ALGUMAS LINHAS SOBRE A JORNADA E O ENQUADRAMENTO SINDICAL DOS EMPREGADOS DAS EMPRESAS DE CARTÃO DE CRÉDITO Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho Mestre e doutorando em direito do trabalho pela USP. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho no curso de graduação da Universidade Cruzeiro do Sul e nos cursos de pós-graduação lato senso da Escola Superior de Advocacia de São Paulo e de Santos, da Faculdade de Direito de Sorocaba – FADI e da Escola Paulista de Direito. Advogado. Endereço: Rua Manoel da Nóbrega, 420, Ed. Maria Rosa, apto. 64, Vila Mariana, São PauloSP, CEP 04001-001. Telefone: (11) 7106-3161. e-mail: [email protected] . Declaro, sob as penas da lei que o texto a seguir é inédito não tendo ainda sido publicado em nenhum periódico. São Paulo, 30 de abril de 2009. Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho ALGUMAS LINHAS SOBRE A JORNADA E O ENQUADRAMENTO SINDICAL DOS EMPREGADOS DAS EMPRESAS DE CARTÃO DE CRÉDITO Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho1 RESUMO: Ao optar por disciplinar o tratamento dado a determinados profissionais ao invés de deixar esta questão para as negociações coletivas entre as categorias, o legislador permitiu discussões sobre a aplicação das regras atinentes à antigas profissões regulamentadas às novas categorias que surgiram. O presente estudo apresenta razões para a não aplicação das normas próprias dos bancários aos empregados de empresas administradoras de cartão de crédito e demonstra que estes devem se submeter a um enquadramento sindical próprio. PALAVRAS-CHAVE: Empregados de empresas administradoras de cartões de crédito; jornada; enquadramento sindical. ABSTRACT: Once he choosed to disciplinate the treatment of few professions instead of lessing this questiona to colective bargaining, brazilian legislator allows discutions about the aplication of old profession rules to the new professional categories. This study presents reasons against the aplication of the bank employees rules to credit card administration enterprises employees and demonstrates that these workers should submit themselves to a proper union regulation. KEY-WORDS: credit card administration entrerprisese employees; working-day hours; union regulation. SUMÁRIO: 1 – introdução; 2 – Conceito de instituição financeira ; 3 – Jornada dos empregados de instituições financeiras; 4 – Equiparação dos empregados de empresas de 1 Mestre e doutorando em Direito do Trabalho pela USP. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho em diversos cursos de graduação e pós-graduação. Advogado militante. 2 cartões de crédito aos bancários; 5 – Enquadramento sindical dos empregados das empresas administradoras de cartões de crédito; 6 – Considerações finais; Referências bibliográficas. 1 – Introdução A evolução do capitalismo, as novas tecnologias e as mudanças culturais ocorridas ao longo do século XX e desta primeira década do século XXI fizeram surgir diversas profissões inimagináveis no início da revolução industrial. Outras seguramente surgirão nos próximos anos em decorrência da continuidade dos mesmos fenômenos. Sob este aspecto há que se considerar um erro a opção dos elaboradores da Consolidação das Leis do Trabalho de inserir no texto legal normas atinentes a algumas profissões. Ao optar por disciplinar o tratamento dado a determinados profissionais ao invés de deixar esta questão para as negociações coletivas entre as categorias, o legislador permitiu discussões sobre a aplicação da regra de antigas profissões regulamentadas às novas categorias que surgiram. Em decorrência desta opção legislativa, discute-se hoje se os operadores de telemarketing, profissão nova, recém surgida, se submeteriam às normas aplicáveis às telefonistas ou às normas aplicáveis aos digitadores ou a ambas. Discute-se também se aos empregados de empresas administradoras de cartão de crédito deverão ser aplicadas as normas próprias dos bancários. É sobre esta última discussão que versará o presente trabalho. O escopo do estudo que ora se apresenta é analisar se os empregados de empresas de cartão de crédito devem se sujeitar à jornada e ao enquadramento sindical dos bancários. Para tanto, imprescindível será estudar previamente o conceito de instituição financeira e a jornada aplicável aos empregados delas para finalmente serem apresentadas conclusões acerca da possibilidade de equiparação dos empregados de empresas administradoras de cartão de crédito aos bancários e do enquadramento sindical dos empregados de empresas administradoras de cartões de crédito. 2 – Conceito de instituição financeira 3 Segundo anota a doutrina especializada, o regime jurídico das instituições financeiras tem a tendência, nos vários sistemas legislativos, de ser elaborado em torno da definição de sua atividade privativa. É o que ocorre, por exemplo, no Brasil, nos Estados Unidos da América e na Inglaterra. Isto se deve ao fato de as instituições financeiras serem regulamentadas tendose em vista a necessidade de proteção da poupança popular, sobre a qual têm enorme impacto potencial, ao solicitar recursos para aplicação. A tendência dos diversos sistemas é separar as atividades de intermediação de recursos consideradas sensíveis, e defini-las com a precisão necessária2. Em outras palavras, a definição precisa do que seja instituição financeira delimita a abrangência da proteção devida ao investidor pelo regime das instituições financeiras, permite a subordinação destas à regulamentação operacional específica que propicia ao Governo a possibilidade de influir na expansão ou contratação dos meios de pagamentos e implica restrição de acesso ao mercado, contida em requisitos de capitalização mínima e limites ao nível da atividade em função da capitalização. No Brasil, ao tempo do Código Comercial, definia-se, no art. 119, a figura do banqueiro, nos seguintes termos: “São considerados banqueiros os comerciantes que têm por profissão habitual do seu comércio as operações chamadas de Banco”. Atualmente a definição das instituições financeiras é dada pelo art. 17, da Lei 4.595/64 – definição em larga medida repetida, para efeitos penais, pelo art. 1º, da Lei n. 7.492/86 –, nos seguintes termos: “Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam quaisquer as atividades referidas neste artigo, de forma permanente e atual.” Como salienta Eduardo Salomão Neto, a definição legal de instituição financeira, acima transcrita – embora mais restrita do que a adotada pelo Código Comercial, verdadeira norma em branco –, é, ainda assim, demasiadamente ampla. Precisa, por conseguinte, ser 2 SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito bancário. São Paulo, Atlas, 2007, p. 1. 4 interpretada teleologicamente, sob pena de chegar-se a resultado despropositado. Isto porque, nos dias de hoje empresas dos mais diversos ramos de atividade aplicam no mercado financeiro os recursos coletados através do exercício de sua atividade, emprestando-os, como forma de manter o valor e obter rentabilidade sobre seu capital de giro. Nem por isso faz sentido considerá-las instituições financeiras. Ademais, há empresas que coletam, intermedeiam ou aplicam fundos como atividades principais, sem que possam ser caracterizadas como instituições financeiras. É o caso, para citar exemplo expressivo, das administradoras de imóveis, que cobram aluguéis dos imóveis que administram, captando-os e repassando-os aos proprietários. Intuitivamente percebe-se não se mostrar razoável tratá-las como instituições financeiras3. No fundo, é preciso ter em conta que a captação de recursos relevantes, para efeito de incidência do artigo 17 da Lei n. 4.595/64, é apenas aquela destinada à reaplicação dos valores, por meio de repasse financeiro. A jurisprudência há muito já se deu conta da correta linha interpretativa aplicável à hipótese, como mostra julgado do extinto Tribunal Federal de recursos, prolatado no início dos anos setenta, assim ementado: “...a realização de empréstimos, com meios próprios e sem captação de recursos de terceiros, não se pode equiparar às atividades das instituições financeiras, que consistem, como expresso no texto legal, na “coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros”. O traço característico das chamadas financeiras é a captação de recursos do público em geral para investimentos financeiros, cujos resultados são atribuídos aos respectivos subscritores” (TFR - 2ª T., HC n. 2.555-ES, Ac. de 9 de agosto de 1971). Em decisão mais recente, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região assentou: “Outro elemento intrínseco da atividade de instituição financeira é que ela não capta recurso de terceiros para si e sim para repassá-los a todos os seus clientes que desejam ou necessitam de crédito. Tomar recursos de terceiros, embora seja próprio de instituição financeira, não é privativo dela. Quando o empresário necessita de recursos de médio e longo prazos, dificilmente ele os obtém junto às instituições financeiras. Os Bancos captam recursos de curto prazo e, por isso mesmo, trabalham essencialmente com empréstimos de curto prazo. Seja por essa circunstância, seja porque o crédito bancário disponível é sempre insuficiente para a demanda de crédito, seja, ainda, pelo quase sempre elevado custo do dinheiro junto ao 3 Eduardo Salomão Neto, op cit., p. 15. 5 Sistema Bancário, o empresário se vê compelido, muito amiúde, a procurar recursos de terceiros, quer com a abertura do capital da empresa, que com a emissão de debêntures ou de commercial papers. Constituiria um equívoco verdadeiramente palmar, supor que o simples fato de coletar recursos de terceiros pudesse transformar a empresa, deles beneficiária – em instituição financeira. Da mesma forma, é igualmente inequívoco que a simples circunstância de os empresários aplicarem no mercado financeiro ou no mercado de capitais as disponibilidades de seu caixa, não só constitui, em princípio, um ato de boa gestão, como não terá o condão de enquadrá-los na condição de instituições financeiras. (TFR - 3ª Reg., HC n. 96.03.046651-4-SP, Rell Newton De Lucca)4 Para interpretar corretamente o conceito legal de instituição financeira é preciso, portanto, ter em conta a finalidade da regulamentação da atividade privativa de instituição financeira, qual seja, reprimir a usura, proteger a economia popular, regulamentar o crédito e seu efeito multiplicador monetário5. Por conseguinte, para que seja financeira, é necessário que a instituição, de forma habitual, capte recursos de terceiros em nome próprio e repasse-os a terceiros, por meio de operação de mútuo, fazendo-o com o intuito de auferir lucro, derivado da maior remuneração dos recursos repassados em relação à dos recursos coletados. 3 – Jornada dos Empregados de Instituições Financeiras O artigo 18, § 1º da Lei n. 4.595/64 deixa claro que instituição financeira é o gênero, de que são espécies os estabelecimentos bancários oficiais ou privados, as sociedades de crédito, financiamento e investimento, as caixas econômicas e as cooperativas de crédito: “Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimento, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplinas desta Lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadoria ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra 4 In Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 115, jul-set 1999, p. 156. Eduardo Salomão Neto, op cit., p. 17. 5 6 e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando, nos mercados financeiros e de capitais, operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras”. O preceito legal acima transcrito distingue duas categorias: as instituições financeiras e as entidades equiparadas a elas, assim entendidas aquelas que, embora não exerçam as atividades privativas das primeiras, submetem-se às normas a elas aplicáveis. A relação legal das duas categorias é claramente taxativa. Instituições financeiras são tão somente os estabelecimentos bancários oficiais ou privados, as sociedades de crédito, financiamento e investimento, as caixas econômicas e as cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham. Entidades a elas equiparadas são apenas as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadoria ou dinheiro, mediante sorteio de título de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e quaisquer outros títulos, realizando, nos mercados financeiros e de capitais, operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras. Pois bem, o artigo 224 da Consolidação das Leis do Trabalho, menciona apenas os bancos e as caixas econômicas, empresas bancárias destinadas precipuamente a recolher e movimentar a poupança popular6. Afinal, o texto legal refere-se expressamente aos empregados das espécies banco, casa bancária e caixa econômica. Não menciona o gênero, instituições financeiras. A leitura do dispositivo é, por si só, esclarecedora: “A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana.” Mais evidente se torna a assertiva quando se observa que o texto do dispositivo legal foi modificado em 1985, pela Lei n. 7.430. Apenas se adicionou a expressão “Caixa Econômica Federal”. Não se cuidou de nele incluir outras instituições, o que leva a concluir-se que a regra legal não se aplica a outras instituições financeiras que não os bancos, casas bancárias e caixas econômicas. 6 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 27. 7 É certo, de todo modo, que a jurisprudência consagrou a interpretação ampliativa do referido preceito, estendendo a jornada especial de seis horas aos empregados das demais instituições financeiras, que de acordo com o rol taxativo da Lei 4.595/64, são apenas as sociedades de crédito, financiamento e investimento, as cooperativas de crédito e a seção de crédito das cooperativas. No tocante às entidades equiparadas a instituições financeiras, cabe salientar que a equiparação em questão diz respeito tão somente à aplicação da Lei n. 4.595/64, não podendo, por exemplo, ser utilizada para justificar a submissão das empresas referidas no final do artigo 18, § 1º da referida lei ao regime de jornada especial dos bancários previstos na CLT nos artigos 224 e seguintes da CLT. Neste sentido são os ensinamentos de Eduardo Salomão Neto: Dito isto, note-se que a equiparação do art. 18, § 1º, da Lei 4.595/64 é limitada pela afirmação de que as entidades equiparadas “se subordinam às disposições e disciplinas desta Lei, no que for aplicável”. Isso reconhece expressamente que não só a equiparação não pode ultrapassar os limites da Lei 4.595/64, como nem todas as regras da Lei 4.595/64 podem ser aplicadas às entidades equiparadas7. Este fato parece haver sido percebido pelo Tribunal Superior do Trabalho, que estendeu às empresas de crédito, financiamento ou investimento, o regime de jornada especial do art. 224 da CLT, mas, ao mesmo tempo, dele excluiu as distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários, que seriam apenas equiparadas às instituições financeiras para fins da Lei 4.595/64. É o que demonstram as Súmulas 55 e 119, do Tribunal Superior do Trabalho. Em verdade, a legislação estabeleceu uma jornada especial para o bancário em razão de algumas peculiaridades de sua atividade. Ela deve, outrossim, ser aplicada exclusivamente aos que forem considerados bancários na acepção legal do termo. A consagrada interpretação extensiva do art. 224, da CLT, dada pela jurisprudência à categoria dos bancários, é aceitável. Inadmissível, porém, é ir além, para interpretar ampliativamente a própria súmula 55 do Tribunal Superior do Trabalho, a fim de incluir, no mesmo rol, outras atividades que não se enquadram no conceito legal de instituições financeiras. Seria paradoxal interpretar-se ampliativamente verbete jurisprudencial já fundado em interpretação extensiva de determinado preceito legal. De se observar o que escreve Francisco Antônio de Oliveira: 8 “É bem verdade que a jornada reduzida do bancário, por determinação legal, tem por escopo proteger uma categoria, cujo trabalho é repetitivo, monótono e intoxicante, sem maiores exigências intelectuais. (...) Assim, não há como dar-se tratamento igual a trabalhos diferentes em seus conteúdos, onde o princípio da isonomia não firma residência”8. 4 – Equiparação dos empregados de empresas administradoras de cartão de crédito aos bancários Tendo sido demonstrado, no item anterior, que só se deve considerar instituição financeira a entidade que captar dinheiro de terceiros e repassá-los na forma de mútuo de recursos, de forma habitual e com finalidade lucrativa, e que o rol do artigo 18, § 1º da Lei 4.595/64 é taxativo, há de concluir-se que as empresas administradoras de cartão de crédito não integram esta categoria. Com efeito, ditas empresas captam recursos em seu próprio nome e os empréstimos que tomam, com vistas a financiar usuários dos cartões, são contratados diretamente em nome destes. É o que leciona Eduardo Salomão Neto: “As administradoras de cartão de crédito, como vimos acima, não captam recursos em seu próprio nome. Os empréstimos que toma, com vista em financiar os usuários dos cartões, são contratados diretamente em nome destes. Independentemente disso, também não realizam empréstimos de quaisquer recursos a terceiros, requisito esse que deveria existir cumulativamente com a captação através de empréstimos para que pudesse se configurar a atividade privativa de instituição financeira. As saídas de numerário das administradoras de cartão de crédito se destinam unicamente a pagar fornecedores, e não a realizar empréstimo de qualquer espécie. Isso continua a ser verdade mesmo que o desembolso por parte da administradora vise a dar contraprestação por bem ainda não entregue ou serviço ainda não prestado, porque sempre nesse caso estaremos diante do preço de uma compra e venda ou da remuneração de uma prestação de serviços, ainda que adiantadamente pago, e nunca de um empréstimo. Em vista disso, impõe-se a conclusão de que as administradoras de cartão de 7 Idem, p. 74. OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Comentários às Súmulas do TST. São Paulo: LTr, 2007, p. 239/240. 8 9 crédito não desempenham atividade privativa de instituição financeira, e não se sujeitam à autorização do Banco Central do Brasil para funcionar”9. A Súmula 283 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe “As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura”, não tem o condão de modificar a conclusão exposta acima. Em primeiro lugar porque o STJ extrapolou sua competência constitucionalmente estabelecida ao estender as administradoras de cartão de crédito à condição de instituição financeira. Isto porque cabe ao BACEN, e apenas a ele, autorizar a constituição das instituições financeiras. Não poderia, portanto, um Tribunal Superior incluir nesta categoria determinadas empresas que não foram autorizadas pela referida autarquia estatal. Como salienta Rogério Nahas Grijó “é a lei (no caso a vigente atualmente é a 4595/64) e residualmente o BACEN que determinam que tipo de negócio é próprio das instituições financeiras e que tipo de sociedade é financeira e deve-se submeter as suas regulamentações e regulação”10. Em segundo lugar porque o próprio texto da súmula evidencia que o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça diz respeito apenas à não sujeição das empresas administradoras de cartão de crédito à Lei de Usura. Interpretar ampliativamente o verbete para sujeitar os empregados das empresas administradoras de cartão de crédito à jornada especial do bancário seria um erro crasso. O Superior Tribunal de Justiça jamais almejou esta conclusão, até porque jornada de trabalho não é matéria afeta à sua competência. Com efeito, em todos os precedentes que deram origem à Súmula 283 – correspondentes aos processos REsp n. 450.453, AgRg REsp n. 518.639, REsp n. 337.332, REsp n. 441.932, AgRg Ag n. 481.127 e, finalmente, AgRg no Ag 467904 – estava sempre em discussão, como questão central, a possibilidade de cobrança de juros superiores a 12% ao ano. A natureza jurídica das empresas surge como simples questão antecedente, a ser resolvida como pressuposto lógico para exame do tema de fundo. Daí que, a afirmação contida na Súmula 283, sobre a natureza financeira das empresas administradoras de cartão de crédito, é, na verdade, mero obter dictum. Bem poderia ter se limitado o verbete a dizer – mais corretamente do ponto de vista técnico, aliás, por não necessitar de 9 Op cit p. 311/312. GRIJÓ, Rogério Nahas. Análise sobre a Súmula nº 283 do Superior Tribunal de Justiça . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 448, 28 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5749>. Acesso em: 01 mar. 2009. 10 10 fundamentação a jurisprudência sumulada: “As empresas administradoras de cartão de crédito não sofrem as limitações da Lei de Usura”. Não fosse isto o bastante para negar aos empregados de empresas administradoras de cartão de crédito equiparação com os bancários, para fins de observância da jornada especial, há que enfatizar ainda que foram tais empresas incluídas em grupos totalmente distintos das Financeiras e dos Bancos foram na Tabela de Enquadramento de Atividades (Classificação por tipos), inclusive com códigos CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) e tipos totalmente diversos. Observe-se que, segundo informativo da Comissão Nacional de Classificação – CONCLA, órgão colegiado do Ministério do Planejamento e Orçamento, instituído pelo Decreto 1.246, de 10 de outubro de 1994, e restabelecido, após reforma ministerial, pelo Decreto 3.500, de 9 de junho de 2000, com a finalidade de definir e normalizar o uso de classificações padronizadas por sistema estatístico e por registros e cadastros da administração pública, o Código CNAE “é um instrumento padrão de classificação para identificação das unidades produtivas do Brasil, sob o enfoque das atividades econômicas existentes”. Os Bancos comerciais, múltiplos com carteira comercial, caixas econômicas, bancos cooperativos, Cooperativas de Crédito Mútuo, Cooperativas de Crédito rural, integram o grupo denominado “intermediação monetária – depósitos à vista”, da mencionada classificação, e constituem-se em serviços tipo 4. Outros Bancos, como os múltiplos sem carteira comercial, bancos de investimentos, de desenvolvimento, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e empréstimo, companhias hipotecárias e sociedades de crédito, financiamento e investimento, denominação correta das chamadas financeiras referidas na Súmula 55, integram o grupo intitulado “intermediação não monetária – outros tipos de depósito” também se constituem em serviços tipo 4. As administradoras de crédito, por sua vez, integram grupo diverso, intitulado “outras atividades de concessão de crédito”, no âmbito de serviços tipo 1. Ao seu lado, neste grupo, encontram-se as empresas que nitidamente não apresentam similitude com a dos bancos propriamente ditos, tais como agências de fomento, administração de consórcios, factoring, caixas de financiamento de corporações, securitizações de créditos, sociedades de crédito ao microempreendedor e concessão de crédito pela OSCIP. 11 As administradoras de cartão de crédito, diversamente do que ocorre com as financeiras e com os bancos, são serviços de tipo 1 e não 4, o que reforça a tese de que não deve haver equiparação entre estas empresas para fins de fixação do limite da jornada de trabalho. Afinal, a divisão conforme tipos de serviço no Código Nacional de Atividades Econômicas tem por escopo determinar o Grau de Risco para fins de contribuição para os benefícios concedidos em razão de incidência da incapacidade laborativa, decorrente dos riscos ambientais do trabalho. Ora, se a jornada especial do bancário decorre justamente das peculiaridades de seu trabalho, sujeitos à chamada fadiga psíquica e um alto risco ambiental do trabalho, nada justifica a sua aplicação a empregados de empresa cuja atividade econômica foi classificada em um grau de risco bastante inferior. Como se pode perceber, sobram argumentos para justificar a não extensão da jornada legal dos bancários aos empregados das empresas administradoras de cartões de crédito. Ainda assim há que se destacar que a jurisprudência tem divergido ao enfrentar esta questão. Há diversos julgados que, equivocadamente, provavelmente por não haver analisado com acuidade o conceito de instituições financeiras, aplicam a súmula 55 do TST aos empregados de empresas administradoras de cartões de crédito. O seguinte precedente é bastante ilustrativo: EMPRESA QUE ADMINISTRA CARTÃO DE CRÉDITO. CONFIGURAÇÃO. Explorando a empresa atividade afeta à administração de cartões de crédito e outras assemelhadas (serviços de crediário, recebimento e recuperação de títulos, carnês e afins), ela se insere na denominada categoria econômica dos estabelecimentos bancários e, por decorrência, assim deve ser considerado o seu empregado. (TRT 12ª Região. 2 a Turma. Acórdão n. 08616. Decisão proferida em 07 08 2001 e publicada no DJ/SC em 31.08.2001, pg 312. RO n. 04141/2001. Relator: Juiz DILNEI ÂNGELO BILÉSSIMO)11 11 No mesmo sentido há ainda os seguintes julgados: “ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. EQUIPARAÇÃO ÀS ATIVIDADES FINANCEIRAS E BANCOS. ENUNCIADO Nº 55. TRT 4ª Região, 5ª Turma. RO n. 00162.030/99-1/1999. Publicada em 24/09/2001. Relatora JUÍZA BERENICE MESSIAS CORREA” e “MÉRITO. HORAS EXTRAS. 7º E 8º HORA. FINANCEIRA. A autora trabalhou para empresa administradora de cartões de crédito em jornada maior que seis horas diárias. Caso em que a própria razão social de FININCARD S/A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO E TURISMO demonstra tratar-se de instituição financeira. Aplicabilidade do Enunciado nº 55 do TST, que equipara seus empregados a bancários. Devidas como extras as horas trabalhadas além da sexta diária. Provimento negado. TRT 4ª Região, 6ª Turma. RO n. 96.016020-5/1996. Decisão proferida em 11/12/1997 e publicada no DOE em 26/01/1998. Relator: JUIZ PEDRO LUIZ SERAFINI BANCÁRIO”. 12 É importante ressaltar, porém, que a jurisprudência está farta de julgados que acertadamente negaram aplicação da jornada bancária aos empregados de empresas de cartões de crédito, como o transcrito a seguir: HORAS EXTRAS - EMPRESA DE ADMINISTRAÇÃO DE CARTÕES DE CRÉDITO E TURISMO. A EQUIPARAÇÃO DAS "FINANCEIRAS" AOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS PARA FINS DO ART. 224 NÃO SE ESTENDE ÀS EMPRESAS ADMINISTRADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO. IN CASU DEVIDAS AS HORAS SUPLEMENTARES ALÉM DA OITAVA TRABALHADA. (TRT 21ª Região, RO n. 01172/1996. acórdão n. 10.358, DECISÃO proferia em 05 09 1996 e publicada no DOE/RN Nº 8.878 DATA 30-10-96 Relator MURILO DINIZ)12 A jurisprudência tem divergido também quanto a jornada dos trabalhadores em empresas administradoras de cartão de crédito que integram grupo econômico de instituições financeiras: ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. JORNADA DE TRABALHO. A prestação de serviços à empresa que administra cartões de crédito não configura a condição de financiário, ainda que o empregador integre grupo econômico voltado à área financeira. A jornada normal de trabalho assim é de oito horas por dia. Recurso Provido. TRT 4ª Região, 4ª Turma, Decisão proferida em 25 03 1998 e publicada em 18/05/1998. RO n. 96.0311629/1996. Relatora: JUÍZA TERESINHA MARIA DELFINA SIGNORI CORREIA 12 No mesmo sentido cabe transcrever os seguintes julgados: “ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO - NÃO EQUIPARAÇÃO ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS - INAPLICABILIDADE DO ENUNCIADO 55 DO COLENDO TST. O ENUNCIADO 55 DO COLENDO TST EQUIPARA OS EMPREGADOS DAS CHAMADAS "FINANCEIRAS" AOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS PARA OS FINS DO ART. 224 CONSOLIDADO. NO ENTANTO, AS ADMINISTRADORAS DE CARTÕES DE CRÉDITO NÃO PODEM SER CONSIDERADAS "FINANCEIRAS" APESAR DA SIMILITUDE DE ALGUMAS DAS SUAS OPERAÇÕES SENDO PORTANTO INDEVIDAS AS HORAS EXTRAS ALÉM DA SEXTA HORA TRABALHADA E SEUS CONSECTÁRIOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. TRT 21ª Região. Acórdão n. 34.416 DECISÃO proferida em 06/06/2000 e publicada no DJE/RN 9841 em 20/09/2000. RO n. 05944/1999. Relatora: JOSEANE DANTAS DOS SANTOS)” “DO ENQUADRAMENTO DO RECLAMANTE NA CATEGORIA DE BANCÁRIO. Os serviços feitos por uma administradora de cartões de crédito muito se assemelha aos de um banco, mas nem por isso, qualificam o empregado dessa, como bancário, pois para que o funcionário seja enquadrado como bancário, é mister que se leve em consideração as suas efetivas e singulares condições de trabalho, bem como o local, não sendo suficiente para o enquadramento o exercício das funções similares a dos bancários. Não havendo prova efetiva da prestação de serviço ao Banco Losango, incabível o enquadramento do reclamante como bancário. (TRT 4ª Região, 5ª Turma. RO n. 96.033441-6/1996. Decisão proferida em 04/06/1998 e publicada em 29/06/1998. Relatora: JUÍZA BERENICE MESSIAS CORREA)”. 13 DA NATUREZA DA ATIVIDADE DA RECORRIDA E DAS HORAS EXTRAS. BANCÁRIO. ENQUADRAMENTO. Equipara-se ao bancário aquele que presta atividades à Financeira, ainda que indiretamente através de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico. Horas extras devidas. Recurso provido em parte para autorizar a compensação dos valores pagos no curso do contrato a título de horas extraordinárias. TRT 4ª Região, 5ª Turma. Decisão proferida em 05/06/1997 e publicada em 23/06/1997. RO/RA n. 96.0012761/1996. Relator Juiz IVENS GOMES JARDIM Por fim, não se pode deixar de reconhecer o acerto das decisões que, embora reconheçam que empresas administradoras de cartão de crédito não são instituições financeiras para os fins do artigo 224 da CLT, aplicam o dispositivo em questão quando se vêem diante de uma fraude para lesar os empregados. Neste sentido é o seguinte precedente: EMPREGADO DE ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO - ENQUADRAMENTO COMO BANCÁRIO. É bancário o empregado que trabalha em empresa que, embora formalmente constituída para atuar no ramo de administração de cartões de crédito, atuava, na realidade, como empresa de concessão de crédito (empréstimos e financiamentos), junto à instituição bancária do mesmo grupo econômico, ainda mais quando a atividade por ele exercida vinculava-se, precisamente, à concessão de crédito e financiamento, pelo que recebia comissões daquele banco ligado à empregadora.(TRT 3ª Região, 1ª Turma, RO - 01607-2002-009-03-00-8 DECISÃO proferida em 03 11 2003 e publicada no DJMG DATA: 07-11-2003, pg. 07. Relator: Juiz Marcus Moura Ferreira). 5 – Enquadramento sindical do empregados das empresas administradoras de cartão de crédito Esclarecidos os pontos anteriores, cumpre analisar o âmbito da representação sindical das empresas administradoras de cartões de crédito e, em conseqüência, a determinação do título normativo aplicável aos empregados. Ab initio, é preciso esclarecer que, no sistema jurídico brasileiro, a definição do sindicato representativo tanto dos empregados como dos empregadores não se faz livremente. Decorre, sem que haja possibilidade de escolha, da atividade preponderantemente exercida pela empresa (CLT, art. 581, § 1º), ressalvada, tão somente – embora tampouco nessa caso exista 14 liberdade de escolha – a hipótese excepcional da categoria profissional diferenciada (CLT, art. 511, § 3º). Em outras palavras, a organização sindical brasileira, marcada pelo excessivo número de entidades sindicais, soluciona as disputas entre sindicatos pela representação a partir da categoria preponderante da empresa13. De acordo com isso, registrou o Tribunal Superior do Trabalho que “O que assegura o correto enquadramento sindical é a atividade preponderante da Empresa...”(TST - 2ª T., Ac. nº 6/96, Rel. Min. Vantuil Abdala) Dos Tribunais Regionais podem ser mencionadas as seguintes decisões: “Enquadramento sindical – Atividade preponderante. O enquadramento sindical se define pela atividade preponderante do empregador, admitindo-se a filiação por similaridade ou conexidade, desde que respeitado o princípio da unicidade.”(TRT – 12ª Reg., 1ª T., Ac. nº 13.532/97, Relª. Juíza Maria Aparecida Caitano)14 “Enquadramento sindical. O enquadramento sindical do trabalhador se dá com base na atividade preponderante da empresa e se lhe aplicam normas coletivas firmada entre sindicatos patronais e profissionais.”(TRT – 3ª Reg., 3ª T., RO nº 9.493/97, Rel. Juiz Sérgio Braga)15 “Enquadramento sindical – Atividade preponderante do empregador. O enquadramento sindical, no Direito Brasileiro se faz, regra geral, levando-se em conta a atividade preponderante do empregador.”(TRT – 15ª Reg., 1ª T., Ac. nº 5.148/2000, Rel. Juiz Luiz Antônio Lazarim. DJSP de 14.02.2000, p. 15.) A partir dos precedentes mencionados é possível afirmar que a representação sindical decorre, no Brasil, de imperativo legal. Não pode, por conseguinte, ser definida por meio de ato negocial ou de acordo de vontade. O enquadramento sindical, em verdade, constitui mero desdobramento de certo fato, a saber, a atividade preponderante do empregador. Conforma anota a doutrina, “o necessário enquadramento de empregado ou empregador em suas respectivas categorias não é opção dada a eles, mas sim, e a princípio, funda-se numa realidade fática, tomando-se por referência a atividade econômica exercida pelo empregador”16. Bem a propósito, podem-se citar ainda os seguintes julgados: 13 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas, 2005, p. 725. 16 HINZ, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 11. 15 “Enquadramento sindical. Telemarketing. Empresa especializada em recuperação de crédito que, para desenvolver sua atividade, estrutura "call center" próprio, não se converte em empresa de telemarketing. O enquadramento sindical respeita a atividade preponderante da empresa. Inteligência dos artigos 570 e 581, parágrafo 2o., da CLT.”(TRT – 2ª Reg., 6ª T., Proc. n. 20060233642, Rel. Juiz Rafael E. Pugliese Ribeiro, Ac. n. 20060622282, julg.: 15.08.06 in DJ de 01.09.06) "O enquadramento sindical do trabalhador se faz em função da atividade econômica preponderante do empregador, conforme interpretação dos artigos 511, parágrafo 2º, 570 e 581 parágrafo 2º, da CLT."(TRT - 2ª Reg., 2ª T., Ac. n. 20060330788, Rel. Juíza Maria Aparecida Pellegrina, julg. em 11/05/2006 in DJ de 30.05.06) Embora haja a Constituição de 1988 alterado, em aspectos significativos, o modelo sindical estabelecido pela CLT, eliminando a possibilidade de nele interferir ou intervir o Poder Público, não inovou no campo do enquadramento sindical. Manteve a categoria, profissional e econômica, como único critério válido de sindicalização, conforme resulta do disposto em seu art. 8º, inciso II17. Uma das tímidas alterações implementadas pela Carta Magna foi o fato de o registro sindical feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego haver deixado de ser um ato discricionário, em que a autoridade administrativa poderia ou não conceder o registro com base em critério de conveniência e oportunidade, tornando-se um ato vinculado, segundo o qual o registro será concedido ainda que proposto em desconformidade com o ordenamento jurídico posto. É o que leciona José Cláudio Monteiro de Brito Filho, verbis: “É que fica claro que, mesmo tendo o Ministério do Trabalho e Emprego ciência de que uma associação não preenche os requisitos constitucionais para sua existência, como, por exemplo, por violar o princípio da unicidade sindical, ainda assim ele concederá o registro, mesmo sabedor de que o ato viola o superado, mas constitucional, modelo de organização sindical brasileiro”18. 17 Nesse sentido, em jurisprudência: “Enquadramento sindical – Atividade preponderante da empresa. O surgimento do enquadramento espontâneo após a CF/88, em substituição ao enquadramento oficial, não fez desaparecer os critérios a serem observados. A lei leva em consideração as profissões homogêneas, similares ou conexas, prevalecendo o critério da atividade econômica preponderante da empresa, salvo tratando-se de categoria diferenciada.”(TRT – 3ª Reg., SE, RO nº 3001/2000, Relª. Juíza Mª Auxiliadora M. Lima, DJMG de 15.09.2000, p. 6 in Revista do Direito Trabalhista, n. 10/00, p.63. 18 BRITO FILHO, José Cáudio Monteiro de. Direito sindical. São Paulo: LTr, 2007, p. 116. 16 Ora, se o registro é concedido pela autoridade administrativa mesmo quando não estiver de acordo com as exigências constitucionais é evidente que este ato administrativo não pode ser tido com prova da representatividade determinante. Importa, como já dito, a atividade da empregadora. Pois bem, definida as categorias profissionais e econômicas a que pertencem empregados e o empregador, o título normativo aplicável é aquele celebrado entre os sindicatos que as representam, independentemente de qualquer adesão dos sujeitos envolvidos no contrato individual de trabalho. Como deixa claro o art. 611, caput, da CLT, a convenção coletiva reveste-se de eficácia normativa e aplica-se a todos os integrantes de categoria, sejam ou não associados dos sindicatos. Basta o fato de, por exercer certa atividade econômica ou profissionais, pertencer, ex lege, à categoria. Nas palavras de Eduardo Gabriel Saad, “o que se pactuar, numa Convenção ou num Acordo, obriga tanto os empregados sindicalizados como aqueles que não o são. No caso particular, dos empregadores, em se tratando de uma Convenção, fazemos a mesma observação: são atingidos os sindicalizados e os nãosindicalizados”19. Veja-se, ainda, a seguinte expressiva decisão: “Convenção coletiva Abrangência. Despiciente de amparo legal a assertiva defendida pelo empregador de que não cumpriu a convenção coletiva em relação à reclamante sob o argumento de que ela não é sindicalizada no órgão de classe da categoria. Diversamente do que ocorre com um contrato individual, que só produz efeito entre as partes que o pactuam, a negociação coletiva produz efeitos amplos e abrangentes a todos os membros de sua categoria, independentemente de sua filiação no órgão de classe que os representa.” (TRT 12ª Reg., 1ª T., Ac. nº 4.304/96, Rel. Juiz Dilnei A. Biléssimo DJSC de 01.08.96, p. 94). Saliente-se, por oportuno, que a jurisprudência vem negando aplicação à Súmula 55 do TST no que diz respeito ao enquadramento sindical. Entende-se que ela trata única e exclusivamente da jornada de trabalho. Logo, as demais instituições financeiras não se sujeitam à convenção dos bancários. Neste sentido é o seguinte precedente referentes à categoria dos financiários: “RECURSO DO RECLAMANTE. ENQUADRAMENTO SINDICAL. BENEFÍCIOS ASSEGURADOS À CATEGORIA PROFISSIONAL DOS BANCÁRIOS. A categoria 19 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte e BRANCO, Ana Maria Saad Castelo. CLT comentada. São Paulo: LTr, 1999, p. 422. 17 profissional do trabalhador, em regra, é definida pela atividade preponderante da empresa. A reclamada é financeira, não banco, sendo indevido elastecer-se o entendimento do Enunciado 55/TST. Ademais, a ré não participou direta ou indiretamente das negociações que originaram os acordos e convenções coletivas juntadas aos autos. Acordos e convenções coletivas fazem lei entre as partes signatárias, não obrigando terceiro, no caso a ré. Recurso do autor não provido. (TRT 24ª Região, RO - 1835-2003-001-24-03 Publicado no DO-MS nº 6364 PG: 42, em: 11/11/2004 . Relator designado MARCIO V. THIBAU DE ALMEIDA. Revisor: ANDRÉ LUÍS MORAES DE OLIVEIRA )20 Tampouco os empregados das cooperativas de crédito foram considerados bancários pela jurisprudência: COOPERATIVA DE CRÉDITO - ENQUADRAMENTO SINDICAL COMO BANCO INADMISSIBILIDADE. A cooperativa, objeto da Lei n. 5.764/71 e hoje regulada também pelo Código Civil (artigos 1.093 a 1.096), não se equipara a estabelecimento bancário para efeito de enquadramento sindical dos seus empregados. O fato de ser constituída para, dentre outros objetivos, proporcionar assistência financeira aos associados, através da mutualidade, caracterizando-se como cooperativa de crédito, não altera a sua natureza de sociedade de pessoas para sociedade de capital. A submissão desse tipo de sociedade igualmente às normas da Lei n. 4.595/64 (que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias) decorre do fato de operar em crédito, mas não a transforma em banco e seus empregados em bancários. Não é sem razão, aliás, que o parágrafo único do art. 5o. da Lei n. 5.764/71, relativa ao cooperativismo e ao regime jurídico das sociedades cooperativas, autorizando-lhes a adoção de qualquer gênero de serviço, veda que em sua denominação utilizem o termo "banco". TRT 3ª Região, 6ª Turma.RO - 00780-2004-033-03-00-4. Decisão proferida em DECISÃO: 22 11 2004 e publicada no DJMG em: 02-12-2004 PG: 13. Relator Juiz João Bosco Pinto Lara21 20 No mesmo sentido é o seguinte julgado: “Recurso ordinário da reclamada. Enquadramento sindical do autor. Empregado de financeira se equipara ao bancário tão-somente para os efeitos do art. 224 da CLT. Afastada a condição de bancário do autor. Enunciado 55 do TST que se aplica. Diferenças salariais e reflexos. Ajudaalimentação. Multa por infração a normas coletivas. Direitos previstos normativamente aos bancários, não devidos ao autor. TRT 4ª Região, 5ª Turma, RO n. 95.034093-6/1995. DECISÃO proferida em 14/11/1996 e publicada em 13/01/1997. Relator: JUIZ FERNANDO KRIEG DA FONSECA”. 21 No mesmo sentido é seguinte julgado: “COOPERATIVA DE CRÉDITO. ENQUADRAMENTO SINDICAL DOS EMPREGADOS COMO BANCÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE. A cooperativa, objeto da Lei no. 5.764/71 e hoje regulada também pelo Código Civil (artigos 1.093 a 1.096), não se equipara a estabelecimento bancário para efeito de enquadramento sindical dos seus empregados. O fato de ser constituída para, dentre outros 18 Ora, se nem mesmo os financiários e os empregados de cooperativas de crédito foram considerados bancários para fins de aplicação da Convenção Coletiva de Trabalho destes, não poderiam jamais os empregados de empresas administradoras de cartão de crédito, que não são instituições financeiras, sê-lo. Há jurisprudência bastante específica neste sentido: JORNADA REDUZIDA. ENQUADRAMENTO SINDICAL DA DEMANDANTE. A venda de cartões de crédito não constitui uma das atividades para a qual é legalmente prevista a jornada reduzida de seis horas. Ainda, não se enquadra no ramo das empresas financeiras a empresa que tem por objeto social atividades ligadas ao ramo do turismo. Em conseqüência, a reclamante não faz jus ao pagamento de horas extras a partir da sexta diária. TRT 4ª Região, 2ª Turma. RO n. 96.006644-6/1996. Decisão proferida em 26 08 1997 e publicada no DOE em 15-09-1997. Relator: JUIZ RENATO TADEU SEGHESIO Diante destas observações há que se concluir que não são aplicáveis aos empregados da consulente nem as normas coletivas dos bancários, nem tampouco a dos empregados das sociedades de crédito, financiamento e investimento. 6 – Considerações finais A partir do estudo desenvolvido é possível sumarizar as seguintes assertivas conclusivas: 1) Para que uma empresa seja considerada financeira, é necessário que ela, de forma habitual, capte recursos de terceiros em nome próprio e repasse-os a terceiros, por meio de operação de mútuo, fazendo-o com o intuito de auferir lucro, derivado da maior remuneração dos recursos repassados em relação à dos recursos coletados. Sob este aspecto as empresas administradoras de cartões de crédito não podem ser enquadradas como tal já que não captam recursos em seu próprio nome, não realizam empréstimos de quaisquer recursos a terceiros, sendo certo que objetivos, proporcionar assistência financeira aos associados, por meio da mutualidade, caracterizando-se como cooperativa de crédito, não altera a sua natureza de sociedade de pessoas para sociedade de capital. A submissão desse tipo de sociedade igualmente às normas da Lei no. 4.595/64 (que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias) decorre do fato de operar em crédito, mas não a transforma em banco e seus empregados em bancários. Não é sem razão, aliás, que o parágrafo único do art. 5o. da Lei no. 5.764/71, relativa ao cooperativismo e ao regime jurídico das sociedades cooperativas, autorizando-lhes a adoção de qualquer gênero de serviço, veda que em sua denominação utilizem o termo "banco". EMPREGADO DE COOPERATIVA DE CRÉDITO NÃO É BANCÁRIO. RECURSO DO RECLAMANTE AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. TRT 3ª Região, 2ª Turma. RO - 00910-2004-048-03-00-8. Decisão proferida em 12 04 2005 e publicada no DJMG em 15-04-2005, pg 07. Relator: Juiz Hegel de Brito Bóson” 19 suas saídas de numerário se destinam unicamente a pagar fornecedores, e não a realizar empréstimo de qualquer espécie; 2) Reforçando a conclusão do item anterior há o fato de as empresas administradoras de cartão de crédito e os bancos terem sido incluídos em grupos totalmente distintos das Financeiras e dos Bancos foram na Tabela de Enquadramento de Atividades (Classificação por tipos), inclusive com códigos CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) e tipos totalmente diversos. Ora, se a jornada especial do bancário decorre justamente das peculiaridades de seu trabalho, sujeitos à chamada fadiga psíquica e um alto risco ambiental do trabalho, nada justifica a sua aplicação a empregados de empresa cuja atividade econômica foi classificada em um grau de risco bastante inferior. 3) No sistema jurídico brasileiro, a definição do sindicato representativo tanto dos empregados como dos empregadores decorre, sem que haja possibilidade de escolha, da atividade preponderantemente exercida pela empresa (CLT, art. 581, § 1º), ressalvada, tão somente – embora tampouco nessa caso exista liberdade de escolha – a hipótese excepcional da categoria profissional diferenciada (CLT, art. 511, § 3º). 4) a jurisprudência vem negando aplicação à Súmula 55 do TST no que diz respeito ao enquadramento sindical. Entende-se que ela trata única e exclusivamente da jornada de trabalho. Logo, as demais instituições financeiras não se sujeitam à convenção dos bancários. E se nem mesmo os financiários e os empregados de cooperativas de crédito foram considerados bancários para fins de aplicação da Convenção Coletiva de Trabalho destes, não poderiam jamais os empregados de empresas administradoras de cartão de crédito, que não são instituições financeiras, sê-lo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1) ABRÃO, Nelson. Direito bancário. São PaulO: Saraiva, 2000. 2) BRITO FILHO, José Cáudio Monteiro de. Direito sindical. São Paulo: LTr, 2007, p. 116. 3) GRIJÓ, Rogério Nahas. Análise sobre a Súmula nº 283 do Superior Tribunal de Justiça . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 448, 28 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5749>. Acesso em: 01 mar. 2009. 4) HINZ, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 11. 20 5) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas, 2005, p. 725. 6) OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Comentários às Súmulas do TST. São Paulo: LTr, 2007, p. 239/240. 7) SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte e BRANCO, Ana Maria Saad Castelo. CLT comentada. São Paulo: LTr, 1999, p. 422. 8) SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito bancário. São Paulo, Atlas, 2007 21