A DISCIPLINA E A AUTORIDADE: PRINCÍPIOS DA FORMAÇÃO DO HOMEM PARA UM ESTADO BOM, BELO E JUSTO. Vanessa Xavier Caldas i Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC RESUMO: Este presente artigo vem refletir as questões de disciplina e autoridade como princípios da formação do homem, considerando tais, pilares que a criança/ o homem deve seguir e também reconhecer em seus caminhos. Utilizo-me dos conceitos de Kant (1999), que disserta, que sem a educação, atrelada a disciplina e a autoridade, o homem não será um verdadeiro homem posto para o bem, isto é, virtuoso. Este processo da formação do homem é vinculado a uma autoridade – o professor, o educador – e este deve ter o compromisso não somente com a instituição, mas, sobretudo com a formação do homem. Percebe-se na atualidade que esses valores estão sendo corrompidos através dos processos e construções sociais. Diante disso, dialogo com Hannah Arendt (1996) sobre a autoridade em crise no mundo moderno. Palavras chave: Disciplina; Autoridade; Limites; Moralidade; Formação do homem. RESUMEN: Este artículo es reflejar los problemas de la disciplina y la autoridad y los principios de formación del hombre, teniendo como pilares, el niño / hombre a tomar, y también reconocer en sus formas. Puedo utilizar los conceptos de Kant (1999), el sermón, de que sin educación, vinculada a la disciplina y la autoridad, ningún hombre será un hombre de verdad, están para el bien, que es, virtuoso. Este proceso de formación del hombre está ligada a la autoridad - el maestro, el maestro - y esto debe ser comprometido no sólo a la institución, pero sobre todo con la formación del hombre. Hoy puede ver que estos valores están siendo dañados por los procesos y construcciones sociales. Ante esto, el diálogo con Hannah Arendt (1996) sobre la crisis de autoridad en el mundo moderno. Palabras clave: Disciplina, Autoridad, Límites, Moral, Formación del hombre. A DISCIPLINA E A AUTORIDADE: PRINCÍPIOS DA FORMAÇÃO DO HOMEM PARA UM ESTADO BOM, BELO E JUSTO. “A vara e a repreensão 1 dão sabedoria; mas a criança entregue a si mesma envergonha a sua mãe.” (Provérbios 29:15) No caminhar de minha formação alguns pontos suscitaram questionamentos e assim uma reflexão no que diz respeito ao processo de formação do homem desde a tenra idade. Encetei a pensar, diante de algumas leituras, o que alguns pensadores dissertaram sobre a educação e formação do homem. A partir da leitura do livro, “Sobre a Pedagogia”, o filósofo alemão, Immanuel Kant, disserta sobre sua pedagogia. Inspirada nessa leitura sobreveio questionamentos quanto à educação, o que relacionarei à educação atual. Dentre esses questionamentos, reflexão, um dos aspectos importantes que destacarei nesta pesquisa é a presente perda de referências, de princípios morais, como: a disciplina e a autoridade quanto elementos na formação do homem. Kant em “Sobre a Pedagogia” destaca a importância do cuidado físico nos primeiros dias de vida da criança. Destaca o aleitamento materno, o balançar o bebê, o choro excessivo, a atividade e todo o cuidado físico, como um manual aos pais, aos preceptores, ensinando-lhes como devem agir para que a criança, desde cedo, não se acostume a ter todas as suas vontades atendidas. Pois, a vontade do homem é tão tendenciosa que começa desde cedo: “Quando se deixou o homem seguir plenamente a sua vontade durante toda a juventude e não se lhe resistiu em nada, ele conserva uma certa selvageria por toda a vida” (KANT, 1999, p.14). O que parece ir do natural ao vicioso. Natural porque o homem possui inúmeras vontades, porém deve saber equilibrá-las, deve saber ponderar, ser prudente, não utilizá-las apenas em benefícios próprios. Para que isso não ocorra, é necessária uma boa educação. Caso contrário, é 1 A palavra repreensão na Bíblia, não tem o mesmo significado com o qual relacionamos na atualidade. Repreensão para o autor do livro de Provérbios significa o conjunto de disciplina: “A vara e a repreensão”. A vara é a disciplina física e a repreensão a maneira de instruir, de exercer a autoridade em sabedoria perante a criança. viciosa, pois, o homem prende-se a suas vontades de forma desorientada, que com isso, condena a si mesmo sua própria morte, deleitando-se em sua vontade como um imprudente. Juntamente com Provérbios 22:6 2 : “Instrua o homem [a criança] no caminho em que se deve andar, e, ainda quando for velho não se desviará dele.”, proponho-me a pensar e dialogar com o auxílio de alguns autores a cerca dos princípios da formação do homem, tendo a disciplina e a autoridade como um ponto de partida para refletir sobre a temática a partir das idéias de Kant nesta obra. O fragmento do livro de provérbios sobre a criança relaciona-se facilmente com a pedagogia de Kant no que se diz respeito à instrução, disciplina e autoridade. Então busquei no autor uma explicação para este processo e me deparei com esses dois conceitos em crise: a disciplina e a autoridade, (em uma analogia) pensando que não pode haver um Estado se não há quem o governe, assim como não pode haver disciplina se não há quem a instrua. Estes dois pilares – disciplina e autoridade – neste artigo serão o centro do diálogo no que resulta um Estado justo como bem pensou Platão. Kant (1999), ainda nas primeiras páginas destaca a educação como o caminho correto e imprescindível ao homem. Portanto, a educação deve ser iniciada desde a primeira idade, sendo que nos anos inicias o homem não tendo capacidade de julgar certas coisas, necessita de alguém que o instrua, que o eduque 3 . O discípulo deve ser instruído em caminhos que não o levem a corromper-se, ou seja, em caminhos que não sejam tortuosos, tendo, para isso necessariamente a disciplina. O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a formação. Conseqüentemente o homem é infante, educando e discípulo. (KANT, 1999, p.11) 2 O livro de Provérbios, derivado da Bíblia Sagrada, foi escrito por vários homens e reis da época, aproximadamente no século X, a.C., tais como Salmão, Agur, Lemuel e outros. (Bíblia – Estudo e ensino, 2007) 3 “A sujeição do educando pode ser positiva: enquanto deve fazer aquilo que lhe é mandado, enquanto não pode ainda julgar por si mesmo, tendo apenas a capacidade de imitar. Negativa: enquanto o educando deve fazer aquilo que os outros desejam, se quer que eles, por sua vez, façam algo que lhe seja agradável.” (KANT, 1999, p.32, grifo meu); “[...] não se deve sobrar a vontade das crianças, mas dirigi-la, de modo que elas saibam ceder aos obstáculos naturais. No início, a criança deve obedecer cegamente.” (KANT, 1999, p. 73, grifo meu). Para Kant (1999, p.17), que seria através da educação que a natureza humana seria aperfeiçoada, chegando à moralidade e assim a uma “felicidade da espécie humana”. Diante desses dizeres, estabeleço aqui, uma relação com o provérbio descrito anteriormente. Desta forma, compreendo que é essencial para o homem a disciplina, a educação. Relaciono os dizeres de Kant (1999) no que diz respeito à formação do homem, também com o pensamento de Platão, por colocarem em evidência a disciplina e a autoridade. Platão em seu programa educacional exigia, para tanto, uma disciplina com a finalidade de um homem corajoso, empregado de virtudes. Em Kant (1999) não percebi algo que distanciasse a disciplina e autoridade de Platão, apenas autores em séculos diferentes, mas tendo a disciplina e o reconhecimento da autoridade como um dos pilares na formação, visando um homem moralizado. Kant (1999) e Platão dialogaram quanto às disposições naturais 4 que há no homem, e que na medida em que se educa, o discípulo trará não somente resposta para aquele que o instrui em suas atividades, mas para si mesmo no processo de virtude, pois essas disposições naturais nasceram com ele, isto é, lhe são inatas. Quanto às disposições naturais: “A espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco, com suas próprias forças, todas as qualidades naturais, que pertencem à humanidade.” (KANT, 1999, p.12). E ainda: “Há muitos germes na humanidade e toca a nós desenvolver em proporção adequada as disposições naturais e desenvolver a humanidade a partir de seus germes e fazer com que o homem atinja a sua destinação. Os animais cumprem o seu destino espontaneamente e sem o saber. O homem, pelo contrário, é obrigado a tentar conseguir o seu fim” (KANT, 1999, p. 18). Neste processo, a educação tem o papel de formar moralmente o homem no desenvolvimento das suas faculdades, com o ideal de racionalidade e justiça, como também no processo de restrição dessa mesma liberdade (leis instituídas, saberes de uma cultura), visando o homem virtuoso, sem vícios, praticante da verdade, através da educação racional. (SILVA E PAGANI, 2007). Assim, o paradoxo entre a Educação como livre desenvolvimento das faculdades naturais e a Educação como um processo de restrição 4 Essas “disposições naturais” a que Kant (1999) se refere é a natureza latente no homem, sejam seus vícios e suas virtudes. dessa mesma liberdade parece se desfazer na obra de Platão, na medida em que postula uma restrição imediata da liberdade, tendo em vista o seu verdadeiro conceito de sumo Bem, a ser realizados plenamente somente na cidade justa. (SILVA E PAGANI, 2007, p. 57). Para uma cidade justa necessita-se de educação e Kant (1999) considera duas coisas dificílimas: a arte de governar os homens e a de educá-los. O que para ele, “educar é uma arte” (p.19). É de tão difícil tarefa que é a através da educação que o homem poderia chegar à maturidade, ou seja, a moralidade (p.32). Não podemos pensar que esta formação deva ser dada somente de forma mecânica, como algo puramente técnico, mas uma educação que instrua, eduque, forme de tal maneira, que de menino se torne homem. E o homem torna-se verdadeiramente homem se não for um selvagem: O homem não pode se tornar um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação faz dele. Note-se que ele só pode receber tal educação de outros homens, os quais a receberam igualmente de outros [...] A origem da arte da educação, assim como o seu progresso, é: ou mecânica, ordenada sem plano conforme as circunstâncias, ou raciocinada. A arte da educação não é mecânica senão em certas oportunidades, em que aprendemos por experiência se uma coisa é prejudicial ou útil ao homem. Toda arte deste tipo, a qual fosse puramente mecânica, conteria muitos erros e lacunas, pois que não obedeceria a plano algum. A arte da educação ou pedagogia deve, portanto, ser raciocinada, se ela deve desenvolver a natureza humana de tal modo que esta possa atingir o seu destino (KANT, 1999, p. 15 e 21). Platão também acreditou que seria através da educação a possibilidade de haver uma sociedade com homens justos, filósofos, capazes de governar e educar a sociedade – a polis. Visando um Estado justo, criou seu programa, com o fim de chegar a uma moralidade através de uma educação racional, cujo desenvolvimento da virtude e da coragem, formaria um homem virtuoso. Além da disciplina, da temperança e da coragem desenvolvidas até esse momento, os conteúdos ensinados aos jovens exigiriam que aspirassem ao raciocínio necessário ao conhecimento dos objetivos abstratos e, conseqüentemente, almejassem a elaboração de teoremas capazes de os aproximar cada vez mais dos princípios racionais, das formas lógicas do pensar e, finalmente, das idéias contempladas pelo pensamento reflexivo. (SILVA & PAGANI, 2007, p. 54) É importante lembrar que a criança não tendo razão para julgar certas coisas, deve obedecer cegamente ao preceptor, mesmo que não entenda. Esta simplesmente faz por obediência e disciplina (KANT, 1999). A disciplina, portanto, é o princípio de uma boa educação, que “transforma a animalidade em humanidade” (KANT, 1999, p.11). A disciplina impede o homem de desviar-se do caminho, e ainda que se arrisque a caminhar, por um momento em caminhos que não lhe é direito, e então, saberá onde é o lugar por suas inclinações a virtude. O homem bem instruído não cairá em selvageria 5 . A disciplina é o que impede ao homem de desviar-se do seu destino, de desviar-se da humanidade, através de suas inclinações animais. Ela deve, por exemplo, contê-lo, de modo que não se lance ao perigo como um animal feroz, ou estúpido. A disciplina, porém, é puramente negativa 6 , porque é o tratamento através do qual de tira o homem a sua selvageria; (KANT, 1999, p. 12) A vontade do homem, frente a sua liberdade, instiga e suscita nele inúmeros desejos quer para o bem, quer para o mal. Mas o que Kant (1999) nos apresenta é que o homem pode ser escravo de sua liberdade caso queira viver desregrado, sem limites, sem deveres. Na verdade, não basta que o homem seja capaz de toda sorte de fins; convém também que ele consiga a disposição de escolher apenas os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um. (KANT, 199, p.26) Nossas tendências animalescas de independência 7 nos levam a um caminho de estupidez, não tendo, nem aceitando qualquer tipo de instrução, sendo então, escravo de sua liberdade. Por isso logo cedo as crianças devem conhecer e reconhecer a uma autoridade num caminho de disciplina, sendo instruídas à obediência e não aos seus caprichos (KANT, 1999, p. 13). Quando se deixou o homem seguir plenamente a sua vontade durante toda a juventude e não se lhe resistiu em nada, ele conserva certa selvageria por toda a vida [...] O homem tem necessidade de 5 “Selvageria consiste na independência de qualquer lei” (KANT, 1999, p. 13) “[...] sempre diz respeito à privação de alguma coisa, e indica necessariamente o que não se deve fazer.” (OLIVEIRA, 2008, p. 4831) 7 “[...] segundo Hufnagel, Kant quer significar uma determinação de orientação ou um conjunto dimensional de possibilidades, como as animalescas e as racional-humano-morais.” (Hufnagel, 1988, p. 47-48, apud, Dalbosco, 2004). 6 cuidados e de formação. A formação compreende a disciplina e a instrução. (KANT, 1999, p.14) Com efeito, a autoridade, oriunda do preceptor, do professor, é a “ponte”: o caminho que levará o homem a se tornar, não somente pelos seus ensinamentos, mas pelas suas disposições naturais e assim, um homem moralizado, isto é, apto de virtudes. O preceptor deve ser uma “ponte” firme e ainda ter brechas que permitam o discípulo a experimentar sua liberdade demasiadamente como sentir o cheiro suave de uma vasta flora. Portanto, é de suma importância que o discípulo seja disciplinado, contudo deve gozar de uma liberdade. Não deve se sentir “preso” ao preceptor, mas saber que nele existe sabedoria para instruí-lo. Contudo, esta liberdade seria o conhecer a si e tudo o que lhe rodeia, sem as interferências e julgamentos do preceptor. Para isso, o preceptor deve ser um mestre, com a bagagem de uma boa educação, apto de virtudes, pois caso contrário não poderá instruir homem algum no caminho da verdade: a educação. De que modo, porém, cultivar a liberdade? É preciso habituar o educando a suportar que a sua liberdade seja submetida ao constrangimento de outrem e que, ao mesmo tempo, dirija corretamente a sua liberdade. Sem essa condição, não haverá nele senão algo mecânico; e o homem, terminada a sua educação. Não saberá usar sua liberdade. É necessário que ele sinta logo a inevitável resistência da sociedade, para que aprenda a conhecer o quanto é difícil bastar-se a si mesmo, tolerar as privações e adquirir o que é necessário para tornar-se independente [...] É preciso dar liberdade à criança desde a primeira infância e em todos os seus movimentos (salvo quando pode fazer mal a si mesma, como, por exemplo, se pega uma faca afiada), com a condição de não impedir a liberdade dos outros a sua alegria alto demais, incomodando os outros. (KANT, 1999, p. 33) Sabendo a realidade do século presente totalmente avessa a estas questões, assim, utilizo-me do pensamento de Arendt (1996) diante desse problema, na qual, diz que a perda de autoridade não está somente na escola e sim na família. O núcleo familiar passa a desestruturar-se, a partir do século XVII, mais especificamente no século XVIII, quando as mulheres vão para as fábricas e também há uma crescente exploração da mão-de-obra infantil nas altas produções. O homem, pai de família trabalha, a sua esposa trabalha e seus filhos trabalham. O núcleo então, concentrado na tarefa da mulher/mãe cuidar dos filhos com uma maior qualidade e tempo, diminui de forma expressiva devido a Revolução Industrial, ou seja, o progresso do capitalismo (ARIÈS, 1981 apud PINTO, 1997, p.34-35). Na Idade Média e no início dos tempos modernos, os filhos eram, evidentemente, cuidados e protegidos por seus pais, no seio de uma organização familiar. Mas a existência de família não implicava um sentimento de família que unisse emocionalmente seus membros em núcleo isolados, o que iria se desenvolver latentemente a partir do século XVII, em torno do sentimento de infância [...] A família moderna, que se estabeleceu na burguesia a partir do século XVIII, veio instalar a intimidade, a vida privada, o sentimento de união entre o casal e entre pais e filhos. Sua consolidação aconteceu graças à destruição das formas comunitárias tradicionais, reorganizando-se em função das necessidades da ordem capitalista (MIRANDA, 1985, p.126, grifo meu.) Essas medidas de trabalho crescem até nossos dias e o núcleo familiar desestrutura-se quando as referências – o pai e a mãe – já não estão tão próximas devido às inúmeras necessidades sociais marcadas desde o século XVIII. Os pais já não tem mais o “controle” da vida de seus filhos, não sabem o que fizeram durante o dia e como fizeram, deixando-os diante de uma certa liberdade, o que sem a autoridade principal na vida de uma criança, pode levá-la a independência imatura e assim facilmente a rebeldia. Ou seja, a falta de tempo e presença dos pais no seio familiar faz com que o tempo de disciplina e correção seja meras palavras de negação a criança, como o castigo, por exemplo: “Já que você fez isso, não brincará na rua hoje!”. As tarefas sociais excessivas que as famílias enfrentam é um dos fatores da perda de autoridade. Não havendo disciplina para os erros as crianças são moldadas pela escola, pela sociedade não podendo julgar os valores que nela estão pela pouca idade. De modo geral, na atualidade, uma das dificuldades que tanto pais quanto professores tem, de modo geral, é a falta de limites. Esse crescente tem fragilizado a disciplina e a autoridade. Ao falar de autoridade, Hannah Arendt (1996) vê tal tema em crise na atualidade. Isso, para a autora, ocorre por uma série de razões, tais como as perdas de referências – o velho não servindo para o novo e nem o novo para o velho, isto é, há uma perda da tradição, de costumes, de valores. “Há sólidas razões para isso. A crise da autoridade na educação guarda a mais estreita conexão com a crise da tradição, ou seja, com a crise de nossa atitude face ao âmbito do passado.” (ARENDT, 1996, p.243). Uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela como juízos pré-formados, isto é, com preconceitos. Uma atitude dessas não apenas aguça a crise como nos priva da experiência da realidade e da oportunidade por ela proporcionada a reflexão. (ARENDT, 1996, p.223) Ao realizar esta conexão entre os autores (Arendt e Kant), podemos observar alguns pontos para se pensar a formação do homem. A disciplina e a correção são, prioritariamente, necessárias para que na adultez, o homem não sofra por ter buscado exclusivamente suas vontades, mas que cheguem à moralidade. Assim, chegar-se-á a uma sociedade justa, moralizada, posta para o bem, onde o homem tomará decisões que não cabe somente a si, mas sim ao bem de todos, da própria polis (SILVA & PAGANI, 2007). O exercer a autoridade não pode depender das mudanças históricas e das condições políticas (ARENDT, 1996, p. 240-241), pois, devemos ter em nós um alicerce, cuja base é a disciplina baseada na autoridade. Ou seja, as crianças não chegarão a lugar algum apenas por elas mesmas. A tradição, assim, é posta como fundamental nessa questão. A verdadeira dificuldade na educação moderna está no fato de que, a despeito de toda a conversa da moda acerca de um novo conservadorismo, até mesmo aquele mínimo de conservação e de atitude conservadora sem o qual a educação simplesmente não é possível, se torna, em nossos dias, extraordinariamente difícil de atingir. (ARENDT, 1996, p.243) Como falar em autoridade na atualidade, onde já se perderam as referências, sendo que os que perseveram para uma educação verdadeira não são e não tem espaço na sociedade? Tem-se formado reprodutores de uma cultura “sem tradição”? É uma questão pertinente diante da reflexão a cerca da formação. Precisamos entender que a escola 8 não é um lugar recreativo 9 , muito menos autoritário 10 , mas deveria ser o lugar onde se pensa a formação do homem moral, onde, através da educação formaremos a sociedade virtuosa e não vulgar. A escola tem sido o local de reprodução desses valores, onde não se tem “a boa medida” para a formação, a educação. A escola tem sido a essência da perda de tradição, e da reprodução da vulgarização dos valores. Não afirmo que a escola poderia ser diferente, mas sei que a educação faria toda a diferença. E se na escola não temos isso, o que estamos formando? Isso significa, entretanto, que não apenas professores e educadores, porém todos nós, na medida em que vivemos em um mundo junto à nossas crianças e aos jovens, devemos ter em relação a eles uma atitude radicalmente diversa da que guardamos um para o outro. Cumpre divorciarmos decisivamente o âmbito da educação dos demais, e acima de tudo do âmbito da vida pública e política, para aplicar exclusivamente a ele um conceito de autoridade e uma atitude face ao passado que lhe são apropriados mas não possuem validade geral, não devendo reclamar uma aplicação generalizada no mundo dos adultos. (ARENDT, 1996, p. 246) Em Arendt (1996), a existência do amor às crianças, isto é a sociedade, gerando tal preocupação devido a perda de tradições que seriam, se não as tivessem abafados em algum espaço, pilares de uma outra sociedade, não sem erros, mas diferente do que hoje é. E talvez esses escritos da autora fossem diferentes. Não os quero que sejam diferentes, mas que vivendo neste presente século, nós, sejamos diferentes, e assim preocupados defronte ao novo mundo. Por isso é necessário resgatar o velho, pois, este faz parte do novo. Com efeito, a autoridade e a disciplina fazem parte do novo! É necessário resgatar valores que não se perderam no tempo, ao contrário, foram escondidos. Assim: O problema da educação no mundo moderno está no fato de, por sua natureza, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição. (ARENDT, 1996, p.245-246) 8 Aqui relaciono o processo de formação com a instituição escola, mas sabendo, que não é apenas neste meio que se dá a formação do homem, por a sociedade em suas múltiplas formas e culturas educam e formam o homem. 9 Recreativo no sentindo de libertinagem, sabendo que a criança deve gozar da sua infância em inúmeras formas de brincar. 10 Aquele que exerce o poder negativamente, isto é, egoisticamente. As crianças não escolhem “gritar por socorro” quando se trata de viver esta realidade. Caminham sem entender os motivos reais e por isso, educar e formar as crianças excede ao sentimento afetivo. É um compromisso! Por este caminho, deve-se ter como amiga - a ponte anteriormente descrita – a autoridade, que deve vir juntamente com o cuidado, a sabedoria e a responsabilidade perante o Estado/ sociedade. A educação é condição em que se decide amar o mundo e as crianças que nele estão lhes dando os devidos cuidados e formação em nome do mundo transformado em novo mundo. Contudo há uma esperança singular quanto a formação do homem através da educação, seja na escola, seja no campo, seja brincando. A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos as nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum. (ARENDT, 1996, p. 247) REFERÊNCIAS: ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. A Crise da Educação. 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