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Nº Processo
Decisão-Tipo
Origem
Data
Publicação
Texto
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Quinta-feira, 23 de Abril de 2015
355373
24/2014
Acórdão
Relação de Guimarães
2015-04-13
Acórdão publicado em www.datajuris.pt
Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,
1. Nestes autos de processo especial sumário n.º 24/14.0GDVVD do Tribunal Judicial de Vila
Verde, o arguido Avelino R. sofreu condenação pelo cometimento em autoria material de um crime
de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º
n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão substituída por cento e
vinte horas de trabalho a favor da comunidade. O arguido foi ainda condenado na pena acessória
de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de um ano.
O magistrado do Ministério Público interpôs recurso da sentença e das motivações extraiu as
seguintes conclusões (transcrição):
“1. Salvo o devido respeito por posição contrária, andou mal o Tribunal “a quo” ao não privilegiar a
condenação do arguido em pena não privativa da liberdade, tendo-se afastado da interpretação do
regime jurídico da escolha da pena principal mais consentânea com o que entendemos ser a regra
nos Tribunais portugueses.
2. Em consequência disso, condenou o arguido Avelino R. numa pena que consideramos
desproporcionada, excessiva e desajustada, razão pela qual nos vemos obrigados a recorrer em
seu beneficio, de modo a procurar aquela harmonia e igualdade na aplicação da lei a que
considerarmos estar obrigados.
3. O arguido foi condenado por ter conduzido um ciclomotor no dia 19/04/2014, pelas 19h20m, com
uma T.A.S. de 1.73 g/l, numa T.A.S. já censurável, mas cujo grau não impõe por si reacção severa,
não tendo intervindo em acidente de viação, e tendo confessado os factos.
4. Havia sido condenado pela prática do mesmo crime em 08/08/201 1, por sentença de 1 1/08/201
1, transitada em julgado, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €7, e na pena acessória de 5
meses de proibição de condução, ou seja, há mais de 2 anos e 6 meses.
5. Inexiste um sequer facto do qual decorra sem mais que a personalidade do arguido é irreflectida,
avessa ao respeito pela norma, dada ao consumo do álcool em contexto de condução de veículos,
e por isso justificadora de uma pena privativa da liberdade, sendo certo que não foi produzida prova
suficiente sobre a personalidade do mesmo.
6. O arguido adoptou frases e termos rudes, sendo que o Tribunal “a quo” nelas viu a revelação de
uma perigosa personalidade merecedora da pena de prisão, mas poderemos admitir em seu favor
uma interpretação mais favorável, que a prova não contrariou, e que encontra na origem da rudeza
do arguido o seu processo de educação e socialização, não necessariamente aquela personalidade
desviante e irredimível.
7. Ora, sendo o crime de condução de veículo em estado de embriaguez punível, em alternativa,
com as penas principais de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias, o tribunal “a quo” encontrase obrigado a privilegiar a pena não privativa da liberdade conquanto se demonstre que a mesma
realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição tal como o exige o art. 70.° do
Código Penal.
8. A punição em pena não privativa, aliada a uma pena acessória motivadora pelo agravamento da
moldura em face da condenação anterior, tal como acima demonstrado, será ainda de molde a
redirigir o arguido no respeito pela norma, como o demonstra a existência de uma só condenação
anterior há mais de 3 anos e 6 meses, o valor da T.A.S., a inexistência de elementos agravantes
como a ocorrência de um acidente de viação.
9. E a comunidade, motivada do mesmo modo, não verá na condenação uma simples
demonstração do poder punitivo do Estado, mas a justa medida que não ultrapassa aquela que em
condições de igualdade outros cidadãos nas mesmas circunstâncias costumam merecer.
1 O. Entendemos assim que o Tribunal “a quo” violou o disposto pelos artigos 40.°, 70.° e 292.°, n.°
1 do Código Penal, que interpretou e aplicou incorrectamente, ao ter privilegiado in casu a aplicação
de uma pena privativa de liberdade, devendo antes ter aplicado uma pena não privativa da
liberdade, pelo que o Ministério Público entende que nessa parte deve a douta sentença ser
revogada e substituída por outra que condene o arguido nos termos indicados.”
Neste Tribunal da Relação de Guimarães, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado
parecer que conclui nos seguintes termos (transcrição parcial) :
“Para se concluir se a pena a impor deve ser ou não detentiva, pensamos que é necessário
estarmos perante o conhecimento de outros elementos que nos permitam de uma forma mais
fundamentada e completa concluir se o arguido merece ou não uma segunda oportunidade.
Ora, são essas circunstâncias que podiam e deviam ter sido obtidas através da análise da
condenação anterior, nomeadamente o grau de alcoolemia com que conduzia e as circunstâncias
em que os factos ocorreram, bem como uma análise das suas condições de vida passada e
presente, que permitiriam um conhecimento mais profundo da sua personalidade, elementos que
podiam e deviam ter sido obtidos pelo pedido de relatório social e que se nos afigura, salvo o
devido respeito por opinião contrária, estarem manifestamente em falta.
Do exposto parece-nos poder concluir, tal como o fez o nosso Colega na sua Motivação, estarmos
perante a existência de vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, que se
verifica quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e
verifica quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e
devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de
condenação e, neste caso, da medida desta.
Assim, e em face do exposto, somos de parecer que concedendo-se provimento ao recurso
interposto, considerando-se a existência do vício referido, deve ser considerada nula a sentença e
ordenada a abertura da audiência para serem obtidos os elementos em falta, os quais permitirão a
prolação de nova sentença, a qual após a apreciação de todas essas circunstâncias, decida impor
ao arguido a pena que for considerada mais justa e adequada a essas circunstâncias, sendo certo
que assim se decidindo se fará a habitual Justiça.”
Recolhidos os vistos do juiz presidente da secção e da juíza adjunta e realizada a conferência,
cumpre apreciar e decidir.
2. Como é dado assente, o âmbito do recurso e os poderes de cognição do tribunal da relação
definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, naturalmente que
sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (art.ºs 402.º, 403.º e 412.º n.º 1 do Código do
Processo Penal) .
Recorre o Ministério Público e as questões suscitadas são fundamentalmente as seguintes: a) Vício
decisório de insuficiência da matéria de facto no segmento necessário para a definição das
consequências jurídicas do crime; b) Escolha e determinação da medida concreta da pena principal.
3. Antes de mais, ter-se-á presente que os factos relevantes para a decisão, que se encontram
provados em audiência de julgamento são os seguintes:
“No dia 19 de abril de 2014, cerca das 19h20, o arguido conduziu o ciclomotor de matrícula … no
lugar de Emaús, Chorense, Terras de Bouro, nesta comarca de Vila Verde.
O arguido conduziu tal veículo após ter ingerido bebidas alcoólicas.
Em virtude da ingestão de tais bebidas alcoólicas, o arguido conduzia com taxa de alcoolemia de,
pelo menos, 1.73g/1.
O arguido agiu livre, deliberadamente e conscientemente e não obstante ter conhecimento que
tinha ingerido bebidas alcoólicas que lhe provocaram a taxa de álcool registada, decidiu conduzir o
ciclomotor referido nas circunstâncias descritas no auto de notícia.
E sabia que tal conduta é proibida e punida por lei. O arguido tem os seguintes antecedentes
criminais:
- a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 08-08-2011,
pelo qual foi condenado em 11-08-2011, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 7,00, que
perfaz o total de 560,00 euros e na pena acessória de 5 meses de proibição de conduzir veículos
motorizados no Processo Sumário n.º 114/11.1GCVVD, do 1º Juízo deste Tribunal.
O arguido reside em casa própria, com um filho maior de idade e uma companheira, trabalha na …
Terras de Bouro e aufere cerca de C 800,00 mensais, possui o ciclomotor constante dos autos e um
carro de marca …com mais de cinco anos, paga uma prestação ao banco pela aquisição do
ciclomotor de cerca de C 80/mês. Tem o 4º ano de escolaridade. Justificou a sua conduta com o
facto de ter tido um dia de trabalho muito pesado, que não suportaria bebendo água...
(…)
O Tribunal baseou a sua convicção na confissão integral e sem reservas do arguido, nas suas
declarações e nas declarações das testemunhas abonatórias quanto à sua situação económica,
social e familiar e existência de outros processos pendentes, no C.R.C. junto aos autos, no talão de
fls. 5.”
4. Existe o vício decisório de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada da alínea a)
do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal quando se conclua, a partir do próprio texto da
sentença, isoladamente considerada ou em conjugação com regras de experiência comum, que a
matéria de facto provada se revela insuficiente para a decisão correcta de direito, ou seja, a decisão
justa, a composição mais próxima da “ideal” e que, tendencialmente, declara a justiça no caso
concreto.
Esta ponderação não prescinde de um adequado entendimento acerca dos poderes deveres do
tribunal: o objecto da audiência de julgamento é constituído, nos termos do artigo 339°, n.° 4, do
Código de Processo Penal, pelos “factos alegados pela acusação e pela defesa e os que
resultarem da prova produzida e ao tribunal pertence o poder-dever “de esclarecer e instruir
autonomamente – i. é, independentemente da acusação e da defesa – o “facto” sujeito a
julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão” DIAS, Jorge de Figueiredo, in
«Direito Processual Penal», 1988-9, p. 60.. Esta consequência do princípio da investigação
encontra-se consagrada, com carácter geral, no artigo 340°, n° 1, do CPP, na medida em que pode
o juiz ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo
conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Ou seja, a matéria de facto provada é suficiente para a decisão quando o tribunal esgotou os
poderes de investigação e decidiu, entre provados e não provados, quanto a todos os factos
relevantes para a decisão justa. Incluindo-se nestes últimos, os que resultam da discussão da
causa sobre as circunstâncias relevantes para a dosimetria penal.
No caso vertente, o tribunal não solicitou em tempo a realização de relatório social ou de
informação pelos serviços de reinserção social e, encerrada a audiência de julgamento, os factos
provados restringem-se aos antecedentes criminais, e a elementos da situação profissional e
económica, bem como de ligação familiar. Também sabemos que o arguido estudou até ao 4º ano
de escolaridade e que perguntado quanto à justificação da sua conduta, respondeu que tinha tido
um dia de trabalho muito pesado.
Como sabemos, o critério para saber se deve ser junto aos autos o relatório social depende da
utilidade que esse meio privilegiado de conhecimento da personalidade, das condições pessoais e
da conduta anterior e posterior do arguido assume no caso concreto para a escolha e fixação da
pena.
De evidente relevo será assim a recolha de todos os elementos possíveis que permitam ao tribunal
saber do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente. Na avaliação da
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personalidade expressa nos factos, deverão ser ponderados os elementos disponíveis da
socialização e inserção do arguido na comunidade, assumindo importância não apenas a
consideração dos antecedentes criminais, mas a personalidade expressa no conjunto dos factos.
Para tanto, interessa considerar, em conjunto, realidades tão díspares como a personalidade do
arguido, a sua conduta anterior, os sentimentos manifestados e os motivos determinantes do crime
e o comportamento posterior ao crime. Naturalmente que a interiorização sincera da
censurabilidade da conduta, quando exista um autêntico arrependimento, constitui um elemento
importante neste âmbito.
Os elementos recolhidos pelo tribunal e constantes da matéria de facto provada neste processo
permitem antever um quadro de incipiente preparação escolar e profissional, mas ficam bem aquém
do que será necessário para compreender satisfatoriamente o percurso pessoal, familiar e social do
arguido. No que se refere aos factores relativos à personalidade e apesar da rudeza da resposta ao
tribunal quanto à motivação da conduta, ficou por compreender se o arguido revela particular
insensibilidade perante o cumprimento das normas legais e efectivas dificuldades em interiorizar os
efeitos da sua conduta.
Sopesando o desvalor da conduta e a anterior condenação por crime de idêntica natureza, por um
lado, e, por outro, a ligação familiar e profissional, concluímos que a existência de um relatório
social para julgamento, elaborado por técnicos sociais habilitados (art.º 370.º do C.P.P.), se tornava
indispensável para habilitar o tribunal no conhecimento de factores essenciais, com particular
incidência no juízo sobre a escolha da pena principal. Por não constarem do processo, este
Tribunal da Relação não dispõe dos elementos de facto que lhe permitam decidir o recurso neste
âmbito.
Em conclusão, e pela consequência da escassez de elementos referentes à personalidade e ao
enquadramento social, a decisão recorrida enferma do vício da insuficiência para a decisão da
matéria de facto provada, que inviabiliza a correcta decisão da causa no segmento das
consequências do crime e impõe o reenvio do processo para os termos subsequentes (artigo 426º
n.º 1 do Código de Processo Penal), assim resultando prejudicada a apreciação dos restantes
fundamentos de recurso.
5. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em
declarar que a sentença recorrida enferma de nulidade por vício decisório de insuficiência da
matéria de facto e determinam o reenvio do processo para nova audiência, restrita à averiguação
dos elementos referentes à personalidade, situação social e económica do arguido, a efectuar pelo
Tribunal competente nos termos do artigo 426.º-A do Código de Processo Penal, devendo
previamente proceder-se à junção de relatório social, se possível, bem como de demais prova
suplementar, que for tida por necessária.
Sem tributação.
Guimarães, 13 de Abril de 2015.
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