A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL É MEDIDA RECOMENDÁVEL PARA A DIMINUIÇÃO DA VIOLÊNCIA ? ROBERTO DA FREIRIA ESTEVÃO* Procurador de Justiça no Ministério Público do Estado de São Paulo Introdução A discussão sobre a redução da menoridade penal no Brasil sempre volta à pauta após crimes que movimentam a opinião pública, nos quais menores de 18 anos se envolvem. Em datas mais recentes, têm-se dois fatos marcantes: o primeiro, em novembro de 2003, refere-se às condutas cometidas em Embu-Guaçu/SP por R. A. A. C., conhecido como “Champinha”, que, aos dezesseis anos de idade, juntamente com outros comparsas, matou a tiros e facadas os estudantes Liana Friedenbach e Felipe Caffé, depois de estuprar e permitir que outros estuprassem a jovem; o segundo, ocorrido no início de fevereiro de 2007, trata-se da brutal morte de João Hélio Fernandes Vieites, um menino de 6 anos que foi arrastado por 7 (sete) km, aproximadamente, pelo veículo que, após o violento roubo, era conduzido pelos seus praticantes, fatos pelos quais foram acusados alguns maiores, como Carlos Eduardo Toledo Lima, de 23 anos, e Diego Nascimento da Silva, de 18 anos, bem como o menor E., de 16 anos. No direito pátrio, como todos sabem, os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis e ficam sujeitos às normas da legislação especial, conforme a dicção do artigo 228 da Constituição Federal. Com a mesma disposição, tem-se o artigo 27 do Código Penal. Alguns propõem a redução dessa idade para 16 anos, e outros, até para 14 anos. Há, inclusive, projetos de lei tramitando pelo Congresso Nacional que consubstanciam tais propostas. Será esse um caminho 7 * Mestre em Direito pelo Univem/Fundação - Marília, Especialista em Processo Penal pela PUC-SP, integrante do grupo de pesquisa “Direito e Cotidiano” - Programa de Mestrado do Univem/Marília, Professor de Direito Processual Penal, Direito Penal e de História do Direito. A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? indicado para o arrefecimento da violência no Brasil, ou a proposta diminuição da idade para a inimputabilidade penal não passa de mais uma falácia? O professor da disciplina “Direito da Criança e do Adolescente” na Escola Superior da Magistratura/RS, João Batista Costa Saraiva, Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude naquele Estado da federação, lembra que, em regra, no debate sobre o tema, existem duas posições antagônicas: a dos seguidores da doutrina do direito penal máximo e a dos adeptos do abolicionismo penal. A primeira defende a necessidade de aplicação de mais elevadas penas privativas de liberdades e maior rigor nas condenações por práticas delitivas; a segunda sustenta que o direito penal está falido e que o problema da insegurança decorre mais de fatores sociais, em face do que defende que a tutela de bens e direitos não deve ser efetivada no campo penal, mas sim por outro ramo do direito (2003, p. 70). Os argumentos mais lembrados pelos defensores da redução da maioridade penal são os seguintes: a) cada vez mais adultos se servem de adolescentes nas ações criminosas, o que impossibilita a efetiva e eficaz ação da polícia e da justiça; b) quanto à capacidade para a responsabilidade penal, o jovem pode votar aos 16 anos e hoje tem acesso a muitas informações, o que propicia o seu precoce amadurecimento e, pois, condições para responder penalmente por suas condutas; c) é muito elevado o número de adolescentes que cometem crimes graves, o que indica a necessidade de mudança no tratamento legal a eles dispensado, que deve ser o previsto no Código Penal. 2 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? Já outras vozes se colocam contra as propostas de redução e argumentam que: a) entre nós, a Constituição Federal impede a redução da maioridade penal em face do disposto no artigo 228 c. c. o artigo 60, § 4°, IV (cláusula pétrea); b) a redução da maioridade para 16 anos não reduzirá a criminalidade violenta; c) é dever do Estado e da sociedade proteger as crianças e os adolescentes, e não puni-los com maior severidade; d) já não há vagas suficientes no sistema penitenciário. Com eventual redução da maioridade penal esse quadro ficará ainda mais caótico; e) prender adolescente é colocá-lo na “universidade do crime”. A questão que se põe é: a simples redução da idade para a imputabilidade penal, atualmente fixada em 18 anos, é a melhor solução no combate à criminalidade e à violência, em especial nos grandes centros urbanos? 1. O menor infrator na história do Brasil As primeiras medidas educativas ou de política pública para a infância brasileira foram a criação de algumas casas para abrigar crianças e adolescentes. Assim tivemos: as “Casas de Roda” (Bahia - 1726), a “Casa dos Enjeitados” (Rio de Janeiro - 1738), e a “Casa dos Expostos” (Recife 1789). Conforme RIZZINI (2000), nas “Casas de Roda”, havia uma espécie de roda giratória com parte dela no lado externo do imóvel e parte no lado interno. A criança era deixada na parte que ficava do lado externo, 3 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? sem que se pudesse identificar quem a abandonava, e, então, a roda era girada, trazendo-a para o lado interno onde era recolhida pelos que trabalhavam na Casa. Nessa “roda”, não eram deixadas apenas crianças pobres, mas também aquelas oriundas de famílias ricas que precisavam esconder os nascidos fora do casamento. A respeito da idade, sabe-se que, durante a vigência das Ordenações Filipinas, até 1830, a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos. Ao menor não se aplicava a pena de morte - que à época existia -, e sua reprimenda era reduzida (SARAIVA, 2003, p. 23). Em seguida, nosso primeiro Código Penal, de 1830, adotou dois critérios: fixou a idade de 14 anos para a plena imputabilidade penal (art. 10, § 1°) e adotou um sistema biopsicológico para a punição dos menores de 14 anos (art. 13). O Código Penal Republicano de 1890 previa, em seu artigo 27, § 1º, que irresponsável penalmente seria o menor com idade até 9 anos. O maior de 9 anos e menor de 14 anos só não responderia penalmente se tivesse atuado sem discernimento (art. 27, § 2° e art. 30). A partir de 14 anos, dava-se a maioridade penal. E, hodiernamente, como já observado neste trabalho, a maioridade penal é atingida aos 18 anos de idade, nos termos do disposto no artigo 228 da Constituição Federal e no artigo 27 do Código Penal. Quando se discute o tema em análise, um dos problemas que se verifica é a confusão que se faz entre inimputabilidade e impunidade. 2. Inimputabilidade, sim; impunidade, não. Muitos confundem inimputabilidade penal com impunidade por crimes cometidos. Por isso, é bom lembrar que a inimputabilidade, excludente da responsabilidade penal, jamais significa impunidade nem irresponsabilidade pessoal ou social. 4 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? Em boa parte, o clamor social em relação ao menor de 18 anos que comete crimes surge da equivocada noção de que ele não responde por seus atos. Até por isso, aparecem soluções totalmente desvirtuadas da idéia de direito e de justiça, como os grupos de extermínio que matam menores em nome de uma alegada defesa da sociedade sob a bandeira de que “bandido bom é bandido morto”. Infelizmente, se esquecem das tristes experiências vivenciadas entre nós durante as décadas ditatoriais. O fato de o adolescente não responder por seus atos delituosos de acordo com o Código Penal perante a Justiça Criminal não o torna impunível nem o faz irresponsável. Antes, conforme o sistema adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, os menores entre 12 e 18 são sujeitos de direitos e de responsabilidades e, por isso, quando cometem infrações, medidas sócio-educativas podem ser impostas, inclusive a privação de liberdade - com o nome de “internação”, sem atividades externas. Ou seja, ao contrário da máxima sempre ouvida de que “para menor não dá nada”, o ECA prevê medidas e, até mesmo, reconhece a possibilidade de privação provisória de liberdade do infrator não sentenciado (art. 108), para o que se exige o preenchimento de menos requisitos do que os previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, aplicáveis aos delinqüentes maiores de 18 anos, para o maior ser preso provisoriamente ou assim mantido durante o trâmite da ação penal. E não se pode deixar de registrar o outro lado da questão: conforme uma pesquisa feita pelo “Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinqüente”-ILANUD, aproximadamente 10% do total de crimes são cometidos por pessoas que contam com menos de 18 anos de idade; todavia, vítimas de homicídios são mais de 40% das menores (fonte: http://releitura.wordpress.com/tag/opiniao). 5 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? 3. Critérios para a fixação da imputabilidade penal O Código Penal de 1984 - parte geral ainda em vigor - adotou o critério biológico e considerou os menores de 18 anos penalmente inimputáveis. Conforme o sistema penal pátrio, são considerados inimputáveis aqueles que, ao mesmo tempo da ação ou da omissão: a) mostram-se inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do fato (capacidade de entendimento); b) ou de se determinar de acordo com esse entendimento (capacidade de querer). Esses parâmetros levaram à determinação da idade de 18 anos. O professor Julio Fabbrini Mirabete observa a respeito da imputabilidade: De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livrearbítrio), o homem é um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou. Essa atribuição é chamada de imputação, de onde provém o termo imputabilidade, elemento (ou pressuposto) da culpabilidade. Inimputabilidade é, assim, a aptidão pra ser culpável. [...] Há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento. Só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuricidade do fato e também a de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento e de determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade (MIRABETE, 2003, p. 217 - negritos nossos). Em face dessas idéias que estão em consonância com o Código Penal brasileiro, indaga-se: quais as condições que permitem verificar se um indivíduo tem essa “aptidão para ser culpável”? Que critério é mais adequado para aferir essa aptidão? Como saber se alguém possui a capacidade de discernimento entre o certo e o errado? É possível medir sua capacidade para comportar-se conforme o seu entendimento entre o certo e o errado? 6 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? 3.1 O problema do discernimento É muito comum ouvir-se aqui e ali que, na atualidade, os menores têm mais discernimento, pois recebem uma enorme quantidade de informações e, assim, chegam mais cedo à maturidade. A premissa é verdadeira, mas a conclusão não o é. Todos, hoje, têm muito maior acesso a informações do que ocorria no passado. Porém, nem todas as informações concorrem para a boa formação e amadurecimento; pelo contrário, muitas delas são mais próprias para a deformação. A premissa que colocam é desnecessária. É pensamento comum que qualquer infante sabe distinguir entre o certo e o errado e, normalmente, tem a capacidade de entender o caráter criminoso de algumas condutas. A criança de pouca idade sabe que é errado matar, ferir ou subtrair algum bem de outrem. Se for esse o critério a ser adotado para a determinação da idade da maioridade penal tem-se que muito sério ficaria o quadro, pois não é demais lembrar que, no antigo Catecismo Romano, a idade da razão era atingida aos 7 (sete) anos, e a partir desse marco a criança poderia inclusive cometer um pecado tido como “mortal” (Catecismo da Igreja Católica, 2000, n° 1.307, p. 361). Ou seja, se bastasse o discernimento, poder-se-ia sustentar que à criança com sete anos de idade seria possível imputar a prática de um crime, processá-la e julgá-la consoante as disposições do Código Penal e Código de Processo Penal. Ocorre que, conforme já se anotou neste trabalho, só é possível falar-se na imputabilidade quando a pessoa tem capacidade de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento. Logo, a conduta só poderá ser tida como reprovável se o seu autor possuir “certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuricidade do fato e também a de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento e de 7 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade”, nas palavras do professor Julio Fabbrini Mirabete (2003, p. 217). Considerando-se esse parâmetro extraído do Código Penal impõe-se a indagação: será que é possível afirmar com a necessária segurança que o adolescente tem maturidade suficiente para não somente entender o caráter ilícito de sua conduta, mas em especial para determinar-se de acordo com esse entendimento? Sustentamos que não e, assim, não se pode equipará-lo ao criminoso adulto, que já possui as capacidades de entendimento e de determinação. Muito mais adequado é que o adolescente infrator seja trabalhado com eficiência para beneficiá-lo com os processos pedagógicos indicados no ECA e, assim, modificar-se em suas condutas. Como bem assevera Saraiva (2007), a experiência dos Juizados da Infância e da Juventude no Rio Grande do Sul comprova que, quando são observadas com seriedade as medidas previstas no ECA e aplicadas com responsabilidade, “diversos adolescentes, internados por infrações gravíssimas, como homicídio e latrocínio, têm logrado efetiva recuperação, após um período de internação”. Nota-se ainda, que, obedecida a progressividade no cumprimento das medidas sócio-educativas, os menores infratores “têm passado da privação total de liberdade à semiliberdade e à liberdade assistida. Muitos passam algum tempo prestando serviços à comunidade, numa forma de demonstrar a si próprios e à sociedade que são capazes de atos construtivos e reparadores” (ibidem). 4. “Mapa mundi” da maioridade penal Como são punidos os praticantes de crimes em outros países? Quando o ser humano é considerado penalmente responsável? 8 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? A maioridade penal aos 18 anos predomina na maioria dos países. Todavia, há Estados que reduziram essa idade, conforme observa Júlio Fabbrini Mirabete: Esse mesmo limite de idade (18 anos) para a imputabilidade penal é consagrado na maioria dos países (Áustria, Dinamarca, Finlândia, França, Colômbia, México, Peru, Uruguai, Equador, Tailândia, Noruega, Holanda, Cuba, Venezuela, etc). Entretanto, em alguns países podem ser considerados imputáveis jovens de menor idade, como 17 anos (Grécia, Nova Zelândia, Federação Malásia); 16 anos (Argentina, Birmânia, Filipinas, Espanha, Bélgica, Israel); 15 anos (Índia, Honduras, Egito, Síria, Paraguai, Iraque, Guatemala, Líbano); 14 anos (Alemanha, Haiti); 10 anos (Inglaterra)” (MIRABETE, 2003, p. 216 - negritos nossos) Tem-se, ainda: 11 anos (Turquia e alguns Estados do México), 10 anos (Ucrânia e Nepal), 9 anos (Etiópia), 8 anos (Escócia, Quênia e Indonésia), 7 anos (Paquistão, Bangladesh, África do Sul, Nigéria, Sudão, Tanzânia). Convém observar, porém, que, em diversos desses países, o que na realidade se vê não é a maioridade penal abaixo de 18 anos, e sim a responsabilização penal juvenil com aplicação do Direito Penal Juvenil a jovens adultos, como ocorre na Alemanha, em que maioridade penal se dá aos 18 anos (tal qual a maioridade civil), mas, desde os 14 anos, o jovem fica sujeito ao mencionado Direito Penal Juvenil, situação que, naquele Estado, pode se estender até os 21 anos. Esse é o modelo adotado também na Áustria, Escócia, Espanha, Estônia, França, Grécia, Inglaterra, Suíça e Turquia, dentre outros, conforme anota Carlos Vásquez Gonzáles, em seu “Derecho Penal Juvenil Europeo” (2005, p. 420). Na Suécia, qualquer pessoa pode responder por conduta criminosa a partir dos 15 anos de idade. Todavia, muito raramente um menor de 18 anos é preso e, quando a privação de liberdade faz-se necessária, o cumprimento ocorre em instituições especiais destinadas a adolescentes (SARAIVA, 2006, p. 224). 9 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? Nos Estados Unidos da América, a idade para a maioridade penal varia de Estado para Estado. Na maioria deles, não há idade fixa, e o juiz decide de acordo com o caso concreto se o jovem será julgado como adulto. Mas, em alguns, como Califórnia, Arkansas e Wyoming, a idade de imputabilidade penal está fixada em 21 anos. Na Inglaterra, a partir dos 10 anos, o juiz decide a pena considerando a gravidade do crime e o acusado pode ser julgado e condenado como adulto, mas cumpre pena tão-somente em instituições especiais. A idade mínima para punição entre os franceses é 13 anos, mas só entre 16 a 18 anos o infrator pode ser preso, o que se dá em instituições especiais. Não há limite para as penas; todavia, são menores do que as cominadas aos adultos. Na Polônia, quando se trata de crimes de mais elevada gravidade, como homicídio ou estupro, dos 16 aos 18 anos, o juiz decide se o praticante do delito será julgado na condição de adulto ou como menor não imputável. Como se observa desses dados, em alguns países a legislação é mais rígida em relação aos menores de 18 anos que cometem crimes. Nos Estados Unidos, por exemplo, há mais de 200 mil adolescentes presos por terem sido julgados e condenados como adultos. Também, na Inglaterra a lei é mais dura em algumas situações; porém, há movimentos populares pleiteando que seja suavizado o tratamento legal aos menores praticantes de condutas criminosas. E, para uma melhor análise do problema, em face das propostas de diminuição da maioridade penal no Brasil, convém lembrar que, na Espanha e na Alemanha, houve a redução dessa idade para 16; mas, constatada a ineficácia da medida, alguns anos depois, em ambos os 10 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? países, a imputabilidade penal retornou aos 18 anos. Na Alemanha, atualmente, a legislação é até mais branda, pois, se o autor do crime contar entre 18 e 21 anos de idade, o juiz pode decidir pela aplicação do Código Juvenil, mais brando, ou pelo julgamento consoante a legislação aplicada aos adultos. No Brasil, entre 12 e 18 anos o autor de delitos fica sujeito a medidas sócio-educativas e pode, inclusive, sofrer restrição de sua liberdade em instituições próprias para adolescentes (correspondente ao regime fechado dos adultos) por tempo máximo de 3 anos. Em seguida, o juiz pode determinar sua colocação numa instituição de semi-liberdade (correspondente ao regime semi-aberto dos adultos) por mais 3 anos. 5. Estatísticas a respeito de crimes praticados por menores de 18 anos no Brasil Conforme o registro de Cláudio Augusto Vieira da Silva (CONANDA, 2001, p. 14), dos crimes praticados no Brasil, tão-somente 10% são cometidos por adolescentes infratores, e, do total de crimes que cometem, 90% são contra o patrimônio. Na interessante obra “Desconstruindo o mito da impunidade: um ensaio de direito (penal) juvenil” (2002, p. 35), o magistrado gaúcho João Batista Costa Saraiva observa, ainda, que os delitos graves, tais como homicídios, latrocínios e estupros, constituem 19% das condutas criminosas dos adolescentes infratores, ou seja, menos de 2% dos delitos, considerando-se que só 10% de todos os crimes são cometidos por adolescentes. O mais comum ato infracional praticado por menores de 18 anos relaciona-se ao patrimônio. Homicídios, latrocínios e estupros ocorrem, porém, como visto no parágrafo anterior, em porcentual bem pequeno dentro do quadro da criminalidade juvenil. Até por isso, ou seja, por não serem práticas comuns, os meios de comunicação colocam como 11 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? manchetes os crimes com violência cometidos por adolescente (SARAIVA, ibidem, p. 37). Os dados do “Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento de Delinqüente” – ILANUD, não diferem muito dos acima vistos: Estudos já feitos pelo Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para prevenção do delito e tratamento do delinqüente) mostraram que os crimes graves atribuídos a adolescentes no Brasil não ultrapassam 10% do total de infrações. A grande maioria (mais de 70%) dos atos infracionais é contra o patrimônio, demonstrando que os casos de adolescentes infratores considerados de alta periculosidade e autores de homicídios são minoritários e o ECA já prevê tratamento específico para eles (ALVES, 2007). De fato, na pesquisa realizada pelo referido instituto entre junho de 2000 e abril de 2001 com 2.100 adolescentes acusados da prática de ato infracional na capital de São Paulo, apenas 1,4% eram acusados da prática de homicídio. Os índices oficiais da Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo–CAP revelam que, no período de janeiro a outubro de 2003, os menores de 18 anos foram autores de apenas 0,97% dos homicídios dolosos em todo o Estado de São Paulo. (Fonte: http://www.risolidaria.org.br/estatis/view_grafico.jsp?id=200406080001). Esses dados estatísticos mostram que é equivocada a idéia da redução da idade penal como estratégia para reduzir a criminalidade violenta, pois são cometidos por menores infratores menos de 2% de delitos que têm essa natureza e seriam atingidos por eventual alteração no artigo 228 da Constituição Federal e artigo 27 do Código Penal. Uma reflexão não apaixonada e mais racional das pesquisas atrás anotadas leva à conclusão de que 98% dos crimes de mais elevada gravidade são cometidos por pessoas que contam mais de 18 anos de idade e que recebem o tratamento previsto no Código Penal e leis penais especiais. 12 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? 6. Motivos para as práticas infracionais. Por que os menores inimputáveis praticam infrações? A esse respeito foi realizada interessante pesquisa no Estado de Santa Catarina, abordada por Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 48). São vários os motivos, dentre os quais a influência de amigos, o uso de substâncias entorpecentes, a evasão escolar e a pobreza: Verifica-se que a influência de amigos, o uso de drogas e a pobreza são as razões principais para a prática delituosa e se equilibram em termos numéricos [...] As respostas demonstram a fragilidade do adolescente à influência de terceiros e a íntima relação do ato infracional com o uso de drogas. No Brasil, além das causas mencionadas, outra grande causa da delinqüência juvenil é a falta de instrução e a evasão escolar, uma vez que sem estar estudando, o adolescente acaba ocioso e mais propenso a praticar atos infracionais. Mário Volpi (1999, pp. 56-57) confirma o último dado ao asseverar que a grande maioria dos adolescentes pesquisados - 96,6% não concluiu o ensino fundamental. A porcentagem de analfabetos é de 15,4% e, dos 4.245 adolescentes sujeitos dessa pesquisa, 2.498 - 61,2%, portanto - não freqüentavam a escola por ocasião da prática do ato infracional. Assim, é possível sintetizar os motivos em: influência de amigos, uso de entorpecentes, pobreza, falta de instrução educacional e evasão escolar. Esse é um dado de relevância para se discutir a questão da criminalidade dos que contam com menos de 18 anos. Sabendo-se a respeito dos motivos das práticas de infrações por menores, o melhor caminho para redução dos índices dessa criminalidade é enfrentá-los e não, simplesmente, reduzir a maioridade penal. 13 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? 7. Penas X medidas sócio-educativas aplicáveis aos menores O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei federal n° 8.089, de 13 de julho de 1990 - considera criança “a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (artigo 2°, “caput”). Esse estatuto prevê a aplicação de medidas de proteção, destinadas a crianças e adolescentes que tenham direitos reconhecidos ameaçados ou violados, bem como à criança infratora, ou seja, aquela que com idade inferior a 12 anos e que comete conduta prevista como crime ou contravenção penal. São elencadas no artigo 101. As medidas sócio-educativas são aplicáveis aos adolescentes infratores, vale dizer, aqueles que estão na faixa dos 12 aos 18 anos e que cometem crimes ou contravenções penais. O artigo 112 as elenca. Observa-se, pois, que por meio dessas medidas os adolescentes são punidos penalmente, num sistema que bem pode ser tido como “Direito Penal Juvenil”. Neste sentido: Não se pode ignorar que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no país um sistema que pode ser definido como de Direito Penal Juvenil. Estabelece um mecanismo de sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção e conteúdo, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo (SARAIVA, 2002, p. 45). Na aplicação dessas medidas sócio-educativas, o juiz considera as características da infração penal cometida pelo adolescente, as circunstâncias familiares, bem como a disponibilidade de programas específicos para ser ele atendido, visando à reeducação e à ressocialização. Também, é considerado o denominado princípio da imediatidade, vale 14 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? dizer, a aplicação da medida logo após a prática do ato (VOLPI, 1999, p. 42). Consoante o sistema adotado no ECA, as medidas sócioeducativas não devem ser aplicadas isoladamente, sem que se considerem as circunstâncias sociais, culturais e econômicas em que está envolvido o menor infrator. Ademais, é necessário que o Estado tenha políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes, pois limitar-se à aplicação das medidas previstas contraria a finalidade de reeducação e ressocialização, além do caráter retributivo que lhe são inerentes. O artigo 112 do ECA prevê as seguintes medidas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade, internação em estabelecimento educacional e qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI. Quanto à reparação do dano, medida altamente pedagógica, nota-se que raramente é aplicada. Henriqueta Sharf Vieira, a esse respeito, anota quanto à pesquisa realizada em Santa Catarina: A medida sócio-educativa de obrigação de reparar o dano, embora simples, de fácil aplicação e bastante pedagógica, não foi muito usada nas Comarcas pesquisadas. [...] Tal fato reflete, talvez, um certo esquecimento por parte de Promotores de Justiça e Juízes da Infância e Juventude dos benefícios desta, ressalvada, é claro, a possibilidade do adolescente em compensar o prejuízo causado (VIEIRA, 1999, p. 59). A prestação de serviços à comunidade “consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a 6 (seis) meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais” (artigo 117 do ECA). É a medida mais aplicada nas Varas 15 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? da Infância e Juventude, pois possibilita aos adolescentes a reeducação sem a necessidade da infrutífera privação de liberdade. Outra medida prevista é a liberdade assistida que tem “o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente” (artigo 118 do ECA). Tem como objetivo a (re) integração familiar e comunitária. É executada com o apoio de assistentes sociais e técnicos especializados (VOLPI, 2002, p. 24). Deve-se observar que a liberdade assistida não atinge suas finalidades sem a existência de programas específicos voltados ao necessário acompanhamento, auxílio e orientação ao adolescente. A semiliberdade “pode ser determinada desde o início ou como forma de transição para uma medida própria do regime aberto (de liberdade), possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial”, consoante dispõe o artigo 120 do ECA. Quando aplicada, o adolescente não sofre a total restrição à liberdade de locomoção, pois trabalha e estuda durante o dia e recolhe-se em entidade específica durante a noite. Pode ser a forma inicial de sanção ao adolescente, aplicada pelo juiz depois de apurada a prática infracional, ou pode ser concedida como benefício de alteração de regime, de internação para a semiliberdade, como a progressão do regime fechado para o semi-aberto prevista no artigo 33 do Código Penal aos praticantes de crimes maiores de 18 anos. O problema mais sério em relação a essa medida de semiliberdade é a omissão do poder público em construir unidades especiais para abrigar os adolescentes no período noturno e para aplicar as medidas pedagógicas durante o dia (VOLPI, 2002, p. 26). A internação consiste na privação de liberdade do adolescente infrator e fica “sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”, consoante prevê o artigo 121 do ECA. 16 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? O tempo mínimo de internação é de 6 (seis) meses, e o máximo, de 3 (três) anos (artigo citado, §§ 2° e 3°), após o qual “o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida”, conforme a dicção do § 4° do mesmo artigo. Esse dado, relativo ao tempo de internação, é relevante para a discussão da necessidade da redução da maioridade penal. Conforme dispõe o artigo 112 da Lei das Execuções Penais (Lei n° 7.210/84), o criminoso adulto cumpre a pena progressivamente e pode ser transferido para o regime de menor rigidez depois de descontar 1/6 da reprimenda. Um simples raciocínio leva ao seguinte resultado: para um criminoso adulto cumprir 3 (três) anos no regime fechado, ao qual corresponde a medida de internação, sua pena de reclusão não pode ser inferior a 18 (dezoito) anos. Ora, muito raramente, o maior de 18 anos praticante de um delito recebe pena nesse quantum. A título de exemplo, pode-se citar o praticante de roubo com emprego de arma de fogo, pois, em regra, sua pena é aplicada em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão. Também, é de ser lembrada a pena aplicável ao maior que pratica estupro com violência presumida, que pode ter como vítima mulher de até de 14 anos, delito que os Tribunais pátrios vêm entendendo como não hediondo. A pena, em regra, é fixada em 6 (seis) anos de reclusão. Nesses dois exemplos, em tese, é possível a determinação do regime inicial semiaberto para o cumprimento da privação de liberdade (regime que corresponde à semiliberdade aplicável aos adolescentes infratores), e mesmo que, na condenação, seja fixado o regime inicial fechado, depois de cumprir menos de um ano da reclusão, no primeiro exemplo, e um ano, no segundo, o sentenciado já preencherá o requisito objetivo/temporal para ser progredido ao regime de semiliberdade. Vale dizer, comparando-se os dois sistemas de punição constata-se que, concreta e efetivamente, o menor infrator é mais severamente apenado do que o maior praticante da mesma espécie de 17 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? crime, que geralmente é condenado à pena inferior a 18 anos de reclusão e, pois, poderá ficar detido no regime fechado menos de 3 (três) anos - 1/6 da pena conforme o artigo 112 da LEP, enquanto o menor poderá cumprir até 3 (três) anos de medida de internação - a que corresponde o regime fechado. Ou seja, é falaciosa a argumentação fundada na alegada impunidade do menor infrator que, na prática, fica em regime fechado (internação) por tempo superior àquele a que se submete o maior que comete a mesma espécie de crime. E, quanto à idade máxima para o menor cumprir a medida de internação, recentemente, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o prazo máximo é de 3 (três) anos e que é possível sua transferência para o regime de semiliberdade, que pode perdurar até a liberação compulsória aos 21 anos. Para conferir: Medida Sócio-Educativa de Liberdade e Maioridade. A Turma denegou habeas corpus em que se pretendia a extinção de medida sócio-educativa de semiliberdade imposta ao paciente, sob a alegação de que, abstraída a internação, cuja duração tem como limite os 21 anos de idade, a medida sócio-educativa de liberdade não poderia ir além da maioridade penal — 18 anos, sob pena de afronta ao princípio da reserva legal estrita. Entendeu-se que, em razão de o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA não cominar abstratamente limite máximo de duração da medida sócioeducativa de semiliberdade (art. 120, § 2º) — com exceção do disposto no art. 121, § 3º e no art. 122, § 1º, quanto ao prazo máximo de internação —, independentemente de o adolescente atingir a maioridade civil, a medida de semiliberdade, assim como se dá no caso da internação, tem como limite temporal a data em que o adolescente completa 21 anos (art. 121, § 5º). Asseverou-se, no ponto, que, no caso de imposição de medida de internação, atingido o período máximo de 3 anos (art. 121, § 3º), o adolescente poderá ser transferido para o regime de semiliberdade, que pode perdurar até a liberação compulsória aos 21 anos. Considerou-se que a projeção da medida sócio-educativa de semiliberdade para além dos 18 anos decorre da remissão às 18 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? disposições legais atinentes à internação. Ressaltou-se, ademais, não existir no ECA norma expressa no sentido da extinção da medida sócio-educativa de semiliberdade quando adolescente completa 18 anos. Salientou-se, por fim, que a aplicação dessa medida para além dos 18 anos decorre de texto normativo expresso, tendo em conta, principalmente, o fato de o legislador, no que se refere às medidas sócioeducativas (ECA, artigos 112 a 121), ter disciplinado de forma idêntica apenas as restritivas de liberdade (semiliberdade e internação). (STF, Segunda Turma, HC 90.248/RJ, relator o eminente Ministro Eros Grau, j. em 13.3.2007 - Informativo 459 do STF - março de 2007). Medida Sócio-Educativa e Advento da Maioridade. A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a extinção da medida sócio-educativa de semiliberdade aplicada ao paciente que, durante seu cumprimento, atingira a maioridade penal. No caso, o paciente fora condenado ao cumprimento de internação por ofensa aos artigos 12 e 14 da Lei 6.368/76 e ao art. 16 da Lei 10.826/2003 e progredira para a semiliberdade, regime no qual completara 18 anos. Alegava-se, na espécie, que o paciente não estaria mais sujeito às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, por ter atingido a maioridade penal. Sustentava-se, com base no art. 121, § 5º, do ECA (“§ 5º - A liberação será compulsória aos 21 (vinte e um) anos de idade.”), que não poderia ser imposta medida sócio-educativa aos maiores de 18 anos, salvo na hipótese de prosseguimento da internação. Inicialmente, ressaltou-se que a incidência do ECA dependerá da idade do agente no momento do fato e que o princípio da legalidade estrita não se aplica às medidas sócio-educativas, por não serem, tecnicamente, penas. Aduziu-se, também, que a medida de semiliberdade não comporta prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação, e que não poderá ter duração superior a 3 anos, implicando liberação compulsória quando o sócioeducando atingir a idade de 21 anos. Nesse sentido, asseverou-se que o ECA possui objetivos, estrutura e sistemática distintos do Código Penal e visa preservar a dignidade do menor infrator, protegendo-o dos rigores das sanções de natureza penal, e promover a sua reinserção no convívio social. Assim, em observância ao que prevê o art. 121 do ECA, bem como aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que regem o instituto da internação, entendeu-se correta a manutenção do paciente no regime de semiliberdade, ainda que já tenha completado 18 anos. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia o writ por vislumbrar no art. 121, § 5º do ECA dispositivo consentâneo com Código Civil vigente à época em que editado o ECA, vindo a referência aos 21 anos de idade ser revogada com o advento 19 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? do novo Código Civil, que reduziu a maioridade civil. (STF., Primeira Turma, HC 90.129/RJ, relator o eminente Ministro Ricardo Lewandowski, j. em 10.4.2007. STF - informativo 462 - abril de 2007). No mesmo sentido, também do STF: HC 91.276 e HC 91.490, ambos julgados em 05 de junho de 2007 pela Segunda Turma. Como se vê, é falsa a idéia de que o menor infrator fica na impunidade. Também, não pode ser aceito o argumento de que a redução da maioridade penal é necessária, uma vez que se têm tornado comum os criminosos maiores se servirem de menores para as práticas delitivas. Ora, é entendimento quase unânime entre os penalistas, os filósofos, os psicólogos e os sociólogos que a pena privativa de liberdade está falida, não (res) socializa e nem exerce função pedagógica. Essa constatação não ocorre apenas no Brasil. Como bem lembrou o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Dr. Amilton Bueno de Carvalho, em palestra ministrada no Congresso Nacional “Arautos do Direito” (Marília - agosto de 2007), na Suécia, os presídios têm boa estrutura e o grau de reincidência é de 70%; na Inglaterra é de 69%, e, no presídio Bangu I - Rio de Janeiro, o índice é de 70%. “Os que pretendem cometer um crime, não vão deixar de fazê-lo com medo da pena” (CARVALHO, 2007). Esse quadro leva à constatação de que os defensores da redução da menoridade penal tencionam estender aos menores utilizados por maior em práticas criminosas o mesmo sistema que não o atinge (ao maior mandante). Outro dado de interesse refere-se ao tempo de prestação jurisdicional, ou seja, à resposta da justiça à coletividade em face do crime cometido. Não raras vezes, enquanto o co-autor adolescente foi privado de 20 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? sua liberdade, julgado e sentenciado, já em cumprimento da medida imposta pelo Juízo da Infância e da Juventude, em relação ao maior praticante do mesmo crime o processo sequer foi concluído e, por excesso de prazo, não é incomum esse maior estar em liberdade. A título de exemplo, pode-se o invocar gravíssimo crime do qual resultou a morte de João Hélio Fernandes Vieites, no Rio de Janeiro: o menor E. foi julgado e condenado em 22 de março de 2007 (cerca de um mês e meio após os fatos) pela Justiça da Infância e Juventude. E, só recentemente, os maiores co-autores foram julgados pela Vara da Justiça Criminal. Como se verifica na prática, a resposta da Justiça à coletividade nos casos de crimes cometidos por menores tem sido muito mais rápida e eficaz. Se a certeza da pena é tida como um dos fatores de prevenção, pode-se dizer que essa certeza está mais presente em relação aos menores do que aos maiores de 18 anos. 8. A “Justiça Instantânea” em Porto Alegre Quando se reflete a respeito da eficácia e eficiência nas ações do poder público em relação às infrações cometidas por menores, não se pode deixar de lembrar o projeto desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, denominado “Justiça Instantânea”, criado pela resolução nº 171/96-CM. Trata-se de um centro de atendimento que iniciou suas atividades em 08 de maio de 1996, no qual a Polícia, o Ministério Público, a Defensoria e o Judiciário atuam de forma integrada, no mesmo imóvel, possibilitando a decisão quase que imediata nos casos de flagrância levados pela polícia civil ou militar. Em relação às apurações que se iniciam por notitia criminis, ainda que sem a mesma celeridade, observa-se bom nível de eficácia. Esse modelo está em conformidade com a dicção do artigo 88, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescentes: uma das diretrizes da 21 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? política de atendimento ao adolescente infrator é “a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de um ato infracional” (grifos nossos). O Juiz da Infância e da Juventude do Rio Grande do Sul, José Antônio Daltoé Cezar (2007), noticia que, no caso de flagrante delito, o adolescente é encaminhado à Delegacia que, constatando a prática do crime, imediatamente comunica os pais ou os responsáveis pelo infrator e os chama para lá comparecerem. Assim, acompanharão todos os atos do procedimento até o seu final. Em seguida, o menor é encaminhado ao Ministério Público que, após ouvi-lo, encaminha-o à Justiça Instantânea. O representante do Parquet propõe a remissão - com ou sem aplicação de medida sócio-educativa - ou oferece a representação, que pode incluir o pleito de internação provisória. A audiência se realiza desde logo, na presença do defensor. O menor é ouvido e, se o Órgão do Ministério Público fez a proposta de remissão, ela pode ser homologada se aceita, com a imediata aplicação da medida sócio-educativa indicada. Se houve a representação da Promotoria de Justiça com o pleito de internação provisória, este é julgado e, em seguida, o processo é distribuído a uma das Varas da Infância e da Juventude de Porto Alegre. Ao Magistrado também é possível, desde logo, conceder a remissão e aplicar a medida cabível, declarando extinto o processo de conhecimento, nos termos da previsão contida no artigo 186, § 1°, do ECA. Ainda no mesmo artigo “Projeto Justiça Instantânea”, conforme anota o Juiz articulista, nos casos de flagrante, em regra, toda a investigação precedente ao processo, a instrução e a aplicação de medida sócio-educativa se fazem de forma imediata - excepcionada a situação em que há internação provisória ou expectativa de privação de liberdade, em que o contraditório se efetiva de outra forma -, “quase que 100% dos 22 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? casos são resolvidos no mesmo dia ou, não sendo isso possível, em um prazo não superior a 48 horas”. E, na grande maioria dos atos infracionais os procedimentos são iniciados e terminam na Justiça Instantânea, noticiando-se que “no ano de 2003 foram 78,80%” (negritamos). Conforme assegura o Juiz da Infância e Juventude no Rio Grande do Sul, João Batista Costa Saraiva (2007), no artigo “A idade e as razões: não ao rebaixamento da imputabilidade penal”, o resultado desse modelo, em Porto Alegre, é a redução da reincidência e também a mudança no perfil dos menores infratores, constatando-se que muitos adolescentes da classe média são levados a juízo, o que raramente se verificava antes da implantação da “Justiça Instantânea”. Esse dado enfatiza outro aspecto muito positivo para qualquer área da justiça: com esse modelo em comento, não se pode dizer que a justiça só existe para os pobres. 9. O projeto “virada social” em São Paulo Implantado em março de 2007, o projeto “Virada Social” consiste em ações integradas de cidadania, no Jardim Elisa Maria, região da Brasilândia, zona norte da capital paulista, local de elevados índices de criminalidade. Por meio desse projeto várias ações são realizadas, em diferentes áreas, como a educação, o lazer, a cultura, a cidadania, o trabalho, a saúde, os esportes e a segurança. Houve reformas nas escadarias das vielas e foram efetivados investimentos em iluminação pública. Há, ainda, a previsão de construção de uma Escola Municipal de Ensino Fundamental, de uma praça, além da canalização de córrego e da revitalização de ruas. 23 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? Consoante noticiou o jornal “O Estado de São Paulo”, edição de 6 de setembro de 2007, uma das principais metas do Governo do Estado e da Prefeitura Municipal é reduzir os índices de criminalidade na região. Outro ponto fundamental relacionado ao projeto refere-se ao conjunto de ações voltadas ao treinamento e à capacitação dos jovens. Os diferentes cursos promovidos por esse projeto, como culinária, garçom e garçonete, administração, confeitaria, administração e eletricista, além de outros, despertaram o interesse de aproximadamente 550 jovens, que estão em treinamento, e do total de participantes, apenas 5 (cinco) não estudam, de acordo com as informações colhidas pela articulista. E mais, consoante a mesma publicação já mencionada, o Secretario de Segurança Pública de São Paulo asseverou que, o Jardim Elisa Maria e entorno, possuem um perfil preocupante com relação ao Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) e por essa razão, o local foi escolhido para ser pioneiro nesse tipo de projeto. Como resultado, “a secretaria informa que de março até o final de julho, quando foram iniciadas as ações voltadas para a população e a integração com o policiamento ostensivo, houve no local redução de 80% no número de homicídios dolosos e 18% nos roubos, em comparação com o mesmo período do ano passado. ‘Garantir segurança pública também é uma ação social. Depois que a polícia deixa o local, é preciso que o estado continue a mostrar presença, para que o crime organizado não preencha esse espaço com assistencialismo’, destacou o secretário Ronaldo Marzagão” (LOPES, 2007 - grifos não constantes do original). Constata-se, nesse projeto, o enfrentamento de várias das causas de criminalidade juvenil já analisadas neste trabalho, tais como a pobreza, a falta de instrução educacional e a evasão escolar, com efetiva e significativa redução nas práticas de infrações penais com violência ou grave ameaça à pessoa. 24 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? O projeto em comento é mais uma demonstração de que o melhor caminho para ser trabalhada a questão da delinqüência em geral e a juvenil, não é a redução da maioridade penal, mas sim a implementação de políticas públicas que atinjam as razões que levam ao cometimento de crimes. 10. A falência do sistema penitenciário como argumento Como já observado anteriormente neste trabalho, agentes do direito, sociólogos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras e filósofos, quase que a uma só voz, sustentam que a pena privativa de liberdade está falida, pois não recupera, nem (res) socializa e também não se presta à prevenção. De fato, quem comete um crime não reflete, naquele momento, a respeito da pena prevista no Código Penal ou na Lei Penal Especial. Sobre a situação penitenciária brasileira, merece transcrição o posicionamento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Celso de Mello Filho: A organização penitenciária brasileira é um instrumento de degradante ofensa às pessoas sentenciadas. O condenado é exposto a penas que não estão no Código Penal, geradas pela promiscuidade e pela violência. O sistema penitenciário subverte as funções da pena. Assim, deixa de cumprir sua meta básica, que é a de ressocialização (MELLO FILHO, 1997). Não obstante as propostas para a redução da maioridade penal contarem com forte apoio popular, há outra séria preocupação se qualquer delas for acolhida: se os presídios são tidos como faculdades do crime, colocar neles os adolescentes infratores, em companhia de adultos, redundaria na rápida integração desses menores nos grupos de organizações criminosas. E convém lembrar que os dois grupos que atualmente mais amedrontam o Rio de Janeiro e São Paulo (“Comando Vermelho” e “PCC”) nasceram justamente dentro dos nossos presídios. Hoje, muito mais do que “universidades do crime” os presídios do nosso 25 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? sistema penitenciário são verdadeiras “pós-graduações no crime”, indicativo muito sério e que demonstra não ser recomendável a redução da maioridade penal. A isso se acrescente o significativo déficit de vagas no sistema penitenciário pátrio. É de todos conhecida a realidade que mostra a existência de milhares de mandados de prisão para serem executados, sem muito esforço nesse cumprimento, inclusive por falta de vagas nos presídios. Diante desse quadro, sem que o Estado tenha condições de efetivar prisões de maiores delinqüentes, com que autoridade poderia reduzir a maioridade penal, sabendo-se que essa medida não concorreria para a redução da criminalidade violenta? É insensato sustentar a falência do nosso sistema prisional e nele querer inserir os menores de 18 anos. Se isso ocorresse, dentro de alguns anos, qual seria a situação brasileira em relação à criminalidade? Que resultados a sociedade colheria do envolvimento e convivência dos menores de 18 anos com integrantes dos grupos organizados que se formam dentro dos estabelecimentos penitenciários? A propósito, para resgatar um importante pedaço da história do direito no Brasil, não é demais registrar que em sua obra “Direito Penal da Emoção” (1992), Maria Auxiliadora Minahin lembra que é necessário defender a conquista da inimputabilidade dos menores de 18 anos e, ao fazê-lo, cita Bento Faria que, ao comentar o artigo 30 do Código Penal de 1890, que fixava a inimputabilidade dos jovens até 14 anos, relata várias decisões dos tribunais determinando a soltura de menores recolhidos em prisões de adultos por falta de instituições adequadas. Essa observação leva à indagação: depois de aproximadamente 117 anos, tempo em que houve inquestionáveis conquistas humanitárias no Brasil, é razoável o retrocesso que significaria a redução da maioridade penal? Conclusão 26 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? Nas pesquisas realizadas, a maioria da população brasileira tem se manifestado a favor da redução da maioridade penal, talvez sem mais aprofundada reflexão e muito em decorrência dos clamores veiculados nos meios de comunicação. O povo é induzido na crença de que essa medida poderia devolver a paz social por todos desejada, além de imaginar que ela seria a mágica solução para o gravíssimo problema da segurança pública, no Brasil. Essas premissas constituem grave equívoco, como esperamos ter contribuído para entendê-lo. A questão, nos debates, sempre fica centrada na redução da maioridade penal e no aumento do prazo de internação dos menores infratores. Todavia, há um outro ponto importante a ser debatido: é o da recuperação de menores infratores, esta sim, uma medida que concorrerá para a redução da criminalidade e da violência, além da coragem para admitir que a miséria e a falta de educação são das maiores razões das práticas de infrações penais pelos adolescentes. Destarte, em vez de redução da maioridade penal impõe-se a adoção de uma séria política de segurança pública, que se mostre ágil, integrada e suficientemente ampla, na qual devem ser incorporados todos os aparelhos do Estado e de suas instituições, sendo indispensável o envolvimento dos vários setores da sociedade: empresários, organizações não governamentais, igrejas, associações e outros órgãos que a integram. A idéia da redução da maioridade penal é “saída” muito fácil aos legisladores e para os administradores públicos. A sociedade cobra, e o legislativo atua, popularescamente, aprovando a medida “desejada”. Assim, as vozes que clamavam voltam ao silêncio, como se o grave problema da criminalidade violenta estivesse resolvido. Se adotada, inquestionavelmente, o problema continuará presente, em face de suas causas que não são combatidas com seriedade. Em conseqüência, num futuro breve poderá surgir outra proposta de 27 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? redução da idade para a imputabilidade penal, quem sabe a 12 (doze) anos, e mais adiante para 10 (dez). Quem sabe não chegará o dia em que alguns justifiquem a punição de nascituros, especialmente se pobres suas genitoras. Nos momentos de crises decorrentes de acontecimentos que marcam mais profundamente a coletividade, exige-se o exercício de maior ponderação, até porque, como já se sabe entre nós, medidas paliativas não são eficazes, e isso se confirma com a denominada Lei dos Crimes Hediondos, que não reduziu suas práticas. Não podemos concordar com “soluções mágicas” que não concorrem para o enfrentamento de problemas, como o da criminalidade violenta. A proposta de redução da maioridade penal se enquadra nesse rol de medidas que de nada valem para a sociedade. Mais razoável é exigir que o Poder Público cumpra com as obrigações impostas no Estatuto da Criança e do Adolescente, consoante as políticas públicas e os princípios previstos na Constituição Federal, o que propiciará a recuperação de menores infratores. E, para crimes de extremada violência, como os dois lembrados no início deste trabalho, quem sabe uma solução mais adequada seja alterar a lei ordinária (ECA), para possibilitar o aumento do tempo máximo de internação independentemente de atingida a maioridade penal. REFERÊNCIAS ALVES, Ariel de Castro. Redução da idade penal e criminalidade no Brasil. In Cadernos Especiais n. 44, edição: 19 de março a 17 de abril de 2007. Disponível em www.assistentesocial.com.br. Acesso em 24 de agosto de 2007. 28 A redução da Maioridade Penal é medida recomendável para a diminuição da Violência? CARVALHO, Amilton Bueno de Carvalho. Congresso Nacional “Arautos do Direito”. Marília, 2007, publicação na Revista Consultor Jurídico, 10 de agosto de 2007. 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