PROFESSORES
ALFABETIZADORES: O
QUE DIZEM E O QUE
FAZEM
Sandra Cristina Oliveira da Silva1
Sheyla Cavalcante de Arruda2
Telma Ferraz Leal3
Resumo
Neste artigo, discutimos os resultados de uma pesquisa
que analisou as relações entre os discursos de professoras
sobre suas opções metodológicas relativas ao processo
de alfabetização e as práticas de ensino. A metodologia
consistiu da aplicação de um questionário a um grupo
de doze professoras, realização de uma entrevista com
quatro professoras, e observações de vinte aulas de
duas docentes. Os resultados apontaram que havia
variação de concepções das docentes sobre alfabetização,
predominando, no entanto, a valorização da dimensão do
letramento e não da apropriação do sistema alfabético de
escrita. Quatro professoras explicitaram o foco no trabalho
com unidades linguísticas menores que as palavras. Os
resultados evidenciaram, ainda, que havia aproximações
entre o discurso e a prática das docentes. Concluímos
que a formação continuada de professores alfabetizadores
precisa ser conduzida de modo a resgatar as concepções
das professoras, na busca de compreendermos suas opções
metodológicas.
Palavras-chaves: Alfabetização. Letramento. Métodos de
alfabetização.
1
Graduada em Pedagogia. [email protected]
2
Graduada em Pedagogia. [email protected]
3
Doutora em Psicologia. [email protected]
Introdução
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 243-268,
jul. / out. 2013
Este artigo, fruto de uma pesquisa de campo realizada
em três cidades da Região Metropolitana do Recife (Recife,
Igarassu e Paulista), expõe reflexões sobre as concepções e
práticas de professoras alfabetizadoras, buscando contribuir
para a discussão sobre o papel da escola no ingresso das
crianças no mundo da escrita.
Segundo Morais e Albuquerque (2005, p. 69), “a condição
de sujeito letrado se constrói nas experiências culturais com
práticas de leitura e escrita que os indivíduos têm oportunidade
de viver, mesmo antes de começar sua educação formal.”. Ou
seja, a escola deve proporcionar a continuidade desse processo
de letramento e sua ampliação, associando-o de forma
significativa à aprendizagem do sistema alfabético de escrita.
Nessa concepção de alfabetização, o professor tem o papel de
evitar a desarticulação entre a aprendizagem escolar da escrita e
da leitura e a inserção dos estudantes em práticas sociais de uso
de diferentes textos. Desse modo, o docente precisa promover
situações que favoreçam a aprendizagem da base alfabética e o
desenvolvimento de habilidades de produção e compreensão
de textos em diferentes esferas sociais de interação.
Observações assistemáticas têm mostrado que não tem
sido simples fazer esta articulação. Os resultados de avaliações,
a exemplo daqueles apresentados pela Prova Brasil e Provinha
Brasil, têm mostrado que os estudantes brasileiros não têm
atingido as expectativas de aprendizagem delimitadas nas
propostas curriculares dos diferentes sistemas de ensino.
Diante dessa problemática, analisamos os discursos de
doze professoras sobre suas opções metodológicas relativas ao
processo de alfabetização, sobretudo em relação à realização ou
não de estratégias de ensino que articulem essas duas dimensões
(apropriação do sistema de escrita e estratégias de compreensão
e produção de textos para atender a diferentes finalidades
sociais) e investigamos as práticas de duas docentes, a fim de
verificar se seus discursos condiziam com as suas práticas.
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Para iniciar as reflexões, é realizado um breve histórico
sobre os métodos de alfabetização. No tópico seguinte são
feitas considerações sobre a concepção de alfabetização
na perspectiva do letramento. Logo após, a metodologia
da pesquisa é descrita, seguida das análises dos resultados,
organizadas em três tópicos. No primeiro, os questionários
aplicados a doze docentes são objeto de atenção, buscandose identificar quais métodos de alfabetização ou abordagens
teóricas são assumidos pelas docentes como subjacentes às suas
práticas. No segundo tópico de resultados, as entrevistas de
quatro docentes são apresentadas, objetivando-se reconhecer
quais concepções as profissionais explicitam ao falarem sobre
alfabetização. Depois, são expostos os dados de observações
de aula de duas professoras, relacionando tais dados aos
relativos às concepções evidenciadas nas entrevistas. Por fim,
as considerações finais são apresentadas.
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
Métodos de alfabetização: um breve histórico.
Diferentes métodos foram adotados para alfabetizar
crianças, jovens e adultos ao longo da história. Esses métodos
têm sido classificados em três tipos: os métodos sintéticos, os
métodos analíticos e os sintético-analíticos, cada um com suas
características próprias.
Os métodos sintéticos tiveram seu auge até meados do
século XVIII e consistem em partir dos elementos da língua
“mais simples”, ou seja, letras, fonemas, sílabas para, a partir
da aprendizagem dessas unidades, apresentarem as palavras,
frases e textos compostos por esses elementos. Sobre esse
assunto, Galvão e Leal salientam que
Propostas de ensino baseadas nesses métodos partem do
pressuposto de que a aprendizagem é mais fácil quando
se parte das unidades mais elementares e simples
(em geral sem sentido), para, em seguida, apresentar
unidades inteiras e significativas (2005, p. 18).
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Abordando o mesmo tema, Barbosa afirma que
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A instrução procede do simples para o complexo,
racionalmente estabelecidos: num processo cumulativo,
a criança aprende as letras, depois as sílabas, as palavras,
frases e, finalmente, o texto completo. Estabelecese como regra geral que a instrução não deve avançar
no processo sem que todas as dificuldades da fase
precedente estejam dominadas (1994, p. 47).
Segundo Ferreiro e Teberosky, os métodos sintéticos
partem do seguinte pressuposto
Na aprendizagem, está em primeiro lugar a mecânica
da leitura (decifrado o texto) que, posteriormente, dará
lugar à leitura “inteligente” (compreensão do texto
lido), culminando com uma leitura expressiva, onde se
junta a entonação (1985, p. 19).
Podemos citar como exemplos os métodos alfabéticos
e os silábicos. Nesses, são realizadas atividades de repetição,
em que os alunos têm de memorizar todas as letras e agrupálas, formando sílabas. Depois de conhecer um conjunto
de padrões silábicos, precisam formar palavras e frases. Só
posteriormente, é dada atenção aos textos que circulam nos
espaços extraescolares.
Dentre outros variantes dos métodos sintéticos, podem
ser citados os métodos fônicos. Sobre esses métodos, Roazzi,
Ferraz e Carvalho (1996, p. 3) salientam que
Basicamente, trata-se de fazer pronunciar as letras,
aprendidas uma de cada vez, de acordo com seu valor
fônico, como se pronunciam enquanto unidades das
palavras.
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Em suma, como já foi dito, os métodos sintéticos
seguem uma sequência delimitada por etapas fixas em que o
trabalho com as unidades menores da língua (letras, fonemas,
sílabas, palavras) precede as situações de reflexão acerca das
unidades maiores (textos). Textos produzidos especificamente
para o processo de alfabetização, cujas finalidades e forma
composicional não são comuns nos espaços extraescolares,
são recorrentemente usados por profissionais que adotam tal
perspectiva metodológica.
Os métodos analíticos, por outro lado, vieram se
estabelecer no final do século XX e tiveram grande influência
da psicologia genética. Seus defensores acreditavam que
as abordagens sintéticas não ofereciam um aprendizado
significativo por serem mecânicas, artificiais e não funcionais.
A proposta dos métodos analíticos, sobretudo os globais,
é partir do todo, ou seja, das palavras, das frases e dos textos
para, posteriormente, analisar os componentes dos mesmos:
letras e sílabas. No entanto, também nesta abordagem é
comum o uso de textos criados especificamente para o processo
de alfabetização, distanciados, portanto, dos que circulam em
outras esferas de interação.
Os métodos analíticos trouxeram a inovação de partir
das palavras, unidades maiores e que têm sentido para as
crianças. No entanto, também é mecânico e monótono, pois
se fundamentam, sobretudo, em atividades de memorização
de palavras ou pequenos textos.
Nicholas Adams foi o precursor dessa visão global da
aprendizagem quando afirmou que “[...] quando se quer
mostrar um casaco para uma criança, não se começa dizendo e
mostrando separadamente a gola, depois os bolsos, os botões,
a manga do casaco. O que se faz é mostrar o casaco e dizer para
a criança: “isto é um casaco”. (citado em Barbosa, 1994, p.50).
Partindo dessa mesma ideia, Decroly e Degand (1906) citam
as abordagens ideovisuais. Ou seja, o processo de aquisição de
leitura e escrita é primeiramente visual, partindo do concreto
(frases) para o abstrato (letras e sílabas).
Em contraposição aos métodos sintéticos, surgiram
abordagens que propunham, desde o início da alfabetização,
a presença de atividades em que os aprendizes pudessem
debruçar-se sobre as unidades menores e as maiores de
forma quase simultânea. As palavras eram decompostas e
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recompostas, para provocar no aluno a tomada de consciência
de que o todo se compõe das partes. Nesta perspectiva, havia
uma aposta em que os estudantes deveriam ter contato com
palavras e/ou pequenos textos desde o início da escolarização
e, ao mesmo tempo, analisarem suas partes constituintes.
Os métodos analítico-sintéticos sugerem, desse modo,
que a alfabetização se dá por meio dos processos de composição
/ decomposição de palavras. Galvão e Leal (2005) salientam
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
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Telma Ferraz Leal
Entre as variações do método analítico- sintético,
encontramos a Palavração. Com ele, o aluno aprende
palavras e depois as separa em sílabas para com estas
formar novas palavras (p. 24).
Coutinho (2005) resume de maneira clara a relação
entre os três métodos: “embora houvesse divergências entre os
três, ambos percebiam a aprendizagem do sistema de escrita
alfabética como uma questão mecânica, a aquisição de uma
técnica para a realização do deciframento.” (p. 48). Não há, nas
perspectivas citadas, ênfase no processo de compreensão dos
princípios do sistema alfabético de escrita, ou seja, nenhum
dos três propõe um trabalho em que os estudantes precisem
pensar sobre o funcionamento do sistema.
Foi através dos estudos sobre a psicogênese da língua
escrita, realizados por Emília Ferreiro e seus colaboradores,
que o pensamento construtivista mudou as visões a respeito
do processo de apropriação alfabética. De acordo com Mortati
(2006)
O construtivismo se apresenta não como um método
novo, mas como uma “revolução conceitual”,
demandando, dentre outros aspectos, abandonaremse as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o
processo de alfabetização e se questionar a necessidade
das cartilhas (p. 10).
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Segundo Ferreiro (1992), a escrita pode ser vista de duas
maneiras: “como uma representação da linguagem ou como
um código de transcrição de unidades sonoras” (p. 10). Nos
métodos citados anteriormente, a escrita é vista da segunda
forma, como um código, que deve ser memorizado.
Ainda de acordo com a autora, “a invenção da escrita
foi um processo histórico de construção de um sistema de
representação, não um processo de codificação.” (p. 12). Desse
modo, para Ferreiro (1992), a criança também se apropria
de um sistema de representação e não simplesmente de um
código. A autora acredita que o primeiro passo para saber quais
os conhecimentos que o indivíduo apresenta sobre a escrita é
analisar os escritos dele, ou seja, é através dessa análise que se
podem conhecer os níveis de escrita dos alunos.
Ferreiro (Idem) ainda afirma que “o modo tradicional
de se considerar a escrita infantil consiste em se prestar atenção
apenas nos aspectos gráficos dessas produções, ignorando os
aspectos construtivos.” (p. 18). A partir dos estudos de Ferreiro,
as escritas e as aprendizagens das crianças foram vistas de outro
ângulo, o que proporcionou um avanço bastante significativo
sobre como as crianças se apropriam do sistema de escrita
alfabética. Nesta perspectiva, as crianças podem, desde muito
cedo, refletir sobre a “lógica” que regula a escrita alfabética,
ou seja, os princípios de funcionamento do sistema de escrita.
Propõe-se, desse modo, um ensino problematizador, em que
os estudantes em interação com a escrita e com seus pares,
possam elaborar hipóteses e entender como se dão as relações
entre a pauta sonora e o registro gráfico.
No entanto, outro problema pode ser apontado em
relação aos métodos de alfabetização citados anteriormente
(sintéticos, analíticos e analítico-sintéticos): não havia
articulação entre a aprendizagem inicial da escrita e os usos
sociais dessa ferramenta cultural. Os textos usados eram
“artificiais”, dado que não circulavam em espaços sociais
extraescolares. Foram os estudos sobre o letramento que
fizeram emergir orientações didáticas acerca do trabalho
com textos autênticos no processo de alfabetização, tal como
discutiremos adiante.
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que dizem e o que
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A alfabetização na perspectiva do letramento
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Na década de 1980, no Brasil, ganhou grande
destaque nos debates sobre educação o termo “analfabetismo
funcional”, que indicava que as pessoas sabiam “ler”, porém
não compreendiam; e sabiam escrever apenas textos escolares.
Para combater tal fenômeno, era preciso entender que ler e
escrever são práticas sociais. O termo letramento, de acordo
com Soares (1999), é a versão para o Português da palavra
de língua inglesa literacy, que é “o estado ou condição que
assume aquele que aprende a ler e escrever” (p. 17). O termo
letramento, no Brasil, não substitui a palavra alfabetização.
Ele aparece associado a ela. Segundo Albuquerque (2005)
Podemos falar ainda nos dias de hoje, de um alto índice
de analfabetos, mas não de “iletrados”, pois sabemos
que o sujeito que não domina a escrita alfabética, seja
criança, seja adulto envolve-se em práticas de leituras e
escritas através da mediação de pessoas alfabetizadas, e
nessas práticas desenvolve uma série de conhecimentos
sobre os gêneros que circulam na sociedade (p. 16).
O sujeito está inserido num mundo letrado. Todos os
dias eles têm contato com distintos textos com finalidades
diferentes. Mesmo sem nunca ter ido à escola, as pessoas fazem
uso da escrita e da leitura através de outras pessoas.
Após o surgimento da concepção de alfabetizar na
perspectiva do letramento, foram sendo introduzidos nas salas
de aulas diversos gêneros textuais. No entanto, debates vêm
ocorrendo até os dias atuais acerca de como abordar os gêneros
nas práticas escolares. Santos e Albuquerque (2005) abordam
esse assunto da seguinte forma
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Sendo a escola lugar específico de ensino-aprendizagem,
não é possível reproduzir dentro delas as práticas
de linguagem de referência tais quais aparecem na
sociedade. Ao entrar no processo de ensino, as situações
de produção textual, embora remetendo às situações nas
quais tais textos são utilizados nas práticas de linguagem
na sociedade, apresentam características peculiares à
situação de ensino em que estão inseridas (p. 96).
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alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
Tal princípio é discutido de modo aprofundado por
autores como Dolz e Schneuwly (2004), que defendem que
os gêneros textuais, ao serem contemplados nos currículos
escolares, sofrem desdobramentos, pois deixam de ser apenas
um instrumento de interação e passam a assumir também o
status de objeto de ensino.
Como resultado dos estudos do letramento, temse assumido que, desde o início da escolarização, é preciso
inserir os estudantes em situações em que eles tenham que
interagir por meio de textos autênticos, entrando em contato
com os diferentes usos sociais da escrita. No entanto, muitos
debates têm sido travados no tocante à necessidade, ou não,
de abordar a aprendizagem do sistema alfabético de escrita por
meio de atividades específicas de apropriação desse sistema.
Há, no bojo desse debate, uma idéia de que a simples imersão
dos estudantes em situações de leitura e produção de textos já
garantiria a alfabetização.
Desse modo, deparamo-nos, atualmente, no Brasil, com
pelo menos três modos de encarar a alfabetização
1) Ênfase na aprendizagem do “código”, por meio de métodos
silábicos ou fônicos, com pouca atenção aos processos de
letramento;
2)Ênfase no letramento, por meio de atividades de leitura e
produção de textos, sem atenção à aprendizagem específica
do sistema de escrita, que ocorreria como decorrência do
próprio letramento;
3) Ênfase simultânea à aprendizagem do sistema de escrita, por
meio de atividades de reflexão sobre o funcionamento da
base alfabética, e à inserção dos estudantes nas práticas de
letramento.
Nesta pesquisa, um dos objetivos era, como apresentado
anteriormente, identificar se tais concepções são encontradas
entre docentes da Educação Básica e quais as relações entre
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as concepções explicitadas pelas docentes e suas práticas de
ensino. Apresentaremos, a seguir, a metodologia usada para
tal investigação.
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Metodologia de pesquisa
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A pesquisa foi realizada através de trabalho de campo
em escolas municipais da cidade do Recife e da Região
Metropolitana (Igarassu e Paulista). Participaram da primeira
fase da pesquisa 12 professoras alfabetizadoras, com idades
entre 25 e 49 anos, com formações distintas: uma delas tinha
concluído o Magistério; quatro estavam cursando Pedagogia;
duas já eram graduadas em Pedagogia; duas eram graduadas
em Letras; duas eram graduadas em História; e, por fim, uma
graduada em Filosofia. O tempo que lecionavam variava de 2
a 28 anos e o tempo que lecionavam nos anos 1 e 2 do Ensino
Fundamental variou entre 1 e 13 anos. Das doze professoras
pesquisadas, onze afirmaram participar de formações
continuadas.
Três etapas foram seguidas nesta investigação. A primeira
etapa consistiu na aplicação de um questionário às professoras,
que nos deu suporte para a análise das opções metodológicas
das docentes pesquisadas acerca da alfabetização e para a
caracterização do grupo investigado. A análise do questionário
foi realizada em duas fases: a exploração geral das respostas,
para a construção das categorias e a releitura das respostas
para aprofundamento das análises, considerando as categorias
criadas. Com base na leitura minuciosa, foi realizada a
montagem de um quadro com as respostas das docentes que
nos ajudou, posteriormente, a realizar as análises.
Sobre as vantagens do questionário, Gressler diz:
“provavelmente a maior vantagem do questionário é a sua
versatilidade. A maior parte dos problemas que exigem
anonimato pode ser pesquisada por meio de questionário,
uma vez que o mesmo assegura maior liberdade em expressar
opiniões.” (1979, p. 55).
Baseando-se nas análises dos questionários, foram
escolhidas quatro professoras para participar da etapa
seguinte da pesquisa. O critério de seleção foi a necessidade
de contemplar professoras que explicitassem diferentes
opções metodológicas de alfabetização. Assim, as professoras
escolhidas tinham as seguintes características:
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que dizem e o que
fazem
• Professora 1: disse que adotava a perspectiva do letramento
e quando questionada sobre como alfabetizava seus
alunos, só listou atividades de leitura e escrita de textos.
• Professora 2: afirmou que o melhor era o construtivismo
e que ela o adotava. Citou atividades com textos e com
unidades linguísticas menores (palavras e letras), mas com
pouca diversidade.
• Professora 3: disse que os métodos tradicionais eram
os melhores, mas utilizava um pouco de cada; indicou
atividades variadas.
• Professora 4: afirmou que o melhor método era o
socioconstrutivismo, mas adotava um pouco de cada;
listou atividades com textos e com palavras, evidenciando
uma prática diversificada.
Na segunda etapa da pesquisa, foi realizada uma entrevista
com as quatro professoras citadas, para que elas pudessem
detalhar melhor suas formas de condução do trabalho docente,
para, então, aprofundarmos as análises das concepções de
alfabetização delas e entendermos melhor as suas práticas.
A entrevista é um instrumento que nos abre um enorme
leque sobre o tema pesquisado, pois, diferentemente do
questionário, em que os indivíduos organizam suas ideias
para responder de forma escrita, na entrevista, as docentes
estavam em situação de conversa face-a-face, fato que ajudou
a aprofundar suas respostas. Segundo Gressler (1979, p. 61),
na entrevista “o entrevistador tem condições de aclarar as
questões e encorajar o investigado a fornecer informações mais
completas e de observar o que o entrevistado diz e como diz:
gestos, expressões faciais, alterações da voz etc.”.
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Na terceira etapa, foram escolhidas duas professoras
dentre as quatro que demonstraram concepções diversas
sobre alfabetização. As professoras escolhidas foram as que
demonstraram opiniões distintas sobre alfabetização. Escolhemos
a professora 3, que dizia adotar métodos tradicionais, e a
professora 4, por ela ter defendido o socioconstrutivismo.
Foram realizadas dez observações de aulas de cada
professora. O período foi de três meses, contando, em média,
com intervalos de sete dias entre as observações. Assim como
nas entrevistas, as aulas foram gravadas. Após as observações,
foram feitos relatórios dessas aulas, onde estavam disponíveis
informações sobre as atividades realizadas.
De acordo com Marconi e Lakatos (2007, p. 193), a
observação “permite a evidência de dados não constantes do
roteiro de entrevista ou de questionários.” Tal procedimento
nos mostrou a prática das docentes pesquisadas de forma mais
direta, além de nos permitir conhecer as atividades realizadas
e as contribuições que as mesmas podiam dar no processo de
alfabetização das crianças.
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Resultados
Com os resultados obtidos nos questionários, nas
entrevistas e nas observações, pudemos responder algumas
indagações feitas no início do nosso trabalho, as quais serão
apresentadas nos tópicos a seguir.
As professoras adotam algum método
alfabetização? Qual (quais) método(s) diziam adotar?
de
Diante das respostas apresentadas pelas docentes no
questionário, pudemos categorizá-las em 2 grupos:
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• Grupo 1: professoras que disseram adotar um método
específico.
• Grupo 2: professoras que disseram usar um pouco de
cada método.
No grupo 1, foram classificadas cinco professoras que
disseram adotar um método específico. As cinco citaram
abordagens de base interacionista. Três dessas professoras
disseram que usavam o “método do letramento” e duas delas,
o “construtivismo”. Como sabemos, nem o letramento e
nem o construtivismo são propostas metodológicas. No
entanto, podemos entender que as docentes identificavam
tais abordagens como métodos por conceberem que há
determinados princípios didáticos articulados aos pressupostos
do construtivismo e às orientações dadas por autores que
discutem sobre o letramento.
Diferenças entre essas docentes foram observadas em
relação aos tipos de atividades citados para alfabetizar.
As três professoras que disseram usar o “letramento”
afirmaram que faziam atividades centradas em textos (leitura
e escrita de diferentes gêneros textuais). Uma das professoras
acrescentou também a atividade de ditado, mas o foco principal
dela era o texto. Tal opção decorre de uma posição sobre
alfabetização de que é suficiente proporcionar o contato dos
alunos com os textos que eles passam a escrever com autonomia.
No entanto, como discutimos anteriormente, tal idéia é
oposta ao que defendem autores como Morais e Albuquerque
(2005), que mostram evidências de que para que os estudantes
dominem o sistema de escrita é importante promover atividades
em que eles tenham que pensar sobre o funcionamento da
base alfabética. Apenas uma dessas professoras que disse usar o
letramento citou também o trabalho com os nomes dos alunos,
além de citar tarefas de composição e decomposição de palavras
e identificação de semelhanças sonoras e gráficas. Isto é, ela
realizava atividades especificamente voltadas para o ensino do
funcionamento da base alfabética, embora não enfatizasse tais
estratégias didáticas.
As duas professoras que disseram usar o construtivismo
afirmaram usar alguns materiais que continham textos, mas
pudemos verificar que tais materiais favoreciam reflexões sobre
palavras. Uma delas falou que utilizava cartazes e cartões com
palavras. Não explicou o que fazia com tais materiais, mas
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alfabetizadores: o
que dizem e o que
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usava recursos que possibilitavam análises de palavras. A outra
professora também dizia utilizar textos, mas citou atividades
centradas em reflexões sobre palavras ao indicar a utilização
de listas. Pudemos também inferir alguma preocupação com
reflexão fonológica quando a professora afirmou que utilizava
muitos poemas infantis, parlendas, quadrinhas, trava-línguas,
dentre outros textos que estimulam a tomada de consciência
sobre semelhanças sonoras.
Nenhuma das cinco docentes enfatizou atividades
diversificadas de composição / decomposição de palavras,
ordenação de sílabas ou letras, dentre outras que poderiam
ajudar as crianças a compreender mais especificamente o
funcionamento do sistema de escrita. Pudemos observar que
as docentes apresentaram respostas em que havia atividades
pouco diversificadas e baixíssima preocupação com as
atividades centradas nas palavras. Nenhuma citou atividades
problematizadoras de reflexão sobre unidades menores que
as palavras, como as sílabas e letras ou fonemas. Salientamos
que os teóricos do construtivismo (como Emília Ferreiro e
Ana Teberosky) sugerem que é necessário fazer as crianças
pensarem sobre a lógica de construção do sistema. Não há, nas
propostas dessas autoras, restrição à utilização de atividades
centradas nas palavras e outras unidades, como parecem supor
as docentes que dizem utilizar tal perspectiva.
Duas dessas professoras que disseram adotar um
método específico foram escolhidas para a fase de entrevista. A
professora 1, porque dizia adotar o letramento e afirmava que
utilizava apenas textos para alfabetizar. A professora 2, porque
dizia adotar o construtivismo e afirmava que usava, além de
jornais e outros suportes para o contato com textos, listas
e pequenos textos de tradição oral: poemas, trava-línguas,
parlendas, dentre outros.
Seis professoras disseram utilizar em sua prática docente
um pouco de cada método, sendo, por isso, classificadas no
grupo 2, descrito anteriormente.
Apenas uma professora citou métodos sintéticos como
sendo os melhores. Ela afirmou que os melhores métodos
de alfabetização são Casinha Feliz e Se Liga. Os dois citados
são embasados em abordagens sintéticas (métodos fônicos e
silábicos). Esta professora, apesar de dizer que estes métodos
são os melhores, dizia adotar um pouco de cada método.
Afirmou também que trabalhava com leitura de textos em sala
de aula. Na listagem dos gêneros que ela dizia adotar, foram
contemplados textos de tradição oral, como parlendas, travalínguas e poemas infantis.
Uma das professoras disse que o melhor método é o
socioconstrutivismo, mas afirmou que misturava diferentes
métodos. Na listagem das atividades citadas por ela, foram
variados os tipos de reflexão acerca de diferentes unidades
linguísticas: palavras, sílabas, letras... Dada esta variedade citada
por ela, ela foi escolhida para participar da fase 2 da pesquisa.
Das quatro professoras restantes, duas afirmaram utilizar
em sua prática um pouco de cada método. As atividades citadas
pelas duas docentes foram pouco diversificadas. Uma citou
apenas o trabalho com leitura e escrita de vários gêneros textuais
e ditados variados. A outra citou atividades com gêneros textuais
presentes na cultura popular (cantigas de rodas, músicas,
quadrinhas, parlendas.) e leitura e escrita do próprio nome.
As outras duas professoras afirmaram utilizar em sua
prática docente os métodos tradicionais. Sendo que, uma delas
dizia usar também o letramento e a outra, o construtivismo.
As atividades citadas pela docente que dizia trabalhar com o
letramento consistiam no trabalho com leitura e escrita de
vários gêneros textuais, ditados diversificados e atividades com
lacunas. Não foram citadas atividades de análise das unidades
menores das palavras. Já a professora que dizia utilizar o
construtivismo citou atividades diversificadas que além de
priorizar os textos, favoreciam a reflexão sobre as unidades
menores das palavras.
Nesta fase da pesquisa, pudemos verificar a variação de
concepções das docentes, havendo, no entanto, predomínio
de um discurso que valorizava mais as atividades de leitura
e produção de textos e menos as atividades de apropriação
do sistema alfabético de escrita, mesmo quando as professoras
Professores
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que dizem e o que
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diziam que preferiam as abordagens mais tradicionais.
Escolhidas as quatro professoras, buscamos aprofundar as
análises, realizando entrevistas para aprofundar as análises
sobre quais eram suas concepções acerca dos métodos que
diziam adotar. Trataremos disso no próximo tópico.
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
Quais concepções as professoras explicitaram sobre
os métodos de alfabetização?
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Analisando as respostas das professoras sobre os métodos
que conhecem e como são eles, obtivemos os seguintes
resultados:
A professora 1 disse apenas conhecer o “método” baseado
na perspectiva de letramento e que, de acordo com a mesma,
é apenas o trabalho com textos e o contato do aluno com a
leitura. “Proporcionar ao aluno o contato maior com a leitura”.
As docentes 2 e 4 afirmaram conhecer o Construtivismo
e o Montessori, sendo que, a professora 4 ainda citou como
métodos tradicionais - o Casinha Feliz e o “Alfa e Beto” - e o
método de “Paulo Freire para jovens e adultos”. Salientou que
“(...) os métodos na sua maioria visam estabelecer a relação
grafofônica das palavras, mas fogem da realidade cultural, social
e econômica do aluno.” Nas entrevistas, elas mostraram pouco
aprofundamento sobre as perspectivas metodológicas citadas.
A professora 3 disse conhecer apenas métodos baseados
na abordagem sintética, o Casinha Feliz, que a professora
defendeu que era o melhor. Ela destacou o trabalho de
fantoches com letras e fonemas; o Parabéns, conceituado por
ela como sendo o trabalho com o “letramento tradicional”;
e o Se Liga, que, segundo a professora, trabalha com palavra
chave, família silábica e com música.
Podemos concluir, então, que as quatro docentes, apesar
de citarem vários métodos, entendiam muito pouco sobre eles.
Elas tinham idéias vagas a respeito dos métodos de alfabetização
tradicionais e tinham construído uma representação de que o
letramento seria um método baseado no trabalho exclusivo
com textos.
As professoras 1, 2 e 4, como já foi afirmado, defendiam
que o foco principal do trabalho é o texto, ou seja, a
prioridade dada, segundo seus depoimentos, era a dimensão
do letramento. A professora 4 salienta que:
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
(...) a escrita é uma construção conceitual de trajetória
e reflexão. No letramento, não há preocupação com a questão
motora, a escrita não é tratada como um código. Letrar é
familiarizar o aprendiz com diversos usos sociais da leitura e
escrita. Letrado é alguém que se apropriou suficientemente da
escrita e da leitura a ponto de usá-las com desenvoltura, com
propriedade, para dar conta de suas atribuições sociais.
Esta professora foi escolhida para participar da terceira
parte da pesquisa, a observação das aulas, por defender
enfaticamente o trabalho exclusivo com textos.
A professora 3, como já foi dito, foi a única que defendeu
os métodos sintéticos, mas, ao mesmo tempo, afirmou que
contemplava tanto o trabalho com textos, quanto o trabalho
com unidades menores: letras, sílabas. Por isso, escolhemos
esta docente para a terceira parte da pesquisa.
O discurso das professoras alfabetizadoras
pesquisadas condiz com a sua prática em sala de aula?
Análise das aulas observadas.
A professora 3, na entrevista, dizia que “(...) eu trabalho
textos diversificados, trabalho os fonemas, padrões silábicos, o
alfabeto que é indispensável para que o aluno aprender a ler
e a escrever.”. Isto é, mesmo sem ter domínio conceitual,
demonstrava acreditar no princípio de que é necessário
trabalhar com textos e com unidades menores que o texto
(fonemas, sílabas...). Para essa docente, o trabalho com essas
unidades menores caracterizaria os métodos que ela citou no
questionário e na entrevista. A professora mostrou evidências
de que acreditava que é importante enfocar o texto e outras
unidades linguísticas.
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Como já foi dito, a professora salientou que não
utilizava apenas um método e, sim, um pouco de cada.
Quando perguntada sobre o melhor método, ela afirmou:
“junção do Casinha Feliz com Se Liga seria ótimo”, mas não
argumentava as razões dessa junção. Na verdade, podemos
levantar a hipótese que é justamente porque nestes métodos
há atenção às correspondências grafofônicas, que, para ela,
seria uma perspectiva tradicional, na qual ela acreditava.
Observando a prática da docente 3, pudemos perceber
que a mesma realizava leitura de textos quase todos os dias, no
início da aula. Das dez aulas observadas, ela só não realizou
a leitura em voz alta para as crianças em três. No entanto,
dessas três aulas, apenas uma não envolvia o eixo leitura, que
foi a aula que a professora conversou sobre o dia das crianças e
propôs uma atividade de produção textual; as outras duas aulas
foram iniciadas com atividades envolvendo leitura, uma para
a leitura ser realizada pelas crianças em voz alta e outra para
que as mesmas escolhessem um livro para ler. Vemos, assim,
que ela contemplou em todas as aulas atividades envolvendo
textos.
Os gêneros textuais utilizados pela docente foram
cantigas de roda, lendas e fábulas, contos. Confrontando o
discurso e a prática da professora 3 em relação ao eixo leitura,
podemos afirmar que a docente realizava o que dizia realizar.
Na entrevista, ela disse que realizava leitura e o trabalho com
gêneros textuais. De fato, isso pôde ser constatado.
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
“com o texto, eu faço as leituras pra eles. Procuro saber
deles o que eles já sabem sobre aquela... Se for uma receita ou
se for uma narrativa, o que eles já sabem sobre aquilo. Procuro
é... falar algumas partes assim, deixando que eles completem
pra que eles tenham a oportunidade também de participar ali
e de completar.”
Educ. foco,
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Em relação à escrita, a professora propôs somente uma
atividade de produção textual, a qual as crianças teriam de
elaborar um texto sobre o dia das crianças. Não houve indicação
do gênero, finalidade ou destinatário para o texto a ser escrito.
Concordamos com Soares (2003) quando ela salienta que
na escola pode acontecer a aprendizagem e desaprendizagem da
escrita “enquanto aprende a usar a escrita com as funções que
a escola atribui a ela, e que transformam em uma interlocução
artificial, a criança desaprende a escrita como situação de
interlocução real” (p. 73). Assim, essa professora, apesar de ter
realizado atividade de elaboração textual, conduziu a atividade
de modo desarticulado das práticas sociais de leitura e escrita.
O eixo da apropriação do sistema alfabético também
foi contemplado nas aulas observadas. No entanto, não havia
diversidade de atividades e as propostas didáticas não ajudavam
as crianças a problematizar o funcionamento do sistema de
escrita, evidenciando a influência dos métodos sintéticos em
sua prática.
Na primeira aula, a professora fez a leitura de todas as
letras do alfabeto, trabalhando os fonemas e a memorização
dos padrões silábicos. Identificamos, também, o trabalho com
ditados. Em duas aulas a professora fez um ditado mudo que
foi realizado em grupo, e um ditado comum para a fixação
de palavras com BR, CR, DR, FR,VR. Os escritos foram
corrigidos pela docente nos dois momentos, sem haver, no
entanto, nenhuma reflexão no decorrer da atividade.
Comparando seu discurso com a sua prática,
percebemos que havia muitas convergências. Em relação à
priorização do eixo da leitura, houve aproximação entre o que
ela dizia e fazia. De fato, ela priorizava tal eixo e contemplava
diferentes textos nas atividades de leitura. Outra convergência
pode ser salientada em relação ao eixo de apropriação da base
alfabética. Ela afirmava que os melhores métodos eram os
sintéticos e realmente as tarefas que levava para as crianças
tinham muita semelhança com as que são utilizadas em
perspectivas dessa natureza: eram atividades repetitivas e
pouco problematizadoras. Vemos, portanto, que a professora
usa um pouco de cada perspectiva citada por ela.
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que dizem e o que
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Da discussão sobre letramento, ela usava a prática de
leitura de textos diversificados; dos métodos sintéticos, ela
adotava alguns tipos de atividades recorrentes nos manuais
que orientam tais práticas. Não havia, no entanto, uma
adoção da alfabetização na perspectiva do letramento, pois
nesta abordagem, as situações de ensino do sistema de escrita
seguem uma orientação mais problematizadora, como foco na
aprendizagem sobre o funcionamento do sistema de escrita
de modo articulado às atividades de leitura e de produção de
textos para atender a diferentes finalidades sociais.
A professora 4, diferentemente da professora 3, afirmou
concordar com a perspectiva de alfabetizar letrando. Salientou
ainda que o melhor método de alfabetização era o “sócioconstrutivismo”, porém, dizia que em sua prática utilizava um
pouco de cada método.
Durante o tempo em que foi observada, a docente
pareceu demonstrar aproximações entre o discurso e a prática.
No questionário, a mesma informou utilizar diferentes
recursos para alfabetizar seus alunos e isso foi constatado. A
docente selecionava textos de distintos gêneros textuais, como
parlendas, contos, receitas, bilhetes, quadrinhos, bulas, cartas,
anúncios, horóscopos, entre outros.
O eixo da leitura era trabalhado quase que diariamente.
A docente, ao ler histórias, fazia perguntas de antecipação para
atiçar a curiosidade dos alunos a respeito do texto e exibia para
as crianças a capa do livro, as ilustrações... Durante a leitura,
a professora fazia intervenções, a fim de estimular o interesse
e a participação das mesmas e após, fazia a interpretação oral
do texto. A professora trabalhava também com ordenação de
textos e quebra-cabeças de frases e textos.
A professora utilizava os textos, também, em atividades
que estimulavam os alunos a fazer a relação grafofônica através
de rimas, como foi o caso das parlendas: “Quando é que uma
palavra rima com a outra? Quando elas têm o mesmo final, né
gente?! Quando elas combinam. Tu, tatu. Tá vendo?”.
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Sobre o trabalho com gêneros, a professora salienta
que: “(...) são fundamentais, é... leitura de todos os gêneros e a
interpretação dos gêneros, trabalhando a estrutura de cada gênero,
mostrando que, que uma carta, um bilhete, uma poesia, uma
música... ela diferencia por... cada uma tem um objetivo, uma
funcionalidade...”
Em relação à produção de textos, no entanto, havia um
afastamento de uma perspectiva do trabalho com gêneros,
na medida em que não eram indicados os destinatários e as
finalidades dos textos a serem produzidos e nem os suportes
onde eles iriam circular.
Em uma das aulas, ela produziu, juntamente com os
alunos (texto coletivo), uma história a partir de uma gravura.
Durante a construção, a professora pediu para que eles
informassem o título que queriam dar à história, o nome dos
personagens, em que local estavam e ela registrava tudo no
quadro. “- O que eles estão fazendo, onde eles estão? Um é goleiro
e o outro é o quê? Digam aí.” ou “- E agora, o que aconteceu?”.
Como podemos perceber, o texto era um misto de descrição
de imagem e narrativa. Vemos, então, que o eixo de produção
de textos foi tratado de um modo bastante similar ao que era
proposta em perspectivas centradas em concepções de textos
como “tipos abstratos”, apartados dos gêneros que circulam
socialmente.
No eixo da aprendizagem da base alfabética, a professora
trabalhava com análise de palavras através de atividades com
caça-palavras, alfabeto móvel, ditado mudo, construção de
palavras a partir de padrões silábicos, bingo de palavras, cópia
de textos, produção de rimas. Ela fazia uso, por exemplo, do
caça-palavras para mostrar aos alunos que em uma palavra
pode conter uma ou mais palavras, além de estudar, também,
a correspondência grafofônica,
Assim como no discurso, a professora 4 mostrou que na
prática utilizava atividades diversificadas para que as crianças
avançassem na compreensão do sistema de escrita alfabética,
entendendo o que ele representa. No entanto, apesar de
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que dizem e o que
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trazer para sala de aula um quantitativo considerável de
gêneros, percebemos que a docente não trabalhava muito a
funcionalidade dos textos estudados.
Analisando o discurso e observando a prática das duas
docentes pesquisadas, percebemos que há mais aproximações
do que afastamentos entre os discursos proferidos pelas docentes
e a prática das duas professoras, contradizendo o senso comum
de que as professoras “dizem uma coisa e fazem outra”.
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
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Telma Ferraz Leal
Considerações finais
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Entender os princípios do sistema de escrita alfabética
não é tarefa fácil para o aluno, assim como alfabetizar não é
uma tarefa fácil para o professor. Por outro lado, aprender a
ler e produzir textos não é fácil, como também não é fácil
ensinar a ler e produzir textos. No entanto, o docente precisa
perceber que a aprendizagem do sistema de escrita ocorre
em um período delimitado, ao passo que as habilidades de
ler e produzir textos desenvolve-se durante toda a vida do
indivíduo. Antes mesmo de entrar na escola, os sujeitos
vivem num mundo letrado, mesmo não sendo alfabetizados e
após concluírem a educação básica continuam vivendo nesta
sociedade e lidando com variadas situações em que os textos
escritos circulam.
Cabe ao professor propor, em sala de aula, atividades
que ajudem o aluno a se apropriarem do sistema de escrita
alfabética e entender o uso do mesmo na sociedade, para que
sua prática como docente se assemelhe à maioria dos discursos
proferidos por muitos professores, que é alfabetizar para
formar cidadãos autônomos nas práticas de escrita e leitura no
meio em que vivem.
Das duas professoras, a que mais se aproximou desse
modo de conceber a alfabetização foi a professora 4, que
desenvolveu atividades de interpretação de textos e atividades
problematizadoras de apropriação do sistema de escrita,
embora no eixo de produção de textos tenha adotado uma
perspectiva distanciada desse modo de conceber o ensino
da língua. Essa professora, em seu discurso, explicitava a
necessidade de promover situações variadas de leitura e escrita
de textos, mas dizia que utilizava atividades com unidades
menores, aliando diferentes “abordagens”. Na realidade, ela
tinha consciência de que lançava mão de orientações didáticas
advindas de diferentes perspectivas teóricas.
A professora 1 também tinha essa consciência da
necessidade de contemplar atividades de leitura de textos e
atividades centradas em unidades menores da língua, mas
as influências sobre sua prática em relação à dimensão da
apropriação do sistema de escrita era de perspectivas sintéticas,
as quais a professores tomava como referência para ajudar as
crianças a ter autonomia no uso da escrita.
Em suma, duas principais conclusões podem ser
extraídas desse trabalho:
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
1 – As professoras adotam, no cotidiano da sala de aula,
perspectivas teóricas diversas, resultantes, sobretudo, da
necessidade de contemplar diferentes dimensões do trabalho
com a língua. Não havendo uma perspectiva teórica que auxilie
as professoras a garantir a aprendizagem do sistema de escrita
e ampliação das habilidades requeridas na interação por meio
dos diferentes gêneros textuais, elas lançam mão de orientações
advindas de diferentes modelos teóricos.
2 – Fortes relações entre o discurso e a prática foram encontradas.
Mesmo quando as docentes não explicavam de modo mais claro
os pressupostos teóricos das abordagens que diziam conhecer,
explicitavam princípios gerais relativos às abordagens teóricas
que eram orientadores de suas ações didáticas.
As duas conclusões citadas acima evidenciam que, na
formação continuada, é preciso atentar com cuidado ao que
dizem as professoras e entender suas escolhas. Há uma mistura
teórica que pode ser entendida se buscarmos compreender a
complexidade da alfabetização e os limites das abordagens
teóricas subjacentes às investigações desenvolvidas por
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pesquisadores. É possível enfocar as diferentes dimensões
da alfabetização sem preconceitos, buscando apreender que
conhecimentos diversos precisam ser apropriados pelos
estudantes e os professores precisam lançar mão das ajudas
disponíveis para isso.
Por outro lado, os resultados da pesquisa mostram que
é possível, e necessário, promover situações de teorização
da prática, pois as próprias docentes buscam articular os
princípios que explicitam às suas opções metodológicas. A
formação continuada pode ajudar os professores a realizarem
escolhas mais conscientes e responsáveis. Não nos pareceu
que as professoras simplesmente repetissem atividades, pois
havia uma coerência interna nas escolhas metodológicas. É
preciso colocar em evidência suas justificativas para as escolhas
cotidianas, favorecendo que reflexões teóricas aprofundadas
ampliem seus horizontes profissionais.
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
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ALPHABETIZER TEACHERS: WHAT THEY
SAY AND WHAT THEY DO
Abstract
In this article we have discussed the results of a research that
analyzed the relations between the teachers’ discourse about
methodological options related to the alphabetization
process and the teaching practices. The methodology
consisted of a questionnaire application to a twelve teacher
group, the making of interviews with four teachers, and the
observation of twenty classes from two docents. The results
have showed that there was variation on the teachers’ concept
of alphabetization, predominating, nevertheless, not the
valorization of written alphabetic system but the literacy
dimension. Four teachers have highlighted the work with
linguistic units smaller than words. The results have made
still it clear that there have been approximations between
docents’ discourse and practice. We have concluded that
the continuous formation of alphabetizer teachers needs
to be conducted in a way that we can take into account
teachers’ conceptions in order of understanding their
methodological options.
Keywords: Alphabetization. Literacy. Methods of
alphabetization.
Data de recebimento: janeiro 2013
Data de aceite: abril 2013
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proFEssorEs alFabEtizadorEs: o quE dizEm E o quE FazEm