A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL É MEDIDA
RECOMENDÁVEL PARA A DIMINUIÇÃO DA VIOLÊNCIA ?
ROBERTO DA FREIRIA ESTEVÃO*
Procurador de Justiça no Ministério
Público do Estado de São Paulo
Introdução
A discussão sobre a redução da menoridade penal no Brasil
sempre volta à pauta após crimes que movimentam a opinião pública, nos
quais menores de 18 anos se envolvem.
Em datas mais recentes, têm-se dois fatos marcantes: o
primeiro, em novembro de 2003, refere-se às condutas cometidas em
Embu-Guaçu/SP por R. A. A. C., conhecido como “Champinha”, que, aos
dezesseis anos de idade, juntamente com outros comparsas, matou a tiros
e facadas os estudantes Liana Friedenbach e Felipe Caffé, depois de
estuprar e permitir que outros estuprassem a jovem; o segundo, ocorrido
no início de fevereiro de 2007, trata-se da brutal morte de João Hélio
Fernandes Vieites, um menino de 6 anos que foi arrastado por 7 (sete) km,
aproximadamente, pelo veículo que, após o violento roubo, era conduzido
pelos seus praticantes, fatos pelos quais foram acusados alguns maiores,
como Carlos Eduardo Toledo Lima, de 23 anos, e Diego Nascimento da
Silva, de 18 anos, bem como o menor E., de 16 anos.
No direito pátrio, como todos sabem, os menores de 18 anos
são penalmente inimputáveis e ficam sujeitos às normas da legislação
especial, conforme a dicção do artigo 228 da Constituição Federal. Com a
mesma disposição, tem-se o artigo 27 do Código Penal.
Alguns propõem a redução dessa idade para 16 anos, e outros,
até para 14 anos. Há, inclusive, projetos de lei tramitando pelo Congresso
Nacional que consubstanciam tais propostas. Será esse um caminho
7
* Mestre em Direito pelo Univem/Fundação - Marília, Especialista em Processo Penal pela
PUC-SP, integrante do grupo de pesquisa “Direito e Cotidiano” - Programa de Mestrado do
Univem/Marília, Professor de Direito Processual Penal, Direito Penal e de História do
Direito.
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
indicado para o arrefecimento da violência no Brasil, ou a proposta
diminuição da idade para a inimputabilidade penal não passa de mais uma
falácia?
O professor da disciplina “Direito da Criança e do Adolescente”
na Escola Superior da Magistratura/RS, João Batista Costa Saraiva, Juiz de
Direito da Vara da Infância e Juventude naquele Estado da federação,
lembra que, em regra, no debate sobre o tema, existem duas posições
antagônicas: a dos seguidores da doutrina do direito penal máximo e a dos
adeptos do abolicionismo penal. A primeira defende a necessidade de
aplicação de mais elevadas penas privativas de liberdades e maior rigor nas
condenações por práticas delitivas; a segunda sustenta que o direito penal
está falido e que o problema da insegurança decorre mais de fatores
sociais, em face do que defende que a tutela de bens e direitos não deve
ser efetivada no campo penal, mas sim por outro ramo do direito (2003, p.
70).
Os argumentos mais lembrados pelos defensores da redução da
maioridade penal são os seguintes:
a)
cada vez mais adultos se servem de adolescentes nas
ações criminosas, o que impossibilita a efetiva e eficaz ação da polícia e da
justiça;
b)
quanto à capacidade para a responsabilidade penal, o
jovem pode votar aos 16 anos e hoje tem acesso a muitas informações, o
que propicia o seu precoce amadurecimento e, pois, condições para
responder penalmente por suas condutas;
c)
é muito elevado o número de adolescentes que cometem
crimes graves, o que indica a necessidade de mudança no tratamento legal
a eles dispensado, que deve ser o previsto no Código Penal.
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A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
Já outras vozes se colocam contra as propostas de redução e
argumentam que:
a)
entre nós, a Constituição Federal impede a redução da
maioridade penal em face do disposto no artigo 228 c. c. o artigo 60, § 4°,
IV (cláusula pétrea);
b)
a redução da maioridade para 16 anos não reduzirá a
criminalidade violenta;
c)
é dever do Estado e da sociedade proteger as crianças e
os adolescentes, e não puni-los com maior severidade;
d)
já não há vagas suficientes no sistema penitenciário. Com
eventual redução da maioridade penal esse quadro ficará ainda mais
caótico;
e)
prender adolescente é colocá-lo na “universidade do
crime”.
A questão que se põe é: a simples redução da idade para a
imputabilidade penal, atualmente fixada em 18 anos, é a melhor solução
no combate à criminalidade e à violência, em especial nos grandes centros
urbanos?
1.
O menor infrator na história do Brasil
As primeiras medidas educativas ou de política pública para a
infância brasileira foram a criação de algumas casas para abrigar crianças e
adolescentes. Assim tivemos: as “Casas de Roda” (Bahia - 1726), a “Casa
dos Enjeitados” (Rio de Janeiro - 1738), e a “Casa dos Expostos” (Recife 1789).
Conforme RIZZINI (2000), nas “Casas de Roda”, havia uma
espécie de roda giratória com parte dela no lado externo do imóvel e parte
no lado interno. A criança era deixada na parte que ficava do lado externo,
3
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
sem que se pudesse identificar quem a abandonava, e, então, a roda era
girada, trazendo-a para o lado interno onde era recolhida pelos que
trabalhavam na Casa. Nessa “roda”, não eram deixadas apenas crianças
pobres, mas também aquelas oriundas de famílias ricas que precisavam
esconder os nascidos fora do casamento.
A respeito da idade, sabe-se que, durante a vigência das
Ordenações Filipinas, até 1830, a imputabilidade penal iniciava-se aos sete
anos. Ao menor não se aplicava a pena de morte - que à época existia -, e
sua reprimenda era reduzida (SARAIVA, 2003, p. 23).
Em seguida, nosso primeiro Código Penal, de 1830, adotou dois
critérios: fixou a idade de 14 anos para a plena imputabilidade penal (art.
10, § 1°) e adotou um sistema biopsicológico para a punição dos menores
de 14 anos (art. 13).
O Código Penal Republicano de 1890 previa, em seu artigo 27,
§ 1º, que irresponsável penalmente seria o menor com idade até 9 anos. O
maior de 9 anos e menor de 14 anos só não responderia penalmente se
tivesse atuado sem discernimento (art. 27, § 2° e art. 30). A partir de 14
anos, dava-se a maioridade penal.
E, hodiernamente, como já observado neste trabalho, a
maioridade penal é atingida aos 18 anos de idade, nos termos do disposto
no artigo 228 da Constituição Federal e no artigo 27 do Código Penal.
Quando se discute o tema em análise, um dos problemas que
se verifica é a confusão que se faz entre inimputabilidade e impunidade.
2.
Inimputabilidade, sim; impunidade, não.
Muitos confundem inimputabilidade penal com impunidade por
crimes cometidos. Por isso, é bom lembrar que a inimputabilidade,
excludente da responsabilidade penal, jamais significa impunidade nem
irresponsabilidade pessoal ou social.
4
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
Em boa parte, o clamor social em relação ao menor de 18 anos
que comete crimes surge da equivocada noção de que ele não responde
por seus atos. Até por isso, aparecem soluções totalmente desvirtuadas da
idéia de direito e de justiça, como os grupos de extermínio que matam
menores em nome de uma alegada defesa da sociedade sob a bandeira de
que “bandido bom é bandido morto”. Infelizmente, se esquecem das tristes
experiências vivenciadas entre nós durante as décadas ditatoriais.
O fato de o adolescente não responder por seus atos delituosos
de acordo com o Código Penal perante a Justiça Criminal não o torna
impunível nem o faz irresponsável. Antes, conforme o sistema adotado pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, os menores entre 12 e 18 são
sujeitos de direitos e de responsabilidades e, por isso, quando cometem
infrações, medidas sócio-educativas podem ser impostas, inclusive a
privação de liberdade - com o nome de “internação”, sem atividades
externas.
Ou seja, ao contrário da máxima sempre ouvida de que “para
menor não dá nada”, o ECA prevê medidas e, até mesmo, reconhece a
possibilidade
de
privação
provisória
de
liberdade
do
infrator
não
sentenciado (art. 108), para o que se exige o preenchimento de menos
requisitos do que os previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal,
aplicáveis aos delinqüentes maiores de 18 anos, para o maior ser preso
provisoriamente ou assim mantido durante o trâmite da ação penal.
E não se pode deixar de registrar o outro lado da questão:
conforme uma pesquisa feita pelo “Instituto Latino-Americano das Nações
Unidas
para
Prevenção
e
Tratamento
do
Delinqüente”-ILANUD,
aproximadamente 10% do total de crimes são cometidos por pessoas que
contam com menos de 18 anos de idade; todavia,
vítimas
de
homicídios
são
mais de 40% das
menores
(fonte:
http://releitura.wordpress.com/tag/opiniao).
5
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
3.
Critérios para a fixação da imputabilidade penal
O Código Penal de 1984 - parte geral ainda em vigor - adotou o
critério biológico e considerou os menores de 18 anos penalmente
inimputáveis.
Conforme
o
sistema
penal
pátrio,
são
considerados
inimputáveis aqueles que, ao mesmo tempo da ação ou da omissão: a)
mostram-se inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do fato
(capacidade de entendimento); b) ou de se determinar de acordo com esse
entendimento (capacidade de querer). Esses parâmetros levaram à
determinação da idade de 18 anos.
O professor Julio Fabbrini Mirabete observa a respeito da
imputabilidade:
De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livrearbítrio), o homem é um ser inteligente e livre, podendo
escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por
isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos
ilícitos que praticou. Essa atribuição é chamada de imputação,
de onde provém o termo imputabilidade, elemento (ou
pressuposto) da culpabilidade. Inimputabilidade é, assim, a
aptidão pra ser culpável. [...] Há imputabilidade quando o
sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e
de agir de acordo com esse entendimento. Só é reprovável a
conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica
que lhe permita compreender a antijuricidade do fato e
também a de adequar essa conduta a sua consciência. Quem
não tem essa capacidade de entendimento e de determinação
é inimputável, eliminando-se a culpabilidade (MIRABETE,
2003, p. 217 - negritos nossos).
Em face dessas idéias que estão em consonância com o Código
Penal brasileiro, indaga-se: quais as condições que permitem verificar se
um indivíduo tem essa “aptidão para ser culpável”? Que critério é mais
adequado para aferir essa aptidão? Como saber se alguém possui a
capacidade de discernimento entre o certo e o errado? É possível medir sua
capacidade para comportar-se conforme o seu entendimento entre o certo
e o errado?
6
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
3.1
O problema do discernimento
É muito comum ouvir-se aqui e ali que, na atualidade, os
menores têm mais discernimento, pois recebem uma enorme quantidade
de informações e, assim, chegam mais cedo à maturidade. A premissa é
verdadeira, mas a conclusão não o é. Todos, hoje, têm muito maior acesso
a informações do que ocorria no passado. Porém, nem todas as
informações concorrem para a boa formação e amadurecimento; pelo
contrário, muitas delas são mais próprias para a deformação.
A premissa que colocam é desnecessária. É pensamento
comum que qualquer infante sabe distinguir entre o certo e o errado e,
normalmente, tem a capacidade de entender o caráter criminoso de
algumas condutas. A criança de pouca idade sabe que é errado matar, ferir
ou subtrair algum bem de outrem.
Se for esse o critério a ser adotado para a determinação da
idade da maioridade penal tem-se que muito sério ficaria o quadro, pois
não é demais lembrar que, no antigo Catecismo Romano, a idade da razão
era atingida aos 7 (sete) anos, e a partir desse marco a criança poderia
inclusive cometer um pecado tido como “mortal” (Catecismo da Igreja
Católica, 2000, n° 1.307, p. 361). Ou seja, se bastasse o discernimento,
poder-se-ia sustentar que à criança com sete anos de idade seria possível
imputar a prática de um crime, processá-la e julgá-la consoante as
disposições do Código Penal e Código de Processo Penal.
Ocorre que, conforme já se anotou neste trabalho, só é possível
falar-se
na
imputabilidade
quando
a
pessoa
tem
capacidade
de
compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse
entendimento. Logo, a conduta só poderá ser tida como reprovável se o
seu autor possuir “certo grau de capacidade psíquica que lhe permita
compreender a antijuricidade do fato e também a de adequar essa conduta
a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento e de
7
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade”, nas palavras
do professor Julio Fabbrini Mirabete (2003, p. 217).
Considerando-se esse parâmetro extraído do Código Penal
impõe-se a indagação: será que é possível afirmar com a necessária
segurança que o adolescente tem maturidade suficiente para não somente
entender o caráter ilícito de sua conduta, mas em especial para
determinar-se de acordo com esse entendimento? Sustentamos que não e,
assim, não se pode equipará-lo ao criminoso adulto, que já possui as
capacidades de entendimento e de determinação.
Muito mais adequado é que o adolescente infrator seja
trabalhado com eficiência para beneficiá-lo com os processos pedagógicos
indicados no ECA e, assim, modificar-se em suas condutas.
Como bem assevera Saraiva (2007), a experiência dos Juizados
da Infância e da Juventude no Rio Grande do Sul comprova que, quando
são observadas com seriedade as medidas previstas no ECA e aplicadas
com responsabilidade, “diversos adolescentes, internados por infrações
gravíssimas, como homicídio e latrocínio, têm logrado efetiva recuperação,
após um período de internação”. Nota-se ainda, que, obedecida a
progressividade
no
cumprimento
das
medidas
sócio-educativas,
os
menores infratores “têm passado da privação total de liberdade à semiliberdade e à liberdade assistida. Muitos passam algum tempo prestando
serviços à comunidade, numa forma de demonstrar a si próprios e à
sociedade que são capazes de atos construtivos e reparadores” (ibidem).
4.
“Mapa mundi” da maioridade penal
Como são punidos os praticantes de crimes em outros países?
Quando o ser humano é considerado penalmente responsável?
8
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
A maioridade penal aos 18 anos predomina na maioria dos
países. Todavia, há Estados que reduziram essa idade, conforme observa
Júlio Fabbrini Mirabete:
Esse mesmo limite de idade (18 anos) para a imputabilidade
penal é consagrado na maioria dos países (Áustria,
Dinamarca, Finlândia, França, Colômbia, México, Peru,
Uruguai, Equador, Tailândia, Noruega, Holanda, Cuba,
Venezuela, etc). Entretanto, em alguns países podem ser
considerados imputáveis jovens de menor idade, como 17
anos (Grécia, Nova Zelândia, Federação Malásia); 16 anos
(Argentina, Birmânia, Filipinas, Espanha, Bélgica, Israel); 15
anos (Índia, Honduras, Egito, Síria, Paraguai, Iraque,
Guatemala, Líbano); 14 anos (Alemanha, Haiti); 10 anos
(Inglaterra)” (MIRABETE, 2003, p. 216 - negritos nossos)
Tem-se, ainda: 11 anos (Turquia e alguns Estados do México),
10 anos (Ucrânia e Nepal), 9 anos (Etiópia), 8 anos (Escócia, Quênia e
Indonésia), 7 anos (Paquistão, Bangladesh, África do Sul, Nigéria, Sudão,
Tanzânia).
Convém observar, porém, que, em diversos desses países, o
que na realidade se vê não é a maioridade penal abaixo de 18 anos, e sim
a responsabilização penal juvenil com aplicação do Direito Penal Juvenil a
jovens adultos, como ocorre na Alemanha, em que maioridade penal se dá
aos 18 anos (tal qual a maioridade civil), mas, desde os 14 anos, o jovem
fica sujeito ao mencionado Direito Penal Juvenil, situação que, naquele
Estado, pode se estender até os 21 anos. Esse é o modelo adotado
também na Áustria, Escócia, Espanha, Estônia, França, Grécia, Inglaterra,
Suíça e Turquia, dentre outros, conforme anota Carlos Vásquez Gonzáles,
em seu “Derecho Penal Juvenil Europeo” (2005, p. 420).
Na Suécia, qualquer pessoa pode responder por conduta
criminosa a partir dos 15 anos de idade. Todavia, muito raramente um
menor de 18 anos é preso e, quando a privação de liberdade faz-se
necessária, o cumprimento ocorre em instituições especiais destinadas a
adolescentes (SARAIVA, 2006, p. 224).
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A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
Nos Estados Unidos da América, a idade para a maioridade
penal varia de Estado para Estado. Na maioria deles, não há idade fixa, e o
juiz decide de acordo com o caso concreto se o jovem será julgado como
adulto. Mas, em alguns, como Califórnia, Arkansas e Wyoming, a idade de
imputabilidade penal está fixada em 21 anos.
Na Inglaterra, a partir dos 10 anos, o juiz decide a pena
considerando a gravidade do crime e o acusado pode ser julgado e
condenado como adulto, mas cumpre pena tão-somente em instituições
especiais.
A idade mínima para punição entre os franceses é 13 anos, mas
só entre 16 a 18 anos o infrator pode ser preso, o que se dá em
instituições especiais. Não há limite para as penas; todavia, são menores
do que as cominadas aos adultos.
Na Polônia, quando se trata de crimes de mais elevada
gravidade, como homicídio ou estupro, dos 16 aos 18 anos, o juiz decide se
o praticante do delito será julgado na condição de adulto ou como menor
não imputável.
Como se observa desses dados, em alguns países a legislação é
mais rígida em relação aos menores de 18 anos que cometem crimes. Nos
Estados Unidos, por exemplo, há mais de 200 mil adolescentes presos por
terem sido julgados e condenados como adultos.
Também, na Inglaterra a lei é mais dura em algumas situações;
porém, há movimentos populares pleiteando que seja suavizado o
tratamento legal aos menores praticantes de condutas criminosas.
E, para uma melhor análise do problema, em face das
propostas de diminuição da maioridade penal no Brasil, convém lembrar
que, na Espanha e na Alemanha, houve a redução dessa idade para 16;
mas, constatada a ineficácia da medida, alguns anos depois, em ambos os
10
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
países, a imputabilidade penal retornou aos 18 anos. Na Alemanha,
atualmente, a legislação é até mais branda, pois, se o autor do crime
contar entre 18 e 21 anos de idade, o juiz pode decidir pela aplicação do
Código Juvenil, mais brando, ou pelo julgamento consoante a legislação
aplicada aos adultos.
No Brasil, entre 12 e 18 anos o autor de delitos fica sujeito a
medidas sócio-educativas e pode, inclusive, sofrer restrição de sua
liberdade em instituições próprias para adolescentes (correspondente ao
regime fechado dos adultos) por tempo máximo de 3 anos. Em seguida, o
juiz pode determinar sua colocação numa instituição de semi-liberdade
(correspondente ao regime semi-aberto dos adultos) por mais 3 anos.
5.
Estatísticas a respeito de crimes praticados por menores
de 18 anos no Brasil
Conforme o registro de Cláudio Augusto Vieira da Silva
(CONANDA, 2001, p. 14), dos crimes praticados no Brasil, tão-somente
10% são cometidos por adolescentes infratores, e, do total de crimes que
cometem, 90% são contra o patrimônio.
Na interessante obra “Desconstruindo o mito da impunidade:
um ensaio de direito (penal) juvenil” (2002, p. 35), o magistrado gaúcho
João Batista Costa Saraiva observa, ainda, que os delitos graves, tais como
homicídios,
latrocínios
e
estupros,
constituem
19%
das
condutas
criminosas dos adolescentes infratores, ou seja, menos de 2% dos delitos,
considerando-se que só 10% de todos os crimes são cometidos por
adolescentes.
O mais comum ato infracional praticado por menores de 18
anos
relaciona-se
ao
patrimônio.
Homicídios,
latrocínios
e
estupros
ocorrem, porém, como visto no parágrafo anterior, em porcentual bem
pequeno dentro do quadro da criminalidade juvenil. Até por isso, ou seja,
por não serem práticas comuns, os meios de comunicação colocam como
11
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
manchetes os crimes com violência cometidos por adolescente (SARAIVA,
ibidem, p. 37).
Os dados do “Instituto Latino-Americano das Nações Unidas
para Prevenção e Tratamento de Delinqüente” – ILANUD, não diferem
muito dos acima vistos:
Estudos já feitos pelo Ilanud (Instituto Latino Americano das
Nações Unidas para prevenção do delito e tratamento do
delinqüente) mostraram que os crimes graves atribuídos a
adolescentes no Brasil não ultrapassam 10% do total de
infrações. A grande maioria (mais de 70%) dos atos
infracionais é contra o patrimônio, demonstrando que os
casos de adolescentes infratores considerados de alta
periculosidade e autores de homicídios são minoritários e o
ECA já prevê tratamento específico para eles (ALVES, 2007).
De fato, na pesquisa realizada pelo referido instituto entre
junho de 2000 e abril de 2001 com 2.100 adolescentes acusados da prática
de ato infracional na capital de São Paulo, apenas 1,4% eram acusados da
prática de homicídio. Os índices oficiais da Coordenadoria de Análise e
Planejamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo–CAP
revelam que, no período de janeiro a outubro de 2003, os menores de 18
anos foram autores de apenas 0,97% dos homicídios dolosos em todo o
Estado
de
São
Paulo.
(Fonte:
http://www.risolidaria.org.br/estatis/view_grafico.jsp?id=200406080001).
Esses dados estatísticos mostram que é equivocada a idéia da
redução da idade penal como estratégia para reduzir a criminalidade
violenta, pois são cometidos por menores infratores menos de 2% de
delitos que têm essa natureza e seriam atingidos por eventual alteração no
artigo 228 da Constituição Federal e artigo 27 do Código Penal. Uma
reflexão não apaixonada e mais racional das pesquisas atrás anotadas leva
à conclusão de que 98% dos crimes de mais elevada gravidade são
cometidos por pessoas que contam mais de 18 anos de idade e que
recebem o tratamento previsto no Código Penal e leis penais especiais.
12
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
6.
Motivos para as práticas infracionais.
Por que os menores inimputáveis praticam infrações?
A esse respeito foi realizada interessante pesquisa no Estado de
Santa Catarina, abordada por Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 48). São
vários os motivos, dentre os quais a influência de amigos, o uso de
substâncias entorpecentes, a evasão escolar e a pobreza:
Verifica-se que a influência de amigos, o uso de drogas e a
pobreza são as razões principais para a prática delituosa e se equilibram
em termos numéricos [...] As respostas demonstram a fragilidade do
adolescente à influência de terceiros e a íntima relação do ato infracional
com o uso de drogas. No Brasil, além das causas mencionadas, outra
grande causa da delinqüência juvenil é a falta de instrução e a evasão
escolar, uma vez que sem estar estudando, o adolescente acaba ocioso e
mais propenso a praticar atos infracionais.
Mário Volpi (1999, pp. 56-57) confirma o último dado ao
asseverar que a grande maioria dos adolescentes pesquisados - 96,6% não concluiu o ensino fundamental. A porcentagem de analfabetos é de
15,4% e, dos 4.245 adolescentes sujeitos dessa pesquisa, 2.498 - 61,2%,
portanto - não freqüentavam a escola por ocasião da prática do ato
infracional.
Assim, é possível sintetizar os motivos em: influência de
amigos, uso de entorpecentes, pobreza, falta de instrução educacional e
evasão escolar.
Esse é um dado de relevância para se discutir a questão da
criminalidade dos que contam com menos de 18 anos. Sabendo-se a
respeito dos motivos das práticas de infrações por menores, o melhor
caminho para redução dos índices dessa criminalidade é enfrentá-los e não,
simplesmente, reduzir a maioridade penal.
13
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
7.
Penas X medidas sócio-educativas aplicáveis aos menores
O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei federal n° 8.089,
de 13 de julho de 1990 - considera criança “a pessoa até doze anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de
idade” (artigo 2°, “caput”).
Esse estatuto prevê a aplicação de medidas de proteção,
destinadas a crianças e adolescentes que tenham direitos reconhecidos
ameaçados ou violados, bem como à criança infratora, ou seja, aquela que
com idade inferior a 12 anos e que comete conduta prevista como crime ou
contravenção penal. São elencadas no artigo 101.
As medidas sócio-educativas são aplicáveis aos adolescentes
infratores, vale dizer, aqueles que estão na faixa dos 12 aos 18 anos e que
cometem crimes ou contravenções penais. O artigo 112 as elenca.
Observa-se, pois, que por meio dessas medidas os adolescentes são
punidos penalmente, num sistema que bem pode ser tido como “Direito
Penal Juvenil”.
Neste sentido:
Não se pode ignorar que o Estatuto da Criança e do
Adolescente instituiu no país um sistema que pode ser
definido como de Direito Penal Juvenil. Estabelece um
mecanismo de sancionamento, de caráter pedagógico em sua
concepção e conteúdo, mas evidentemente retributivo em sua
forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal de
todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto
instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito
Penal Mínimo (SARAIVA, 2002, p. 45).
Na aplicação dessas medidas sócio-educativas, o juiz considera
as características da infração penal cometida pelo adolescente, as
circunstâncias familiares, bem como a disponibilidade de programas
específicos para ser ele atendido, visando à reeducação e à ressocialização.
Também, é considerado o denominado princípio da imediatidade, vale
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A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
dizer, a aplicação da medida logo após a prática do ato (VOLPI, 1999, p.
42).
Consoante o sistema adotado no ECA, as medidas sócioeducativas não devem ser aplicadas isoladamente, sem que se considerem
as circunstâncias sociais, culturais e econômicas em que está envolvido o
menor infrator. Ademais, é necessário que o Estado tenha políticas públicas
voltadas às crianças e adolescentes, pois limitar-se à aplicação das
medidas previstas contraria a finalidade de reeducação e ressocialização,
além do caráter retributivo que lhe são inerentes.
O artigo 112 do ECA prevê as seguintes medidas: advertência,
obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade,
liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade, internação em
estabelecimento educacional e qualquer uma das previstas no artigo 101, I
a VI.
Quanto à reparação do dano, medida altamente pedagógica,
nota-se que raramente é aplicada. Henriqueta Sharf Vieira, a esse respeito,
anota quanto à pesquisa realizada em Santa Catarina:
A medida sócio-educativa de obrigação de reparar o dano,
embora simples, de fácil aplicação e bastante pedagógica, não foi muito
usada nas Comarcas pesquisadas. [...] Tal fato reflete, talvez, um certo
esquecimento por parte de Promotores de Justiça e Juízes da Infância e
Juventude dos benefícios desta, ressalvada, é claro, a possibilidade do
adolescente em compensar o prejuízo causado (VIEIRA, 1999, p. 59).
A prestação de serviços à comunidade “consiste na realização
de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a 6
(seis) meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros
estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou
governamentais” (artigo 117 do ECA). É a medida mais aplicada nas Varas
15
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
da Infância e Juventude, pois possibilita aos adolescentes a reeducação
sem a necessidade da infrutífera privação de liberdade.
Outra medida prevista é a liberdade assistida que tem “o fim de
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente” (artigo 118 do ECA). Tem
como objetivo a (re) integração familiar e comunitária. É executada com o
apoio de assistentes sociais e técnicos especializados (VOLPI, 2002, p. 24).
Deve-se observar que a liberdade assistida não atinge suas finalidades sem
a
existência
de
programas
específicos
voltados
ao
necessário
acompanhamento, auxílio e orientação ao adolescente.
A semiliberdade “pode ser determinada desde o início ou como
forma de transição para uma medida própria do regime aberto (de
liberdade),
possibilitada
a
realização
de
atividades
externas,
independentemente de autorização judicial”, consoante dispõe o artigo 120
do ECA. Quando aplicada, o adolescente não sofre a total restrição à
liberdade de locomoção, pois trabalha e estuda durante o dia e recolhe-se
em entidade específica durante a noite. Pode ser a forma inicial de sanção
ao adolescente, aplicada pelo juiz depois de apurada a prática infracional,
ou pode ser concedida como benefício de alteração de regime, de
internação para a semiliberdade, como a progressão do regime fechado
para o semi-aberto prevista no artigo 33 do Código Penal aos praticantes
de crimes maiores de 18 anos.
O
problema
mais
sério
em
relação
a
essa
medida
de
semiliberdade é a omissão do poder público em construir unidades
especiais para abrigar os adolescentes no período noturno e para aplicar as
medidas pedagógicas durante o dia (VOLPI, 2002, p. 26).
A internação consiste na privação de liberdade do adolescente
infrator e fica “sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”, consoante
prevê o artigo 121 do ECA.
16
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
O tempo mínimo de internação é de 6 (seis) meses, e
o
máximo, de 3 (três) anos (artigo citado, §§ 2° e 3°), após o qual “o
adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou
de liberdade assistida”, conforme a dicção do § 4° do mesmo artigo.
Esse dado, relativo ao tempo de internação, é relevante para a
discussão da necessidade da redução da maioridade penal. Conforme
dispõe o artigo 112 da Lei das Execuções Penais (Lei n° 7.210/84), o
criminoso adulto cumpre a pena progressivamente e pode ser transferido
para o regime de menor rigidez depois de descontar 1/6 da reprimenda.
Um simples raciocínio leva ao seguinte resultado: para um criminoso adulto
cumprir 3 (três) anos no regime fechado, ao qual corresponde a medida de
internação, sua pena de reclusão não pode ser inferior a 18 (dezoito) anos.
Ora, muito raramente, o maior de 18 anos praticante de um
delito recebe pena nesse quantum. A título de exemplo, pode-se citar o
praticante de roubo com emprego de arma de fogo, pois, em regra, sua
pena é aplicada em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
Também, é de ser lembrada a pena aplicável ao maior que pratica estupro
com violência presumida, que pode ter como vítima mulher de até de 14
anos, delito que os Tribunais pátrios vêm entendendo como não hediondo.
A pena, em regra, é fixada em 6 (seis) anos de reclusão. Nesses dois
exemplos, em tese, é possível a determinação do regime inicial semiaberto para o cumprimento da privação de liberdade (regime que
corresponde à semiliberdade aplicável aos adolescentes infratores), e
mesmo que, na condenação, seja fixado o regime inicial fechado, depois de
cumprir menos de um ano da reclusão, no primeiro exemplo, e um ano, no
segundo, o sentenciado já preencherá o requisito objetivo/temporal para
ser progredido ao regime de semiliberdade.
Vale
dizer,
comparando-se
os
dois
sistemas
de
punição
constata-se que, concreta e efetivamente, o menor infrator é mais
severamente apenado do que o maior praticante da mesma espécie de
17
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
crime, que geralmente é condenado à pena inferior a 18 anos de reclusão
e, pois, poderá ficar detido no regime fechado menos de 3 (três) anos - 1/6
da pena conforme o artigo 112 da LEP, enquanto o menor poderá cumprir
até 3 (três) anos de medida de internação - a que corresponde o regime
fechado.
Ou seja, é falaciosa a argumentação fundada na alegada
impunidade do menor infrator que, na prática, fica em regime fechado
(internação) por tempo superior àquele a que se submete o maior que
comete a mesma espécie de crime.
E, quanto à idade máxima para o menor cumprir a medida de
internação, recentemente, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o
prazo máximo é de 3 (três) anos e que é possível sua transferência para o
regime de semiliberdade, que pode perdurar até a liberação compulsória
aos 21 anos.
Para conferir:
Medida Sócio-Educativa de Liberdade e Maioridade. A Turma
denegou habeas corpus em que se pretendia a extinção de
medida sócio-educativa de semiliberdade imposta ao
paciente, sob a alegação de que, abstraída a internação, cuja
duração tem como limite os 21 anos de idade, a medida
sócio-educativa de liberdade não poderia ir além da
maioridade penal — 18 anos, sob pena de afronta ao princípio
da reserva legal estrita. Entendeu-se que, em razão de o
Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA não cominar
abstratamente limite máximo de duração da medida sócioeducativa de semiliberdade (art. 120, § 2º) — com exceção
do disposto no art. 121, § 3º e no art. 122, § 1º, quanto ao
prazo máximo de internação —, independentemente de o
adolescente atingir a maioridade civil, a medida de
semiliberdade, assim como se dá no caso da internação, tem
como limite temporal a data em que o adolescente completa
21 anos (art. 121, § 5º). Asseverou-se, no ponto, que, no
caso de imposição de medida de internação, atingido o
período máximo de 3 anos (art. 121, § 3º), o adolescente
poderá ser transferido para o regime de semiliberdade, que
pode perdurar até a liberação compulsória aos 21 anos.
Considerou-se que a projeção da medida sócio-educativa de
semiliberdade para além dos 18 anos decorre da remissão às
18
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
disposições legais atinentes à internação. Ressaltou-se,
ademais, não existir no ECA norma expressa no sentido da
extinção da medida sócio-educativa de semiliberdade quando
adolescente completa 18 anos. Salientou-se, por fim, que a
aplicação dessa medida para além dos 18 anos decorre de
texto normativo expresso, tendo em conta, principalmente, o
fato de o legislador, no que se refere às medidas sócioeducativas (ECA, artigos 112 a 121), ter disciplinado de forma
idêntica apenas as restritivas de liberdade (semiliberdade e
internação). (STF, Segunda Turma, HC 90.248/RJ, relator o
eminente Ministro Eros Grau, j. em 13.3.2007 - Informativo
459 do STF - março de 2007).
Medida Sócio-Educativa e Advento da Maioridade. A Turma,
por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a
extinção da medida sócio-educativa de semiliberdade aplicada
ao paciente que, durante seu cumprimento, atingira a
maioridade penal. No caso, o paciente fora condenado ao
cumprimento de internação por ofensa aos artigos 12 e 14 da
Lei 6.368/76 e ao art. 16 da Lei 10.826/2003 e progredira
para a semiliberdade, regime no qual completara 18 anos.
Alegava-se, na espécie, que o paciente não estaria mais
sujeito às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, por ter atingido a maioridade penal. Sustentava-se, com
base no art. 121, § 5º, do ECA (“§ 5º - A liberação será
compulsória aos 21 (vinte e um) anos de idade.”), que não
poderia ser imposta medida sócio-educativa aos maiores de
18 anos, salvo na hipótese de prosseguimento da internação.
Inicialmente, ressaltou-se que a incidência do ECA dependerá
da idade do agente no momento do fato e que o princípio da
legalidade estrita não se aplica às medidas sócio-educativas,
por não serem, tecnicamente, penas. Aduziu-se, também,
que a medida de semiliberdade não comporta prazo
determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições
relativas à internação, e que não poderá ter duração superior
a 3 anos, implicando liberação compulsória quando o sócioeducando atingir a idade de 21 anos. Nesse sentido,
asseverou-se que o ECA possui objetivos, estrutura e
sistemática distintos do Código Penal e visa preservar a
dignidade do menor infrator, protegendo-o dos rigores das
sanções de natureza penal, e promover a sua reinserção no
convívio social. Assim, em observância ao que prevê o art.
121 do ECA, bem como aos princípios da brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, que regem o instituto da internação,
entendeu-se correta a manutenção do paciente no regime de
semiliberdade, ainda que já tenha completado 18 anos.
Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia o writ por vislumbrar
no art. 121, § 5º do ECA dispositivo consentâneo com Código
Civil vigente à época em que editado o ECA, vindo a
referência aos 21 anos de idade ser revogada com o advento
19
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
do novo Código Civil, que reduziu a maioridade civil. (STF.,
Primeira Turma, HC 90.129/RJ, relator o eminente Ministro
Ricardo Lewandowski, j. em 10.4.2007. STF - informativo 462
- abril de 2007).
No mesmo sentido, também do STF: HC 91.276 e HC 91.490,
ambos julgados em 05 de junho de 2007 pela Segunda Turma.
Como se vê, é falsa a idéia de que o menor infrator fica na
impunidade.
Também, não pode ser aceito o argumento de que a redução da
maioridade penal é necessária, uma vez que se têm tornado comum os
criminosos maiores se servirem de menores para as práticas delitivas.
Ora, é entendimento quase unânime entre os penalistas, os
filósofos, os psicólogos e os sociólogos que a pena privativa de liberdade
está falida, não (res) socializa e nem exerce função pedagógica. Essa
constatação
não
ocorre
apenas
no
Brasil.
Como
bem
lembrou
o
desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Dr. Amilton
Bueno de Carvalho, em palestra ministrada no Congresso Nacional “Arautos
do Direito” (Marília - agosto de 2007), na Suécia, os presídios têm boa
estrutura e o grau de reincidência é de 70%; na Inglaterra é de 69%, e, no
presídio Bangu I - Rio de Janeiro, o índice é de 70%. “Os que pretendem
cometer um crime, não vão deixar de fazê-lo com medo da pena”
(CARVALHO, 2007).
Esse quadro leva à constatação de que os defensores da
redução da menoridade penal tencionam estender aos menores utilizados
por maior em práticas criminosas o mesmo sistema que não o atinge (ao
maior mandante).
Outro dado de interesse refere-se ao tempo de prestação
jurisdicional, ou seja, à resposta da justiça à coletividade em face do crime
cometido. Não raras vezes, enquanto o co-autor adolescente foi privado de
20
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
sua liberdade, julgado e sentenciado, já em cumprimento da medida
imposta pelo Juízo da Infância e da Juventude, em relação ao maior
praticante do mesmo crime o processo sequer foi concluído e, por excesso
de prazo, não é incomum esse maior estar em liberdade.
A título de exemplo, pode-se o invocar gravíssimo crime do
qual resultou a morte de João Hélio Fernandes Vieites, no Rio de Janeiro: o
menor E. foi julgado e condenado em 22 de março de 2007 (cerca de um
mês e meio após os fatos) pela Justiça da Infância e Juventude. E, só
recentemente, os maiores co-autores foram julgados pela Vara da Justiça
Criminal.
Como se verifica na prática, a resposta da Justiça à coletividade
nos casos de crimes cometidos por menores tem sido muito mais rápida e
eficaz. Se a certeza da pena é tida como um dos fatores de prevenção,
pode-se dizer que essa certeza está mais presente em relação aos menores
do que aos maiores de 18 anos.
8.
A “Justiça Instantânea” em Porto Alegre
Quando se reflete a respeito da eficácia e eficiência nas ações
do poder público em relação às infrações cometidas por menores, não se
pode deixar de lembrar o projeto desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, denominado “Justiça Instantânea”, criado pela
resolução nº 171/96-CM. Trata-se de um centro de atendimento que iniciou
suas atividades em 08 de maio de 1996, no qual a Polícia, o Ministério
Público, a Defensoria e o Judiciário atuam de forma integrada, no mesmo
imóvel, possibilitando a decisão quase que imediata nos casos de flagrância
levados pela polícia civil ou militar. Em relação às apurações que se iniciam
por notitia criminis, ainda que sem a mesma celeridade, observa-se bom
nível de eficácia.
Esse modelo está em conformidade com a dicção do artigo 88,
inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescentes: uma das diretrizes da
21
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
política de atendimento ao adolescente infrator é “a integração operacional
de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e
Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de
agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria
de um ato infracional” (grifos nossos).
O Juiz da Infância e da Juventude do Rio Grande do Sul, José
Antônio Daltoé Cezar (2007), noticia que, no caso de flagrante delito, o
adolescente é encaminhado à Delegacia que, constatando a prática do
crime, imediatamente comunica os pais ou os responsáveis pelo infrator e
os chama para lá comparecerem. Assim, acompanharão todos os atos do
procedimento até o seu final. Em seguida, o menor é encaminhado ao
Ministério Público que, após ouvi-lo, encaminha-o à Justiça Instantânea. O
representante do Parquet propõe a remissão - com ou sem aplicação de
medida sócio-educativa - ou oferece a representação, que pode incluir o
pleito de internação provisória. A audiência se realiza desde logo, na
presença do defensor. O menor é ouvido e, se o Órgão do Ministério Público
fez a proposta de remissão, ela pode ser homologada se aceita, com a
imediata aplicação da medida sócio-educativa indicada. Se houve a
representação da Promotoria de Justiça com o pleito de internação
provisória, este é julgado e, em seguida, o processo é distribuído a uma
das Varas da Infância e da Juventude de Porto Alegre. Ao Magistrado
também é possível, desde logo, conceder a remissão e aplicar a medida
cabível, declarando extinto o processo de conhecimento, nos termos da
previsão contida no artigo 186, § 1°, do ECA.
Ainda no mesmo artigo “Projeto Justiça Instantânea”, conforme
anota o Juiz articulista, nos casos de flagrante, em regra, toda a
investigação precedente ao processo, a instrução e a aplicação de medida
sócio-educativa se fazem de forma imediata - excepcionada a situação em
que há internação provisória ou expectativa de privação de liberdade, em
que o contraditório se efetiva de outra forma -, “quase que 100% dos
22
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
casos são resolvidos no mesmo dia ou, não sendo isso possível, em um
prazo não superior a 48 horas”. E, na grande maioria dos atos infracionais
os procedimentos são iniciados e terminam na Justiça Instantânea,
noticiando-se que “no ano de 2003 foram 78,80%” (negritamos).
Conforme assegura o Juiz da Infância e Juventude no Rio
Grande do Sul, João Batista Costa Saraiva (2007), no artigo “A idade e as
razões: não ao rebaixamento da imputabilidade penal”, o resultado desse
modelo, em Porto Alegre, é a redução da reincidência e também a
mudança no perfil dos menores infratores, constatando-se que muitos
adolescentes da classe média são levados a juízo, o que raramente se
verificava antes da implantação da “Justiça Instantânea”. Esse dado
enfatiza outro aspecto muito positivo para qualquer área da justiça: com
esse modelo em comento, não se pode dizer que a justiça só existe para os
pobres.
9.
O projeto “virada social” em São Paulo
Implantado em março de 2007, o projeto “Virada Social”
consiste em ações integradas de cidadania, no Jardim Elisa Maria, região da
Brasilândia, zona norte da capital paulista, local de elevados índices de
criminalidade.
Por meio desse projeto várias ações são realizadas, em
diferentes áreas, como a educação, o lazer, a cultura, a cidadania, o
trabalho, a saúde, os esportes e a segurança. Houve reformas nas
escadarias das vielas e foram efetivados investimentos em iluminação
pública.
Há, ainda, a previsão de construção de uma Escola Municipal de
Ensino Fundamental, de uma praça, além da canalização de córrego e da
revitalização de ruas.
23
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
Consoante noticiou o jornal “O Estado de São Paulo”, edição de
6 de setembro de 2007, uma das principais metas do Governo do Estado e
da Prefeitura Municipal é reduzir os índices de criminalidade na região.
Outro ponto fundamental relacionado ao projeto refere-se ao
conjunto de ações voltadas ao treinamento e à capacitação dos jovens. Os
diferentes cursos promovidos por esse projeto, como culinária, garçom e
garçonete, administração, confeitaria, administração e eletricista, além de
outros, despertaram o interesse de aproximadamente 550 jovens, que
estão em treinamento, e do total de participantes, apenas 5 (cinco) não
estudam, de acordo com as informações colhidas pela articulista.
E mais, consoante a mesma publicação já mencionada, o
Secretario de Segurança Pública de São Paulo asseverou que, o Jardim
Elisa Maria e entorno, possuem um perfil preocupante com relação ao
Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) e por essa razão, o local foi
escolhido para ser pioneiro nesse tipo de projeto. Como resultado, “a
secretaria informa que de março até o final de julho, quando foram
iniciadas as ações voltadas para a população e a integração com o
policiamento ostensivo, houve no local redução de 80% no número de
homicídios dolosos e 18% nos roubos, em comparação com o mesmo
período do ano passado. ‘Garantir segurança pública também é uma ação
social. Depois que a polícia deixa o local, é preciso que o estado continue a
mostrar presença, para que o crime organizado não preencha esse espaço
com assistencialismo’, destacou o secretário Ronaldo Marzagão” (LOPES,
2007 - grifos não constantes do original).
Constata-se, nesse projeto, o enfrentamento de várias das
causas de criminalidade juvenil já analisadas neste trabalho, tais como a
pobreza, a falta de instrução educacional e a evasão escolar, com efetiva e
significativa redução nas práticas de infrações penais com violência ou
grave ameaça à pessoa.
24
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
O projeto em comento é mais uma demonstração de que o
melhor caminho para ser trabalhada a questão da delinqüência em geral e
a juvenil, não é a redução da maioridade penal, mas sim a implementação
de políticas públicas que atinjam as razões que levam ao cometimento de
crimes.
10.
A falência do sistema penitenciário como argumento
Como já observado anteriormente neste trabalho, agentes do
direito, sociólogos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras e filósofos,
quase que a uma só voz, sustentam que a pena privativa de liberdade está
falida, pois não recupera, nem (res) socializa e também não se presta à
prevenção. De fato, quem comete um crime não reflete, naquele momento,
a respeito da pena prevista no Código Penal ou na Lei Penal Especial.
Sobre a situação penitenciária brasileira, merece transcrição o
posicionamento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Celso de
Mello Filho:
A organização penitenciária brasileira é um instrumento de
degradante ofensa às pessoas sentenciadas. O condenado é
exposto a penas que não estão no Código Penal, geradas pela
promiscuidade e pela violência. O sistema penitenciário
subverte as funções da pena. Assim, deixa de cumprir sua
meta básica, que é a de ressocialização (MELLO FILHO,
1997).
Não obstante as propostas para a redução da maioridade penal
contarem com forte apoio popular, há outra séria preocupação se qualquer
delas for acolhida: se os presídios são tidos como faculdades do crime,
colocar neles os adolescentes infratores, em companhia de adultos,
redundaria
na
rápida
integração
desses
menores
nos
grupos
de
organizações criminosas. E convém lembrar que os dois grupos que
atualmente mais amedrontam o Rio de Janeiro e São Paulo (“Comando
Vermelho” e “PCC”) nasceram justamente dentro dos nossos presídios.
Hoje, muito mais do que “universidades do crime” os presídios do nosso
25
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
sistema
penitenciário
são
verdadeiras
“pós-graduações
no
crime”,
indicativo muito sério e que demonstra não ser recomendável a redução da
maioridade penal.
A isso se acrescente o significativo déficit de vagas no sistema
penitenciário pátrio. É de todos conhecida a realidade que mostra a
existência de milhares de mandados de prisão para serem executados, sem
muito esforço nesse cumprimento, inclusive por falta de vagas nos
presídios. Diante desse quadro, sem que o Estado tenha condições de
efetivar prisões de maiores delinqüentes, com que autoridade poderia
reduzir a maioridade penal, sabendo-se que essa medida não concorreria
para a redução da criminalidade violenta?
É insensato sustentar a falência do nosso sistema prisional e
nele querer inserir os menores de 18 anos. Se isso ocorresse, dentro de
alguns anos, qual seria a situação brasileira em relação à criminalidade?
Que resultados a sociedade colheria do envolvimento e convivência dos
menores de 18 anos com integrantes dos grupos organizados que se
formam dentro dos estabelecimentos penitenciários?
A propósito, para resgatar um importante pedaço da história do
direito no Brasil, não é demais registrar que em sua obra “Direito Penal da
Emoção” (1992), Maria Auxiliadora Minahin lembra que é necessário
defender a conquista da inimputabilidade dos menores de 18 anos e, ao
fazê-lo, cita Bento Faria que, ao comentar o artigo 30 do Código Penal de
1890, que fixava a inimputabilidade dos jovens até 14 anos, relata várias
decisões dos tribunais determinando a soltura de menores recolhidos em
prisões de adultos por falta de instituições adequadas. Essa observação
leva à indagação: depois de aproximadamente 117 anos, tempo em que
houve inquestionáveis conquistas humanitárias no Brasil, é razoável o
retrocesso que significaria a redução da maioridade penal?
Conclusão
26
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
Nas pesquisas realizadas, a maioria da população brasileira tem
se manifestado a favor da redução da maioridade penal, talvez sem mais
aprofundada reflexão e muito em decorrência dos clamores veiculados nos
meios de comunicação. O povo é induzido na crença de que essa medida
poderia devolver a paz social por todos desejada, além de imaginar que ela
seria a mágica solução para o gravíssimo problema da segurança pública,
no Brasil. Essas premissas constituem grave equívoco, como esperamos ter
contribuído para entendê-lo.
A questão, nos debates, sempre fica centrada na redução da
maioridade penal e no aumento do prazo de internação dos menores
infratores. Todavia, há um outro ponto importante a ser debatido: é o da
recuperação de menores infratores, esta sim, uma medida que concorrerá
para a redução da criminalidade e da violência, além da coragem para
admitir que a miséria e a falta de educação são das maiores razões das
práticas de infrações penais pelos adolescentes.
Destarte, em vez de redução da maioridade penal impõe-se a
adoção de uma séria política de segurança pública, que se mostre ágil,
integrada e suficientemente ampla, na qual devem ser incorporados todos
os aparelhos do Estado e de suas instituições, sendo indispensável o
envolvimento dos vários setores da sociedade: empresários, organizações
não governamentais, igrejas, associações e outros órgãos que a integram.
A idéia da redução da maioridade penal é “saída” muito fácil
aos legisladores e para os administradores públicos. A sociedade cobra, e o
legislativo atua, popularescamente, aprovando a medida “desejada”.
Assim, as vozes que clamavam voltam ao silêncio, como se o grave
problema da criminalidade violenta estivesse resolvido.
Se
adotada,
inquestionavelmente,
o
problema
continuará
presente, em face de suas causas que não são combatidas com seriedade.
Em conseqüência, num futuro breve poderá surgir outra proposta de
27
A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência?
redução da idade para a imputabilidade penal, quem sabe a 12 (doze)
anos, e mais adiante para 10 (dez). Quem sabe não chegará o dia em que
alguns justifiquem a punição de nascituros, especialmente se pobres suas
genitoras.
Nos momentos de crises decorrentes de acontecimentos que
marcam mais profundamente a coletividade, exige-se o exercício de maior
ponderação, até porque, como já se sabe entre nós, medidas paliativas não
são eficazes, e isso se confirma com a denominada Lei dos Crimes
Hediondos, que não reduziu suas práticas.
Não podemos concordar com “soluções mágicas” que não
concorrem para o enfrentamento de problemas, como o da criminalidade
violenta. A proposta de redução da maioridade penal se enquadra nesse rol
de medidas que de nada valem para a sociedade.
Mais razoável é exigir que o Poder Público cumpra com as
obrigações impostas no Estatuto da Criança e do Adolescente, consoante as
políticas públicas e os princípios previstos na Constituição Federal, o que
propiciará a recuperação de menores infratores. E, para crimes de
extremada violência, como os dois lembrados no início deste trabalho,
quem sabe uma solução mais adequada seja alterar a lei ordinária (ECA),
para
possibilitar
o
aumento
do
tempo
máximo
de
internação
independentemente de atingida a maioridade penal.
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