1028
A
A INICIACAO
LINGUAGEM EM INFANCIA. DE GRACILIANO
RAMOS
Maria Celina Novaes
USP
Em InfSncia, Graciliano Ramos resgata.
do relata de fatos marcantes de sua
prlmelros passos no desvendamento
menino Graciliana
organiza~ao
vlo1@ncla
e.
olhar
do
~ lnqulrldor: busca urn sentldo para
a
cerca. Seu desejo de
0
no entanto, constantemente
nublado
pela
do meio em que vive. (1) A descoberta do Mundo
classificado,
ordenado, nomeado. Nao resta muito
para questlonamentos
lnterdltado.
convenc~o.
sujeltar-se
e lnven~Oes -
e
aceltar urna dada representacAo
a
urna determinada
a vlv~ncia
fragil. permanentemente
da
aderlr
de
mundo.
transforma-se
ameacado pela
de urn modo de vida adulto (2): "Proibiam-me
a
realldade,
organiza~Ao
infantil
espa~o
esse urn terrltorl0
Desse modo, aprender limita-se a
Nesse contexto,
universo
do Mundo. 0
de coisas e seres que
conhecimento
meninice.
nurn
opress~o
rir,
falar
1029
numa grande
cadeie.
um papagaio
amarrado
Com esse
ideia do contexto
N~o, vivie nurne cadeia pequena.
na gaiola."
preAmbulo,
em
que
1inguagem , em InfAneia:
como
lugar
de
(p. 213)
esperamos
vai
se
aquele
dar
que
cerceamento.
ter
a
dado
configura
de
mundo
I1mltaQAo,
de
e
que
mals recorrentes
no livro: 0 mundo
como pris~o.
tambem em relacAo
estendia
Ihe
palavra
fraternalmente
1ndiv1duos.
d1fic11
a
que
6
72)
Graeiliano
em relac~o
ern que ele pergunta
incongruente,
n~o
e
eurvou-se.
nutrir
eser1ta):
a minha
ignor&ncla
a
todos
misterio
0
para
reg1stro
ao universe
sua mAe
aeeita.
usa 0 unieo argumento
vai
0
a
Outro
a
imposta,
Assim,
especial,
que elas se comblnassem
(p.
urna das lmagens
(em
NAo percebendo
noticia."
a
0
Ou ainda, naquela
de mundo
uma
1n1ciacAo
constrangimento.
organizBcAo
como
0
das letras,
narrar
do
signico
a
aehava
1n~el1z
descred1to
e
signi~ieado
0
da
os
de
epis6d10
paiavra
Como forma de eoercAo.
a mAe
que Ihe resta, a :forca: "Minha mlle
desealCou-se
e aplieou-me
varias
chineladas.
1030
Essa impress&o de que
opressAo e
e
a
linguagem
por ela reiterada vai ee
reitera
confirmar
quando
Graclilano Inieia sua alrabetlzaQ&o. Para convencl-lo
estudar
0
alrabeto,
0
pai
the
diz
que
linguagem representa uma arma poderosa. 0 menino
entllo que
as
letras
Ihe
propielem
a
dominio
0
alguma
a
da
espera
torma
de
deresa, de 11bertaoAo. Mas 0 que encontra 6 novamente um
mundo que nAo
pode
ser
compreendldo,
e
submissAo. Sujeioao que, alias,
e
violenta com que
alfabetizaoao com
introduzido
os
"tarara odiolSa", "inferno". Mas
"Dentro de algumas horas,
terrivel
se
reproduziria:
de
reroroada
em
seguintes
que
tal
Ihe
exige
pela
~orma
universo.
termos:
Essa
"eecravidao",
e a identificac;ilocom
alguns
berros,
minutos,
c61era
a
a
cena
1menaa
a
envolver-me. aniquilar-me, destruir as ultimos vestigioe
de consci@nc1a, e
0
pedaoo de madeira a martelar a carne
machucada." (P. 108) A cena terrlvel
mais
e
do que
0
ai
ret'er1da nada
penoso exercicio de soletraoAo conduzido
pelo pai, "que nilo tinha vocac;l!lo
para
0
ens1no".
Esse sofr1mento val ae repet1r na
de forma mais branda, mieturado ao ted10 e
da ignorincia dos meatres. Alias,
0
Que
vai
sscola.
a
percepc;ilo
marcar
t'ormamais acentuada a aprend1zagem na escola, nao
viol@ncia, mas aobscur1dade
do
discurso
mas
de
6 a
escolar.
A
1031
crian~a ava1ia que todo
0
alfabeto
pois
foi
inutil,
esfor~o felto para
os
textos
domlnar
estudados
0
nas
incompreensiveis:
"( •••) impossivel enxergar a narrativa simples nas
palavras desarrumadas e cornpridas.Temi
0
Barao de
Macaubas, considerei-o urnsabio enorme, confundi a
c1@ncia
dele
com
catecismo.
" - Podemos entender bern1sso?
Nlo: e urnmisterio." (p. 128)
De novo, a
t01h1da. Sem entender
possibilidade
0
que
ha
de
desvendamento
por
tras
de
e
tantas
letras, a crian~a imagina a linguagem eserita urndominio
impenetravel, que nlo deve ser v1olado por
especula~5es
ou 1nterpreta~~es. 0 mundo das 1etras, tal qual
e lugar de lnterdlc~es. Um universo
obtuso,
Essa 1mpressao pareee confirmada pelo fato de
0
real,
dogmat1co.
a
eseola
mais
da
delxavam perplexo. Enf1m a minha obr1gac~0 era papaguear
algumas silabae." (p. 130) Alias,
essa
f'lgurativi~a<;~o
"papaguear" (ou "papagaio") para representar a £'a1acomo
simples reproduQBo mecAnica
livro.
de
sons
e
recorrente
no
1032
Por outro lado, intriga
0
de os textos dos 11vros eseolares,
slstematicamente
adu1tos,
e
0
discurso
da
olhar infanti1 a fato
quando compreens!veis
ordem
tendo como lema a obedi@nc1a.
ass1m relliumidope10 narrador:
repressiva
Um desses
"Ave sabida e
que se confessava
trabalhadora
pequeno
no caminho do dever." (p.
vagabundo
possive1
dos
textos
imodesta,
em excesso e orientava
que ap6s tantos esfor~os
0
126)
unico
0
Ser1a
significado
Expllca-se
ass1m a sensaQao
de
promessa
0
do pa1;
frustra9aO
da
erianQa
dominio da 1inguagem nao
domado. Na civi1izaQao
e na fraqueza, 1a
impe1·iam, muito d6cll, multo 1eve, como
a
carta do A
exerclda
C, trlturados,
a
opressao,
para
os
onde
me
peda90s
da
soltos no ar." (p. 117)
tambem vai liga-1a
ultima etapa de sua 1n1eiaQao
contato
a
a
re1aciona
11berta9ao.
1inguagem vai
ser
com a 1eitura de romances. Ne1es, Gracl11ano
encohtrar
representados
da
representa,
pe10 mundo adu1to. Mas se Gracl1iano
a 11nguagem
A
dlante
outros mundos, bem
seu. Mundos que aco1hem nao s6
°
dever, mas
diversos
0
querer
0
vai
do
1. A este respeito, comenta Alfredo Bosi: "A eduea9iio
sertaneja, tal como Graciliano a rnostra em InfAncla
e
Vidas Secas, nlo pode prese1ndir
do inferno,
pais e
preciso temer a outro, a Natureza, a aeaso." (P. 20)
2. Esse confl1to aparece representada no livro atraves
da ado~!o
de termos pr6pr1os
da vida adulta para
descrever a experi8ncia infant1l. Ass1m, por exemplo,
0
relato de urna surra recebe a seguinte
introduc;.i!o: "As
rnlnhas prlmeiras rela90es eom a justi9a foram dolorosas
e delxaram-rne funda impressao. Eu devia ter quatro au
cineo anos, par ai, e figurei na qualidade
de reu."
(p.
31)
BOSI, Alfredo. "Ceu, Inferno".
Paulo, At1ea, 1988.
RAMOS, Graciliano.
1986.
InfAncia.
In:
Rto
Ceu,
de
Inf'erno.
Janeiro,
Saa
Record,
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