. “O dever, neste
caso, é de que a família incentive desde cedo que seus filhos
tenham responsabilidades e
assumam seus atos, mesmo errando ou aceitando, mas tendo
um elo de responsabilidade e
afirmação”, comenta Simone.
“As meninas, por motivo
biológico, viram mulheres mais
cedo. Os meninos amadurecem
mais tarde, mas amadurecem.
Entretanto, o sexo masculino
tem mais probabilidade de ter
esta síndrome”, diz. O problema acontece quando alguns se
negam a crescer depois de um
determinado tempo. “Esse tipo
de homem prefere não resolver
os problemas. Se precisar, ele
resolve, mas ele prefere não ter
que fazer isto”, explica Simone.
Luciane*, 21 anos, estudante de Psicologia de Porto Alegre, comenta que diagnosticou
o ex-namorado com a síndrome
de Petter Pan. Para ela, a experiência do namoro serviu para
alertar que uma pessoa imatura
e uma brincalhona têm comportamentos bem diferentes. “No
começo ele era um cara legal, o
verdadeiro ‘Pateta’, mas depois
isso cansa. Você não quer alguém somente para fazer você
rir de palhaçadas, e sim um cara
bacana, com quem você pode
estar em qualquer lugar, a qualquer hora. Falar sobre tudo.”
Quando começou a estudar psicologia, percebeu que o comportamento do namorado não
era normal. Pode ser natural que
haja demora no amadurecimento, mas ele deve ocorrer. “Como
meu ex tinha 30, percebi que
isso só aconteceria na ‘Terra do
Nunca’, por isso recomendei
que fizesse um tratamento com
profissionais. Ele não entendeu
a minha intenção e terminou
comigo”, diz Luciane.
É importante destacar que
qualquer pessoa pode ter a síndrome de Peter Pan, mas não
quer dizer que este tenha um
diagnóstico de distúrbio mental. O comportamento humano
deve evoluir como o passar do
tempo, e irresponsabilidade ou
imaturidade não devem ser associadas a espontaneidade, felicidade ou qualquer manifestação de alegria. Pessoas que
possuem o comportamento de
não aceitar a responsabilidade
de seus atos devem procurar o
auxílio de um profissional. A
partir daí, conseguirão enxergar o mundo real. Sem o tratamento, é possível que queiram
viver para sempre na “Terra do
Nunca”.
*Os nomes foram trocados.
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