Revista de Direito das Faculdades Integradas de Jaú
ISSN 2318-566X
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CONSIDERAÇÕES
SOBRE
O
REGIME
SEMIABERTO
E
ABERTO
DE
CUMPRIMENTO DE PENA
ALEXANDRE VICIOLI¹
RESUMO
O presente estudo tem a finalidade de esclarecer, ou ao menos estabelecer o
debate, sobre as regras do regime prisional semiaberto de cumprimento de pena e
sua diferenciação com o aberto. O trabalho foi elaborado à luz das principais
doutrinas e jurisprudências do País, bem como nossa experiência profissional no
âmbito das execuções penais.
PALAVRAS-CHAVES: Regime prisional. Semiaberto. Aberto. Pena.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XIV, determina que:
“é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional”.
A exegese do comando constitucional, ao lado de estabelecer o direito dos
órgãos de imprensa em informar a população, possui outro viés. Dele, emerge o
direito do cidadão de ser informado de maneira correta, isto é não equivocada.
Sobre o tema, diversas são as notícias propaladas pela mídia, de um modo
geral, sobre o regime de cumprimento de pena dos condenados na ação penal nº.
470.
A todo o momento, nos diversos meios de comunicação, não apenas
profissionais do jornalismo, mas também “especialistas” cuidam em informar o que
*Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas de Jaú, mantidas pela Fundação Educacional Dr.
Raul Bauab; Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Titular da Primeira Vara da
Comarca de Barra Bonita, Juiz Presidente do Primeiro Tribunal do Juri e da Vara de Execuções Penais.
seria o regime semiaberto de cumprimento de pena. Aos quatro cantos, ouve-se que
os indigitados condenados “apenas irão dormir na cadeia”. Nada mais equivocado.
2 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
A Lei maior promulgada em 1988 não traz, nem deveria, maiores digressões
sobre o regime de cumprimento da pena. Todavia, indica diretriz fundamental no
modo
de
fixação
da
reprimenda.
Embora
relegue
para
a
legislação
infraconstitucional o detalhamento da individualização, dispõe de forma imperativa o
mínimo assegurado aos sentenciados. Como afirmado, garante ao menos o direito à
individualização. Este, garantia indeclinável de quem se acha cumprindo pena
criminal.
E ele decorre do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, na
medida em que o tratamento carcerário deve atender às peculiaridades do infrator e
da infração penal na qual está inserto.
3 TEORIAS SOBRE AS PENAS:
Ao buscar estabelecer e justificar a imposição de uma pena privativa de
liberdade a determinada pessoa, a doutrina instituiu três grandes grupos: as teorias
absolutas, relativas e mistas.
Para Edgar Magalhães Noronha (2009, p. 225): as absolutas fundam-se numa
exigência de justiça: pune-se porque se cometeu crime (punitur quia peccatum est).
Negam elas fins utilitários à pena, que se explica plenamente pela retribuição
jurídica. É ela simples consequência do delito: é o mal justo oposto ao mal injusto do
crime. As teorias relativas procuram um fim utilitário para a punição. O delito não é
causa da pena, mas ocasião para que seja aplicada. Não repousa na ideia de
justiça, mas de necessidade social (punitur ne peccetur). Deve ela dirigir-se não só
ao que delinquiu, mas advertir aos delinquentes em potência que não cometam
crime. Consequentemente, possui um fim que é a prevenção geral e a particular. As
teorias mistas conciliam as precedentes. A pena tem índole retributiva, porém
objetiva os fins de reeducação do criminoso e de intimidação geral. Afirma, pois, o
caráter de retribuição da pena, mas aceita sua função utilitária.
Ou seja, a pena, como sanção aflitiva que é, e como corrente dominante
adotada no Brasil, tem como principal característica a retribuição ao sentenciado, de
forma justa, aos olhos da lei vigente à época, pelo injusto penal cometido. Também
objetiva prevenir o delinquente (prevenção especial) sobre eventuais novos
cometimentos de crimes, bem como prevenir toda a coletividade (prevenção geral) a
fim de não incidirem em condutas assemelhadas.
Sobre estes aspectos da pena, principalmente no que se refere á sua eficácia
como forma de recuperar o indivíduo, aliás, houve o reconhecimento na
Organização das Nações Unidas sobre a ineficiência do sistema das penas
privativas de liberdade. Esta conclusão restou formalizada na Resolução nº. 45/110,
cuja integralização foi proporcionada na Convenção de Tóquio (Regras Mínimas das
Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade).
A pena como sanção aflitiva e segregadora do convívio social não atingiu sua
finalidade de prevenção ao cometimento de novos delitos. Neste aspecto, as
chamadas penas alternativas têm melhor atendido a finalidade de impedir a
reincidência. Entretanto, em uma sociedade punitivista na qual nos inserimos, torna
praticamente impossível a defesa do cárcere apenas nos casos de extrema
necessidade de segregação social do delinquente.
4 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
No Brasil, nos termos do artigo 32, do Código Penal, mais especificamente no
seu inciso I, encontramos o fundamento legal da pena privativa de liberdade.
Estabelece-se pena privativa de liberdade pela segregação do convívio social do
sentenciado através de sua colocação em regimes diversos de cumprimento de
pena, conforme a gravidade do delito e suas condições pessoais.
Desta forma, temos duas penas privativas de liberdade, cujas execuções são
estabelecidas em três regimes de cumprimento de pena, a saber: Pena privativa de
liberdade de reclusão, cujo cumprimento pode ocorrer, inicialmente, nos três regimes
de execução, quais sejam, fechado, semiaberto e aberto; Pena privativa de
liberdade de detenção, cujo cumprimento pode ocorrer, inicialmente, em apenas dois
regimes de execução, quais sejam o semiaberto e o aberto.
A pena de reclusão diferencia-se da detenção, não apenas quanto às formas
de cumprimento, regimes, mas também pela natureza do estabelecimento prisional
onde o sentenciado cumprirá sua pena. Naquela, o condenado poderá cumprir sua
pena em estabelecimentos de segurança máxima ou média.
5 REGIME SEMIABERTO E ABERTO
Considera-se regime semiaberto a execução do cumprimento da pena
privativa de liberdade em estabelecimentos de segurança
reduzida. Tais
estabelecimentos prisionais são constituídos de colônias penais agrícolas ou
industriais.
Neste sentido, O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 33, “caput” e §1º,
determina que: “Considera-se: (...) b - regime semi-aberto a execução da pena em
colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar”.
E o artigo 91, da Lei de Execuções Penais confirma: “A Colônia Agrícola,
Industrial ou similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-aberto”.
Em termos práticos, neste regime de cumprimento de pena, o sentenciado
realiza suas atividades profissionais durante o dia, dentro do estabelecimento
prisional, e recolhe-se em sua cela, durante o repouso noturno. Frise-se, nos termos
da lei, dentro do estabelecimento prisional.
Por seu turno, o artigos 92, da Lei nº. 7.210/84 esmiúça o que seria o
malfadado regime semiaberto, ou seja: “O condenado poderá ser alojado em
compartimento coletivo, observados os requisitos da letra "a" do parágrafo único do
artigo 88 desta lei. Parágrafo único. São também requisitos básicos das
dependências coletivas: a) a seleção adequada dos presos; b) o limite de
capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena”.
Ou seja, como afirmado, a lei esclarece o tipo de local onde o condenado
cumprirá a pena. Embora seja compreensível o equívoco realizado diuturnamente,
pois o nome dado ao regime, “semiaberto”, pode sugerir a falsa conclusão a que tem
chegado os veículos de informação, o fato é que ele não se coaduna com o
benefício do propalado “apenas” repouso no cárcere. Este é o regime aberto de
cumprimento de pena, onde o condenado deve recolher-se no período noturno nas
casas de albergados. Na sua falta é que, em último caso, poderá recolher-se em seu
lar.
Nestes termos, o artigo 93, da mencionada Lei: “A Casa do Albergado
destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da
pena de limitação de fim de semana”.
Prossegue o artigo 94, da mesma Lei em comento, as características deste
estabelecimento prisional, a saber: “O prédio deverá situar-se em centro urbano,
separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de
obstáculos físicos contra a fuga”.
Assim, como já explanado, há evidente diferenciação entre o regime
semiaberto e o aberto de cumprimento de pena. O mais expressivo, e alvo da
maioria das divergências, é justamente equivocar-se quanto ao sentenciado,
naquele, restar efetivamente encarcerado fisicamente.
6 REGRAS DO REGIME SEMIABERTO
Como em linhas anteriores afirmei, existe aparente confusão realizada pelos
operadores do direito, no que se refere às regras de cumprimento da sanção penal
aflitiva no regime semiaberto. Tais condenados, nos termos do artigo 91, da Lei nº.
7.210/84 (Lei de Execuções Penais), são submetidos ao cumprimento de pena em
Colônia Agrícola, Industrial ou similar, cujas acomodações destinam-se ao
cumprimento desta pena. Nela, há barreiras físicas e características próprias de
estabelecimento prisional.
Desta forma, por que há confusão em se determinar as regras deste regime
em comparação ao aberto? Há razão de fundo para a controvérsia. Notórias são as
faltas de vagas para progressão de regime prisional no qual se submetem os
sentenciados. E a inexistência de vagas para progressão fez surgir, inclusive na
jurisprudência, deturpações no sistema.
Neste sentido, em decisão da lavra do Ministro Ricardo Lewandowski
estabeleceu-se:
Consignado no título executivo o regime semiaberto para o cumprimento da pena,
cabe ao Estado o aparelhamento do Sistema Penitenciário para atender à
determinação. Ante a falta de vaga em estabelecimento adequado para o
cumprimento da pena em regime semiaberto, deve o recorrente aguardar a abertura
da vaga em regime aberto (STF, HC 109.244/SP, 2ª Turma, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgado em 22 de novembro de 2011).
Assim, incumbindo ao Estado aparelhar-se visando dar cumprimento ao
regime estabelecido na sentença, eventual omissão não pode ser imposta ao
sentenciado para prejudicar-lhe, fazendo cumprir sua sanção noutro regime mais
severo.
Desta forma, decidiu o também Ministro Marco Aurélio nos autos do HC nº.
96.169/SP: “Se não houver sistema capaz de implicar o cumprimento da pena em
regime semiaberto, dá-se a transformação em aberto e, inexistente a casa do
albergado, a prisão domiciliar”.
Ou seja, em nossa visão, a despeito de dar efetividade às normas
constitucionais e legais houve completa violação do sistema progressivo. É que na
verdade, a intenção do legislador quando fez inserir na Lei de Execuções Penais o
artigo 37, era justamente corrigir a falta de aparato estatal, permitindo ao
sentenciado já merecedor do regime aberto o gozo de sua principal característica,
qual seja o trabalho externo. Permitindo-lhe a saída diurna para o trabalho, na
verdade, estaria suprindo a falha estatal e corrigindo a distorção existente. Não foi o
que ocorreu.
7 TRABALHO EXTERNO
Como alinhavado, determina o artigo 37, caput, da Lei de Execuções Penais:
“A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento,
dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo
de um sexto da pena”.
Ou seja, caso o sentenciado tenha cumprido sua reprimenda no regime
semiaberto, vale dizer mais de um sexto da pena, mas não havendo vaga em
estabelecimento adequado para progressão, ser-lhe-á deferida a possibilidade do
trabalho externo. Em linhas gerais ele terá o principal benefício do regime aberto,
mas sem transmudar sua pena e descaracterizar o regime.
Mas, como afirmado, não foi o que ocorreu. Neste sentido, inclusive, houve
edição de súmula pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a de número 40, de
seguinte teor: "Para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo,
considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado".
Assim, para a jurisprudência, o condenado pode “aproveitar” o tempo que
cumpriu no regime fechado, para obter a progressão, em meu modo de entender,
per saltum e ingressar diretamente noutro regime carcerário.
8 PRISÃO ALBERGUE DOMICILIAR
Os condenados inseridos no regime aberto de cumprimento de pena podem,
e isto é uma faculdade, desde que preenchidos determinados requisitos legais,
desde o início, cumprir a pena na vulgarmente chamada prisão domiciliar. Mesmo
neste último regime de cumprimento, frisa-se, o aberto, a prisão em domicílio é
exceção, que como tal, apenas confirma a regra. Sobre o tema, confira-se o que
dispõe o artigo 117, da Lei nº. 7.210/84 (lei de execuções penais):
Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência
particular quando se tratar de: I - condenado maior de setenta anos; II - condenado
acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou
mental; IV - condenada gestant”.
Afora estas possibilidades, o reeducando não tem direito subjetivo à prisão
domiciliar. Todavia, a jurisprudência flexibilizou o tema. Neste sentido:
“Somente em casos excepcionais, mesmo na hipótese de ter sido
estabelecido o regime fechado para o cumprimento de pena, é possível o
deferimento da prisão domiciliar, quando demonstrada, de plano, a necessidade de
especial tratamento de saúde que não poderia ser suprido no local em que o
condenado se encontra preso” (STJ, HC 17.429/PR, 5ª Turma, rel. Ministro Gilson
Dipp).
9 CONCLUSÃO
Como afirmado em linhas anteriores, o objetivo deste artigo era o de tecer
alguns comentários sobre os regimes semiaberto e aberto de cumprimento de pena.
Ou, ao menos, estabelecer o debate sobre suas características. Esta necessidade
surgiu ao verificar os inúmeros equívocos cometidos pela opinião pública, na análise
do julgamento proferido pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, nos autos da ação
penal nº. 470.
Sobreleva notar que a lei de execuções penais é muito clara em diferenciar os
institutos, sobretudo naquilo que mais os diferencia, ou seja o direito ao trabalho
externo.
Contudo, inúmeras foram as decisões judiciais, corretas ou não, nas quais
fundiram as formas de cumprimento de pena criando um grande regime aberto sui
generis.
De toda forma, nos parece que este “quarto” regime de cumprimento beneficia
apenas uma ínfima parcela da sociedade, notadamente quem possui condições
financeiras de ascender aos tribunais superiores e pleitear estes benefícios.
De mais a mais, entendemos correta uma profunda mudança no modo de
entender a pena privativa de liberdade, de modo a adequá-la aos crimes sobre os
quais se revela realmente necessária.
Isto importa em real modificação no modo da sociedade entender o caráter
desta sanção aflitiva e relegar àqueles que realmente põem em risco a segurança da
coletividade esta forma de sanção penal. É dizer, dever-se-ia reservar a pena
corporal apenas para casos graves, cuja soltura do apenado possa importar em
concretos riscos físicos para o restante da população. Em não havendo, o inexorável
caminho deve ser a pena restritiva de direitos ou pecuniária.
REFERÊNCIAS
BRASIL.
CONSTITUIÇÃO
Federal,
de
05/10/1988.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Conttuicao.htm>
Disponível
em
Acesso
em
fevereiro de 2014.
DAMÁSIO. Evangelista de Jesus. Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. Editora
Saraiva. 19ª Edição.
NORONHA. Edgar Magalhães. Direito Penal. Volume 1. Editora Saraiva. 38ª Edição,
2.009.
DOTTI. René Ariel. Execução Penal no Brasil: aspectos constitucionais e legais. RT
664:239.
MARCÃO. Renato. Lei de Execução Penal Anotada. Editora Saraiva. 4ª Edição.
SOUZA NUCCI. Guilherme. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. Editora
Revista dos Tribunais. 5ª Edição.
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