Acórdão do processo 0143100-66.2008.5.04.0011 (RO) Redator: ANA LUIZA HEINECK KRUSE Participam: IONE SALIN GONÇALVES, JOSÉ FELIPE LEDUR Data: 18/11/2010 Origem: 11ª Vara do Trabalho de Porto Alegre EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Prova produzida que comprova a inexistência de subordinação da reclamante diretamente com a emissora de TV Guaíba, não ensejando o reconhecimento de vínculo de emprego, por ausente um dos requisitos da relação de emprego. RECURSO ORDINÁRIO DA PRIMEIRA RECLAMADA. RECONHECIMENTO DA AUTORA COMO JORNALISTA. Comprovado que a empregada realizava habitualmente quaisquer das atividades elencadas no artigo 2º do DecretoLei 972/1969, correta a decisão de origem que a enquadrou como jornalista. VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 11ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente LUSIANE DE MAGALHÃES DUARTE E RÁDIO GUAÍBA LTDA. e recorrido OS MESMOS E TELEVISÃO GUAÍBA LTDA.. Inconformadas com a sentença das fls. 300/308, da lavra da Juíza Rafaela Duarte Costa, as partes recorrem da decisão. A reclamante interpõe recurso ordinário nas fls. 313/317, intentando a reforma do julgado em relação ao pedido de vínculo de emprego com a segunda reclamada. A primeira reclamada recorre ordinariamente nas fls. 323/329, pugnando pela reforma da sentença no que tange ao enquadramento da autora como jornalista e à condenação ao pagamento de horas extras. A primeira reclamada apresenta contrarrazões nas fls. 342/346 e o reclamante contra-arrazoa nas fls. 338/341. É o relatório. ISTO POSTO: RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. 1. VÍNCULO DE EMPREGO COM A SEGUNDA RECLAMADA. A reclamante insurge-se contra o não reconhecimento de vínculo empregatício com a segunda reclamada. Aduz que restou provado que a recorrente laborou para a segunda demandada, inclusive pelo depoimento da testemunha convidada pelas reclamadas, além do depoimento da testemunha convidada pela recorrente. Aduna que estava subordinada à direção da emissora, que era quem efetivamente beneficiava-se do labor da reclamante e quem de fato pagava seus salários. Argumenta que em ação trabalhista transitada em julgado foi reconhecido o vínculo de emprego do jornalista Flávio Alcaraz Gomes com as reclamadas, pelo que conclui que este jamais foi empregador da reclamante. Busca a reforma da decisão, para que seja reconhecido o vínculo empregatício com a segunda reclamada. Sem razão. A decisão de origem indeferiu o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com a Televisão Guaíba, sob o fundamento de que a reclamante não era subordinada direta da segunda reclamada, recebia o pagamento de terceiros e realizava as funções de forma eventual. A decisão encontra respaldo na prova produzida. Não obstante comprovado que a reclamante comparecia regularmente na segunda reclamada, o fazia em subordinação direta com o jornalista Flávio Alcaraz Gomes, conforme depoimento da própria autora. Os pagamentos eram realizados pela filha do jornalista, Laura Alcaraz Gomes. Ao contrário do sustentado pela recorrente, o fato de ter sido reconhecido vínculo de emprego entre o jornalista e as reclamadas não auxilia no reconhecimento de uma relação de emprego com a segunda reclamada. A verificação das condições que ensejam a configuração do vínculo empregatício deve ser feita diretamente entre os litigantes. A própria situação trazida aos autos, evidencia que o jornalista Flávio Alcaraz Gomes estava subordinado imediatamente à Diretora Geral Helena. Igualmente, o caráter pessoal da atividade do jornalista Flávio Alcaraz Gomes é evidente, enquanto o mesmo não acontece com a reclamante, que sequer tratava diretamente com a emissora de TV. Assim, é possível vislumbrar que, mesmo com seu superior hierárquico tendo vínculo de emprego reconhecido com a TV Guaíba, a reclamante não exercia suas atividades na forma de uma relação de emprego. A prova de tal situação era ônus da reclamada, do qual se desincumbiu de forma satisfatória. A testemunha convidada pelas rés, Edison Luiz Silva Martins, fls. 270, disse “que a reclamante trabalhava como produtora do programa de TV Guerrilheiros da Notícia; que a reclamante também acompanhava a produção do programa Fórum; que ambos eram apresentados por Flávio Alcaraz Gomes; que o programa Fórum saiu do ar no início de 2007; que a reclamante não era funcionária da TV, mas sim de Flávio Alcaraz Gomes; que quem pagava o salário da reclamante era o Flávio; que a diretora Helena nunca pagou o salário da reclamante; que Flávio tinha outros produtores além da reclamante, e eram funcionários diretos de Flávio; que a reclamante recebia ordens de Flávio; que Flávio tinha uma empresa; que a filha de Flávio Alcaraz trabalhava com ele e também coordenava a produção do programa”. A prova produzida comprova a inexistência de subordinação da reclamante aos diretores da TV Guaíba. Não restando presentes todos os requisitos da relação de emprego, mantém-se a decisão de origem, que denegou o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com a segunda reclamada. Provimento negado. RECURSO ORDINÁRIO DA PRIMEIRA RECLAMADA. 1. CATEGORIA PROFISSIONAL DA AUTORA. JORNALISTA. A primeira reclamada insurge-se contra a decisão que reconheceu que a reclamante desempenhou atividades de jornalista e condenou a recorrente ao pagamento de diferenças salariais pela adoção do piso dos jornalistas, bem como diferenças de horas extras pela jornada da mesma categoria profissional. Diz que as atividades da autora descritas pelo preposto em seu depoimento não são específicas de jornalista, mas também atribuições dos radialistas que exerçam função de produção. Repisa que as atividades realizadas pela autora eram típicas de produtora, função de radialista. Argumenta que, ainda que se admita que exercesse atividades como jornalista, tais eram feitas de forma eventual. Aduna jurisprudência no sentido de amparar sua tese. Sem razão. Mantém-se o entendimento da julgadora a quo, que interpretou a diferenciação entre a profissão de jornalista e radialista, consoante disposto no artigo 302, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, Artigo 2º e 6º do Decreto-Lei nº 972/1969 e artigos 2º e 4º da lei nº 6.615/1978. A atividade da reclamante, de fazer entrevistas por telefone e buscar informações para produzir uma notícia - descritas no depoimento do preposto da primeira reclamada (fl. 269) - são típicas de jornalista, sequer necessitando ser acumuladas com outra, consoante artigo 2º do Decreto-Lei 972/1969, in verbis: Art 2º A profissão de jornalista compreende, privativamente, o exercício habitual e remunerado de qualquer das seguintes atividades: a) redação, condensação, titulação, interpretação, correção ou coordenação de matéria a ser divulgada, contenha ou não comentário; b) comentário ou crônica, pelo rádio ou pela televisão; c) entrevista, inquérito ou reportagem, escrita ou falada; d) planejamento, organização, direção e eventual execução de serviços técnicos de jornalismo, como os de arquivo, ilustração ou distribuição gráfica de matéria a ser divulgada; e) planejamento, organização e administração técnica dos serviços de que trata a alínea “a”; f) ensino de técnicas de jornalismo; g) coleta de notícias ou informações e seu preparo para divulgação; h) revisão de originais de matéria jornalística, com vistas à correção redacional e a adequação da linguagem; i) organização e conservação de arquivo jornalístico, e pesquisa dos respectivos dados para a elaboração de notícias; j) execução da distribuição gráfica de texto, fotografia ou ilustração de caráter jornalístico, para fins de divulgação; l) execução de desenhos artísticos ou técnicos de caráter jornalístico. No que tange à alegada eventualidade, não se acolhem os argumentos da recorrente, porquanto ainda que ocorresse apenas no final de semana, resta caracterizada a habitualidade da atividade de jornalista. No entanto, o depoimento da testemunha Paulo Amauri Cunha prova que a reclamante coletava diariamente informações sobre o mercado financeiro, ligando para as corretoras, a fim de produzir boletim para ser divulgado na Guaíba FM. Resta, portanto, comprovado o exercício de jornalista pela reclamante. Provimento negado. 2. HORAS EXTRAS. A primeira reclamada insurge-se contra a condenação ao pagamento de adicional de 50% sobre a sexta hora trabalhada, face ao reconhecimento da condição de jornalista, bem como ao pagamento de horas extras para as laboradas além da sexta diária e trigésima sexta semanais. Em sendo reformada a sentença no que tange ao reconhecimento da atividade de jornalista, pugna pela absolvição da condenação. Haja vista que mantida a decisão de origem, no que tange ao reconhecimento da autora como jornalista, nada há a modificar no que tange à condenação em horas extras decorrente da jornada de cinco horas diárias previstas para a profissão. Sentença mantida. 3. COMPENSAÇÃO DE VALORES. A recorrente aduz que já remunerava as horas excedentes à sexta diária e trigésima sexta semanais como extras, requerendo sejam compensados os valores alcançados à reclamante a tal título. Com razão. Defere-se a compensação das horas extras pagas à autora, referentes ao mesmo mês da prestação, consoante for apurado em liquidação de sentença. Recurso provido. Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. Por unanimidade, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO DA PRIMEIRA RECLAMADA, para autorizar a compensação dos valores pagos à reclamante a título de horas extras, referentes ao mesmo mês da prestação. Valor da condenação que se mantém inalterado para os efeitos legais. Intimem-se. Porto Alegre, 18 de novembro de 2010. DES.ª ANA LUIZA HEINECK KRUSE Relatora