REDE DE MULHERES PARLAMENTARES
DAS AMÉRICAS
TEXTO DE REFLEXÃO
preparado para a IV Reunião Anual
Venezuela, 24 de novembro de 2003
IMPACTOS DA ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO
DAS AMÉRICAS (ALCA) NA MULHER
1. Problemática
Em 1994, os Chefes de Estado e de Governo presentes na Cúpula das Américas de Miami
acordaram trabalhar para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). As
negociações, iniciadas em 1998, devem ser concluídas em janeiro de 2005. A ALCA visa
principalmente ampliar a integração econômica das Américas a fim de favorecer o crescimento
e o desenvolvimento. Este projeto deve, então, fortalecer os objetivos gerais do processo das
Cúpulas das Américas de consolidar a democracia, promover os direitos humanos e encontrar
soluções para os problemas sócio-econômicos da região. Caso este acordo se concretize, esta
área de livre comércio será a maior do mundo, com mais de 830 milhões de habitantes e um
PIB conjunto de 19.700 bilhões de dólares canadenses1. Vários elementos deste acordo, entre
eles, o segundo anteprojeto foram divulgados em novembro de 2002, embora não sejam ainda
objetos de um consenso entre os Estados participantes das negociações.
O Comitê Executivo da Rede de Mulheres Parlamentares das Américas analisou a
problemática do impacto da ALCA na mulher em sua reunião de abril de 2001, realizada na
cidade de Quebec paralelamente à Terceira Cúpula das Américas. Deste trabalho resultou
uma Declaração em está afirmada “a necessidade de que as políticas de liberalização
comercial e o processo das Cúpulas das Américas retratem as necessidades e as
preocupações da mulher”.
Considerando-se a breve concretização das negociações da Área de Livre Comércio das
Américas, é importante aprofundar esta reflexão e ponderar medidas para que os interesses da
mulher sejam mais considerados na elaboração e implantação deste acordo comercial.
O presente documento identifica as principais problemáticas e explora possíveis pistas de ação
para a mulher eleita a fim de suscitar a reflexão da mesma no marco da IV Reunião Anual da
Rede de Mulheres Parlamentares das Américas que será em Caracas em novembro de 2003.
1
MAECI, "Le rapport entre la charte démocratique interaméricaine et la ALCA", Négociations et accords commerciaux, 5 ago. 2003,
[www.dfait-maeci.gc.ca/tna-nac/IYT/inter-american-fr.asp], (Busca, 14 ago. 2003).
1
2. Problemáticas para a mulher
A análise, apresentada neste documento, aborda os grandes setores envolvidos nas
negociações da ALCA, ou seja, o impacto da liberalização dos intercâmbios no mercado de
trabalho, na agropecuária, nos serviços, na propriedade intelectual e nos mercados públicos.
2.1 Livre intercâmbio e emprego
A liberalização da qual os países das Américas têm se prevalecido até então, principalmente no
marco do Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL), do Acordo de Livre Comércio da
América do Norte (NAFTA) e dos acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC),
favorece o acesso da mulher ao mercado de trabalho, ao aumento da proporção de mulheres
em cargos de profissionais e de gestoras, ao aumento de salários (embora ainda inferior ao do
homem) e, conseqüentemente, à automatização da mulher2.
Entretanto, alguns efeitos perversos também são observados. A reestruturação das indústrias,
a debilitação de determinadas empresas locais, a atenuação das normas de trabalho com o
propósito de se exercer uma maior atração em relação aos investimentos3 são conseqüências
diretas da integração econômica.
Na América Latina e no Caribe, a liberalização dos intercâmbios já colaborou para a importante
segmentação do mercado de trabalho e também para o aumento da segregação. Ambos
fenômenos fazem com que os empregos atribuídos à mulher sejam principalmente aqueles dos
setores vulneráveis, ou seja, fundamentalmente do setor informal ou, ainda, em fábricas das
zonas francas4. Conseqüentemente, o trabalho precário tem sido ampliado nos últimos anos.
Segundo várias análises, o atual texto da ALCA não possibilitaria o ajuste de tais efeitos
indesejáveis5.
2.2. Agropecuária
A liberalização dos intercâmbios exerceria uma influência também no tipo de agricultura e
pecuária existentes. Como a monocultura voltada para a exportação é favorecida ainda mais
neste contexto, haveria então uma concentração da propriedade de terras e,
2
Women's Edge Coalition, Women and Trade. Investing in Women: FTAA Investment Policies and Women, jan. 2002,
[www.womensedge.org/trade/ftaaenglish.htm], (Busca, 15 jul. 2003).
3
Principalmente através da criação de zonas francas, tais como as de montadoras mexicanas.
4
Segundo dados das Nações Unidas publicados em 2000, cerca de 75% da mão-de-obra feminina da América Latina e do Caribe
concentrada-se principalmente no setor de serviços. A maioria destas mulheres trabalha em funções que retratam os papéis
que lhes são tradicionalmente atribuídos, ou seja, atendimento os doentes e às crianças ou trabalho doméstico. As
assalariadas representam mais de 55% da mão-de-obra feminina, ao passo que a proporção de trabalhadoras autônomas
fica entre 15% (Caribe) e 32% (América do Sul). Além do mais, a mulher, parte preponderante da mão-de-obra do setor
informal nos países em que tais dados encontram-se disponíveis, representa de 38% (Venezuela) a 58% (El Salvador). A
maioria das trabalhadoras do setor informal é autônoma ou trabalhadoras familiais colaboradoras da empresa da família.
Entretanto, os dados do setor informal não consideram a mão-de-obra agrícola. Marceline White e Alexandra Spieldoch
salientam que as mulheres representam de 70% a 90% da mão-de-obra das zonas francas da América Latina, principalmente
nos setores de vestuário e de montagem de aparelhos domésticos. Nações Unidas, World's Women 2000: Trends and
a
Statistics, 3 ed., New York, United Nations Publications, 2000, p. 109-150; Marceline White e Alexandra Spieldoch, op. cit., p.
10.
5
Mariama Williams, Glogalization of the World Economy: Challenges and Responses (Revised). Background Notes to the
Statement of Dr Mariama Williams. International Gender and Trade Network, fev. 2002, [http://igtn.org/Research/enquete.pdf],
(Busca, 27 ago. 2003), 15 p.; Ritu Sharma, dans Women's Edge Coalition, Women's lives and the World Economy III. Women
Trade in the Americas. Conference Proceedings, December 15, 1999. [www.women's edge.org/trade/ftaaconference.htm],
(Busca, 15 jul. 2003); Marceline White e Alexandra Spieldoch, loc. cit.p. 9-10; Institute of Development Studies, University of
Sussex (BRIDGE), Development and Gender in Brief 8: Trade Policy, 1998, [www.ids.ac.uk/bridge/dgb8.html], (Busca, 15 jul.
2003); UNIFEM, Trade Liberalisation and Women. A Situational Analysis, 1998, [www.unifem.org/www/trade/sa7.htm],
(Busca, 14 jul. 2003).
2
conseqüentemente, uma modificação dos modos de abastecimento alimentar das
coletividades. Por um lado, a concorrência dos produtos estrangeiros influencia a rentabilidade
e conseqüentemente a disponibilidade dos produtos locais, em detrimento da diversidade
alimentar; por outro lado, o gradual desaparecimento da agricultura de subsistência prejudica a
capacidade das populações de se alimentarem adequadamente surgindo, então, a questão da
necessidade de garantir sua segurança alimentar.
Várias mulheres, atuantes no setor da agricultura de subsistência não mecanizada, seriam
então particularmente prejudicadas no contexto de uma maior abertura de mercado para
produtos agrícolas importados. O projeto de acordo da ALCA, segundo publicação de
novembro de 2002, não prevê medida alguma às agricultoras e pecuaristas para que estas
preservem seu modo tradicional de produção ou para que tirem proveito também dos
benefícios da liberalização6.
Entretanto, é interessante salientar que recentemente foram adotadas novas leis na Nicarágua,
Costa Rica e Honduras para a superação das desigualdades entre gêneros em relação à
propriedade de terras. Na Nicarágua, conseguiu-se reduzir bastante o desnível entre o homem
e a mulher em relação aos recursos a serviços tecnológicos nos setores da agricultura e
agropecuária.7 Talvez caberia então a cada Estado encontrar suas próprias soluções para os
problemas acima mencionados.
Observa-se que vários países latino-americanos encaram a criação da ALCA com um meio
para que os Estados do Norte reduzam os subsídios concedidos aos seus agricultores e
agropecuários, pois os produtos subsidiados competem com a produção dos agricultores e
agropecuários latino-americanos em seus próprios mercados nacionais e no mercado de outros
países.8
2.3. Serviços
O Acordo Geral para o Comércio de Serviços (GATS) é o fundamento das discussões para as
negociações da ALCA. Ao contrário dos bens, para os serviços não há barreiras tarifárias. A
importação de serviços prestados por empresas estrangeiras é geralmente circunscrita por leis
ou regulamentos adotados pelos governos. Conseqüentemente, a liberalização do comércio
poderia levar a uma debilitação do poder dos Estados de legislar ou de oferecer serviços em
determinados setores em que o setor privado também possa atuar. Dentre estes setores de
atividades estão a saúde, a educação, a cultura, os estabelecimentos diurnos de assistência a
crianças de tenra idade, o atendimento ao idoso.
Caso o Estado seja obrigado a retirar-se de determinados setores, como saúde e educação,
pode-se concluir que a mulher receberia maior influência do que o homem. Como a mulher
trabalha principalmente nestes setores, isto poderia proporcionar-lhe uma maior perda de
empregos qualificados e bem remunerados. Além do mais, a mulher corre o risco de ver sua
carga de trabalho acrescida, pois o papel a ela tradicionalmente atribuído ampliaria sua
responsabilidade como “ajudante natural”, atendimento à criança, ao doente e ao idoso, papel
que o Estado não teria mais condições de prestar à população.9
6
Marceline White e Alexandra Spieldoch, loc. cit., p. 3-4.
7
Banco
Mundial,
"Challenges
and
Opportunities
for
Gender
Equality
in
Latin
America",
http://wbln0018.worldbank.org/LAC/lacinfoclient.nsf/8d6661f6799ea8a48525673900537f95/e4bf3b5369a28e6285256cde0074
c903/$FILE/challenges.pdf, p.12. (Busca, 27 out. 2003)
8
"FTAA Agreement Hides Divisions on Agriculture, Trade Remedies", IICA/FAO Joint Technical Secretariat,
http://www.sica.gov.ec/ingles/comercio/docs/noticias/ftaa_agreement_hides_divisions_o.htm. (Busca, 27 out. 2003)
9
Marceline White e Alexandra Spieldoch, loc.cit., p. 4-6.
3
A OMC afirma que os governos, que aceitam autorizar os fornecedores estrangeiros a
prestarem serviços nos setores da educação e saúde em seus mercados, não assumem o
compromisso de privatizar seus próprios serviços públicos. Isto também não lesa as normas
existentes, pois podem obrigar tanto os fornecedores estrangeiros quanto os nacionais a
respeitarem as mesmas normas de proteção do público e, caso queiram, podem exigir que
prescrições adicionais sejam impostas aos estrangeiros10.
Deste modo, segundo um
documento elaborado para parlamentares, o GATS não ameaçaria o direito de permanência de
serviços públicos e a liberalização conjeturada pelo GATS não implicaria em
desregulamentação.11 Entretanto, existem várias propostas para que determinados serviços,
tais como saúde e educação, sejam explicitamente exclusos dos acordos comerciais.
2.3.1 Educação
Mais particularmente em relação à educação, alguns Estados querem que o ensino superior,
principalmente o ensino através de novas tecnologias, Internet por exemplo, os estudos
comerciais e a educação de adultos sejam incluídos nas negociações comerciais, não apenas
diante da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas também no marco da criação da
ALCA.
Uma abertura aos serviços como estes vindos do exterior pode evidentemente possibilitar que
alguns Estados passem a ter acesso a recursos ou especialidades, dos quais se encontram
normalmente privados, podendo eventualmente ser benéficos à mulher. Entretanto, esta
decisão deve competir estritamente à vontade de cada Estado e não deve ser imposta pelas
disposições de um acordo comercial.
2.3.2 Saúde
Atualmente, cada Estado possui ainda a capacidade de tomar medidas e aprovar políticas que
melhor lhes convêm e que atendam aos seus próprios objetivos estabelecidos em relação aos
sistemas públicos de saúde. Entretanto, caso o setor da saúde também seja liberalizado, será
então tarde demais para se reagir, pois é dificílimo voltar atrás em relação aos compromissos
assumidos no marco de acordos comerciais. Além do mais, o governo que queira mais tarde
retirar da concorrência internacional um setor por ele mesmo anteriormente liberalizado pode
ser processado por um Estado ou por um investidor insatisfeito, conforme atualmente
autorizado pelo NAFTA e provavelmente pela futura ALCA.
Além disto, como usuária dos serviços de saúde, a mulher poderia “beneficiar de uma
importante concorrência do setor privado nesta área, caso isto realmente contribua para a
redução de custos, para a prestação de melhores serviços e maiores opções de atendimento
de saúde.”12
2.4. Propriedade intelectual
Em todos os setores de atividades, as inovações dependem muitíssimo dos direitos de
propriedade intelectual. Existem fundamentalmente duas justificativas para que os direitos de
propriedade intelectual sejam inclusos nos acordos comerciais.
Primeiro porque tal
reconhecimento suscitaria maiores investimentos nas áreas de pesquisa e desenvolvimento e
10
OMC, "AGCS - Faits et fiction", http://www.wto.org/french/tratop_f/serv_f/gatsfacts1004_f.pdf, pp.13-14.
11
OMC,
"Les
questions
de
politique
générale
à
l’OMC
présentées
http://www.wto.org/french/res_f/booksp_f/parliamentarians_f.pdf, p. 27.
12
Cathy Blacklock, Les Canadiennes et le commerce : survol des principaux enjeux, Condition féminine Canada, 2000, p. 16.
4
à
l’intention
des
parlementaires",
de atividades de criação; segundo porque a propriedade intelectual contribui para a expansão
dos mercados em termos de tecnologia e produtos. Entretanto, os aspectos de exclusão dos
direitos de propriedade intelectual podem elevar os custos das inovações subseqüentes e das
imitações. Deste modo, a adoção de uma abordagem equilibrada torna-se obrigatória. É
necessário, por exemplo, que regras possam ser modificadas conforme o nível de
desenvolvimento econômico do país visado.13
É preciso principalmente questionar-se se é justo restringir a quantidade da fabricação de
medicamentos genéricos de baixo custo. Nos países em desenvolvimento, pode-se pensar
que o conseqüente aumento do custo de medicamentos influenciaria a mulher, pois seu acesso
a atendimentos médicos básicos é muitas vezes limitado.
Do mesmo modo, é preciso que seja feita uma reflexão sobre a aplicação demasiadamente
estrita das regras de proteção da propriedade intelectual no setor agropecuário. Por exemplo,
a possibilidade que da empresas têm de patentear as sementes empregadas pelos povos
indígenas representaria uma ameaça à diversidade de alimentação. Isto poderia provocar
também um aumento do custo da produção agrícola afetando, então, seriamente a mulher que
vive da agricultura de subsistência, além de privá-la dos benefícios de seu conhecimento
agrícola de seus antepassados14.
2.5. Língua, cultura e comunicações
A diversidade cultural em seus vários modos de expressão representa um considerável
patrimônio da humanidade. A própria diversidade cultural é uma riqueza que deve ser
partilhada. Tanto em relação às Artes, às línguas, à literatura ou aos meios de comunicação, a
cultura é a essência da identidade dos povos, e a mulher é centro da cadeia de preservação e
transmissão desta diversidade. Deste modo, a cultura não pode se submeter a ser uma
simples mercadoria. Além do mais, a cultura e as comunicações são setores de atividades
vulneráveis, pois precisam de apoio dos poderes públicos tanto para criação, produção,
promoção como para divulgação.
Diante disto, o presente texto do acordo que deve levar à criação da Área de Livre Comércio
das Américas (ALCA) exercerá evidentemente um impacto direto na capacidade dos
parlamentos nacionais de legislar para proteger e promover esta diversidade cultural. Esta
ameaça é tão real que tem se deteriorado pela emergência de um certo número de
conglomerados de comunicações que tentam acelerar o fenômeno de aculturação.
É por isso que a Rede de Mulheres Parlamentares das Américas deve exercer uma grande
vigilância para assegurar que a exceção cultural seja inserida nos textos da ALCA, para
defender a capacidade dos Estados e dos Governos de promover políticas culturais que
considerem suas respectivas especificidades.
2.6. Mercados públicos
A liberalização dos mercados públicos poderia proporcionar à mulher empreendedora das
Américas a possibilidade de ver suas atividades ampliadas e exportar seus serviços e produtos
para mercados estrangeiros15. Contudo, é fundamental que os acordos de liberalização
13
Ressource
Book
on
TRIPS
and
Development:
Policy
Discussion
http://www.ictsd.org/pubs/ictsd_series/iprs/PP/PP_3CH_03.pdf, p.65. (Busca, 27 out. 2003)
14
Por exemplo, em relação às ervas medicinais.
15
Luz Maria de la Mora, in Women's Edge Coalition, op. cit.
5
Paper,
UNCTAD-ICTSD,
prevejam a implantação de infra-estruturas de apoio ao desenvolvimento de PMEs e,
particularmente para PMEs de propriedade da mulher, a fim de que ela possa beneficiar-se de
tal oportunidade. Baseado nisto, o grupo Women Leaders of the Americas fez um apelo para
que os governos membros ampliem as possibilidades de negociação da mulher através da
adoção de medidas concretas para a facilitação de negócios, proporcionando à mulher maiores
serviços e direcionando-lhe todas as políticas de concorrência em todos os países da ALCA.16
Todavia, em caso de reestruturação das cláusulas do Capítulo 10 do NAFTA17 principalmente
sobre o aspecto do tratamento nacional e do tratamento da nação mais favorecida, os termos
do acordo poderiam restringir a capacidade dos governos de favorecer as pequenas e médias
empresas locais em relação à concessão de contratos. A mulher seria, então, prejudicada, já
que lidera o setor da micro e pequena empresa18.
3. Pistas de ação para que a mulher possa beneficiar-se da liberalização dos
intercâmbios
Várias organizações internacionais propõem diversas medidas através das quais a mulher e o
conjunto da sociedade das Américas possam se beneficiar equilibradamente desta
liberalização. Tais propostas podem ser empregadas como orientação da ação dos
parlamentares em relação à dita problemática.
3.1. Iniciativas das organizações interamericanas
A Comissão Interamericana de Mulheres (CIM), organismo especializado da Organização dos
Estados Americanos (OEA), exerce um importante papel na promoção dos direitos da mulher
nas Américas. Em abril de 2000, a pedido da OEA, a CIM organizou o primeiro Encontro de
Ministros ou Autoridades do Mais Alto Nível Responsáveis pelos Direitos das Mulheres. Porém,
a CIM ainda não se pronunciou sobre a criação da Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA) e seu impacto exercido na mulher.
Ao contrário da CIM, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o
Caribe (CEPALC) abordou diretamente a questão dos impactos da liberalização dos
intercâmbios na mulher. Em fevereiro de 2000, foi realizada a VIII Conferência Regional sobre
a Mulher na América Latina e no Caribe, organizada pela CEPALC em Lima, Peru. Esta
conferência foi encerrada com a adoção de uma importante declaração política, o Consenso de
Lima, contendo os compromissos assumidos pelos Estados em relação à melhoria da condição
feminina, principalmente no contexto de integração econômica. Os Estados signatários desta
declaração reconhecem que a liberalização dos intercâmbios pode exercer impactos
específicos e, às vezes, negativos na mulher, e acordam promover a implantação de medidas
que combatam tais efeitos. Engajam-se em implantar a Plataforma de Ação de Beijing,
adotada na IV Conferência Mundial sobre a Mulher organizada pela ONU, e também promover
a aplicação da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (CEDAW) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, principais instrumentos internacionais de proteção e promoção dos direitos da
mulher nas Américas.
16
Women and the FTAA: Our Contribution to Economic Prosperity: Recommendations, Toronto, 2-3 nov. 1999.
17
Embora se trate do conteúdo do segundo anteprojeto, esta é uma secção em que falta muito para que as partes estabeleçam um
entendimento. Marceline White e Alexandra Spieldoch, loc. cit., p. 8.
18
Marceline White e Alexandra Spieldoch, loc. cit., p. 8.; Mariama Williams, op. cit.
6
3.2. Soluções propostas por ONGs e grupos da sociedade civil
Diferentes ONGs e vários grupos da sociedade civil examinaram atentamente as questões dos
impactos da liberalização dos intercâmbios na mulher e propuseram diversas pistas de ação
para que a mulher possa beneficiar-se eqüitativamente do livre comércio.
As organizações e os grupos da sociedade civil recomendam, por exemplo, que seja tomada
uma série de ações relacionadas ao processo de liberalização dos intercâmbios. Salientam a
ausência de dados que possibilitariam uma melhor avaliação e acompanhamento do impacto
dos acordos comerciais exercidos na mulher. Deste modo, convidam as organizações
internacionais e os Estados concernidos a desenvolver indicadores e coletar dados necessários
à elaboração e ao acompanhamento de políticas econômicas internacionais e também integrar
a análise do impacto diferenciado por gênero no processo de negociação, de modo que tais
elementos precedam a assinatura do acordo. Além do mais, estas organizações e grupos da
sociedade civil insistem na importância de tornar o processo de negociação mais transparente
e incrementar-lhe a participação da mulher e, particularmente, da mulher parlamentar.
Recomendam também que os acordos comerciais sejam submetidos às convenções
internacionais em termos de direitos humanos19.
3.3. Pistas de ação para membros de parlamentos
Várias medidas podem ser implantadas pelos membros dos parlamentos e pela Rede de
Mulheres Parlamentares das Américas a fim de favorecer uma integração continental profícua
tanto à mulher quanto ao homem. Estas medidas podem ser classificadas em três estratégias
de ação: a promoção dos interesses da mulher, o acompanhamento das negociações
comerciais e a preservação da capacidade de legislar dos Estados.
3.3.1. Primeira estratégia de ação: promoção dos interesses da mulher
Para promover os interesses da mulher, é importante que sejam circuladas informações e haja
uma sensibilização sobre os direitos da mulher e sobre os impactos da liberalização diante dos
parlamentos e das populações e, mais particularmente, da mulher, suscitando assim um
verdadeiro debate sobre as problemáticas provenientes de tais questões.
Em nossos respectivos parlamentos, devem ser elaboradas consultas públicas para divulgação
das preocupações, e principalmente preocupações da mulher, em relação aos acordos
comerciais. Além do mais, cabe aos parlamentares interpelar seus respectivos governos para
que estes considerem ainda mais os interesses da mulher na elaboração de políticas
macroeconômicas e no estabelecimento de objetivos de negociações de acordos
internacionais.
Os parlamentares poderiam, além do mais, incitar os governos que ainda não são signatários,
a assinar e implantar as convenções internacionais relacionadas aos direitos da mulher. Enfim,
os parlamentares poderiam intervir diante dos representantes de seus respectivos países
membros da Comissão Interamericana de Mulheres, para que esta se pronuncie sobre o
impacto da ALCA na mulher e também diante dos representantes da Organização dos Estados
Americanos para que esta organização considere os interesses da mulher na tomada de
posição vinculada à integração continental.
19
Social
Continental
Alliance,
Alternatives
for
the
Americas,
dez.
2002,
[http://www.aschsa.org/pdf/Alternativas%20ene%202003%20english.pdf ], (Busca, 27 ago. 2003), 99 p.; Soraya Hassanali, Commerce
international: Intégration des considérations liées à l'égalité entre les sexes dans le processus d'élaboration des politiques.
Initiatives et leçons. Document de travail rédigé pour Condition féminine Canada, Condition féminine Canada, dez. 2000,
[http://www.swc-cfc.gc.ca/pubs/0662661974/200012_0662661974_f.pdf], (Busca, 27 ago. 2003), 38 p.
7
3.3.2. Segunda estratégia de ação: acompanhamento do processo de negociações dos
acordos do ponto de vista do impacto exercido na mulher
Em relação ao processo de negociações, cabe aos parlamentares acompanhá-las de perto a
fim de garantir a liberalização segundo os interesses da mulher e, conseqüentemente,
assegurar que os acordos contenham todas as ressalvas necessárias.
Cabe aos
parlamentares exercerem vigilância para que os governos e, mais particularmente, os
negociadores estejam bem cientes das problemáticas que a liberalização representa para a
mulher. Devem exigir dos governos maior transparência no processo de negociações, de
modo que estejam informados sobre os objetivos, posições e engajamentos comerciais que
possam exercer um impacto na mulher, e também sobre a ordem do dia dos encontros de
negociações.
Além disso, os parlamentares poderiam exigir que haja um maior número de mulheres nas
equipes de negociações e recomendar que seja considerada a presença de observadores
parlamentares nos encontros de negociações.
Além disto, seria oportuno incluir na ordem do dia de cada reunião da Rede um tópico sobre os
impactos da ALCA na mulher. Enfim, a Rede deveria insistir para que a Confederação
Parlamentar das Américas (COPA) integre as preocupações da mulher em suas reivindicações,
particularmente em relação ao estabelecimento da Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA) e à integração econômica em geral.
3.3.3. Terceira estratégia de ação: preservação da capacidade de legislar dos Estados
Convém atuar inclusive para que os acordos comerciais internacionais não coíbam a soberania
das sociedades nem restrinjam a ação do legislador. Neste sentido, é essencial defender,
diante das instâncias concernidas, o direito que cada Estado tem de estabelecer reformas e
tomar todas as medidas necessárias, por exemplo, para a melhoria da condição feminina. O
papel dos parlamentares é exigir que os governos prestem contas às suas assembléias
parlamentares de todas as etapas do processo de negociações, a fim de mantê-las informadas
e implicá-las na definição de objetivos, posições e engajamentos comerciais assumidos que
possam exercer um impacto na mulher. Os parlamentares devem também efetuar uma
avaliação das conseqüências das decisões às quais são levados a tomar, a fim de garantir que
estas respeitem os objetivos por eles estabelecidos em relação à condição feminina e à
igualdade de gêneros. Além do mais, podem fazer com que os acordos sejam interpretados e
implantados em seus respectivos países da maneira mais restritiva possível, atenuando os
impactos negativos na mulher e mantendo para si o controle necessário à elaboração de
políticas deste setor.
Estas estratégias de ação são, evidentemente, apenas alguns exemplos e visam
fundamentalmente suscitar uma reflexão para a elaboração de uma estratégia que possa ser a
mais apropriada à mulher membro da Rede, a fim de defender de maneira apropriada os
interesses das populações em geral e, particularmente, os da mulher no processo de
integração econômica das Américas.
8
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Impacto da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)