Você é kairos ou chronos?
Fernando Henrique da Silveira Neto
A festa estava realmente muito animada. Eu conversava com um grupo que acabara de se
formar naquela noite, mas parecia que já nos conhecíamos há anos. Sabe, aquelas reuniões
para as quais se é convidado e não conseguimos dizer não. Mas daquelas em que
preparamos estratégias antes de entrar, do tipo se fulano estiver na sala, passo de fininho,
digo olá e sigo para o outro extremo da casa.
E um grupo bem interessante acabou se formando naquele extremo da casa, certamente cada
um fugindo de algum fulano. Falamos de tudo, jogamos conversa fora e ouvimos histórias
interessantes.
E quando falávamos sobre o significado do tempo (o papo estava sério mesmo!) chegou-se ao
grupo o Zezo, um dos fulanos da sala. Não, não era o fulano que me fizera ir para aquele
local, mas o fulano que fizera com que a Judite se juntasse ao nosso grupo.
Quando Zezo chegou, ela educadamente perguntou como ele ia, e como tinham sido suas
férias recentes no exterior. O pior é que ele contou. Mais ou menos assim.
- Foi razoável, mas com muitos contratempos. O vôo de ida saiu quase no horário, mas o de
volta atrasou quase quatro horas, e eu fiquei irritado com a empresa aérea, que me deixou
sem qualquer atendimento ou informação sobre os motivos do atraso, plantado no aeroporto.
Além disso, o hotel me fez cumprir o horário de saída ao meio-dia, mesmo sabendo que o vôo
era à noite. Fiquei esperando um bom tempo no saguão, cheio de malas e sem nada para
fazer.
Quando ia continuar, Zezo foi chamado de volta à sala para contar para outro grupo um fato
ocorrido na viagem, e Judite deu força para que ele fosse.
- Vocês me desculpem, mas volto logo.
Tão logo o Zezo saiu, Judite voltou ao papo sério de antes:
- O grego tem duas palavras ligadas ao tempo: chronos e kairos. Zezo é chronos, tempo para
ele tem a ver apenas com horários, atrasos, prazos e duração de eventos e atividades, e isto
é o que nos diferencia. Tempo para mim é kairos, tem a ver com valores e qualidade.
Paulinho comentou logo a seguir:
- Mas Judite, como é que você contaria a mesma história do Zezo? Afinal, deve ter sido uma
chatura ficar no saguão do hotel sem fazer nada, e pior ainda esperar por quatro horas num
aeroporto, louco para embarcar de volta para casa.
Ao que Helena Maria acrescentou:
- É, não dá para dizer que tudo isso é natural e que nada aconteceu...
-Tem razão, disse Judite, mas a percepção do que aconteceu e a escolha do que fazer é que
fazem a diferença entre um chronos e um kairos.
Paulinho então pediu:
- Judite, se fosse você contando o que aconteceu, como teria sido?
Judite falou:
- É claro que não vou alterar os fatos, pois isto não faz sentido. Talvez teria interpretado e dito
de uma maneira diferente. Mais ou menos assim.
- A viagem foi cheia de surpresas. Visitei todos os lugares que tinha planejado e ainda dei
uma fugida de dois dias até Boston, pois sempre quis muito ir até lá e nunca aparecia uma
oportunidade. Você sabe, trabalhei numa multinacional, e toda viagem internacional era do
tipo casa-avião-trabalho-hotel-trabalho-avião-casa. Dessa vez consegui!
E continuou:
- No dia da volta, tentei um late check-out no hotel, mas não consegui. Pois pouco depois do
meio-dia, guardei as malas no maleiro do hotel, fui almoçar no Four Seasons, e só me dei
conta da hora quando já eram quase quatro da tarde! Aquele restaurante é demais, e é tão
bom a gente poder ficar perdido no tempo, sem qualquer compromisso imediato... Resolvi
então voltar a pé, olhando vitrines e demorando o quanto quisesse em cada uma delas, já que
só no final da tarde iria para o aeroporto.
- E não é que o vôo atrasou? Fiquei uma fera no balcão, disse que queria ser tratada como
consumidora, que tinha horários a cumprir ainda no dia da chegada ao Brasil, mas ao final
pensei: bem, como gastar quatro horas num aeroporto sem me chatear muito? Nas livrarias e
no free-shop. E foi o que fiz, e quase perdi a hora do vôo...
Helena Maria então disse, surpresa:
- Ué, mas é verdade que ele foi até Boston por dois dias, e que também almoçou no Four
Seasons?
-Não, ele foi apenas até Boston, mas não pôde visitar o MIT porque senão iria se atrasar. E
me disse que na próxima viagem vai arranjar um tempo para ir ao Four Seasons para
almoçar...
-Mas que bobagem, disse Paulinho, a oportunidade estava lá e ele não a aproveitou...
Esta pequena história é bem próxima da que realmente aconteceu, com exceção dos nomes
das pessoas envolvidas. Mostra claramente duas possíveis interpretações para o mesmo fato
a partir da visão do que significa o tempo para cada um de nós. A realidade não mudou, e não
estamos defendendo uma visão exclusivamente kairos do tempo.
Mas pensar apenas chronos é limitar e estreitar o uso do tempo, ligando-o somente ao relógio,
aos afazeres e tarefas, deixando de lado o usufruir, o aproveitar e o usar o tempo com
qualidade e não como quantidade.
Covey lembra que o tempo é algo para ser vivido, e que a essência do kairos é o que você
obtém dele, ao contrário do chronos, que se preocupa com o quanto você gastou dele. A
escolha é livre, depende apenas de cada um de nós, mas esta opção preferencial por uma ou
outra visão do tempo pode nos tornar mais pacientes, alegres e de bem com a vida e com os
demais.
E afinal, você está sendo mais chronos ou kairos com o tempo de sua vida?
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Você é kairos ou chronos? - Fernando Henrique da Silveira Neto