[síndrome] 66 | novembro/2008 | primeira impressão| Certo alguém na Terra do Nunca Quem nunca sentiu vontade de voltar à infância para reviver algum momento bom? Esse sentimento é normal, o problema é continuar vivendo como criança na idade adulta [texto: Fahra Q uem nunca desejou reviver algum momento da infância? Sentir novamente um cheiro ou reencontrar alguém que já não está ao seu lado? Este sentimento é normal. Isso é o que chamamos de saudade. Entretanto, algumas pessoas não conseguem aceitar a sua idade, tendo um comportamento infantil, sem responsabilidades e agindo de maneira imatura. Esses podem estar vivendo a síndrome de Peter Pan. Essa síndrome foi aceita pela psicologia após a publicação de The Peter Pan Syndrome: Men Who Wittée] [fotos: Bruna Conforte] Have Never Grown Up, ou “síndrome do homem que nunca cresce”, escrito pelo médico Dan Kiley em 1983. Um sucesso também entre o público, o livro de auto-ajuda foi um dos mais vendidos na história. O nome da doença é baseado no personagem da Disney que não aceita crescer e vive num mundo irreal. Para a psicologia, esse mundo é criado por pessoas que não assumem responsabilidades da vida adulto. A psicóloga Maria Estelita Gil comenta que a maioria dos homens apresenta na adoles- cência sintomas dessa síndrome: “Eles fazem isso por resistir às mudanças impostas pela sociedade, de que meninos após os dezoito anos viram homens, e com a idade já devem ser responsáveis, maduros. Mas, na realidade, isso não funciona bem assim”. Alguns homens não assumem um relacionamento a sério por acreditar serem novos demais para tal, agindo de maneira imatura. Em análise: essa pessoa quer viver como homem, mas com o comportamento de uma criança. “Desejar voltar à infância para reviver alguns mo- | novembro/2008 | primeira impressão| 67 [síndrome] mentos é normal. O que não é aceitável é viver como se fosse ainda uma criança aos 30 anos de idade”, diz Estelita. A psiquiatria e a psicologia não caracterizam essa síndrome como grave, mas sabem que esse comportamento pode dificultar a vida dessa pessoa na sociedade e dos que convivem com ela. Segundo Estelita, a doença apresenta algumas características: a pessoa foge de suas responsabilidades e por comodidade não sai da casa dos pais (em idade adulta). Tem pavor a compromissos, usa roupas e acessórios comuns a crianças ou adolescentes, freqüenta baladas ou outros eventos onde o público dominante está longe de sua faixa etária, ou se interessa somente por companhia bem mais nova. Saindo do imaginário “Nunca fui do tipo responsável, mas, me destacava como um empreendedor de sucesso. Tenho 24 anos, sou casado e hoje estou esperando meu primeiro filho. Há menos de oito meses, me tornei um homem fiel”, comenta Luiz Carlos*, comerciante paulistano. Para alguns estudiosos, o nascimento do primeiro filho pode significar uma ruptura entre a vida imatura e a madura para alguns homens e mulheres. Luiz, que é filho de uma professora, comenta que sua mãe o chamava de “Peter Pan” quando criança. Mas nunca pensou se isso seria bom ou ruim. “Desde que minha esposa deu-me a notícia que iria ser papai, isso mexeu comigo! Comecei a enxergar que meus comportamentos eram muito imaturos e que deveria agora ser um exemplo para meu filho”, diz Luiz. Entretan- to, admite que nunca contará a esposa sobre suas traições. A psicóloga Simone de Andrade trabalha clinicamente no tratamento da síndrome de Peter Pan há três anos. Hoje fazendo mestrado na cidade de Porto, em Portugal, comenta que esta síndrome é uma predisposição de personalidade que o ambiente e a educação podem ou não acelerar. “Uma mãe superprotetora pode auxiliar a desencadear esse tipo de comportamento aos que já possuem a pré-disposição. Há casos em que se desenvolve uma personalidade preocupante”, alerta Simone. A formação do caráter de uma pessoa se inicia no elo familiar. Os pais, segundo a psicóloga, têm o papel fundamental de diferenciar o certo do errado. O diálogo pode auxiliar na construção deste ser em processo de amadurecimento. Aceitar comportamentos imaturos ou agressivos pode fazer com que a pessoa passe a considerar esses comportamentos aceitáveis. “O dever, neste caso, é de que a família incentive desde cedo que seus filhos tenham responsabilidades e assumam seus atos, mesmo errando ou aceitando, mas tendo um elo de responsabilidade e afirmação”, comenta Simone. “As meninas, por motivo biológico, viram mulheres mais cedo. Os meninos amadurecem mais tarde, mas amadurecem. Entretanto, o sexo masculino tem mais probabilidade de ter esta síndrome”, diz. O problema acontece quando alguns se negam a crescer depois de um determinado tempo. “Esse tipo de homem prefere não resolver os problemas. Se precisar, ele resolve, mas ele prefere não ter que fazer isto”, explica Simone. Luciane*, 21 anos, estudante de Psicologia de Porto Alegre, comenta que diagnosticou o ex-namorado com a síndrome de Petter Pan. Para ela, a experiência do namoro serviu para alertar que uma pessoa imatura e uma brincalhona têm comportamentos bem diferentes. “No começo ele era um cara legal, o verdadeiro ‘Pateta’, mas depois isso cansa. Você não quer alguém somente para fazer você rir de palhaçadas, e sim um cara bacana, com quem você pode estar em qualquer lugar, a qualquer hora. Falar sobre tudo.” Quando começou a estudar psicologia, percebeu que o comportamento do namorado não era normal. Pode ser natural que haja demora no amadurecimento, mas ele deve ocorrer. “Como meu ex tinha 30, percebi que isso só aconteceria na ‘Terra do Nunca’, por isso recomendei que fizesse um tratamento com profissionais. Ele não entendeu a minha intenção e terminou comigo”, diz Luciane. É importante destacar que qualquer pessoa pode ter a síndrome de Peter Pan, mas não quer dizer que este tenha um diagnóstico de distúrbio mental. O comportamento humano deve evoluir como o passar do tempo, e irresponsabilidade ou imaturidade não devem ser associadas a espontaneidade, felicidade ou qualquer manifestação de alegria. Pessoas que possuem o comportamento de não aceitar a responsabilidade de seus atos devem procurar o auxílio de um profissional. A partir daí, conseguirão enxergar o mundo real. Sem o tratamento, é possível que queiram viver para sempre na “Terra do Nunca”. *Os nomes foram trocados. | novembro/2008 | primeira impressão| 69