UMA QUESTÃO DE TEMPO: A TEMPORALIDADE
MODERNA
Priscilla Luciane Bastos Oliveira1
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O tempo é uma questão para os homens, nos textos bíblicos como
Eclesiastes, na mitologia grega e nos pensadores filosóficos de todos os tempos.
O Kronos e o Kairós são definições que auxiliam na compreensão e
discussão sobre a temporalidade.
Na mitologia grega Cronos é uma divindade, o deus do tempo cronológico;
que destronou seu pai. Seu neto Kairós, filho de Zeus; era a personificação do
tempo subjetivo, pessoal de cada homem e de cada deus.
Esse era o tempo oportuno, o momento certo; era simbolizado por um jovem
atleta que tinha asas nos pés, sendo veloz em seus movimentos e transitando de um
espaço a outro aleatoriamente se tinha dificuldade de alcança-lo.
Conforme Coenen e Brown, a eternidade e o tempo são duas categorias
distintas, e, os gregos tinham diversas palavras para designar diversas facetas
destas duas categorias, como é possível perceber a seguir com duas definições
kairós e chronos (2452- 2476):
Para Hesíodo, kairós estava relacionado com a “medida certa”, apropriado ou
decisivo. Além do sentido material, temporal e léxico possuía a conotação do “lugar
apropriado”.
No sentido material e temporal kairós tem o sentido de uma situação critica
que exige uma decisão que evite fatalidades ao homem. Para Aristósteles, kairós
1
Aluna do programa de pós-graduação em ciências da Religião (Mestrado), Universidade Mackenzie.
“Crónos e Kairos”
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era uma situação positiva: uma oportunidade. Para Platão, uma situação negativa:
“perigo”, um risco.
No sentido temporal, subentende um tempo oportuno, tempo apropriado, um
momento favorável.
A partir de Homero, Chronos, não é mais um determinado tempo fixado em
uma regra geral; o tempo passa ser invariável “longo” ou “curto”.
Posteriormente assume o sentido de tempo desperdiçado, ou período e a
duração de vida.
Para o homem grego o tempo era o poder determinante de sua vida, por um
lado parecia que o tempo era infinito, mas por lado percebia que o tempo alocado ao
individuo era finito, curto demais.
O tempo “onividente” era juiz de todas as coisas, era o esclarecedor de
questões obscuras, principalmente ai verdadeiro valor de um homem e o tempo era
aquele que curava as pessoas de suas feridas por meio do esquecimento.
No entanto, o tempo não trazia a salvação da morte, por isso, o grego
buscava consumir, gastar o tempo de sua existência, ou estender a vida após a
morte deixando um legado, uma fama póstuma.
Portanto, para os gregos o problema sobre o tempo era vencer seus
obstáculos por meio da esquematização intelectual.
Com Platão, o chronos foi criado juntamente com os céus estrelados e voltará
a desaparecer, juntamente com eles. Um tempo oposto a imutabilidade do Eterno e
Infinito, marcado pela brevidade do tempo, com os conceitos temporais de passado,
presente e futuro. O tempo, no pensamento de Platão, corresponde o movimento
dos planetas.
Aristóteles percebeu o chronos na realidade dos existentes, se afastando da
ideia de Platão da Existência. Os movimentos podem ser medidos por números,
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definindo o tempo como a medida contínua de movimentos sucessivos, este é o tipo
de processo que os gregos expressam as coisas de modo visual.
Tanto em Aristóteles como em Platão, o tempo tem uma posição de
inferioridade ao espaço.
Porém, quando Coenen e Brown tratam do pensamento teológico, eles
marcam suas diferenças em relação ao pensamento judaico-cristão dos pensadores
gregos.
Teologicamente falando, o tempo duradouro é propriedade de Deus, o
Criador, ao passo que o tempo passageiro pertence ao homem, como
criatura. Chronos denota principalmente a expansão quantitativa e linear do
tempo, um espaço ou período de tempo, e, portanto, é um termo para o
conceito formal e científico do tempo. [...] É instrutivo para a totalidade do
modo de o NT entender o tempo que não é o conceito formal de chronos,
mas sim, o de kairós, que qualificava o conteúdo do tempo de Jesus, que
fica em primeiro plano. (COENEM & BROWN, 2013, 2452).
No pensamento judaico-cristão o tempo não ocupa espaço de reflexão, mas
sim, o momento em que o homem terá o encontro com Deus no tempo oportuno
(kairós), em um dia (chronos).
O filósofo Santo Agostinho, seguindo o pensamento cristão e sendo
influenciado por Platão, debruçou-se a compreender o que seria o tempo:
“Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-los clara e brevemente? Se
ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta já
não sei.” (AGOSTINHO, 1981, 243).
O filósofo buscou compreender a distinção da temporalidade da eternidade
como tempo divino com a temporalidade cronológica da criação, portanto, do mundo
e dos homens.
Na eternidade, que pertence ao divino, sempre é presente como é Deus, o
Deus dos cristãos.
Na eternidade, ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao passo que o
tempo nunca é o todo presente. Esse tal verá que o passado é impelido
pelo futuro e que todo o futuro esta precedido dum passado, e todo o
passado e futuro são criados e dinamam d’Aquele que sempre é presente.
Quem poderá prender o coração do homem, para que pare e veja como a
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eternidade imóvel determina o futuro e o passado, não sendo ela nem
passado e nem futuro? (AGOSTINHO, 1981, 242).
Deus é o dominador do futuro. O tempo é uma criação divina, de um Deus
que existe antes do tempo. “Criastes todos os tempos e existes antes de todos os
tempos. Não é concebível em que possa dizer-se que não havia tempo.” (1981,
243).
Agostinho entendia que o homem que vive no tempo cronológico marcado por
passado, presente e futuro não pode compreender a eternidade, pois este está
preso neste tempo que remete ao cotidiano, enquanto a eternidade é todo presente.
A esse, que o poderá prender e fixar, para que pare um momento e arrebate
um pouco do esplendor da eternidade perpetuamente imutável, para que
veja como a eternidade é incomparável, se a confronta com tempo, que
nunca para? Compreenderá então que a duração do tempo não será longa,
se não se compuser de muitos movimentos passageiros. (AGOSTINHO,
1981, 242).
Para o filósofo, o futuro não existe e nem o passado, e o presente é um
momento com curto período de existência.
De que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro -, se o
passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se
fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo,
mas eternidade. (AGOSTINHO, 1981, 244).
Para Agostinho, o tempo do homem é constituído por três tempos,
subdivindido este tempo por mais partes encontra-se o presente.
Se pudermos conceber um espaço de tempo que não seja suscetível de ser
subdividido em mais partes, por mais pequeninas que sejam, só a esse
podemos conceber um espaço de tempo presente. Mas este voa tão
rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma duração. Se a
tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo, o tempo presente não tem
nenhum espaço. (AGOSTINHO, 1981, 244).
Portanto, o passado e o futuro para Agostinho não existe, ele se encontra no
imaginário das pessoas que projeta suas memórias e expectativas no presente.
“É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas
talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas,
presente das presentes, presentes das futuras.” (Idem, 249)
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A questão da duração dos tempos, Agostinho entendeu que somente é
possível prolongar o passado e o futuro no espírito humano pela expectativa,
atenção e memória. Sendo assim, o futuro não existe, mas sim, “o futuro longo é
apenas a longa expectação do futuro” e como não existe o passado, pois “o pretérito
longo é outra coisa não é senão a longa lembrança do passado” (255).
Segundo Ricardo Bitun, com a mudança da sociedade tradicional para a
sociedade moderna, o paraíso, o lugar de descanso e prazer; foi transferido do
porvir, de eras vindouras para o tempo “hoje” por meio do progresso técnicocientifico, em que o homem é seu próprio deus e o tempo, conforme Bauman; vence
e domina o espaço e as pessoas.
Conforme Ricardo Bitun a modernidade trouxe profundas mudanças nos
conceitos.
de espaço e tempo e a utopia ou a parusia que sofreu um processo
de secularização ou imanetização. A razão moderna está no centro
do processo de desencantamento do mundo e no coração da
esperança moderna: a esperança de que a realização dos sonhos da
humanidade reside no progresso tecnológico [...] o homem se tornou
o sujeito de sua emancipação. (SUNG, 1994, apud BITUN, 2011, 36).
Conforme Bauman (107-149), a história do tempo começou com a
Modernidade, isto é, “a modernidade é o tempo em que o tempo tem uma história”
(2000,129), isto ocorreu quando o espaço e tempo se tornaram distintos devido o
uso de meios de transportes não-humano e não-animal substituindo o wetware (os
humanos e animais) na movimentação pelo espaço.
O tempo torna-se independente aos fatores imutáveis da massa da terra e
dos mares, pois se tornou dinâmico, ajustável e manipulado; como ferramenta na
modernidade ganha status de dinheiro e riqueza, opondo-se ao espaço, cada vez
mais superado pela velocidade do tempo.
O hardware venceria o wetware, a questão do tempo na modernidade
ganharia novas facetas: a sua emancipação do espaço e posteriormente a conquista
do espaço.
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Com a racionalidade e eficiência da produção o tempo passa a ser rotinizado,
amansado e congelado para que o domínio do espaço não se tornasse um caos.
Mas tudo se transforma com o software e com advento da modernidade leve,
a partir deste momento o tempo passa ser “tempo nenhum” (BAUMAN, 2000, 136),
pois agora com o software o espaço é reduzido e atravessado em tempo real.
A marca do tempo torna-se a “instantaneidade” determinando as relações de
dominação, sendo assim, os dominadores são os detentores dos meios de
velocidade para obter informações, atravessar espaços e conecta-se a outras
pessoas.
As dominadas são aquelas ainda presas ao espaço não podendo mover-se
tão rapidamente. Aceleração e procrastinação são armas neste processo de
dominação.
Na instantaneidade o longo prazo é substituído pelo curto prazo, consumo
passa a está nos objetos não duráveis, a durabilidade torna-se um recurso de risco.
O
modo
de
convívio
dos
humanos também
é
transformado
pela
instantaneidade, este período é marcado pela desvalorização da eternidade e da
durabilidade, uma geração que não se prende em memórias e nem na expectativa
do futuro. No entanto, Bauman entende:
Mas a memória do passado e a confiança no futuro foram até aqui os dois
pilares em que se apoiavam as pontes culturas e morais entre a
transitoriedade e a durabilidade, a mortalidade humana e a imortalidade das
realizações humanas, e também entre assumir a responsabilidade e viver o
momento. (BAUMAM, 2000, 149)
A revista Época, com a matéria ”Desacelere” apresenta o livro de Frank
Partnoy Como fazer a escolha certa que defendeu que as decisões mais eficientes
são tomadas por aqueles que procrastinam suas decisões para o amadurecimento
diferentemente dos que usam a intuição imediatista.
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A questão é o tempo necessário para tomada de decisões, a discussão de
Bauman sobre o tempo e o espaço facilita entender que neste ponto as decisões
são o meio para o fim que é o tempo.
O site o GLOBO com a matéria Tudo ao mesmo tempo agora: um fenômeno
da era digital, afirma que os humanos tornaram se escravos do presente, dos
momentos e isto por causa dos tabletes, celulares e mídias digitais.
Ao mesmo tempo em que desorientados é urgente à obrigatoriedade de
conseguir lidar com as informações e a realidade ao redor.
O professor Douglas Rushkoff, entende que os humanos estão presos ao
presente um “instante prolongado”. Uma saída do “futurismo” para o “presentismo”,
desta forma, os humanos encontram se congelados a um instante.
As pessoas não percebem que o uso dos meios digitais são para poupar o
tempo e organizar as tarefas, elas fizeram ao contrário, estão viciadas na velocidade
e sentem a necessidade de está em todos os lugares e fazer o que querem tudo ao
mesmo tempo.
O direito da espera foi perdido, a necessidade de está conectado ao mundo
virtual e viver a identidade virtual causa um caos mental chamado de “Digifrenia”.
A pós modernidade ou modernidade líquida como se refere Bauman é um
momento que instiga novas reflexões, em que os conceitos estão diluídos. E o
conceito tempo não escapa a diluição e a necessidade de reflexão.
REFERÊNCIAS.
AGOSTINHO,
Santo.
Confissões
–
livro
XI:
O
homem
e
o
tempo.
Disponível: http://www.fafich.ufmg.br/bib/downloads/CONFISSOES_Livro_XI_O_Homem_e_
o_Tempo.pdf. Acessado em: 22-11-2015
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. pags 107-149.
BITUN, Ricardo. Mochileiros da Fé. São Paulo: Editora Reflexão, 2011.
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COENEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de teologia do Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2013 pags. 2452-2476.
Revista
Época.
Desacelere.
Acessado
em
22-11-2015.
Disponível
em:
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/10/desacelere.html
Site o Globo. Tudo ao mesmo tempo e agora: um fenômeno da era digital. Acessado
em: 22-11-2015. Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/10/desacelere.html
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