Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.067.438 - RS (2008/0135439-4) RELATORA RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO REPR. POR ADVOGADO : : : : : : MINISTRA NANCY ANDRIGHI ACG MONICA ELISA STEFFEN - DEFENSORA PÚBLICA T H F G - MENOR IMPÚBERE N DE O DA F S/ REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS EMENTA Direito civil. Família. Criança e Adolescente. Recurso especial. Ação negatória de paternidade. Interesse maior da criança. Vício de consentimento. Ausência de alegação. Mera dúvida acerca do vínculo biológico. Exame de DNA não realizado. Cerceamento de defesa não caracterizado. - O ajuizar de uma ação negatória de paternidade com o intuito de dissipar dúvida sobre a existência de vínculo biológico, restando inequívoco nos autos, conforme demonstrado no acórdão impugnado, que o pai sempre suspeitou a respeito da ausência de tal identidade e, mesmo assim, registrou, de forma voluntária e consciente, a criança como sua filha, coloca por terra qualquer possibilidade de se alegar a existência de vício de consentimento, o que indiscutivelmente acarreta a carência da ação, sendo irreprochável a extinção do processo, sem resolução do mérito. - Se a causa de pedir da negatória de paternidade repousa em mera dúvida acerca do vínculo biológico, extingue-se o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do CPC, por carência da ação. - Uma mera dúvida, curiosidade vil, desconfiança que certamente vem em detrimento da criança, pode bater às portas do Judiciário? Em processos que lidam com o direito de filiação, as diretrizes devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, consciente no momento do reconhecimento voluntário da paternidade, leva para o universo do infante os conflitos que devem permanecer hermeticamente adstritos ao mundo adulto. Devem, pois, os laços afetivos entre pais e filhos permanecer incólumes, ainda que os outrora existentes entre os adultos envolvidos hajam soçobrado. - É soberano o juiz em seu livre convencimento motivado ao examinar a necessidade da realização de provas requeridas pelas partes, desde que atento às circunstâncias do caso concreto e à imprescindível salvaguarda do contraditório. - Considerada a versão dos fatos tal como descrita no acórdão impugnado, imutável em sede de recurso especial, mantém-se o quanto decidido pelo Tribunal de origem, insuscetível de reforma o julgado. - A não demonstração da similitude fática entre os julgados confrontados, afasta a apreciação do recurso especial pela alínea “c” do permissivo constitucional. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 1 de 11 Superior Tribunal de Justiça Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 03 de março de 2009(Data do Julgamento) MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 2 de 11 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.067.438 - RS (2008/0135439-4) RECORRENTE : ACG ADVOGADO : MONICA ELISA STEFFEN - DEFENSORA PÚBLICA RECORRIDO : T H F G - MENOR IMPÚBERE REPR. POR : N DE O DA F ADVOGADO : S/ REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI RELATÓRIO Recurso especial interposto por A. C. G., com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/RS. Ação: negatória de paternidade proposta pelo recorrente em face de T. H. F. G., menor nascido em 11/5/2001, representado por sua mãe, N. de O. da F., em que relata ter mantido união estável com a genitora da criança por um período de 8 anos. Sustenta que ao longo desse tempo, seu irmão, que frequentava sua casa, passou nela a residir e que o envolvimento entre ele e sua então companheira ficou visível, tudo na época da concepção da criança. Informado, contudo, de que o menor era seu filho, “cumpriu com sua obrigação de pai e registrou a criança” (fl. 3). Dias após, a mãe do menor passou a residir apenas com o irmão do recorrente, o que suscitou fundadas dúvidas a respeito da paternidade biológica da criança, razão pela qual pleiteia a realização do exame pericial pelo método DNA. Afirma que o menor necessita desse esclarecimento, pois se divide entre o pai e o tio, o qual muitas vezes chama de pai. Assinala que apesar de “gostar de T. H., como se seu filho fosse” (fl. 4), acredita não ser ideal o aludido clima de incerteza que reina em família. Por fim, informa que a mãe da criança não se opõe à realização do exame. Sentença: o i. Juiz extinguiu o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do CPC, acolhendo como razões de decidir o parecer do Ministério Público Estadual, que entendeu ser o recorrente carecedor Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 3 de 11 Superior Tribunal de Justiça do direito de ação, porquanto não apontou “nenhuma nulidade tampouco qualquer vício de consentimento quando do registro de nascimento do réu, alegando apenas dúvida acerca da paternidade” (fl. 12 – grifo conforme original). Decisão: o i. Des. Rel. negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo recorrente, para confirmar a sentença, por entender que “não ficando comprovada a existência de qualquer vício de consentimento no registro de nascimento do menor, é hígido o assento civil” (fl. 38). Acórdão: o TJ/RS negou provimento ao recurso de agravo na apelação interposto pelo recorrente, confirmando o inteiro teor da decisão proferida pelo i. Des. Rel. (fls. 49/52v). Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados (fls. 68/70). Recurso especial: interposto sob alegação de ofensa aos arts. 128, 130 e 131 do CPC, e dissídio jurisprudencial, ao argumento de que “o indeferimento das provas postuladas pelo autor, nos dois graus de jurisdição, é arbitrário e contrário aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa” (fl. 79). Sustenta que a extinção do processo, antes mesmo da citação, caracteriza cerceamento de defesa. Aduz ainda violação ao art. 1.601, caput , do CC/02, porquanto imprescritível o direito do marido de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher. Por fim, tece considerações acerca de possível contrariedade ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, sem, contudo, particularizar os dispositivos legais supostamente violados. Houve interposição de recurso extraordinário. Não foram apresentadas contra-razões conforme certidão à fl. 117. Admissibilidade recursal: às fls. 112/115. Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 4 de 11 Superior Tribunal de Justiça Parecer do MPF: o i. Subprocurador-Geral da República, João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho, opinou pelo não provimento do recurso especial (fls. 121/127). É o relatório. Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 5 de 11 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.067.438 - RS (2008/0135439-4) RELATORA RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO REPR. POR ADVOGADO : : : : : : MINISTRA NANCY ANDRIGHI ACG MONICA ELISA STEFFEN - DEFENSORA PÚBLICA T H F G - MENOR IMPÚBERE N DE O DA F S/ REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): A peculiaridade deste processo consiste em definir se mera dúvida a respeito da paternidade biológica é fator suficiente para desencadear o ajuizamento de negatória de paternidade, destituída de qualquer alegação de vício de consentimento quando do registro de nascimento da criança, fenômeno que vem ocorrendo com surpreendente freqüência no Judiciário brasileiro. - Da violação ao art. 1.601 do CC/02. Inicialmente insta registrar que a matéria jurídica contida no art. 1.601 do CC/02 não foi apreciada pelo Tribunal de origem no acórdão recorrido, o que obsta a abertura do debate quanto ao tema nele inserto nesta via recursal, ante o óbice da Súmula 211 do STJ, ressaltando-se que, ainda que tenha o recorrente interposto embargos de declaração em segundo grau de jurisdição, não se valeu da alegação de ofensa ao art. 535 do CPC nas razões de recurso especial, para eventualmente superar o empeço ora exposto. - Da violação aos arts. 128, 130 e 131 do CPC. O recorrente pretende que tenha curso ação negatória de paternidade para o fim de sanar a dúvida que tem acerca da paternidade do menor que reconheceu voluntariamente como filho e, por essa razão, pretende verificar a Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 6 de 11 Superior Tribunal de Justiça existência ou não do vínculo biológico. Aduz que ao ser inviabilizada a produção das provas postuladas, notadamente a realização de exame genético pelo método de DNA, teve cerceado seu direito de defesa, o que vai de encontro aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Considerado que houve o prequestionamento das matérias jurídicas contidas nos arts. 128, 130 e 131 do CPC, verifica-se, na hipótese, mais uma de tantas demandas que correm perante o Poder Judiciário em razão da dúvida gerada após o reconhecimento espontâneo e consciente da paternidade. Nas palavras do próprio recorrente, instaurou-se “a desconfiança sobre a verdadeira paternidade” (fl. 84). Contudo, conforme dicção do acórdão recorrido, nada nos autos permite concluir que tenha o recorrente sido induzido em erro, nem que tenha ocorrido qualquer vício de consentimento quando do registro da criança. Ao reverso: mesmo pairando dúvida acerca da identidade biológica do menino, não hesitou o recorrente em registrá-lo como seu filho, estabelecendo e consolidando o vínculo afetivo, o que atesta na inicial, quando menciona “gostar de T. H., como se seu filho fosse” (fl. 4). Dessa forma, sob a ótica indeclinável de proteção maior ao interesse da criança, ao visualizar os desdobramentos fáticos descritos no acórdão impugnado, verifica-se, no processo em julgamento, que o recorrente reconheceu espontaneamente a paternidade extramatrimonial, cujo ato somente poderia ser desfeito se demonstrado vício de consentimento, o que sequer foi alegado na inicial da negatória. Seguem trechos do acórdão que reproduzem o perfil fático do processo: (fls. 50v/51) - “Como se vê, a ação está sendo proposta para espancar a dúvida sobre a existência do liame parental em razão da mãe do menor ter passado a conviver com o irmão de A. – Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 7 de 11 Superior Tribunal de Justiça embora, friso, ele já soubesse do possível envolvimento do casal. E resta inequívoco nos autos que o reconhecimento de paternidade de T. foi um ato voluntário e consciente, declarado por ambos os pais há mais de seis anos (fl. 08). Claro está, pois, que não houve qualquer vício no ato jurídico de reconhecimento e este ato é irrevogável e irretratável ex vi do art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do Código Civil, sendo que a anulação do registro, para ser admitida, deveria ser sobejamente demonstrada e necessariamente deveria decorrer de um dos vícios do ato jurídico, tais como coação, erro, dolo, simulação ou fraude. E isso em momento algum foi apontado na exordial, senão a mera dúvida acerca da fidelidade da mãe do menor... In casu, portanto, ficou bastante claro que não houve vício algum no ato jurídico, mas mero arrependimento do estabelecimento do vínculo.” (fl. 52) - “Assim, não havendo prova da existência de vício de consentimento quando da efetivação do registro civil do menor, não há falar em desconstituição do ato.” Ora, o ajuizar de uma ação negatória de paternidade com o intuito de dissipar dúvida sobre a existência de vínculo biológico, restando inequívoco nos autos, conforme demonstrado no acórdão impugnado, que o pai sempre suspeitou a respeito da ausência de tal identidade e, mesmo assim, registrou, de forma voluntária e consciente a criança como sua filha, coloca por terra qualquer possibilidade de se alegar a existência de vício de consentimento, o que indiscutivelmente acarreta a carência da ação, sendo irreprochável a extinção do processo, sem resolução do mérito. A causa de pedir da negatória, portanto, repousa na mera dúvida acerca do vínculo biológico existente entre as partes, o que efetivamente impõe a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do CPC, por carência da ação. Uma mera dúvida, curiosidade vil, desconfiança que certamente vem em detrimento da criança, não tem acesso ao Judiciário. Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 8 de 11 Superior Tribunal de Justiça Em processos que lidam com o direito de filiação, as diretrizes devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, consciente no momento do reconhecimento voluntário da paternidade, leva para o universo do infante os conflitos que devem permanecer hermeticamente adstritos ao mundo adulto. Devem, pois, os laços afetivos entre pais e filhos permanecer incólumes, ainda que os outrora existentes entre os adultos envolvidos hajam soçobrado. A respeito da tese de que teria havido cerceamento de defesa, ao ser negada ao recorrente a prova pericial de exame genético pelo método de DNA, ressalte-se que é soberano o Juiz em seu livre convencimento motivado ao examinar a necessidade da realização das provas requeridas pelas partes, desde que atento às circunstâncias do caso concreto e à imprescindível salvaguarda do contraditório. Por fim, acrescente-se que, ainda que o Juízo permitisse a produção da prova tal como requerida pelo recorrente, de nada serviria o resultado do exame pericial para a elucidação do processo, porquanto não teria a aludida perícia o condão de fazer surgir o vício de consentimento não comprovado pelo pai. Assim sendo, considerada a versão dos fatos assim como descrita no acórdão impugnado, imutável em sede de recurso especial, mantém-se o quanto decidido pelo Tribunal de origem, insuscetível de reforma o julgado. - Do dissídio jurisprudencial. No que concerne ao dissídio jurisprudencial, registre-se que não foi demonstrada a similitude entre os julgados, o que, de qualquer forma, afasta a apreciação do recurso especial pela alínea “c” do permissivo constitucional. Forte em tais razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 9 de 11 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.067.438 - RS (2008/0135439-4) RELATORA RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO REPR. POR ADVOGADO : : : : : : MINISTRA NANCY ANDRIGHI ACG MONICA ELISA STEFFEN - DEFENSORA PÚBLICA T H F G - MENOR IMPÚBERE N DE O DA F S/ REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS Voto O SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS): Senhor Presidente, eminentes Colegas, recordo-me de que, no Sul, estávamos vivendo esse problema, e a linha, lá – que me parece está sendo seguida pelos eminentes Colegas –, é a de que a filiação afetiva se sobrepõe até mesmo à filiação biológica. Acompanho integralmente o posicionamento da eminente Relatora, negando provimento ao recurso especial. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (Desembargador Convocado do TJ/RS) Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 1 0 de 11 Superior Tribunal de Justiça ERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2008/0135439-4 REsp 1067438 / RS Números Origem: 10700019790 70022171847 70024145492 PAUTA: 03/03/2009 JULGADO: 03/03/2009 SEGREDO DE JUSTIÇA Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO Secretária Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO AUTUAÇÃO RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO REPR. POR ADVOGADO : : : : : ACG MONICA ELISA STEFFEN - DEFENSORA PÚBLICA T H F G - MENOR IMPÚBERE N DE O DA F S/ REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS ASSUNTO: Civil - Família - Investigação de Paternidade - Negativa CERTIDÃO Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília, 03 de março de 2009 SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO Secretária Documento: 861189 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/05/2009 Página 1 1 de 11