Breves comentários sobre o Instituto da Guarda Compartilhada CRISTINA MOTTA PALHARES Advogada, Formada em Nutrição pela UERJ em 1977; formada em Direito pela UERJ em 1984; Especialista em Direito Processual Civil (ESA/OAB/RJ), Especialista em Direito e Processo do Trabalho (UCAM- INSTITUTO A VEZ DO MESTRE). Sumário Recentemente entrou em vigor a Lei n°. 11.698/08, publicada em de 13 de junho de 2008, que alterou os artigos 1.583 e 1.584 do nosso Código Civil, e introduziu, expressamente, a guarda compartilhada em nossa legislação, embora estivesse amparada pelo Princípio constitucional da Igualdade de direitos e deveres entre os homens e as mulheres. Assim sendo, houve uma ratificação sobre a legislação existente sobre a guarda compartilhada, pois, agora, o assunto é tratado de forma clara e de fácil compreensão, uma vez que a nova Lei tornou o tema uniforme, em determinados casos, quanto a sua aplicação nos tribunais e, não mais uma exceção à regra. Entretanto, o interesse do menor continua sendo uma condição sine qua non para sua aplicação. Houve a necessidade de ratificar-se a sua aplicação, pois, na nossa sociedade houve mudanças sociológicas em relação à família, inclusive no âmbito do Direito Processual Civil, dando relevo ao Instituto da guarda compartilhada, pelo motivo de tratar-se de um Direito Fundamental, o qual é norma e, também, uma necessidade e tarefa do Estado. Ass im sendo, a Lei 11698 é muito bem vinda, considerando-se a força normativa da Constituição da República de 1988, sob a ótica da axiologia, da materialidade e da juridicidade constitucional, uma vez que veio respeitar a inter-relação axiológica através de uma unidade sistemática, com a efetivação dos valores que estão estabelecidos na nossa constituição cidadã, em relação ao Direito Infraconstitucional. 1 O Instituto da Guarda Compartilhada surgiu no mundo jurídico como conseqüência de modificações ocorridas em nossa sociedade, onde o fato social se impõe; e, em conseqüência disto, no âmbito do Direito. A matéria encontra amparo legal constitucional e infraconstitucional, embora a sua aplicação em juízo seja recente, por versar sobre tema relativamente novo na nossa prática forense. Assim, a sua aplicação começou a ser utilizada por nossos Tribunais, uma vez que o assunto que deixou de ser obscuro, por existir fundamento legal expresso, tanto no Direito Material como no Direito Processual Civil, sendo lícita a sua aplicação em nossos Tribunais de Justiça, mesmo antes da Lei 11698 de 13 de junho de 2008. Pode-se assim, observar a importância do Instituto da guarda compartilhada, de acordo com a nossa Constituição da República de 1988 e, de acordo com o nosso Direito Processual Civil. Introdução I. O conceito da guarda compartilhada deriva diretamente dos valores implícitos na substituição do termo pátrio poder pelo de PODER PARENTAL, o qual deriva da idéia da igualdade dos cônjuges entre si e dos pais em relação aos filhos. O Instituto da guarda compartilhada, mesmo antes de ser expressamente amparada em nossa legislação, tinha fundamento jurídico quanto à sua aplicação e procedimento, embora necessitasse de uma visão específica, a fim de evitar falso entendimento e ocorrência de interpretações errôneas. Seu objetivo é o de equilibrar papéis parentais entre os genitores, mantendo os deveres comuns quanto à guarda, educação e ao sustento dos filhos, os quais constituem um múnus na família legítima ou na família natural. 2 A guarda compartilhada parte de um novo modelo de responsabilidade parental, a qual continua a existir mesmo após a dissolução da sociedade conjugal ou do vínculo conjugal. Assim, estabelece uma responsabilidade parental entre ambos os genitores, em relação aos filhos, isto é, uma co-responsabilidade parental, objetivando assim, a continuidade da relação familiar, sem que para isto haja períodos previamente fixados ou pré-estabelecidos, uma vez que os filhos possuem o direito ao convívio com ambos os pais e, em qualquer momento de suas vidas; e não, apenas, em datas pré-estabelecidas. II. A guarda dos filhos sempre foi um assunto de suma importância em nossos tribunais e, através das alterações vindas com a Constituição da República de 1988, principalmente em seu artigo quinto, inciso primeiro, que previu a Igualdade entre homens e as mulheres, ficou o Instituto da Guarda Compartilhada fundamentado na absoluta igualdade entre o homem e a mulher, em seus direitos e em seus deveres. Desta forma, foi aberto o campo para a guarda compartilhada se impor na prática forens e. Com a evolução dos costumes e do Direito, a nova prática de compartilhar a guarda dos filhos surgiu e, desta forma, ambos os pais passam a ter direitos e deveres em relação aos filhos, passando a responsabilidade ser de ambos os genitores, isto é, conjunta. Tal fato equilibra as relações entre pais e filhos, além de beneficiar emocionalmente ao menor, por não quebrar as relações familiares. É notório que o Instituto prioriza o bem estar do menor ao manter a relação deste com ambos os pais, pois a família do menor não deve desaparecer em conseqüência da separação dos pais. Através do Preceito constitucional da Igualdade entre os sexos, surgiu o conceito de PODER FAMILIAR ou PODER PARENTAL, o qual privilegia a ambos os pais, em condições de igualdade, tanto em seus direitos como em suas obrigações e responsabilidades. 3 O mencionado conceito substituiu o antigo conceito de família patriarcal, onde o pátrio poder era uma prerrogativa exclusiva do homem, através do pátria potesta. Com a evolução dos costumes em sociedade, os ditames constitucionais de igualdade jurídica entre o homem e a mulher, foram expressamente previstos no artigo 5 e 227 da Constituição da República de 1988. Assim sendo, o PODER PARENTAL é o que deverá ser exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, e não o pátrio poder. III. Ao se adotar a GUARDA COMPARTILHADA como um modelo padrão para o convívio de ambos os pais com os filhos, uniformizou-se a norma, tornando o Instituto uma regra geral, em determinadas circunstâncias, “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”; e, padronizado, formando um padrão social de exercício comum entre ambos os genitores. Todavia, não pode ser esquecido que, importante é o critério a ser adotado pelo juiz de Direito, ao decidir sobre a guarda compartilhada, pois a sua decisão deverá atender aos interesses do menor, devendo ser ouvida a equipe interprofissional de assessoramento, nos moldes do artigo 151 do Estatuto da Criança e do Adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 28, prevê a possibilidade do juiz colher a opinião das crianças ou adolescentes; entretanto, referemse aos menores em situação irregular. Todavia, sendo necessário, poderá o juiz ouvir o menor não abandonado, apenas como informante (não como testemunha), com fundamento no artigo 405 do Código de Processo Civil, em seu parágrafo quarto: ”sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso (artigo 415) e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer”. 4 IV. Apesar do nosso Código de Processo Civil, em seu artigo 405, parágrafo primeiro, incis o três, e parágrafo segundo, vedar a oitiva de menores em juízo, é dado ao juiz da causa a autorização para decidir s obre a guarda, porém, atendendo aos interesses do menor em questão, o qual poderá ser ouvido pelo juiz, em virtude do interesse ou conveniência do menor, que sobrepõe sobre os direitos e prerrogativas dos pais. O critério adotado pelo juiz da causa, a fim de realizar o julgamento da matéria, possui fundamento no artigo 128 do Código de Processo Civil, que diz: “o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito exige a iniciativa da parte”. Todavia, há casos em que, em observação ao interesse e bem estar do menor, este deva ser entregue, apenas, a um dos pais, podendo o juiz decidir contrário ao pedido do autor, segundo o artigo 460 do código supracitado, pois: ” é defeso ao juiz proferir sentença a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em diverso do que lhe foi demandado”. Desta forma, o juiz poderá realizar decisão “extra petita” em casos de motivo grave, isto é, em questão que leve o magistrado a interferir no process o com decisão diferente da requerida no pedido, agindo assim, de maneira a defender os interesses do menor. Neste caso, a decisão não poderá ser objeto de nulidade, nem será considerada decisão extra petita, uma vez que a lei processual civil autoriza ao juiz agir ex-offício em questões que versem sobre matéria de ORDEM PÚBLICA. Entretanto, a regra comum protege o status quo em que o menor encontravase no momento do rompimento da vida em comum de seus pais, pois a lei acolhe o PRINCÍPIO DA IMODIFICABILIDADE DA SITUAÇÃO PRECEDENTE, sendo a guarda atribuída ao cônjuge em cuja companhia estava o menor, durante o tempo de ruptura da vida em comum. Na lei do divórcio, em seu artigo onze lê-se que: “quando a separação judicial ocorrer com fundamento no parágrafo primeiro do artigo quinto, os f ilhos ficarão 5 em poder do cônjuge em cuja companhia estava durante o tempo de ruptura da vida em comum”, desta forma, valendo o PRINCÍPIO DA IMODIFICABILIDADE. V. Quanto ao pedido, a guarda compartilhada pode ser requerida em juízo de família, o qual é competente para dirimir conflitos sobre a guarda de filhos menores, sendo o titular deste direito o menor, o qual possui o direito de conviver com ambos os pais. Desta forma, o suplicante deverá representar e/ou assistir o filho menor a fim de ingressar em juízo. O procedimento a ser adotado é o ordinário, através de ação própria, onde o suplicante pleiteará a guarda compartilhada do filho menor, ou a modificação da guarda existente, sendo lícito o seu pedido nos casos de dissolução de sociedade de fato, concubinato ou casamento; não havendo proibição em lei quanto à sua aplicação, vez que independe do vínculo existente entre os pais, por dizer respeito, apenas, ao poder parental. Todavia, a guarda compartilhada poderá ser obtida através de acordo entre os genitores, o qual deverá ser homologado em juízo de família, desde que a sua aplicação não seja prejudicial aos filhos menores. O juiz, ao julgar o caso, levará em consideração o interesse do menor, e levará em consideração os fatos alegados, as provas e o bem estar do menor. Quanto ao domicílio do filho menor, este deverá ser definido, E, mesmo que os pais residam em lugares separados a guarda compartilhada poderá ser concedida. Entretanto, há necessidade de ser fixado um domicílio para o menor, isto é, a residens, que é o local em que o menor possui como sua morada, como expressa o artigo 98 do Código de Processo Civil: ”a ação em que o incapaz for réu se processará no foro do domicílio de seu representante”. E, segundo o artigo 76 do Código Civil: ”tem domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar e o preso. Parágrafo único: o domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente”. 6 Assim, há necessidade de fixar-se um domicílio único para fins de direito ao menor, por ser uma imposição da lei processual civil, sem que isso iniba a guarda compartilhada. Pois, difere do sistema rígido da guarda alternada, onde fica estabelecida residência alternada. Nas causas onde versem sobre guarda, há a necessidade da intervenção do Ministério Público, segundo o artigo 82 do Código de Processo Civil, por haver na causa interesse de incapaz. Entretanto, é livre para decidir, com fundamento no artigo 799 do Código de Processo Civil:” poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução”; devendo o juiz observar o Decreto Lei 3200/41, em seus parágrafos primeiro e segundo do artigo dezesseis, que autoriza ao juiz a decidir sobre a guarda do menor, devendo seguir o critério geral do interesse do menor, matéria com fundamento em nossa jurisprudência: “o que prepondera é o interesse dos filhos e não a pretensão do pai ou da mãe”. (Acórdão do Supremo Tribunal Federal – in Revista dos Tribunais v. 724 p.416) e, ainda, de acordo com Acórdão do TJPR:” o que deve ser cons iderado primordialmente é o interesse da criança e não da sua genitora biológica, pois esta não possui, apenas, por essa condição, o direito de ter a filha em sua companhia, mas o dever desse encargo ( Acórdão do TJPR, in Revista dos Tribunais, v. 740, p. 401-404). VI. A regulamentação da guarda compartilhada é amparada pelo Código de Processo Civil nos artigos 1120 a 1124, e no artigo 40 da Lei do Divórcio, devendo a petição inicial ser instruída com o acordo relativo à guarda dos filhos menores (artigo 9 e 15 da Lei do Divórcio). A fixação da guarda não é submetida à autorização da coisa julgada, porque as decisões sobre guarda são tomadas segundo as circunstâncias fáticas de cada caso concreto, como observado no artigo 13 da Lei do Divórcio e no artigo 35 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 7 Entretanto, uma vez fixada a guarda por sentença judicial, para que um dos pais tê-la modificada, será necessário haver motivo excepcional para justificar a sua alteração, devendo ingressar em juízo com Ação Rescisória, nos moldes do artigo 495 do Código de Processo Civil, ou, ingressar em juízo com ação ordinária, postulando a modificação da guarda com fulcro nas situações fáticas ocorridas após a prolatação da sentença anterior, a ser modificada; sendo admissível a antecipação da tutela jurisdicional do Estado, a fim de conceder a guarda compartilhada, visando o interesse do menor envolvido; isto, porque, em nosso direito não existe norma jurídica imperativa da guarda conjunta. Deve ser observado o artigo 333 do Código de Processo Civil, o qual corresponde ao ônus da prova: “na fase atual da evolução do direito de família, é justificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor. Deve-se ensejar a produção de provas sempre que ela se apresentar imprescindível à boa realização da justiça (STJ, Resp.4987-RJ, Rel. Min. SÁLVIO DE Figueiredo Teixeira. Cit.in “Theotônio Negrão – CPC e Legislação Processual em Vigor, 24ª Ed. P. 272). VII. Assim sendo, havendo dúvidas sobre a situação fática, caberá ao juiz esclarecê-la através da chamada sindicância social, pois o poder judiciário possui um núcleo de serviço psicológico e social, com atribuições da Lei 8.622/93 (artigo 5), o qual destina-se a assessorar a justiça, sendo comum o parecer profissional do psicólogo e do profissional assistente social, anexados aos autos da ação, a fim de esclarecer dúvidas, isto, embora o serviço social forense não atue como perito; atuando no processo, apenas, durante a instrução processual. Assim, com a Lei 11698/2008 em vigor houve a proteção a manifestação do amor, sentimento que une os pais aos filhos; isto, porque os pais podem requerer a guarda compartilhada a fim de conviver com os filhos, uma vez que a separação havida é entre o casal, não dos pais com seus filhos. 8 Referências bibliográf icas: RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. “A GUARDA COMPARTILHADA COMO DIREITO FUNDAMENTAL DA CRIANÇA”. In Revista do Ministério Público, n.15, jan/jun 2002, PP.213-222. CAHALI, Yussef Said. ‘CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”. 7 edição – Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2005. CAHALI, Yussef Said. CONSTITUIÇÃO FEDERAL -7 edição – Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2005. DINAMARCO, Candido Rangel. A NOVA ERA DO PROCESSO CIVIL – São Paulo: Malheiros, 2003. BITTAR, Carlos Alberto. O DIREITO DE FAMÍLIA A CONSTITUIÇÃO DE 1988. Rio de Janeiro, Saraiva, 1989. GRISARD FILHO, Waldyr. GUARDA COMPARTILHADA: UM NOVO MODELO E RESPONSABILIDADE PARENTAL. Rio de Janeiro, Revista dos Tribunais. 2002. NEGRÃO, Theotônio Negrão e GOUVÊA, José Roberto Ferreira. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E LEGISLAÇÃO PROCESSUAL EM VIGOR – Rio de Janeiro, Saraiva, 2003. 9