João Paulo Marques e Fernando Mota 1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento das técnicas cirúrgicas em geral, e da cirurgia ginecológica em particular, resultou em novos paradigmas na abordagem cirúrgica para tratamento da patologia uterina. Neste capítulo será abordada a histerectomia total (HT) por via abdominal como cirurgia padrão para a patologia uterina. A histerectomia radical (HTR) realizada em doentes oncológicas também será descrita. Fora do contexto deste capítulo referem-se ainda outras cirurgias uterinas por via abdominal, tais como miomectomias e as metroplastias para correcção de malformações uterinas congénitas. A histerectomia é a cirurgia ginecológica mais frequentemente realizada, maioritariamente para tratamento de situações benignas. Tem-se, contudo, assistido a um decréscimo na frequência deste procedimento cirúrgico, em provável relação com o advento de modalidades terapêuticas menos invasivas para tratar patologias previamente alvo de histerectomia. 2. HISTERECTOMIA 2.1. INDICAÇÕES Definem-se cinco grupos de indicações para a histerectomia: leiomiomas uterinos, algias pélvicas, prolapso dos órgãos pélvicos, hemorragias uterinas anormais e doença maligna e pré-maligna envolvendo o útero. A decisão de realizar uma histerectomia deve ser partilhada entre a doente e o seu médico (excepto em situações de emergência) considerando implicações funcionais, planos reprodutivos, resposta a terapêutica médica, discussão de alternativas e percepção de que os riscos associados serão ultrapassados pelos benefícios esperados. Devem ainda ser equacionadas eventuais alternativas terapêuticas à histerectomia, de acordo com o diagnóstico específico (embolização das artérias uterinas e miomectomia nos miomas, ablação endometrial nas menorragias, tratamento médico com análogos da hormona hipotalâmica libertadora de gonadotrofinas [GnRH] no desconforto pélvico associado à endometriose). 2.2. AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA A avaliação pré-operatória das mulheres com indicação para cirurgia ginecológica será abordada em capítulo próprio. No contexto da cirurgia uterina por via abdominal, o planeamento da incisão, a realização de ooforectomia electiva, a opção por histerectomia total ou histerectomia supracervical ou sub-total (HST) deverão ser devidamente discutidas com a doente, no âmbito do consentimento informado. Medidas prévias à cirurgia, tais como profilaxia do tromboembolismo venoso, administração de antibióticos, tratamento sistemático da vaginose bacteriana, avaliação e estabilização de patologias crónicas (cardiovasculares, respiratórias, endócrinas) serão igualmente abordadas em capítulo próprio. 447 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 47 Cirurgia uterina por via abdominal 2.3.1. HISTERECTOMIA ABDOMINAL VERSUS HISTERECTOMIA VAGINAL A maioria dos estudos (randomizados e observacionais) tem concluído que a via de eleição para a histerectomia deve ser a vaginal, atendendo a que se associa a menos complicações, menor tempo de internamento e menores custos hospitalares1-3. Os dados dos estudos observacionais devem ser interpretados cautelosamente, uma vez que a decisão da via indicada para a histerectomia é, inevitavelmente, afectada pela gravidade da doença subjacente e pela complexidade da intervenção. Historicamente, a histerectomia total (HT) por via abdominal foi designada como apropriada para casos mais graves, com eventual necessidade de uma maior exploração abdominopélvica, assim como para os procedimentos potencialmente mais difíceis de executar pela vagina. Tal parecer resultava em contra-indicações mal definidas (mas tradicionalmente aceites) para a via vaginal como: útero aumentado (estimativa de peso uterino superior a 280 g ou superior a 12 semanas), vagina apertada (espaço inferior a dois dedos no ápex), falta de mobilidade e/ou de descida uterina com mobilização, presença de doença anexial, cirurgia pélvica anterior, neoplasia, bacia geralmente apertada e necessidade de explorar o abdómen superior1. No entanto, estas indicações tradicionais para laparotomia têm vindo a ser questionadas, uma vez que não existem ensaios randomizados que examinem estes factores. Exemplos de evidência, emergentes de estudos observacionais, suportam poucas exclusões à via vaginal: — Mobilidade uterina: resultados de um estudo prospectivo4 sugerem que a ausência de prolapso/descida uterina pode não constituir uma razão válida para indicar a via abdominal, mesmo 448 em mulheres nulíparas, ou naquelas com cesariana prévia. No entanto, a ausência de descida do útero, por preservação das estruturas de suporte pélvico, deve ser distinguida da imobilidade uterina por aderências, situação em que a via abdominal ou laparoscópica será preferível. — Tamanho do útero: um estudo prospectivo avaliou os resultados da histerectomia vaginal (HV) em 204 doentes consecutivas com útero miomatoso, pesando entre 280 e 2.000 g, isoladamente ou em associação a uma ou mais das mais razões clássicas para indicar a via abdominal (p. ex. cirurgia pélvica anterior, antecedentes de doença inflamatória pélvica, endometriose moderada a grave, massa anexial concomitante, nuliparidade, acesso vaginal limitado)5. Em todas as doentes foi realizada cirurgia com fragmentação uterina e nenhuma tinha prolapso útero-vaginal. Em quatro casos houve necessidade de laparoscopia e em apenas dois foi necessária a laparotomia. Efectuou-se anexectomia em 90,6% das doentes com indicação para tal. Estes achados sugerem que o critério tradicional do tamanho do útero como exclusão para a via vaginal poderá não ser válido. — Nuliparidade: um estudo prospectivo comparou os resultados após HV em 52 nulíparas e 293 multíparas6. Apesar do tempo operatório, da taxa global de complicações e da hemorragia ter sido superior no grupo das nulíparas, a HV foi possível em 50 das 52 doente nulíparas, tendo no outro grupo sido possível em 292 das 293 doentes. — Cesariana anterior: as preocupações na realização de HV em mulheres com cesariana prévia prendem-se com a possibilidade de aparecimento de complicações graves (lesão vesical ou hemorragia excessiva), durante o descolamento da bexiga do segmento uterino inferior. Capítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 2.3. VIA DE REALIZAÇÃO DA HISTERECTOMIA Cirurgia por via abdominal Em 1999, a Sociedade de Cirurgiões de Cirurgia Pélvica Reconstrutiva emitiu directivas para a selecção da via de histerectomia, tendo excluído algumas das contra-indicações tradicionais à via vaginal (Quadro 1)12. Após a publicação destas directivas houve uma mudança de procedimentos, preferindo a via vaginal, com redução das complicações, dias de hospitalização e custos. Tal política de encorajamento da via vaginal para a histerectomia resultou numa maior proporção de histerectomias vaginais. 2.3.2. HISTERECTOMIA VAGINAL ASSISTIDA POR LAPAROSCOPIA O uso da laparoscopia para a realização da histerectomia é assunto de debate actual. Analisar o papel da laparoscopia é complicado, já que vários graus de assistência laparoscópica são utilizados para a remoção uterina. Procedimentos cirúrgicos descritos como histerectomia laparoscópica vão desde uma simples laparoscopia de diagnóstico, para excluir patologia pélvica antes de efectuar uma HV, até à histerectomia totalmente realizada por via laparoscópica13. O maior benefício da laparoscopia prévia à histerectomia consiste em permitir uma visualização directa, panorâmica e aumentada da pélvis, de tal forma que o cirurgião pode avaliar a gravidade da patologia extra-uterina. Esta avaliação permite que o cirurgião decida de que forma esta patologia contra-indica a via vaginal para a histerectomia em quaisquer circunstâncias, ou se gestos cirúrgicos laparoscópicos poderão facilitar a via vaginal, permitindo assim que se prossiga para a via vaginal, abdominal ou vaginal com assistência laparoscópica. A título de exemplo, se uma laparoscopia revelar aderências moderadas ou endometriose, mas um fundo de saco acessível, os obstáculos extra-uterinos podem ser removidos por laparoscopia antes da HV. Procedimentos adicionais que podem ser realizados por laparoscopia, para auxiliar a HV, incluem a exérese de miomas 449 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Uma revisão retrospectiva de 220 mulheres submetidas a HV com cesariana prévia foi comparada com uma série de 200 doentes sem cirurgia pélvica anterior7. Constatou-se que ocorreu lesão urológica apenas em três doentes. Neste estudo revelaram-se como factores favoráveis à via vaginal: apenas uma cesariana anterior, útero móvel e parto vaginal prévio, tendo sido identificado como factor desfavorável a ocorrência de infecção após a cesariana prévia, em relação com a presença de aderências firmes entre a bexiga e o colo. Outro estudo retrospectivo8 comparou os resultados da HV em mulheres com antecedentes de cesariana prévia (n = 35) com outras sem este antecedente (n = 186). Foram determinadas as indicações, número de complicações, alteração da hemoglobina no período perioperatório, uso adjuvante de laparoscopia e duração da hospitalização. As complicações nos dois grupos não foram significativamente diferentes, tendo sido necessária laparoscopia apenas numa situação rara, em que o útero se apresentava aderente à parede abdominal. Estes estudos sugerem que uma cesariana anterior não deve constituir uma contra-indicação à HV. — Necessidade de realizar anexectomia: vários ensaios clínicos demonstraram que cerca de 95% dos ovários podem ser removidos por via vaginal, com ou sem assistência laparoscópica, contrariando o conceito de que a indicação para ooforectomia constitui contra-indicação para a via vaginal. — Obesidade: a exposição do campo operatório pode ser difícil em mulheres obesas, tanto na via abdominal como na vaginal. A preferência pela via vaginal nestas doentes baseia-se no facto de tal abordagem ser possível nestas doentes e estar associada a menor morbilidade pós-operatória, quando comparada com a histerectomia abdominal9-11. Contra-indicações à histerectomia vaginal — Massa anexial suspeita de carcinoma — Diagnóstico de cancro com necessidade de exploração intraperitoneal — Aderências pélvicas conhecidas — Acesso limitado às artérias uterinas pelo tamanho do útero em relação com o tamanho da pélvis — Impossibilidade de posicionar correctamente a doente para a cirurgia vaginal Contra-indicações relativas à histerectomia laparoscópica — Situação clínica que não permite a realização de pneumoperitoneu — Situação clínica que não permite ventilação adequada durante a anestesia — Tamanho uterino que impede o acesso às artérias uterinas — Existência de aderências extensas abdominais e pélvicas — Prolapso dos órgãos pélvicos tornando mais adequada a via vaginal Indicações para a histerectomia vaginal assistida por laparoscopia — Probabilidade de existência de doença extra-uterina — Endometriose — Probabilidade de existência de aderências — Antecedentes de doença inflamatória pélvica — Doença ovárica — Algias pélvicas crónicas (facilita a remoção do útero) ou a laqueação dos ligamentos infundibulopélvicos (facilita a ooforectomia). Para um cirurgião experiente em laparoscopia, a histerectomia vaginal assistida por laparoscopia (HVAL) pode ser usada no tratamento da maioria das patologias, benignas e malignas, tornando fácil uma HV difícil, evitando a necessidade de laparotomia. A laparoscopia é, ainda, uma boa opção em doentes com doença osteoarticular grave que impeça o posicionamento necessário à HV. A via laparoscópica tem vindo a utilizar-se mais frequentemente no tratamento do cancro ginecológico, evitando a laparotomia. Uma abordagem vaginal exclusiva não permite a avaliação da superfície peritoneal ou dos gânglios retroperitoneais, para pesquisa de doença metastática, limitações ultrapassadas pela realização de laparoscopia. 450 Contra-indicações à histerectomia vaginal assistida por laparoscopia (Quadro 1)14 A dimensão uterina ainda compatível com a via laparoscópica depende em primeiro lugar da experiência do cirurgião (tal como na HV). A capacidade de aceder às artérias uterinas é mais importante do que o tamanho absoluto do útero. Num ensaio clínico comparando a histerectomia laparoscópica com a HT por via abdominal em doentes com miomas (equivalente a útero > 14 semanas), a morbilidade foi semelhante, com excepção para o tempo operatório que foi superior para a laparoscopia. Um índice de massa corporal (IMC) elevado foi inicialmente considerado uma contra-indicação relativa, devido à dificuldade em obter e manter o pneumoperitoneu, assim como os desafios no suporte ventilatório destas doentes. Contudo, um estudo Capítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Quadro 1. Directivas da Sociedade de Cirurgiões de Cirurgia Pélvica e Reconstrutiva para a selecção da via da histerectomia 2.3.3. HISTERECTOMIA ABDOMINAL VERSUS VAGINAL VERSUS LAPAROSCÓPICA Uma revisão da Cochrane avaliou a via mais apropriada para a histerectomia nas situações de patologia benigna16. Esta revisão incluiu 27 ensaios randomizados com um total de 3.643 doentes. Da sua análise constata-se a existência de variações significativas nos parâmetros registados entre os vários estudos. Os autores concluíram que a HV deverá ser preferida à HT por via abdominal sempre que possível. Quando não é exequível a HV, sugerem que uma avaliação laparoscópica pode evitar a necessidade de HT por via abdominal. Todavia, o tempo cirúrgico aumenta de forma proporcional à complexidade dos gestos cirúrgicos a efectuar por via laparoscópica, requerendo igualmente uma maior perícia cirúrgica. As limitações desta revisão incluem: grande variabilidade no desenho dos estudos, diferenças nos resultados avaliados e na experiência cirúrgica, análise de muitos estudos com pequenas amostras e limitadas avaliações a longo prazo das complicações pós-operatórias. Ensaio eVALuate (Quadro 2) Consistiu em dois ensaios simultâneos multicêntricos randomizados e controlados que avaliaram os papéis relativos da histerectomia por via vaginal, laparoscópica e abdominal na prática ginecológica de rotina17. Este é o maior ensaio randomizado comparando estes procedimentos e foi incluído na revisão Cochrane. O método usado consistiu em randomizar doentes propostas para histerectomia por via abdominal distribuindo-as em dois grupos: histerectomia laparoscópica ou HT por via abdominal. As propostas para HV eram randomizadas em dois grupos: HV e histerectomia laparoscópica. Todas tinham Cirurgia por via abdominal patologia benigna. Foram excluídas do ensaio doentes com prolapso do segundo ou terceiro grau, útero aumentado (> 12 semanas), condição médica que contra-indicasse laparoscopia ou existência de indicação para cirurgia de suporte vesical ou pélvico. A abordagem laparoscópica incluiu várias modalidades, desde a histerectomia com todos os passos executados por via laparoscópica à histerectomia com componentes cirúrgicos vaginais. A análise das complicações major revelou taxas equivalentes para as vias abdominal e laparoscópica (7,8 vs 6,2), quando são excluídas destas, as conversões em laparotomia por avaliação do cirurgião e não por complicações durante o procedimento laparoscópico. Outro elemento a ponderar na análise destes resultados é a menor experiência dos cirurgiões em laparoscopia. A histerectomia laparoscópica demorou mais tempo a executar do que a abdominal ou a vaginal (tempo médio 72 a 84, 50, e 39 min, respectivamente), mas, quando comparada com a HT por via abdominal, associa-se a menos dores no pós-operatório, menor tempo de hospitalização (3 vs 4 dias), restabelecimento mais rápido e melhor qualidade de vida às 6 semanas de pós-operatório. Os resultados da HV revelaram-se favoráveis, mas o tamanho da amostra não foi suficiente para evidenciar diferenças com significado estatístico entre os grupos, com excepção da menor duração da cirurgia. Uma análise independente de custos concluiu que a relação custo-benefício da histerectomia laparoscópica era inferior à da HV, sendo sobreponível à da histerectomia por via abdominal18. Estudos observacionais nos EUA e no Canadá demonstraram uma melhor relação custo-benefício da histerectomia laparoscópica relativamente à abdominal, baseada fundamentalmente na diminuição da duração da hospitalização e mais rápido retorno à vida profissional19,20. Em resumo, podemos concluir que a histerectomia laparoscópica não oferece vantagens clínicas ou económicas em relação à HV, e em comparação com a HT por via abdominal 451 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 retrospectivo, em 330 doentes submetidas a histerectomia laparoscópica total, não registou nenhuma conversão em HT por via abdominal devida a elevado IMC15. Ensaio abdominal Ensaio vaginal Histerectomia abdominal (n = 292) Histerectomia laparoscópica (n = 584) Histerectomia vaginal (n = 168) Histerectomia laparoscópica (n = 336) 7 (2,4) 27 (4,6) 5 (2,9) 17 (5,1) 3 (1) 1 (0,2) 0 0 Lesão ureteral 0 5 (0,9) 0 1 (0,3) Lesão vesical 3 (1) 12 (2,1) 2 (1,2) 3 (0,9) Conversão intra-operatória 1 (0,3) 23 (3,9) 7 (4,2) 9 (2,7) Deiscência da ferida operatória 1 (0,3) 1 (0,2) 0 1 (0,3) Hematoma 2 (0,7) 4 (0,7) 2 (1,2) 7 (2,1) Pelo menos uma complicação major 18 (6,2) 65 (11,1) 16 (9,5) 33 (9,8) Hemorragia significativa Lesão intestinal associa-se a menos dores no pós-operatório, hospitalizações mais curtas e convalescença mais rápida (podendo contudo implicar um maior risco de lesão do tracto urinário e custos mais elevados). Propõe-se assim a realização de HV sempre que possível, uma vez que se associa a um período mais curto de recuperação e menores complicações infecciosas pós-operatórias. Nos casos em que existe potencial patologia extra-uterina concomitante (endometriose, doença inflamatória pélvica, patologia anexial, dor pélvica crónica), a laparoscopia pode ajudar na inspecção do abdómen/pélvis e assistir a HV. Contudo, nem todas as histerectomias podem ser realizadas por via vaginal, definindo-se contra-indicações para a via vaginal e para a HVAL (Quadro 1). 2.4. EXTENSÃO DA CIRURGIA 2.4.1. REALIZAÇÃO CONCOMITANTE DE OOFORECTOMIA Os efeitos positivos da produção fisiológica de estrogénios e o papel da terapêutica hormonal de substituição (THS) devem ser cuidadosamente discutidos antes da remoção electiva dos ovários durante a histerectomia 452 na mulher pré-menopáusica. Várias variáveis entram na equação desta decisão. Um estudo, usando a análise de decisão de Markov para calcular a idade óptima para a ooforectomia electiva durante a histerectomia por patologia benigna, concluiu que a conservação dos ovários até à idade de 60 anos beneficiava a esperança de vida em mulheres com risco médio de cancro do ovário21. A limitação maior desta análise consiste no facto de derivar de uma presumida redução na mortalidade por doença coronária associada à conservação dos ovários, com base num grande estudo observacional (Nurses Health Study) cuja validade se questiona. A existência, no grupo de mulheres que foram sujeitas a menopausa cirúrgica, de outros factores de risco para doença cardiovascular, demonstrada por outros autores, justificaria esta observação. As recomendações do Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia indicam que deve ser realizada salpingo-ooforectomia bilateral em mulheres com mutações BRCA1 e BRCA2 após o desejo reprodutivo finalizado. Mulheres com história familiar sugestiva de mutações BRCA1 e BRCA2 devem ser referenciadas para estudo genético e avaliação para testar BRCA. Para as mulheres com risco Capítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Quadro 2. Ensaio eVALuate Cirurgia por via abdominal enxaqueca cíclica, epilepsia ou síndrome pré-menstrual. Os inconvenientes da ooforectomia electiva durante a histerectomia incluem: — Sequelas da perda das hormonas ováricas: sintomas vasomotores, secura vaginal e osteoporose. Algumas séries sugeriram que a ooforectomia pode levar à deterioração da auto-imagem e diminuição da libido, tendo esta sido associada à perda da produção ovárica de testosterona, apesar da correlação entre variáveis psicossexuais e marcadores bioquímicos androgénicos ser pobre. A associação entre menopausa e depressão é controversa. Um grande estudo prospectivo (n = 1.151) de mulheres pré-menopáusicas submetidas a histerectomia por doença benigna não encontrou associação entre ooforectomia bilateral e o desenvolvimento de sintomas depressivos24. Finalmente, os efeitos dos estrogénios na função cognitiva não são claros. Um estudo sugeriu que a ooforectomia pré-menopausa (uni ou bilateral) aumentava o risco de perturbação cognitiva, quando comparada com mulheres não ooforectomizadas, e que o risco era maior quanto mais jovens fossem as mulheres na altura da ooforectomia25. — Aumento do risco de doença cardiovascular: estudos epidemiológicos sugeriram que a menopausa prematura (natural ou cirúrgica) se acompanha de aumento de risco cardiovascular26-29. Contudo, nestes estudos, as mulheres que são submetidas a menopausa cirúrgica parecem ter outros factores de risco para doença cardiovascular, que pode contribuir para este aumento do risco, como já referido anteriormente. Em resumo, podemos concluir que os benefícios da produção mantida de androgénios na mulher pós-menopáusica parecem ser exíguos, quando comparados com o risco de cancro do ovário nesta faixa etária. A remoção profilática dos ovários nas mulheres pré-menopáusicas deve ser individualizada, considerando a THS. Em mulheres com 453 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 aumentado para cancro do ovário, a salpingo-ooforectomia para redução de risco deve incluir inspecção cuidadosa da cavidade peritoneal, lavagens peritoneais, remoção das trompas e laqueação dos vasos ováricos junto ao anel pélvico. Nas mulheres pré-menopáusicas sem risco genético para cancro do ovário deverão ser preservados os ovários. A ooforectomia deve contudo ser considerada em mulheres pós-menopáusicas, atendendo ao risco de cancro do ovário neste grupo em particular. Mulheres com endometriose, doença inflamatória pélvica e algias pélvicas crónicas estão em maior risco de reoperação, devendo ser cuidadosamente ponderado o risco/benefício de cirurgia ovárica subsequente, nos casos em que a ooforectomia não é realizada ab initio. As vantagens da ooforectomia electiva concomitante à histerectomia incluem: — Redução de risco de desenvolver cancro do ovário: a ooforectomia electiva ou redutora de risco, reduz, mas não elimina, o risco de desenvolvimento de cancro do ovário, porque estas mulheres permanecem em risco de desenvolver cancros ovário-like no peritoneu, designados por carcinoma seroso papilar do peritoneu (PSCP). As trompas deverão ser igualmente removidas nestes casos. — Redução de risco de desenvolver cancro da mama: a ooforectomia redutora de risco também protege contra o cancro da mama em mulheres portadoras das mutações BRCA1 e BRCA2. — Evitar reoperação por patologia ovárica: a reoperação por patologia ovárica devido a sintomas designados como síndrome do ovário residual (SOR), torna-se necessária em 3-4% de mulheres com preservação de um ou ambos os ovários22,23. A maioria destas cirurgias são realizadas por dor ou massa pélvica, no período de 5 anos após a histerectomia. — Alívio de sintomatologia resultante da função ovárica: pode ser vantajoso para algumas doentes, designadamente com 2.4.2. HISTERECTOMIA TOTAL VERSUS HISTERECTOMIA SUPRACERVICAL Tem sido postulado, sem qualquer fundamento, que a remoção do colo origina uma excessiva disrupção anatómica e neurológica, levando a um aumento da mortalidade e morbilidade (encurtamento vaginal, prolapso subsequente da cúpula, granulomas da cúpula e prolapso potencial das trompas). Estes parâmetros foram avaliados numa revisão sistemática de HT versus HST por patologia ginecológica benigna30, concluindo que não há diferença nas taxas de incontinência, obstipação ou parâmetros da função sexual. O tempo operatório e perda hemática durante a cirurgia foram substancialmente reduzidos na HST em relação à HT, mas sem diferenças nas taxas de transfusão. Após HST a morbilidade por febre foi menor, sendo maior a persistência de perdas cíclicas após um ano de cirurgia. Outras complicações, recuperação da cirurgia ou reinternamentos não foram diferentes nos dois grupos. Em ensaios randomizados mas de curta duração, verificou-se que a preservação do colo ou a sua remoção não afectava a taxa de prolapso dos órgãos pélvicos31,32. No entanto, não há ensaios que tenham avaliado o risco de prolapso muitos anos após a cirurgia, que pode ser diferente após HT versus HST. As vantagens da HST incluem menor tempo operatório do que para a HT, menor tempo de hospitalização se realizada por laparoscopia, e possivelmente uma convalescença mais rápida30-36. Poderá também associar-se a menos lesões do tracto urinário, porque nesta técnica não se disseca tão próximo do colo, nem tão profundamente na pélvis como na histerectomia total. Contudo, os ensaios clínicos não tiveram força suficiente para demonstrar esta observação clínica. 454 A única contra-indicação absoluta à HST é a presença de doença maligna ou pré-maligna no corpo uterino ou colo. Endometriose extensa é uma contra-indicação relativa, uma vez que estas mulheres podem manter dispareunia se o colo for preservado. Os riscos e benefícios de preservar o colo devem ser compreendidos como parte do consentimento informado pré-operatório. As mulheres devem ser informadas que preservar o colo parece não conferir qualquer benefício médico ou sexual, podendo acompanhar-se de hemorragia vaginal cíclica (7-11%)31,37, exige citologia cervical de rastreio e pode ser necessário posteriormente realizar uma traquelectomia (p. ex. por hemorragia, prolapso, doença pré-maligna/maligna)37. Não há, portanto, razão substancial para preservar o colo. 2.5. TÉCNICA CIRÚRGICA PARA HISTERECTOMIA ABDOMINAL 2.5.1. POSICIONAMENTO DA DOENTE E PREPARAÇÃO DO CAMPO OPERATÓRIO Os passos iniciais após a entrada da doente na sala de operações incluem: — Colocação da doente em decúbito dorsal ou posição de litotomia. — Realização de exame sob anestesia (ajuda a confirmar os achados pélvicos na escolha final da incisão). — Introdução de uma sonda de Foley vesical. — Desinfecção do abdómen e vagina. — Colocação dos campos cirúrgicos. A maioria dos cirurgiões prefere tricotomizar o local planeado para a incisão. É preferível a depilação ao corte, uma vez que parece associar-se a menores taxas de infecções da sutura. Uma série de soluções dérmicas para desinfecção têm sido defendidas, não havendo contudo dados que permitam preferir um método em detrimento de outro. A preparação eficaz mais simples é a aplicação de solução de povidona iodada, seguida da colocação dos campos cirúrgicos. A solução de povidona iodada é usualmente usada para Capítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 aderências a nível anexial, o risco de complicações relacionadas com o procedimento deve igualmente ser ponderado com os riscos de preservar os ovários. precavendo a possibilidade de alteração dos planos por achados intra-operatórios/complicações. Uma revisão sistemática sugeriu que uma incisão transversa ou oblíqua pode ser menos dolorosa e ter menos impacto na função pulmonar que a incisão mediana, principalmente no pós-operatório imediato, sendo similares nos outros parâmetros comparados, como complicações pós-operatórias precoces ou tardias e tempo de recuperação, sugerindo que as incisões transversas se associam a menores taxas de hérnias incisionais e de obstrução intestinal40,41. 2.5.2. INCISÃO O sucesso de qualquer procedimento cirúrgico depende, em parte, de uma correcta escolha da incisão, baseada em sólidos princípios anatómicos, e no encerramento com uma técnica que proporcione resistência à solução de continuidade criada para a realização da cirurgia. No planeamento de uma incisão deverão considerar-se quatro parâmetros essenciais: acessibilidade proporcionada, possibilidade de prolongamento, preservação da função e segurança. A incisão deve permitir acesso rápido à sede da patologia e exposição adequada. Deve poder prolongar-se, se o âmbito da intervenção necessitar de ser alargado. A incisão deve interferir minimamente com a função da parede abdominal ao preservar estruturas abdominais importantes. Deve cicatrizar de modo adequado, para reduzir o risco de disrupção e a ocorrência de hérnias incisionais. Considerações adicionais na selecção do tipo de incisão incluem: velocidade de entrada no abdómen, certeza do diagnóstico, hábito corporal, presença de cicatrizes prévias, potenciais problemas com a hemostase e resultado estético. Escolha e realização da incisão Várias incisões longitudinais, transversas e oblíquas podem ser usadas na cirurgia pélvica. O factor mais importante é permitir exposição adequada para a cirurgia programada, Cirurgia por via abdominal Incisões longitudinais — Incisão mediana – as incisões longitudinais são frequentemente realizadas na linha média. Apenas ramos terminais dos vasos e nervos da parede abdominal estão localizados na linha branca, limitando-se assim o risco de lesão vascular ou nervosa significativa. Outras vantagens da incisão mediana vertical incluem a sua capacidade de permitir uma boa exposição de todo o abdómen e do espaço retroperitoneal, possibilidade de prolongamento e permitir acesso rápido. Estudos randomizados demonstram que as incisões medianas não têm uma maior taxa de deiscência do que as transversas42,43. O prolongamento de uma incisão mediana acima do umbigo deve ser efectuado à esquerda, para evitar o ligamento redondo do fígado. A realização de uma segunda incisão deve ser feita sobre a anterior, porque a realização de uma nova incisão paralela pode resultar em isquémia dos tecidos, mesmo quando a incisão prévia decorreu há vários anos44. — Ao aceder à cavidade abdominal, a incisão no peritoneu deve desviar-se ligeiramente da linha média, visto que a bexiga é mais alta na linha média e o úraco pode comunicar com ela. Tal procedimento reduz o risco de lesão vesical e permite uma melhor exposição. A bexiga pode ser identificada pela sua opacidade e a sua vascularização 455 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 a desinfecção vaginal. Há dados contraditórios no que respeita ao uso adicional de gel de povidona iodada. Em ensaios randomizados, preparações vaginais com soluções seguidas de gel de povidona iodada versus o uso isolado da solução reduziram o risco de abcesso pélvico, sendo controverso o efeito de tal constatação na morbilidade total das infecções pós-operatórias38,39. O uso de campos autocolantes de plástico, mesmo aqueles impregnados de iodo, não reduz o risco de infecção da sutura. Incisões transversais As incisões transversais foram desenvolvidas para prevenir hérnias incisionais e deiscência da fáscia. Contudo, um estudo avaliando apenas pacientes submetidas a cirurgia ginecológica concluiu pela não existência de disparidades entre as incisões verticais e transversais (Pfannenstiel) neste parâmetro. Se forem respeitadas as linhas de Langer, existe menor tensão através das incisões transversais, e os resultados estéticos são superiores. Os maiores inconvenientes das incisões transversais são a limitada exposição que permitem do abdómen superior, limites no seu prolongamento, aumento do tempo cirúrgico e maior perda hemática relativa. As incisões transversais baixas podem ser problemáticas se o panículo adiposo for volumoso. Todas estas incisões se iniciam com uma incisão transversa centrada acima da sínfise púbica distinguindo-se pela diferente distância acima da sínfise. Podem ser rectas ou ter uma ligeira curva com concavidade cefálica. A colocação de marcas verticais ao longo da incisão pode ajudar na reaproximação simétrica. Efectuar a incisão na linha 456 de implantação dos pêlos púbicos ou numa prega cutânea pode melhorar os resultados estéticos, no entanto esta não deve ser realizada numa prega profunda com grande panículo, onde a maceração pode aumentar o risco de infecção. O tecido celular subcutâneo é seccionado transversalmente em todas as variantes das incisões transversais. As incisões transversais são habitualmente divididas em quatro categorias: incisão de Pfannenstiel (separa músculo), incisão de Cherney (desinsere tendões), incisão de Maylard (secciona músculo) e incisão de Küstner (incisão mediana após incisão cutânea transversal). As incisões de Pfannenstiel e de Maylard têm sido comparadas directamente, na incisão da cesariana, e parecem ser comparáveis neste contexto46. — Incisão de Pfannenstiel: é a incisão transversal mais popular, consistindo numa incisão transversal 2-5 cm acima da sínfise púbica e, habitualmente, com 10-15 cm de extensão45. Após a abertura da pele, continua-se a incisão do tecido celular subcutâneo até à aponevrose do músculo recto anterior do abdómen, a qual é seccionada transversalmente. Colocam-se duas pinças com garras, como as pinças de Kocher, para segurar os bordos da aponevrose seccionada, os quais são elevados, e procede-se à dissecção romba e instrumental do músculo recto subjacente, do umbigo à sínfise púbica. O músculo recto é separado ao longo do rafe mediano expondo a fáscia transversal e a aponevrose posterior do recto. Estes planos e o peritoneu são seccionados verticalmente. O encerramento da incisão de Pfannenstiel pode incluir a reaproximação sem tensão dos músculos rectos na linha média, se for identificada diástase destes músculos, porque de outra forma eles reaproximar-se-ão espontaneamente. O folheto anterior da aponevrose pode ser encerrado com um fio reabsorvível ou não, numa sutura contínua. Esta incisão proporciona uma excelente resistência e bons resultados estéticos. Capítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 aumentada. O úraco pode, em alternativa, ser seccionado e laqueado45. O peritoneu deve ser elevado com uma pinça e aberto longitudinalmente começando tanto acima quanto possível. A exploração digital da existência de aderências é importante em doentes com cirurgias prévias. — As vantagens atribuídas à incisão mediana incluem permitir uma entrada mais rápida (o que é especialmente importante em doentes graves e instáveis), uma melhor exposição e possibilidade de extensão da incisão (que assume uma importância particular se o diagnóstico é incerto). Pelo facto de não envolver a abertura de planos de tecidos profundos, esta incisão pode ser ideal em pacientes anticoaguladas, nas que têm grandes vasos epigástricos susceptíveis de serem lesados ou quando existe infecção intra-abdominal. Cirurgia por via abdominal na sua superfície inferior, isolados, clampados, seccionados e laqueados. Durante a secção dos músculos rectos, a separação do folheto anterior da aponevrose deve ser evitada para limitar a retracção muscular. Deve mesmo ser realizada uma sutura entre os bordos de secção do músculo ao folheto anterior da aponevrose com um fio zero absorvível (sutura tipo colchoeiro) para prevenir a retracção. Esta incisão melhora a exposição da porção lateral da pélvis e do abdómen superior, tornando-a útil na linfadenectomia pélvica ou outros procedimentos de estadiamento. Uma complicação grave desta incisão pode ocorrer em doentes com aterosclerose aortoilíaca grave ou com coarctação da aorta, cuja perfusão das extremidades inferiores poderá depender da circulação colateral dos vasos epigástricos. A laqueação destes vasos durante a incisão de Maylard pode resultar em claudicação e isquémia. Outra complicação importante é a hemorragia, que pode emergir dos bordos musculares seccionados, ou da lesão dos vasos epigástricos profundos. Portanto será prudente a colocação de um dreno antes do encerramento. — Incisão de Küstner: inicia-se com uma incisão cutânea transversa cerca de 5 cm acima da sínfise púbica, logo abaixo da espinha ilíaca anterior47. Separa-se, em seguida, o tecido celular subcutâneo do folheto anterior da aponevrose dos rectos, na linha média, para expor a linha branca, o que implica uma cuidadosa laqueação de pequenos vasos do plexo epigástrico superficial. Segue-se uma incisão vertical na linha branca. Apesar de esta incisão ter sido desenvolvida para reduzir o risco de evisceração, a sua incidência é semelhante ao das incisões longitudinais, e parece associar os inconvenientes das incisões medianas e transversas (hematomas, seromas, infecção, necessidade de drenagem). Poderá ter utilidade em doentes reoperadas, para evitar a intercepção de incisões cutâneas. 457 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 A exposição permitida é suficiente para os procedimentos limitados à pélvis. Há uma margem mínima de prolongamento da incisão se for necessária uma maior exposição. É, portanto, uma incisão que deve ser usada apenas quando a patologia está confinada à pélvis. Como são abertos vários planos dos tecidos, a velocidade de entrada é restringida, com maior risco de seroma, hematoma e infecção da ferida operatória. Assim, esta incisão é relativamente contra-indicada na presença de infecção abdominal activa, ou se a rapidez é essencial. Quando a incisão é prolongada para além do músculo recto, os nervos ilio-hipogástrico e ilio-inguinal podem ser traumatizados, levando à formação de neuromas. — Incisão de Cherney: é semelhante à de Pfannenstiel, mas envolve a incisão dos tendões dos músculos rectos, e é localizada em posição ligeiramente inferior. Tal como na de Pfannenstiel, a incisão na aponevrose dos rectos é transversal e a dissecção é efectuada de forma semelhante superior e inferiormente. Os tendões dos músculos rectos e dos piramidais são seccionados na zona da sua inserção na sínfise, a que se segue a separação romba do tecido da adventícia vesical subjacente. A reinserção é acautelada mantendo um segmento de tendão com cerca de 0,5 cm. Realiza-se a retracção cefálica dos músculos e tendões e procede-se à incisão longitudinal do peritoneu. Esta incisão proporciona uma excelente exposição do espaço de Retzius, tornando-a uma boa escolha quando se pretende realizar uma uretropexia retropúbica. — Incisão de Maylard (ou de Mackenrodt): é uma incisão transversal interessando todos os planos da parede abdominal, efectuada habitualmente ao nível da espinha ilíaca anterior. Após a incisão mais extensa da aponevrose, os músculos rectos são seccionados transversalmente com bisturi frio, eléctrico ou máquina cirúrgica. Antes da secção dos músculos, os vasos epigástricos inferiores profundos são identificados 2.5.3. EXPLORAÇÃO E EXPOSIÇÃO Após a entrada na cavidade peritoneal, procede-se à exploração do abdómen superior e pélvis para excluir patologia inesperada e para confirmar os achados pré-operatórios. Lavados peritoneais podem ser efectuados para análise citológica, se houver suspeita de malignidade. Elevação do útero Histerectomia sem anexectomia Laqueação do ligamento redondo A maioria dos cirurgiões prefere usar um afastador com fixação autónoma das valvas para a histerectomia abdominal, embora o uso de afastadores manuais seja uma opção. O tipo de afastadores depende da preferência do cirurgião. Na colocação dos afastadores, é importante evitar a colocação das valvas laterais sobre o nervo femoral que emerge em posição lateral ao músculo psoas, para evitar uma possível neuropatia periférica. Os intervenientes na cirurgia não devem igualmente apoiar-se sobre os afastadores, pela mesma razão. A lise de eventuais aderências envolvendo o epíploon, intestino ou a parede abdominal, é fundamental para a óptima mobilização dos órgãos pélvicos. A restauração da anatomia normal permite a visualização de estruturas pélvicas importantes (p. ex. uréter, vasos sanguíneos). 2.5.4. PASSOS CIRÚRGICOS (FIGS. 1 e 2) Exposição da prega vesico-uterina Histerectomia com anexectomia: abertura de uma janela no peritoneu posterior e dupla laqueação do ligamento infundibulopélvico Dissecção instrumental para separação da bexiga do segmento inferior do útero Figura 1. Passos cirúrgicos da histerectomia. 458 Capítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Após a incisão inicial e durante a abertura do tecido celular subcutâneo, deve poupar-se o maior número de vasos possível. Os nervos sobre o músculo psoas devem ser protegidos de compressão pelo afastador. Este risco é diminuído usando valvas laterais de comprimento adequado e usando campos cirúrgicos para elevar o afastador. Pressão excessiva no ligamento inguinal pode igualmente comprometer os nervos. A paniculectomia pode facilitar a cirurgia em doentes obesos e reduzir o risco de infecção. Abertura do espaço rectovaginal e secção dos ligamentos útero-sagrados Laqueação da artéria uterina Secção dos ligamentos cardinais Ressecção uterina Encerramento da cúpula vaginal Figura 2. Passos cirúrgicos da histerectomia. Laqueação dos ligamentos redondos Uma pinça de Kelly comprida é colocada em cada corno uterino (englobando a tuba e o ligamento redondo), permitindo elevar o útero e prevenir a hemorragia de retorno quando os ligamentos redondos são laqueados. Os ligamentos redondos são então laqueados e seccionados. Dissecção dos ligamentos largos A incisão no ligamento redondo é então prolongada inferiormente através do ligamento largo, até ao nível da artéria uterina, e em seguida em direcção à linha média através da prega vesico-uterina, separando o peritoneu vesical do segmento uterino inferior. A abordagem do retroperitoneu é realizada pela extensão da incisão no folheto posterior do ligamento largo, superior e lateralmente, permanecendo lateral ao ligamento infundibuloCirurgia por via abdominal pélvico e aos vasos ilíacos. Dissecção romba ou instrumental afasta o tecido conjuntivo laxo que recobre a artéria ilíaca externa. Ao seguir a artéria ilíaca externa no sentido superior em direcção à bifurcação, o uréter pode ser identificado quando cruza a artéria ilíaca comum. O uréter é deixado aderente ao folheto médio ou posterior do ligamento largo, para que não haja disrupção do seu suprimento sanguíneo. O uréter esquerdo fica habitualmente mais próximo da linha média que o direito. O uso de cateteres ureterais para evitar a lesão do uréter é controverso9,10. A colocação profilática de um cateter no uréter na histerectomia abdominal parece não ser benéfica, e, de facto, pode conduzir à lesão ureteral em doentes com fibrose extensa ou aderências em relação com endometriose, doença inflamatória pélvica ou carcinoma do ovário. 459 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Mobilização do recto e sua separação da face posterior do útero Procedimento com conservação dos anexos Se os ovários são para conservar, mantendo o uréter sob visualização directa, efectua-se uma solução de continuidade no folheto posterior do ligamento largo, debaixo do ligamento útero-ovárico e da tuba uterina. O ligamento útero-ovárico é clampado, cortado e laqueado com um ponto simples seguido de um ponto duplo (colocado adjacente e medianamente ao ponto simples). A pinça de Kelly no corno uterino controlará a hemorragia de retorno. Algumas escolas acrescentam gestos cirúrgicos para prevenir aderências entre os ovários, as tubas e a cúpula vaginal (causa possível de dispareunia), tais como a sutura do ligamento útero-ovárico ao músculo psoas ou à extremidade laqueada do ligamento redondo, usando um fio reabsorvível11. Outra alternativa é a sutura dos dois topos dos ligamentos útero-ováricos, na linha média. Todavia, não há evidência que tal procedimento reduza os riscos de dispareunia após a histerectomia. 460 Procedimento com remoção dos anexos Para realizar anexectomia, a solução de continuidade efectuada no ligamento largo é prolongada superiormente para o ligamento infundibulopélvico. Uma pinça curva é colocada lateralmente ao ovário de forma que a totalidade do ovário seja incluída na peça. Cada ligamento infundibulopélvico é cortado e laqueado com um ponto simples, seguido de um ponto duplo colocado do lado medial do ponto simples. Dissecção perivesical e perirrectal No seguimento da histerectomia torna-se vantajoso realizar a dissecção dos espaços perivesical e perirrectal, para separar a bexiga e o recto do útero, evitando assim a lesão destes órgãos. A dissecção destes espaços é particularmente importante se existe distorção da anatomia por patologia pélvica (endometriose, doença inflamatória pélvica, cirurgia anterior). A identificação e mobilização das estruturas periuterinas permitem a rápida identificação e controlo de qualquer dificuldade encontrada intra-operatoriamente. A bexiga é dissecada do segmento uterino inferior e do colo. Existe um plano avascular entre o segmento uterino inferior e a bexiga que permite a sua mobilização. A dissecção instrumental parece ser preferível à dissecção romba, visto que a última, utilizando por exemplo uma compressa, pode levar a cistotomia, principalmente nas doentes com antecedentes de cirurgia pélvica (p. ex. cesariana). Acresce ainda que uma incisão na bexiga é mais facilmente reparada do que uma rasgadura resultante de uma dissecção romba. Após esta dissecção pode colocar-se entre a valva de retracção e a bexiga uma esponja ou compressa, que fará a hemostase de qualquer pequeno vaso. Se for necessária a mobilização do recto da face posterior do colo do útero, poderá seccionar-se o peritoneu posterior entre os ligamentos útero-sagrados, imediatamente Capítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 A conduta mais apropriada parece ser a dissecção do retroperitoneu e visualização directa do uréter para prevenir a sua lesão. Com uso exclusivo da palpação, a artéria ilíaca interna, os vasos ováricos e os vasos do ligamento largo podem ser facilmente confundidos com o uréter. Igualmente, quando o espaço vesico-uterino é criado, a bexiga é deslocada para baixo e para os lados, desviando os ureteres. A elevação dos ligamentos infundibulopélvicos antes da laqueação assegura que o uréter não será incluído na pinça. A identificação do uréter é particularmente importante se a doente tem antecedentes de cirurgia pélvica. Se a doente apresenta doença pélvica extensa, deve ser efectuada a dissecção do uréter no sentido descendente em direcção à bexiga até ser obtida visualização óptima. Laqueação dos vasos uterinos e ligamentos cardinais A dissecção instrumental é usada para individualizar os vasos uterinos, removendo qualquer tecido conjuntivo que os cubra. A exposição assim obtida permite que as pinças sejam colocadas nestes vasos e não no uréter que passa por baixo. Uma pinça curva é colocada perpendicularmente à artéria uterina, ao nível da união do colo com o segmento uterino inferior. A extremidade da pinça deve ficar adjacente ao útero neste local de estreitamento anatómico. A artéria uterina é seccionada e laqueada. Poderá realizar-se uma dupla laqueação colocando duas pinças. O mesmo procedimento é realizado do lado contralateral. Os ligamentos cardinais e qualquer vestígio de ligamento largo são seccionados após colocação de uma pinça recta medianamente ao pedículo vascular uterino e paralelo ao colo numa extensão de 2-3 cm. O pedículo é cortado e laqueado com dupla laqueação. Nesta fase da histerectomia por patologia benigna, se um útero aumentado perturba a visualização, ou se já está planeada uma HST, poderá efectuar-se a amputação do corpo e remover o útero, realizando assim uma HST. Procedimento se é pretendida uma histerectomia supracervical Se planeada previamente, os ligamentos cardinais e largos são clampados até a um nível que corresponda ao ponto médio entre o orifício externo e interno do colo. O corpo é então amputado com bisturi frio ou eléctrico, cuidadosamente, para não lesar as estruturas adjacentes. Para evitar hemorragias cíclicas provenientes da retenção do endométrio do segmento uterino inferior, alguns cirurgiões cauterizam ou fazem a ressecção do endocolo usando, por exemplo, uma ansa Cirurgia por via abdominal diatérmica48. O topo cervical é então encerrado com um fio zero, absorvível, numa sutura contínua ou em pontos separados. Procedimento se é pretendida uma histerectomia total Se o cirurgião avança para histerectomia total, os ligamentos cardinais e largos são clampados e laqueados bilateralmente até ao nível do rebordo do colo. Pode ser necessário realizar várias laqueações dependendo do tamanho do útero. Para remover o colo, o útero é traccionado no sentido cefálico, palpando-se a extremidade do colo. Deve tentar evitar-se o encurtamento da vagina. Técnica extrafascial É a abordagem mais frequente na HT por via abdominal. A junção cervicovaginal ao nível do orifício externo do colo é palpada, sendo efectuada uma incisão através do ápex vaginal. Efectua-se uma incisão circunferencial vaginal com tesoura de Jorgenson, removendo o colo e o útero. Técnica intrafascial Permite preservar o suprimento neurovascular na junção cervicovaginal, ao preservar a fáscia pubovesicocervical49. Realizam-se incisões transversais nas faces anterior e posterior do colo, abaixo do nível da vascularização uterina. A fáscia pubovesicocervical é seguidamente dissecada, separando-a do segmento uterino inferior e do colo com o cabo do bisturi ou com uma compressa a recobrir o dedo indicador. Devem evitar-se incisões muito profundas no colo, de modo que o plano fascial laxo não se perca e torne a dissecção mais difícil e hemorrágica. Coloca-se uma pinça curva de Heaney por dentro da fáscia em cada lado do útero, de modo a incluir os ligamentos útero-sagrados e a vagina superior imediatamente por debaixo do colo. Efectua-se uma incisão na vagina, sendo o colo e o útero ressecados usando tesouras fortes e curvas. 461 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 abaixo do colo, e o recto. Um plano relativamente avascular existe nesta área, que permite a mobilização do recto no sentido inferior, para fora do campo operatório. 462 cúpula (chuleio da cúpula) para hemostase. Parece não haver diferenças na morbilidade febril pós-operatória entre as doentes com encerramento da cúpula e aquelas com a cúpula deixada aberta54. Prevenção do prolapso apical A associação entre histerectomia e prolapso posterior dos órgãos pélvicos é controverso. Existe concordância em que a cúpula vaginal deve ser suspensa na altura da histerectomia, para minimizar perda subsequente de suporte apical. No entanto, o procedimento óptimo para a suspensão não está definido. Técnicas frequentes de suspensão da cúpula vaginal incluem: histerectomia intrafascial (para preservar o complexo ligamentar útero-sagrados – cardinais), culdoplastia de McCall e incorporação dos ligamentos útero-sagrados no ângulo da cúpula vaginal na altura do encerramento55-57. Não há contudo evidência que avalie tais procedimentos, baseando-se as decisões clínicas na experiência individual do cirurgião. Revisão final e encerramento A pélvis é irrigada com solução salina aquecida, efectuando-se a revisão meticulosa de todos os pedículos vasculares, inspecção da bexiga e dos ureteres. Não é necessária, nem desejável, a reaproximação do peritoneu visceral ou parietal58. Finalmente efectua-se a reaproximação da aponevrose e da pele. 2.5.5. COMPLICAÇÕES Em cerca de 0,3-0,7% das HT por via abdominal torna-se necessária reintervenção (lesão intra-operatória de órgãos intra-abdominais) nas 8 semanas após a cirurgia59,60. Três grandes estudos ilustram a frequência das complicações associadas à HT por via abdominal: — Estudo Vaginal,Abdominal or Laparoscopic Uterine Excision (VALUE): realizado no ReiCapítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Procedimentos sobre a cúpula vaginal Várias técnicas têm sido descritas como procedimentos a realizar sobre a cúpula vaginal. Ensaios randomizados não revelaram diferenças na morbilidade infecciosa pós-operatória entre deixar a cúpula aberta ou encerrada50,51,52. Descrevem-se em seguida três métodos: — Colocam-se duas pinças de Kocher nos ângulos da cúpula. Efectua-se, na linha média, uma sutura em forma de 8 com um fio absorvível 0 ou 2-0. Esta é usada tanto para tracção como para hemostase. As suturas são então realizadas até à extremidade de cada pinça e faz-se a transfixia do pedículo do ângulo com dupla laqueação. Esta sutura engloba o ligamento útero-sagrado e o cardinal no ângulo da vagina. Podem realizar-se suturas em 8 adicionais ao longo da cúpula, para encerrar alguma solução de continuidade e para hemostase. — Um método alternativo pode ser usado, com a vantagem potencial de diminuir a perda hemática e evitar eventual extravasamento de conteúdo vaginal para a cavidade peritoneal, embora conduza a um encurtamento da vagina53. Colocamse duas pinças curvas (Heaney, Munion) de fora para dentro ao nível do orifício externo do colo, com cuidado para não incluir tecido vesical na pinça. O colo é amputado com tesoura ou bisturi. Usando um fio absorvível 0, efectua-se uma sutura contínua da porção média para a lateral em cada um dos lados reforçando a pinça (as pontas do fio são deixadas livres e longas). As pinças são então removidas, puxando-se e apertando-se o fio. Ulteriormente, com a mesma agulha, efectua-se uma sutura contínua travada da extremidade lateral para a linha média, onde é atada. — Alguns cirurgiões preferem manter a cúpula aberta, para cicatrizar secundariamente. Nestes casos, efectua-se uma sutura contínua ao longo do bordo da Hemorragia A média de perda hemática é de 300-400 ml38,39. Perda hemática excessiva complica cerca de 2% das HT por via abdominal59,62. Numa revisão sistemática de ensaios randoCirurgia por via abdominal mizados, a perda hemática na HST foi ligeiramente menor (85 ml) em comparação com a HT por via abdominal, mas sem diferenças no risco de necessidade de transfusão63. A medida mais importante é a revisão minuciosa e sistemática dos pedículos vasculares antes de encerrar a parede abdominal, no sentido de prevenir a hemorragia intra e pós-operatória. A hemorragia pós-operatória pode ser facilmente identificável por perda vaginal ou através da ferida operatória. Deve suspeitar-se de hemorragia intra-abdominal se ocorrer instabilidade hemodinâmica ou oligúria. A avaliação e tratamento da hemorragia pós-operatória difere de acordo com a origem da hemorragia, mas envolve sempre a estabilização imediata dos sinais vitais, avaliação laboratorial do hematócrito, plaquetas e parâmetros da coagulação (tempo de protrombina, de tromboplastina parcial activado e fibrinogéneo), reposição de fluidos e componentes do sangue e avaliação constante do estado da paciente. A doente deve ser examinada, inspeccionando a ferida operatória, o abdómen e a cúpula vaginal. A hemorragia da cúpula vaginal pode habitualmente ser suturada na sala de observações. A hemorragia intra-abdominal deve ser avaliada no bloco operatório. Um hematoma intraperitoneal numa doente estável pode ser abordado com uma atitude expectante ou proceder-se à exploração cirúrgica. Uma doente que não estabiliza rapidamente com reposição de fluidos e componentes do sangue requer exploração cirúrgica. Se for encontrada uma hemorragia difusa e os parâmetros da coagulação confirmarem coagulopatia, deve proceder-se à reposição adequada dos componentes do sangue. Ocasionalmente, pode efectuar-se a embolização angiográfica dos vasos hipogástricos, em complemento ou em substituição da cirurgia. Infecção Cerca de 11% das doentes submetidas a HT por via abdominal sem profilaxia antibiótica 463 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 no Unido, avaliou 37.000 histerectomias realizadas entre 1994-1995 por patologia benigna; mais de 24.000 consistiram em histerectomias abdominais59. A taxa absoluta de complicações intra-operatórias e pós-operatórias foi de 3,6 e 0,9%, respectivamente. Definiram-se como complicações graves a morte, tromboembolismo, enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, insuficiência renal, hemorragia secundária, fístula, obstrução ureteral e lesão visceral. As complicações mais graves surgiram no grupo da via laparoscópica (6 vs 4% da via abdominal). — Ensaio eVALuate: consistiu em dois ensaios simultâneos multicêntricos randomizados e controlados, que avaliaram histerectomias por doença benigna60. Um ensaio avaliou 292 mulheres submetidas a HT por via abdominal e 584 mulheres submetidas a histerectomia laparoscópica. O outro comparou a HV com a laparoscópica. Critérios de exclusão foram: prolapso do segundo ou terceiro grau, indicação para cirurgia de suporte vesical ou pélvico, útero com dimensões superiores ao equivalente a 12 semanas de gestação ou doentes com contra-indicação a cirurgia laparoscópica. No grupo da HT por via abdominal, o número de doentes com pelo menos uma complicação major foi inferior relativamente à via laparoscópica (6 vs 11%). As complicações mais frequentes da HT por via abdominal foram hemorragia (2%), lesão vesical (1%) e lesão intestinal (1%). — Um estudo retrospectivo efectuado na Inglaterra incluiu 61.000 HT por via abdominal electiva61. A taxa de readmissões urgentes nos 30 dias do pós-operatório foi de 5,7%. Doença tromboembólica Na ausência de tromboprofilaxia, o risco de trombose venosa profunda numa doente após cirurgia geral major ou cirurgia ginecológica é cerca de 15-30%, sendo o risco de tromboembolia pulmonar (TEP) fatal de 0,20,9%66. Numa população de 38% de doentes que receberam electivamente anticoagulantes profiláticos, a taxa de tromboembolia venosa foi de 0,2%62. Qualquer doente com rigidez localizada, edema assimétrico de 464 uma extremidade, dispneia, dor pleurítica, taquipneia ou taquicardia deve ser avaliada para excluir tromboembolia. Complicações do tracto urinário — Lesão ureteral: num estudo retrospectivo com mais de 62.000 histerectomias, a incidência total de lesão ureteral foi de 1 em 1.000 (13,9 em 1.000 após histerectomias laparoscópicas, 0,4 em 1.000 após HT por via abdominal, 0,3 em 1.000 após HST abdominal, e 0,2 em 1.000 após HV)67. Perante uma suspeita de lesão do uréter, a confirmação pode ser obtida pela administração endovenosa de azul carmim, constatando-se a saída de urina azul dos ostium ureterais (por cistoscopia ou abrindo a cúpula vesical). Não há evidências que suportem o uso de cistoscopia de rotina durante a histerectomia abdominal para detecção de lesão oculta do tracto urinário. No pós-operatório, a lesão ureteral pode ser assintomática ou pode manifestar-se com dor no flanco ou região inguinal, febre, íleo prolongado, ou massa abdominal68. Tal diagnóstico é laboratorialmente confirmado pela elevação da creatinina sérica 0,3 mg/dl acima dos valores pré-operatórios. — Lesão vesical: a incidência de lesão vesical na HT por via abdominal estima-se em 0,02-1%60,62,67. A lesão vesical pode ocorrer durante a abertura do peritoneu, ou mais frequentemente, durante a separação da bexiga do segmento uterino inferior, colo e parte superior da vagina. A reparação deve ser realizada mediante sutura, numa ou duas camadas, com um fio absorvível fino (p. ex. 3-0), se a bexiga não tiver sido irradiada previamente. Lesões envolvendo o trígono vesical requerem cuidados adicionais para prevenir compromisso ureteral. Quando a lesão for extensa no trígono, ou quando ocorre numa bexiga com lesão prévia (trauma, cirurgia, irradiação), é necessária a colaboração intraoperatória de um cirurgião experiente. Capítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 desenvolverá febre ou infecção63,64. Contudo, num grande estudo prospectivo, 79% das doentes foram submetidas a HT por via abdominal sob antibioterapia profilática, tendo-se registado infecções no pós-operatório com a seguinte distribuição: tracto urinário (4%), ferida operatória (3%), febre de origem desconhecida (3%), infecção vaginal (0,2%) e infecção intra-abdominal (0,1%)62. A remoção da algália precocemente no pós-operatório poderá reduzir o risco de infecção urinária65. A avaliação da doente no pós-operatório com uma temperatura oral superior a 38 °C inclui a avaliação de locais potenciais de infecção (p. ex. pulmões, abdómen, ferida operatória, vagina), complementada com avaliação laboratorial. A maioria das mulheres terá acumulação de líquido peritoneal no fundo de saco ou noutras localizações no pós-operatório da HT por via abdominal. A importância deste achado é incerta. Se o derrame for identificado num pós-operatório febril, apesar da terapêutica antibiótica, poderá ser drenado por via percutânea ou através da cúpula vaginal, usando uma pinça de Kelly. A tromboflebite das veias pélvicas ou ováricas pode ser detectada na tomografia computorizada (TC), ou suspeitada clinicamente, exigindo a associação de heparina à terapêutica antibiótica. Nestes casos, a heparina deve ser suspensa após 24 h de apirexia. A varfarina não tem indicação neste contexto. Complicações gastrointestinais — Lesões intestinais são raras, sendo a incidência de aproximadamente 0,2-1%60,62. Tais lesões ocorrem primariamente durante a lise de aderências que envolvam o intestino ou durante a dissecção do fundo de saco posterior. As erosões da serosa não necessitam habitualmente de reparação, mas as lesões que envolvam a muscular e/ou mucosa devem ser reparadas. Em lesões intestinais extensas, a ausência de preparação intestinal pré-operatória não é, por si só, uma indicação para colostomia. Não existem restrições dietéticas pós-operatórias a não ser que a lesão e reparação intestinal envolva uma área significativa. Não deve usar-se a sonda nasogástrica no pós-operatório. O risco de oclusão intestinal após HT por via abdominal foi de 13,6/1.000 numa série multihospitalar, em relação com oclusão do intestino delgado provocada por aderências intra-abdominais em pacientes Cirurgia por via abdominal não oncológicos75. O intervalo de tempo médio entre a histerectomia e a oclusão intestinal foi de 4 anos. Os sintomas mais comuns de oclusão intestinal são distensão abdominal, vómitos, dor abdominal intensa e ausência de emissão de gases. Os pacientes podem queixar-se, ou não, de obstipação e incapacidade na emissão de gases, uma vez que o esvaziamento do cólon pode durar 12-24 h, após o início do processo oclusivo. Deste modo, é possível a expulsão de gases e/ou fezes mesmo após o início dos sintomas. Na maioria dos doentes, o diagnóstico pode ser feito pela clínica e exame físico e, posteriormente, confirmado com radiografia simples do abdómen. — Evisceração na cúpula vaginal: a evisceração de intestino delgado para a vagina é uma complicação rara. Ansas intestinais evisceradas podem encarcerar. Pode associar-se com manobra de Valsalva, vómitos intensos ou tosse. Num grande estudo retrospectivo, o risco de deiscência da cúpula vaginal após histerectomia abdominal foi de 0,12%76. Eviscerações ocorrem habitualmente no pós-operatório imediato, embora numa série de 12 doentes após várias cirurgias pélvicas, o tempo médio de ocorrência foi de 27 meses (variando de 5-48 meses)77. Os sintomas incluíram dor abdominal ou pélvica, hemorragia ou exsudado vaginal, pressão intravaginal ou protrusão intestinal. A conduta imediata em eviscerações pela cúpula consiste em envolver o intestino eviscerado em compressas humedecidas com soro fisiológico, administrar fluidos endovenosos e antibióticos de largo espectro, e proceder a laparotomia imediata com inspecção e recolocação do mesentério e intestino. Qualquer tecido necrótico vaginal ou intestinal deve ser ressecado e a cúpula deve ser encerrada. — Aderências: a formação de aderências no pós-operatório é causa frequente de obstrução do intestino delgado e pode contribuir para dor abdominal e pélvica. 465 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 — Incontinência urinária: a histerectomia pode provocar compromisso na enervação ou lesão nos tecidos de suporte do pavimento pélvico, conduzindo à disfunção do pavimento pélvico. O papel da histerectomia na incontinência urinária é controverso69-74. Num grande estudo retrospectivo (n = 644.766), a histerectomia associou-se a um aumento, para o dobro, no risco de cirurgia subsequente para correcção de incontinência urinária de esforço, em comparação com as mulheres não submetidas a histerectomia (hazard ratio [HR]: 2,4; intervalo de confiança [IC] 95%: 2,3-2,5). Esta diferença ocorreu independentemente da via da histerectomia, tendo sido excluídas as mulheres com antecedentes de cirurgia de incontinência urinária ou aquelas cuja indicação para a histerectomia foi o prolapso dos órgãos pélvicos71. Contudo, este estudo não apresenta dados sobre a prevalência da existência prévia de sintomas de incontinência urinária. Sistema reprodutivo — Menopausa precoce: nalgumas mulheres, a histerectomia parece perturbar a função ovárica a longo prazo, com advento mais cedo da menopausa. — Prolapso das tubas: o prolapso das tubas é uma complicação rara, muitas vezes confundida com presença de tecido de granulação no ápex vaginal. O desenvolvimento de hematoma ou abcesso da cúpula é um factor predisponente. Uma doente com prolapso tubar apresenta-se geralmente como uma das seguintes situações: perda hemática vaginal e/ou corrimento, dispareunia e dor pélvica persistente78. Estes sintomas ocorrem 2 semanas a 6 meses após a cirurgia, mas podem surgir vários anos mais tarde. Se o tecido no topo da cúpula vaginal não responder ao tratamento conservador com nitrato de prata ou crioterapia, pode confirmar-se o epitélio tubar mediante biopsia. O tratamento é cirúrgico, efectuando-se o desbridamento e ressecção do tecido tubar. A laparoscopia concomitante pode ser útil79. Doença cardiovascular Um estudo de cohort de grandes dimensões não encontrou associação entre histerectomia e alteração no risco de mortalidade por doença cardiovascular, cancro ou outras80. Neste estudo foi considerada a execução concomitante de ooforectomia. Mortalidade Num estudo retrospectivo de admissões hospitalares em Inglaterra, que incluiu 61.000 histerectomias electivas abdominais, a taxa de mortalidade foi de 0,5/1.00081. Da mesma forma, no estudo VALUE, mais de 24.000 das histerectomias foram realizadas 466 por patologia benigna, tendo ocorrido oito mortes nas primeiras 6 semanas após a cirurgia (perfazendo um taxa de mortalidade de 0,32/1.000 procedimentos); quatro dessas mortes foram devidas a eventos cardíacos ou a TEP82. Não foram registadas mortes intra-operatórias, tendo seis mortes ocorrido antes da alta hospitalar. A taxa de mortalidade, padronizada por idade e afinidade populacional, é superior para histerectomias associadas à gravidez ou por cancro (2,9 e 3,8, respectivamente), tendo 61% das mortes ocorrido nestes grupos de mulheres83. Uma vez que a quase totalidade de todas as histerectomias realizadas durante a gravidez ou por cancro são por via abdominal, tal facto contribui para a maior taxa de mortalidade da histerectomia abdominal em relação à HV (15 vs 4/10.000)83. O tipo de patologia pélvica (endometriose grave, abcessos tuboováricos grandes, tumores volumosos) para a qual é usada a via abdominal contribui igualmente para a maior taxa de mortalidade associada a esta via. 3. HISTERECTOMIA POR PATOLOGIA MALIGNA Define-se como histerectomia radical quando o útero é retirado em bloco com o paramétrio (ou seja, ligamentos redondos, largos, cardinais e útero-sagrados) e o terço ou metade superior da vagina, deixando os ovários intactos. O cirurgião realiza habitualmente também uma linfadenectomia pélvica bilateral. Este procedimento requer um conhecimento profundo da anatomia pélvica, meticuloso cuidado com a dissecção instrumental e técnica cuidadosa para permitir a dissecção dos ureteres e separação da bexiga e do recto da vagina. Deve ter-se um cuidado redobrado com os vasos da parede pélvica e com os plexos venosos nos cornos laterais da bexiga, para evitar perda hemática excessiva. A remoção dos ovários não faz parte da histerectomia radical, devendo Capítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Contudo, a lise de aderências não parece ser um tratamento efectivo para doentes sintomáticos. Uma técnica cirúrgica meticulosa é o primeiro passo para evitar a formação de aderências. 3.1. INDICAÇÃO A histerectomia radical (HTR) é realizada como terapêutica primária nas seguintes situações: cancro do colo no estádio IB ou IIA, pacientes seleccionadas com adenocarcinoma do endométrio no estádio II (nas quais seja possível a HTR), carcinoma da porção superior da vagina, sarcomas cervicais ou uterinos e outras neoplasias confinadas à zona do colo, útero e/ou porção superior da vagina. A HTR é também um potencial tratamento curativo em doentes com cancro do colo tratadas com radiações ou radioquimioterapia e que subsequentemente desenvolvem uma recorrência pélvica isolada, pequena e central, ou ficam com uma área central de doença residual. Nestes casos, a HTR pode proporcionar uma alternativa curativa à cirurgia de exenteração. 3.1.1. CANCRO DO COLO A indicação mais frequente para HTR e linfadenectomia pélvica é o cancro do colo nos estádios iniciais, estádios IB1 e IIA da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO). As taxas de sobrevivência global e de sobrevivência livre de doença para a cirurgia primária são semelhantes às obtidas após radioterapia exclusiva (83 e 74%, respectivamente), contudo, as complicações precoces e tardias são menores no grupo de mulheres operadas84. Doença ganglionar metastática diminui a sobrevivência e ocorre em cerca de 15% de mulheres com doença no estádio IB1 e em 25% de mulheres com doença no estádio IIA85-89. uma alternativa à exenteração para esta rara ocorrência90,91. A preservação ovárica neste contexto já não se coloca porque a radiação prévia finaliza a produção hormonal. A linfadenectomia pélvica pode ser ou não realizada nestas circunstâncias, dependendo dos achados intra-operatórios e da avaliação pelo cirurgião do valor da ressecção de gânglios previamente irradiados. Embora poupe as doentes da morbilidade decorrente da cirurgia de exenteração, a ocorrência de complicações intra e pós-operatórias, como fístulas e obstrução intestinal, são significativamente superiores às da HTR como terapêutica primária. 3.1.3. CANCRO DO ENDOMÉTRIO Doentes com cancro do endométrio no estádio II (ou seja, cancro endometrial com extensão ao colo do útero) podem ser tratadas com HTR e linfadenectomia pélvica bilateral88,92,93. Nestas doentes, a anexectomia bilateral é obrigatória. O envolvimento cervical verdadeiro deve ser confirmado e claramente distinguido da contaminação do canal cervical por tecido endometrial após manipulação. Indicações raras para HTR incluem pequenos carcinomas da vagina, que surgem na sua porção superior, neoplasias cervicais raras como sarcomas ou melanomas, adenocarcinomas nos quais é difícil estabelecer a origem endocervical versus endometrial, sarcomas uterinos de baixo grau que se estenderam para o paramétrio (miose endolinfática estromal). Muito raramente, a endometriose extensa ou a tuberculose pélvica podem constituir indicação para HTR com ressecção do paramétrio. 3.2. SELECÇÃO DAS DOENTES 3.1.2. RECIDIVA APÓS RADIOTERAPIA O cancro cervical raramente persiste ou recidiva na forma de uma pequena lesão central após irradiação pélvica primária. A HTR é Cirurgia por via abdominal As candidatas ideais para a HTR são as doentes jovens, magras, sem comorbilidades e altamente motivadas para o rápido regresso à actividade normal, em oposição às várias 467 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 ser preservados se houver indicação clínica para tal e atendendo à idade da mulher. 3.2.1. CARACTERÍSTICAS TUMORAIS Parece que os tumores epidermóides respondem melhor à radioterapia do que as lesões glandulares. Já o grau de diferenciação celular, índice mitótico, invasão dos espaços linfovasculares e extensão das lesões cervicais para a cavidade endometrial não são considerados na selecção das doentes para a cirurgia. O tamanho da lesão é importante na selecção da terapêutica, mas não deve influenciar de forma independente a decisão de oferecer tratamento cirúrgico. Lesões maiores estão associadas a maior incidência de metástases ganglionares, o que torna a terapêutica cirúrgica inadequada106. Em particular, grandes lesões endofíticas que causam erosão das pregas vaginais são semelhantes 468 à doença no estádio IIB (bulky) e deverão ser tratadas com radioterapia pélvica em dose curativa. Contudo, grandes cancros exofíticos nos quais o dedo do examinador pode passar à volta do colo em todos as direcções revelando uma vagina intacta constituem uma excepção, podendo ser tratados convenientemente com HTR e linfadenectomia pélvica bilateral107. Numa revisão de 172 casos de HTR com linfadenectomia pélvica, o tamanho da lesão influenciou a sobrevivência, mas não as complicações operatórias. Constatou-se ainda que, mesmo nas lesões de maiores dimensões, em cerca de metade não havia metástases ganglionares, nem invasão parametrial. A realização de HTR com linfadenectomia pélvica bilateral permite identificar o grupo de mulheres com gânglios negativos e margens cirúrgicas livres, que têm um prognóstico favorável apenas com a cirurgia, e as mulheres de alto risco, com gânglios metastizados, que deverão ser sujeitas a radioquimioterapia pós-operatória. 3.3. CONSENTIMENTO INFORMADO A doente e a sua família devem entender as indicações da cirurgia, benefícios esperados, alternativas (em regra radioterapia), complicações e a história natural sem terapêutica. São pontos obrigatórios de esclarecimento os seguintes: — A cirurgia radical e a radioterapia pélvica têm as mesmas taxas de cura, pelo menos nos tumores epidermóides do colo uterino. — A radioterapia pélvica tem como vantagem o evitar as potenciais complicações cirúrgicas (hemorragia, lesão visceral, deiscência, infecção da ferida operatória, dor pós-operatória, problemas anestésicos). — Doentes com problemas médicos, de uma forma geral, toleram melhor a radioterapia que a cirurgia. — A radioterapia está contra-indicada em mulheres com doença do tecido conjunCapítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 sessões de radioterapia. Doentes mais velhas sem comorbilidades podem igualmente ser candidatas à HTR, experimentando as mesmas taxas de morbilidade/mortalidade pós-operatória das doentes mais novas (< 1%)93-100. A idade cronológica não exclui deste modo, à partida, a HTR. A obesidade constitui uma contra-indicação relativa à HTR101,102. Uma meticulosa preparação pré-operatória e vigilância pós-operatória, instrumentos cirúrgicos adequados e a realização de paniculectomia selectiva prévia à realização da HTR simplificam a colocação dos afastadores fixos e móveis, aumentando a visualização da pélvis103,104. A realização da paniculectomia também pode melhorar a linfadenectomia para-aórtica no estadiamento cirúrgico do carcinoma do endométrio105. Os riscos da radioterapia são maiores nalgumas circunstâncias, tais como doença de Crohn, doenças do tecido conjuntivo, antecedentes de peritonite, aderências pélvicas extensas, o que pode favorecer a escolha no sentido da cirurgia. Radioterapia pélvica prévia é uma contra-indicação à radioterapia, mas também complica uma intervenção cirúrgica. — — — — — Cirurgia por via abdominal ou no pós-operatório imediato pode geralmente ser tratada com preservação da função do órgão. O regresso à actividade diária normal pode ser rápida (poucas semanas), embora a disfunção vesical possa persistir por mais tempo. Após a recuperação pós-operatória, as complicações tardias são extremamente raras. — A HTR permite um conhecimento detalhado da extensão da doença, o que, para além de ter implicações prognósticas, pode ajudar no planeamento de terapêutica adjuvante. Pode ser necessária a terapêutica adjuvante com radioterapia e/ou quimioterapia após a HTR, possibilidade essa que deve igualmente ser transmitida à doente. 3.4. AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA DA DOENTE A avaliação médica pré-operatória inclui a confirmação do diagnóstico de cancro, determinação da extensão da doença (estádio) e avaliação de problemas médicos. Assuntos específicos antes da HTR para tratamento do cancro incluem: questionar sobre sintomas de dor ciática (dor no flanco, unilateral com irradiação para a face anterior ou lateral da coxa), a qual é muito sugestiva de doença metastática nas cadeias ilíacas comuns/ilíaca externa, requerendo a realização de TC abdominal e pélvica. A avaliação urodinâmica auxilia na resolução de problemas de disfunção vesical pós-operatória, se existir alguma sugestão de dificuldade no esvaziamento vesical, tal como incontinência de urgência ou de micção neurogénica de sobreenchimento. Deve ser dada especial atenção à avaliação abdominal, pélvica e à exploração das cadeias ganglionares. Presença de doença metastática na região inguinal ou supraclavicular é uma contra-indicação à HTR. Os edemas do tornozelo unilaterais podem indicar doença com extensão à parede pélvica (confirmar com exame pélvico, ressonância magnética [RM]). 469 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 — tivo com compromisso da vascularização tecidual, enterocolite activa, antecedentes de cirurgia extensa abdominal ou pélvica e irradiação pélvica prévia. A radioterapia lesa a bexiga e o intestino, pela endarterite progressiva e ocasionalmente com repercussão clínica. São frequentes a enterite e cistite agudas. Raramente provoca depressão medular. Quase sempre se associa a mal-estar de curta duração, sendo que obstrução intestinal, formação de fístulas vesicais e enterais e obstrução ureteral ocorrem em menos de 5% das situações. A reparação cirúrgica destas fístulas é difícil, sendo geralmente necessária uma cirurgia de derivação intestinal ou urinária. A lesão tecidual após radioterapia nunca resolve e é progressiva. Por comparação, lesões intra-operatórias do intestino, bexiga e ureteres são mais facilmente reparadas porque o seu suprimento sanguíneo não foi afectado por radioterapia prévia, embora possam vir a ser necessárias posteriormente novas intervenções cirúrgicas major. Após a radiação pélvica, a vagina tende a encurtar e estenosar, com perda da elasticidade, podendo a reposição estrogénica e o uso de dilatadores mecânicos vaginais minimizar este problema. A HTR resulta no encurtamento da vagina e possivelmente nalguma desinervação108, mas a função sexual é melhor preservada do que após a radioterapia. A função ovárica é perdida após radioterapia (a menos que tenham sido deslocados os ovários cirurgicamente do campo irradiado) mas é preservada na HTR. A HTR é uma grande cirurgia requerendo anestesia, dissecção pélvica extensa, e todos os problemas potenciais de qualquer grande cirurgia abdominal (deiscência, infecção, íleo ou obstrução do delgado, lesão vesical, ureteral ou rectal, atelectasia, pneumonia, TEP)102. A lesão visceral de ocorrência intra-operatória A histerectomia tem sido classificada em cinco classes gerais: — Classe I – histerectomia simples, habitualmente extrafascial (ou seja, a fáscia pubovesicocervical é removida juntamente com o útero). — Classe II – histerectomia radical modificada, também conhecida como operação de Wertheim, com remoção do paramétrio medial ao uréter e 1-2 cm da porção superior da vagina. — Classe III – é a clássica histerectomia radical, que consiste numa ressecção em bloco do útero com os paramétrios (ou seja, ligamentos redondo, largo, cardinal e útero-sagrados) e o terço ou metade superior da vagina. As inserções distais do uréter são poupadas para preservar o suprimento sanguíneo. — Classe IV – consiste numa histerectomia classe III, mas com uma completa dissecção do uréter, uma maior ressecção dos vasos ilíacos e remoção de 3/4 da vagina. — Classe V – envolve a excisão do útero em bloco com os paramétrios e ressecção parcial do uréter, parte da bexiga e/ou do recto. Esta cirurgia é efectuada quando a extensão não suspeitada da doença obriga a cirurgia mais alargada para obtenção de margens operatórias livres. A linfadenectomia é realizada habitualmente com as histerectomias da classe II-IV. Se a HTR é realizada para ressecção de doença persistente após radioterapia curativa, a linfadenectomia pode não ser realizada. 3.6. TÉCNICA CIRÚRGICA A doente é colocada em posição de litotomia modificada, uma vez que a mesma permite a observação vaginal se houver dúvidas quanto à suficiência das margens na altura da exérese. Permite igualmente a colocação de um rolo de compressas que possibilite a elevação visceral da pélvis, facilitando a dis- 470 secção dos paramétrios nas mulheres obesas ou com bacias profundas. Este rolo é removido após completar a dissecção do uréter ou mantido até ser efectuada a incisão vaginal. O procedimento pode ser realizado através de uma incisão vertical ou transversa. A incisão de Pfannenstiel pode ser adequada em mulheres muito magras, mas em regra a incisão que proporciona melhor exposição de todas as áreas a explorar cirurgicamente é a vertical. É de considerar sempre a realização de paniculectomia nas mulheres obesas. Após a secção da parede abdominal, desfazem-se as aderências, para restaurar a normal anatomia, procedendo à inspecção e palpação das superfícies diafragmáticas, fígado, vesícula biliar, estômago, epíploon, intestino delgado e grosso. A cirurgia é cancelada se é detectada doença metastática (confirmada por exame histológico per-operatório) fora da pélvis (p. ex. epíploon, fígado ou intestino), anexos, ou se o tumor tem extensão directa para a cavidade peritoneal. A exposição do campo cirúrgico é obtida pela colocação de um dispositivo que permita a fixação de valvas que sustenham o intestino para obtenção de uma boa exposição (afastador de Bookwalter, afastadores de Balfour). As valvas laterais devem estar ao nível dos ligamentos infundibulopélvicos, fazendo apenas a retracção da parede abdominal, sem pressão directa nos tecidos moles da parede lateral e com profundidade adequada. São colocados campos humedecidos nas goteiras parietocólicas e por debaixo das valvas antes destas se fixarem. A cabeceira da doente deve ser inclinada para baixo cerca de 15°. 3.6.1. EXPLORAÇÃO DOS GÂNGLIOS LINFÁTICOS As paredes laterais e as áreas para-aórticas são palpadas para detecção de gânglios aumentados. O diagnóstico intra-operatório de metástases exige a realização de cortes para conCapítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 3.5. TIPOS DE HISTERECTOMIA 3.6.2. LINFANEDECTOMIA DOS GÂNGLIOS PARA-AÓRTICOS A área acima da bifurcação da aorta pode ser abordada de três formas: — Através do peritoneu – elevando e fazendo incisão directa do peritoneu. — Lateralmente – abrindo o peritoneu acima da goteira parietocólica e mobilizando o cólon para a linha média. — Inferiormente – abrindo o peritoneu lateralmente aos vasos ilíacos e dissecando para cima, em direcção ao duodeno, elevando o intestino com valvas e afastando lateralmente os ureteres. A aorta deve ser visualizada ao nível ou próximo da sua bifurcação e o peritoneu que a recobre afastado lateralmente, quer através de pinças ou colocando afastadores tipo Harrington. Os gânglios que ficam por detrás dos grandes vasos não são colhidos. A dissecção é mais segura se for realizada adjacente à aorta e veia cava inferior, em especial nas mulheres com abundante tecido adiposo retroperitoneal, devendo evitar-se os ureteres e vasos mesentéricos inferiores. A dissecção completa estende-se desde a face lateral da veia cava inferior lado direito até à face lateral da aorta do lado esquerdo. É útil a colocação de clips nas extremidades da área da dissecção para identificação, se for necessária irradiação posterior adjuvante. Não é necessário encerrar o retroperitoneu que recobre a área da dissecção ganglionar. Cirurgia por via abdominal 3.6.3. LINFADENECTOMIA PÉLVICA A maioria dos cirurgiões prefere realizar a linfadenectomia pélvica antes da histerectomia radical. Os gânglios linfáticos rodeiam os vasos ilíacos, podendo ser facilmente identificados como nódulos ou faixas de tecidos moles perivasculares. Usando dissectores em anel, o tecido linfático é elevado e separado com tesoura (p. ex. tesoura de Metzenbaum) da artéria ilíaca externa, tão perto quanto possível deste vaso. O uso de bisturi eléctrico com coagulação, usado de forma cuidadosa, constitui uma alternativa que permite o uso mínimo de clips, permitindo uma maior rapidez na linfadenectomia. A dissecção começa acima da bifurcação dos vasos ilíacos (ou no local onde acabou a dissecção para-aórtica) e estende-se para baixo. O nervo genitofemural segue lateralmente à artéria ilíaca externa, sobre o psoas. Pode ser cortado se impedir uma linfadenectomia adequada, embora tal procedimento possa ter como consequência a falta de sensibilidade na face anterior da coxa e porção superior dos lábios vulvares. Os linfáticos que recobrem a veia ilíaca externa são dissecados. A artéria ilíaca externa é libertada das suas inserções laterais por dissecção à tesoura desde a bifurcação da artéria ilíaca comum até ao ponto de cruzamento da veia circunflexa externa. A artéria e veia são separadas e o tecido linfático aí situado é removido. Ao afastar os vasos medianamente e depois lateralmente, a fossa obturadora torna-se acessível, podendo o tecido linfático ser removido e o nervo obturador ser identificado. Este deve ser claramente identificado e protegido durante esta dissecção, para evitar a sua laqueação. A área da bifurcação da ilíaca comum deve ser completamente limpa para remover os gânglios frequentemente afectados por metástases. Um erro frequente consiste em não esqueletizar correctamente os vasos por medo de lesão vascular, deixando quantidades significativas de tecido. Tal atitude prejudica a 471 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 gelação e exame histológico extemporâneo. Não há consenso quanto à conduta perante o achado de gânglios metastizados. Alguns cirurgiões terminam a cirurgia, outros prosseguem enquanto os gânglios forem ressecáveis e seja encontrado um gânglio aumentado mas negativo. Estas condutas divergentes reflectem a falta de consenso relativamente ao grupo de mulheres que beneficiarão de radioterapia pós-operatória, bem como o efeito da cirurgia prévia e dissecção ganglionar na morbilidade da radioterapia subsequente. 472 3.6.4. HISTERECTOMIA RADICAL O procedimento inicia-se com a laqueação e secção dos ligamentos redondos, ao nível da sua entrada na pélvis, abrindo-se o ligamento largo. Um ajudante exerce tracção no topo do ligamento, lateralmente e sobre o útero para o meio e para cima, para que o cirurgião possa estender a incisão peritoneal superiormente, em direcção ao início do peritoneu da goteira parietocólica direita, ficando lateralmente à artéria ilíaca externa. De seguida, a incisão do peritoneu é prolongada ligeiramente para baixo e para o meio, em direcção à linha média do peritoneu pélvico, enquanto o ajudante eleva a serosa vesical. Usando uma pinça atraumática, o peritoneu é libertado lateralmente das suas ligações aos tecidos moles, seguida de dissecção instrumental para expor o espaço perivesical direito – a fossa de Latzko, limitada pelos vasos ilíacos lateralmente, o corno vesical na linha média e a bacia óssea inferiormente. O ligamento largo posteromediano e o uréter são afastados para a linha média, sendo aberto o espaço perirrectal, limitado lateralmente pela bifurcação dos vasos ilíacos e pelo uréter na linha média. Estes passos da histerectomia radical são efectuados antes de iniciar a dissecção ganglionar, para facilitar a exposição. Se os ovários são para remover, cada ligamento infundibulopélvico contendo a artéria e veia ováricas é elevado e libertado do uréter e dos vasos ilíacos, laqueado e seccionado cerca de 2 cm acima dos vasos ilíacos, sob visualização dos ureteres. Se os ovários são para preservar, procede-se à laqueação da trompa e ligamento tubo-ovárico, posicionando os anexos debaixo do campo cirúrgico em cada goteira parietocólica. Após a abertura do peritoneu vesical, a bexiga é traccionada para cima, sendo executada a dissecção instrumental, para libertar a bexiga da face anterior do útero. Esta margem anterior é aquela em que o cirurgião está mais próximo do cancro do colo. A idenCapítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 identificação de planos, podendo determinar lesão vascular. A dissecção é, em seguida, alargada até 12 cm abaixo da artéria ilíaca interna, onde o nervo obturador é de novo identificado na fossa obturadora ao abrir cuidadosamente a tesoura de Metzenbaum, paralelamente aos vasos. Na dissecção da fossa obturadora, afastando medianamente e para baixo a artéria vesical superior, a exposição é melhorada, assim como colocando uma valva no espaço perivesical. Pode usar-se uma pinça em ângulo recto para libertar os linfáticos acima do nervo obturador, separando este aglomerado linfático que se continua inferiormente para os músculos pélvicos. O afastador vascular e a dissecção instrumental podem ser agora usados para separar artéria ilíaca externa da respectiva veia e remover os linfáticos entre eles. Gânglios adjacentes ou inferiores ao nervo obturador podem ser identificados e removidos, tendo cuidado para não lesar a artéria ou veia obturadora, podendo ser necessário o sacrifício de uma ou das duas. Deve evitar-se a lesão do nervo obturador, o nervo motor dos músculos adutores da coxa, embora a ressecção intencional seja por vezes necessária por envolvimento tumoral dos gânglios adjacentes. A morbilidade resultante da lesão unilateral do nervo obturador é mínima, mas a lesão bilateral interfere com a deambulação. Mesmo com uma dissecção meticulosa, uma ressecção completa dos gânglios linfáticos pélvicos é virtualmente impossível109. O encerramento do peritoneu não é necessário, estando associado a taxas mais elevadas de morbilidade febril (48 vs 17%) e formação de quistos linfáticos (52 vs 23%), em comparação ao não encerramento110. Adicionalmente, um estudo randomizado de doentes submetidas a drenagem de rotina versus não drenagem do retroperitoneu, após linfadenectomia para-aórtica, revelou uma morbilidade três vezes superior no primeiro grupo, bem como um prolongamento do tempo de hospitalização em dois dias111. Cirurgia por via abdominal trio devido à inesperada infiltração tumoral ao longo da artéria uterina, endometriose ou aderências fortes. São utilizados dissectores em ângulo recto para libertar o uréter abaixo do pedículo da artéria uterina, o qual é suavemente afastado para a linha média, enquanto o uréter é deslocado lateralmente. O uréter abaixo da artéria uterina pode ser dissecado ao traccionar a bexiga para cima, usando um dreno de Penrose para colocar tensão lateral sobre o uréter, e introduzindo um dissector recto ao longo da sua superfície superior. Quando a extremidade do dissector for visível através da rede de tecido no corno da bexiga, o dissector pode ser suavemente aberto e fechado para alargar espaço e um ramo de um segundo dissector pode então ser colocado neste túnel, rodando-o em direcção à bexiga e fechando-o. O útero é então traccionado sobre a sínfise, o recto é traccionado para cima e para trás, e o fundo de saco é aberto. Procede-se à separação da parede posterior da vagina da parede anterior do recto, com dissecção romba e instrumental, tendo cuidado para respeitar a curvatura posterior da pélvis. O não reconhecimento desta curvatura pode resultar na lesão anterior do recto. O dedo indicador é então colocado no espaço por detrás do útero e o dedo médio colocado lateralmente junto ao ligamento útero-sagrado, afastando os tecidos moles em direcção ao colo e depois em direcção ao recto, consolidando assim o pedículo. O peritoneu posterior é aberto, e o pedículo útero-sagrado é clampado tão próximo do recto quanto possível, com uma pinça de Wertheim, enquanto os ureteres são afastados lateralmente. O pedículo é então seccionado e laqueado bilateralmente. Normalmente, é necessária mais de que uma laqueação, sendo a segunda ajustada à curvatura anterior do recto. O cirurgião usa uma mão para afastar o paramétrio para a linha média, enquanto o ajudante afasta o uréter lateralmente. O paramétrio é então isolado, clampado, seccionado e laqueado. 473 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 tificação de neoplasia por baixo ou na base da bexiga constitui uma contra-indicação à histerectomia radical, a menos que seja considerada a realização de cistectomia parcial. O cirurgião pode então introduzir o dedo indicador ou a extremidade da cânula do aspirador nos espaços criados, alargando-os com movimentos circulares suaves. O paramétrio deve ser avaliado ao colocar o dedo indicador no espaço perivesical e o dedo médio no espaço perirrectal. A artéria vesical superior pode ser identificada e mobilizada para a linha média e o uréter pode ser visto a cruzar os vasos ilíacos na sua bifurcação ou na sua vizinhança. Começando na extremidade pélvica, o uréter é libertado das suas ligações aos tecidos moles, elevado cerca de 2 cm acima dos vasos, com uma fita de nastro ou elástica, e aproximado para a linha média. Existe um ramo arterial relativamente constante para o uréter, 3-5 mm abaixo da bifurcação da artéria ilíaca comum, que deve ser isolado e laqueado. A dissecção ureteral é mais fácil se a dissecção inicial for suficientemente próxima para permitir a visualização da rede vascular que o percorre ao longo da sua superfície. À medida que a dissecção prossegue em direcção à pélvis, pode ser realizada pressão sobre a artéria vesical superior, permitindo a exposição dos ramos medianos pélvicos dos vasos ilíacos internos e facilitando a identificação da artéria uterina. A artéria uterina é então dissecada, separada e laqueada ou colocado um clip na sua origem. Um dissector curvo ou uma tesoura de Metzenbaum ligeiramente aberta são excelentes instrumentos de dissecção. A dissecção romba é perigosa. À medida que a artéria uterina é esqueletizada, a(s) veia(s) uterina(s) deverão ser identificadas, isoladas e laqueadas individualmente. A libertação do uréter medianamente é mais difícil se a artéria e veia estiverem englobadas no mesmo pedículo. A artéria ilíaca interna pode ser ressecada na sua totalidade, se tal for necessário para a remoção em bloco do paramé- 474 ureteres não se suspendem na pélvis, sendo deixados sobre as paredes laterais da pélvis. Se os ovários foram preservados é prudente suspendê-los fora da pélvis, para evitar aderência à cúpula vaginal (causa de dispareunia profunda), deslocando-os de um eventual campo de irradiação adjuvante. A preservação ovárica em mulheres com carcinoma espinhocelular do colo é razoável, mas não em mulheres com adenocarcinoma do colo, uma vez que o espinhocelular quase nunca metastiza para o ovário, enquanto o adenocarcinoma pode metastizar112. Contudo, os ovários nem sempre apresentam uma função posterior normal, podendo ter uma vida funcional menor do que o esperado, tal como sucede por vezes após a histerectomia113, pelo que estas mulheres devem ser questionadas sobre sintomas que poderão significar o advento da menopausa. Raramente, doença parametrial que era clinicamente ausente na avaliação pré-operatória vem a ser identificada durante a cirurgia. Nestes casos, pode ser ocasionalmente necessária a ressecção ureteral parcial com reimplantação. A duração média desta cirurgia é de 4 h num estudo europeu multicêntrico que incluiu um total de 243 doentes94. 3.7. HISTERECTOMIA RADICAL LAPAROSCÓPICA E ROBÓTICA A histerectomia radical por laparoscopia tem vindo a ser realizada em várias instituições114,115. Esta pode consistir em histerectomia radical assistida por laparoscopia (LARVH) (uma opção é ajudar o tempo vaginal da cirurgia como a operação de Schauta116) ou em histerectomia radical laparoscópica total (TLRH). Têm sido igualmente realizadas laparoscopias com assistência robótica117. É necessário manter o mesmo grau de ressecção radical com a laparoscopia relativamente à laparotomia. Não há grandes séries comparando os resultados laparoscópicos com os da laparotoCapítulo 47 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 A bexiga é dissecada à tesoura, até que metade da vagina fique liberta. Com as subsequentes laqueações parametriais, posiciona-se o ramo anterior de uma pinça de Wertheim tão perto quanto possível do corno vesical, enquanto o ramo posterior aproxima o pedículo útero-sagrado. Quando se colocam as pinças nos paramétrios, pode ser útil a colocação de uma pinça de Kelly comprida no lado da peça, exercendo tracção para a linha média, que ajuda a definir o tecido englobado no pedículo clampado pela pinça de Wertheim. O canal vaginal é então seccionado. Podem ser colocadas pinças através da vagina, e a excisão ser efectuada distalmente a essas pinças para impedir extravasamento ou contaminação. À medida que a vagina é seccionada, são colocadas pinças de Kocher compridas nos bordos da vagina, com cuidado para não englobar tecido vesical. Se as pinças impossibilitarem a visão do cirurgião, a vagina pode ser seccionada antes de clampados os bordos da vagina. Numa bacia muito profunda, pode ser difícil identificar os bordos vaginais. Um ajudante pode introduzir a mão na vagina ou uma compressa, para empurrar as paredes vaginais e facilitar a sua identificação. A vagina deve ser cuidadosamente palpada para assegurar uma margem adequada. Se existir alguma dúvida, deve ser enviada uma secção vaginal distal à peça para estudo extemporâneo em corte congelado, para assegurar margem satisfatória. A vagina é em seguida encerrada com sutura contínua. É realizada uma lavagem abundante da pélvis com soro aquecido, sendo inspeccionados os ureteres e todos os pedículos. Os vasos pélvicos são examinados para assegurar que a linfanedectomia foi completa. Pode efectuar-se a injecção endovenosa de azul carmim para testar a integridade dos ureteres e da bexiga. Alternativamente, a bexiga pode encher-se com azul-de-metileno através do cateter de Foley. O peritoneu pélvico é deixado aberto, não se usando drenos. Os 3.8. CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS A analgesia epidural controlada pela paciente ou endovenosa é usada para controlo da dor. É encorajada a deambulação precoce, sendo usada a compressão pneumática intermitente enquanto as doentes permanecem deitadas. O uso sistemático de heparina ou sonda nasogástrica não é consensual, mas é incentivada fortemente a espirometria nas primeiras 72 h após a cirurgia. A dieta é orientada pelos pedidos da doente. A estase do cólon após cirurgia abdominal major dura aproximadamente 3 dias, mas não requer sistematicamente a sonda nasogástrica nem proíbe a alimentação precoce122. De facto, a alimentação precoce pode estimular o intestino e diminuir o tempo de hospitalização, embora o vómito seja mais frequente. Cirurgia por via abdominal Devem usar-se antibióticos profiláticos de rotina antes da histerectomia radical, os quais se devem manter até à remoção do cateter vesical, embora este último procedimento não seja consensual. Pode ser iniciada THS estrogénica na altura da alta hospitalar, nas mulheres com sintomas operadas por cancro do colo do útero. A realização de rotina de uma urografia endovenosa no período pós-operatório não tem valor. Se for planeada radioterapia, deve ser iniciada cerca de 4 semanas após a cirurgia. Pequenas deiscências da ferida operatória não constituem motivo para atrasar o início da radioterapia. 3.9. COMPLICAÇÕES A histerectomia radical com linfadenectomia pélvica envolve dissecção meticulosa adjacente à bexiga, recto, ureteres e grandes vasos da pélvis. Compreensivelmente as complicações mais frequentes relacionam-se com lesões destas vísceras. Outras complicações, como TEP, enfarte do miocárdio, pneumonia ou desequilíbrios electrolíticos são comuns a todas as cirurgias. A título de exemplo, numa série de 361 mulheres com cancro do colo nos estádios IA2/IB1, submetidas a cirurgia radical (285 histerectomia radical, 42 traquelectomia vaginal radical, 30 histerectomia radical vaginal assistida por laparoscopia, 4 traquelectomia radical abdominal) de 1994-1999, registou-se a seguinte frequência de complicações: complicações intra-operatórias (6%), transfusão (9%), infecção pós-operatória (4%), complicações pós-operatórias não infecciosas (4%)123. Um estudo multicêntrico europeu com 234 doentes registou mortalidade perioperatória em menos de 1%, infecção do tracto urinário em 42%, trombose venosa profunda em 3% e fístulas em 2% dos casos94. A morbilidade febril após histerectomia radical está frequentemente relacionada com 475 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 mia. Resultados iniciais parecem sugerir um maior número de cistotomias não planeadas, mas com o aumento da experiência este facto tenderá a diminuir e sequelas a longo prazo não têm sido referidas. No único ensaio randomizado comparando a histerectomia radical abdominal com a laparoscópica (n = 70 doentes), o grupo da laparoscopia teve menor perda hemática, enquanto o tempo operatório e as taxas de complicações foram semelhantes nos dois grupos118. A cirurgia robótica não foi comparada com a laparoscópica sem assistência robótica em qualquer série significativa de doentes. Em teoria, o tempo de preparação e desmontagem levará a um ligeiro aumento do tempo operatório, sendo que a aquisição e manutenção do equipamento são bastante onerosas. Contudo, o uso da assistência robótica permite ao cirurgião trabalhar sem ajudantes, o que pode facilitar a cirurgia radical em pequenos centros. A robótica pode melhorar a perícia operatória, permitindo uma visão tridimensional119-121. A repercussão no treino cirúrgico da cirurgia radical é incerta. 3.10. HISTERECTOMIA RADICAL PREVISTA NÃO REALIZADA Em menos de 10% das mulheres programadas para histerectomia radical, o procedimento é interrompido sem ser completado. Em menos de 1% das mulheres, a cirurgia é interrompida por complicações intra-operatórias, tais como alterações cardíacas, hipertensão, infecção não prevista ou hemorragia. Na maioria dos casos, a intervenção é interrompida por extensão extrapélvica da do- 476 ença, sendo tal interrupção motivada pela presença de doença pélvica extensa não suspeitada nos restantes casos. Não há forma pré-operatória que possa distintamente identificar estas doentes. Este grupo tem um prognóstico mais reservado do que aquelas em que o procedimento é levado a cabo e a conduta óptima não está estabelecida125,126. Bibliografia 1. Kovac SR. Hysterectomy outcomes in patients with similar indications. Obstet Gynecol. 2000;95:787. 2. ACOG Committee Opinion. 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Infecção da sutura/hematoma do trato urinário e celulite pélvica ocorrem, com a mesma frequência, em cerca de 20% das mulheres. A terapêutica empírica pode consistir em metronidazol e gentamicina para tratamento da febre pósoperatória de foco desconhecido. Está indicada a realização de uma urografia endovenosa para investigar possível obstrução ureteral oculta em mulheres com persistência de febre após 24 h de antibioterapia. A obstrução ureteral deve ser tratada pela colocação de cateter de nefrostomia percutâneo. Se a febre persiste, sem foco aparente após 48 h de antibióticos de largo espectro, deve iniciar-se heparina, por hipótese de tromboflebite pélvica. Inicia-se a 1.000 U/h, sem nenhum bolus, sendo aumentada com base no tempo de tromboplastina parcial (PTT). A dose é mantida constante quando a doente fica apirética, mesmo se o PTT não estiver elevado, sendo descontinuada tanto a heparina como os antibióticos após 48 h de apirexia. No entanto, se a mulher se mantém febril apesar de culturas negativas e PTT em valores terapêuticos, uma TC com contraste pode revelar colecções líquidas, que podem ser drenadas por via percutânea. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. Cirurgia por via abdominal 36. Kuppermann M, Summit RL, Varner E, et al. Sexual functioning after total compared with supracervical hysterectomy: a randomized clinical trial. Obstet Gynecol. 2005;105:1309. 37. Roovers JP, Van der Bom JG, Van der Vaart CH, Heintz AP. Hysterectomy and sexual wellbeing: prospective observational study of vaginal hysterectomy, subtotal abdominal hysterectomy, and total abdominal hysterectomy. BMJ. 2003;327:774. 38. Kuno K, Menzin A, Kauder HH, et al. Prophylactic ureteral catheterization in gynecologic surgery. Urology. 1998;52:1004. 39. Hagen B, Eriksson N, Sundset M. Randomised controlled trial of LigaSure versus conventional suture ligature for abdominal hysterectomy. BJOG. 2005;112:968. 40. 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