Doença dos Legionários:
Avaliação de riscos e a problemática hospitalar
O presente artigo incide sobre os principais aspectos associados à avaliação
de risco associado à ocorrência da bactéria do género Legionella spp, nos
edifícios e em particular na área hospitalar.
Características gerais e epidemologia
A Legionella é um bacilo Gram negativo, pleomórfico, aeróbi, móvel. Esta
bactéria é ubíqua em ambientes aquáticos naturais ou artificiais e sobrevive
num vasto leque de condições ambientais.
Foi isolada de ambientes com pH de 2,7 a 8,3 e de várias fontes tais como rios,
lagos, águas subterrâneas e até na água do mar. Está bactéria também
sobrevive em fontes artificiais de água salgada e cresce a uma temperatura
óptima situada no intervalo entre 22ºC - 45º C.
A partir dos seus nichos ambientais pode colonizar e crescer nos reservatórios
artificiais criados pelo homem, que favorecem a amplificação do inóculo, tais
como as redes prediais de águas (chuveiros e torneiras), torres de
arrefecimento de sistemas de climatização de grande edifícios (como
empreendimentos turísticos, escritórios, centros comerciais, hospitais),
humificadores, equipamentos de terapia respiratória, instalações termais,
piscinas, jacuzzis, fontes decorativas, etc.
Em ambientes aquáticos naturais e em instalações de edifícios a presença de
protozoários (amibas) joga um papel importante suportando a multiplicação
intracelular da bactéria, servindo este processo de mecanismo de
sobrevivência em condições ambientais desfavoráveis.
A legionelose é uma infecção bacteriana aguda, cujo agente etiológico é a
bactéria Legionella, que pode originar duas entidades clínicas e
epidemiologicamente distintas: a Doença dos Legionários, pneumonia dos
Legionários ou “legionelose pmeumónica” (CID-10: A48.1) e a febre de Pontiac
ou “legionelose não pneumónica” (CID-10: 48.2).
A Doença dos Legionários é potencialmente epidémica, com uma taxa de
letalidade elevada ( 5 a 30% dos casos) e pode apresentar sintomas
semelhantes a outras formas de pneumonia, por isso pode ser difícil de
diagnosticar. Os sintomas podem incluir febre alta (superior a 39º C), arrepios e
tosse seca, pneumonia focal, (que pode progredir bilateralmente e originar
insuficiência respiratória) e sintomas gastrointestinais. Os sintomas começam
normalmnte 2 a 14 dias após a exposição à bactéria.
A Febre de Pontiac é uma doença benigna provocada pelo mesmo tipo de
bactéria. É uma doença auto limitada aguda, que não desenvolve pneumonia.
Tem como sintomas mal-estar «, fadiga, mialgias, febre e cefaleias. A
recuperação acontece em 2 a 5 dias sem qualquer tratamento.
Não há evidências de transmissão pessoa a pessoa, quer da Doença dos
Legionários quer da Febre de Pontiac.
A tabela 1 apresenta algumas diferenças clínicas entre a Doença dos
Legionários e a Febre de Pontiac.
Tabela 1: Algumas diferenças clínicas entre a Doença dos Legionários e a Febre de Pontiac
Características
Sintomas clínicos
Doença dos Legionários
Febre de Pontiac
 Muitas vezes sem sintomas
específicos
 Perda de Força
 Febre alta
 Dores de cabeça
 Tosse seca, não produtiva
 Arrepios
 Dores musculares
 Dificuldades em respirar, dores no
peito
 Diarreia (25-50% casos)
 Vómitos, naúseas (10 a 30% casos)
 Perturbações do SNS (confusão e
delírio em 50% dos casos)
 Falha renal
 Níveis de lactato desidrogenase»
700 unidades/ml
 Falha na resposta a antibióticos beta
lactâmicos ou amino-glicosídeos
 Coloração de Gram de amostras
respiratórias com numerosos
neutrófilos e sem microrganismos
visíveis
Período de incubação
2 a 10 dias. Raramente ate 20 dias
Duração
Agente etiológico
Taxa de ataque
Semanas
Espécie de Leginella
0,1 a 5% - população geral
0,4 a 14% nos hospitais
Isolamento do
organismo
% de casos fatais
Possível
Resultado
Hospitalização comum
 Sintomas
semelhentes a uma
gripe moderada a
grave
 Perda de força
(astenia), cansaço
 Febre alta e arrepios
 Dores musculares
(mialgias)
 Dores de cabeça
 Dores articulares
 Diarreia
 Náuseas e vómitos
(numa pequena
percentagem de
doentes)
 Dificuldades em
respirar e tosse seca
5 horas a 3 dias (mais
comum 24-48 horas )
2 a 5 dias
Espécies de Legionella
» até 95%
Raramente
Variável dependendo da susceptibilidade
Em doentes hospitalares pode chegar a 0%
40-80%
Hospitalização não é
comum
O número de espécies, sub espécies e seroprupos de Legionella continua a
aumentar. Actualmente o género Legionella conta com pelo 50 espécies
contendo 70 serogrupos distintos, dos quais a Legionella pneumophila sg1 é
responsável por cerca de 80% dos casos de doença.
Apesar de L. pneumophila provocar a maioria dos casos de Doença dos
Legionários, outras espécies (como L. micdadei, L.bozemanii e L. longbeachae)
podem também provocar a doença, particularmente em casos nosocomiais.
A infecção transmite-se por via aérea (respiratória), através da inalação de
gotículas de água (aerossóis) contaminadas com bactérias, sendo importante
referir que não se transmite de pessoa a pessoa, nem pela ingestão de água
contaminada, existindo contudo alguns casos associados à aspiração seguida
de ingestão de água contaminada.
Uma fonte infectada com Legionella (como por exemplo um fontanário) pode
disseminar aerossóis contendo Legionella.
Quando isto ocorre, grande parte da água do aerosol evapora rapidamente,
deixando partículas no ar que são suficientemente pequenas para serem
inaladas. As partículas com tamanho inferior a 5_m em diâmetro podem ser
inaladas e penetrar profundamente nas vias respiratórias provocando a
legionelose.
Casos de legionelose tem sido frequentemente associados a fontes de
contaminação situadas até 3,2 Km de distância, havendo evidências de que
esta distância poderá ser superior. Para além disso, há suspeitas de que a
virulência é um factor importante na sobrevivência de Legionella nos aerossóis:
de facto parece que as estirpes mais virulentas sobrevivem mais tempo nos
aerossóis do que as estirpes menos virulentas.
A Infecção depende do nível de contaminação da água (dimensão do inóculo
infectante) da virulência da bactéria, da eficácia da formação e disseminação
de aerossóis, do tempo de exposição e de factores de risco do hospedeiro
(sexo masculino - afecta duas a três vezes mais homens que mulheres), idade
superior a 50 anos (sendo rarissima em indivíduos abaixo dos vinte anos),
doença pulmonar obstrutiva crónica, tabagismo, diabetes, insuficiência renal,
transplantação de orgãos sólidos, imunossupressão (incluindo corticoterapia) e
neoplasias do foro hematológico.
Devido à prevalência de Legionella quer em ambientes naturais quer em
ambientes artificiais, considera-se que a população está frequentemente
exposta. Apesar do grande número de espécies incluídas no género Legionella,
só algumas delas foram até agora associadas a casos de doença.
Noção de risco e perigo
O risco pode ser definido como uma medida de dois factores a destacar,
perigo para a saúde associado a uma exposição de uma dada substância e a
probabilidade da sua ocorrência.
O perigo é o impacto adverso na saúde que resulta da exposição a uma dada
substância. Muitas vezes a substância é referida como o perigo, do que
propriamente associada ao efeito adverso que pode causar.
A avaliação do risco compreende a análise do risco (identificação dos
perigos e estimativa dos riscos) e avaliação de opções (desenvolvimento de
opções e análises das opções).
A gestão do risco envolve os seguintes passos: decisão, implementação,
monitorização e avaliação da performance e revisão de todo o programa.
Os modelos de avaliação dos riscos normalmente usados em vários países
envolvem identificação dos perigos, examinar a dose - resposta a uma dada
substância ou grupo de substâncias, ou toxicidade no caso de substâncias
químicas, determinação da natureza e extensão da exposição, avaliação, das
várias opções para a redução dos riscos e a escolha da opção a implementar
para a redução do risco.
A determinação do risco está associada a critérios científicos de determinação
dos perigos (como os químicos, radiológicos, microbiológicos e físicos) e aos
potenciais danos causados à saúde humana, os quais são avaliados face aos
benefícios.
A avaliação do risco subdivide-se na análise do risco (em que são
identificados os perigos para a saúde e a estimativa dos riscos, assim como as
opções da avaliação).
A análise do risco começa com a identificação dos perigos para a saúde, com
base em relatórios clínicos, investigações epidemiológicas, estudos
toxicológicos, ou análise às propriedades químicas das substâncias.
Quando um perigo é identificado, deve-se ter em conta a probabilidade da sua
ocorrência, estimando-se o risco associado.
Estas técnicas de estimar o risco podem envolver saber o nível a partir do qual
o perigo constitui risco para a saúde, que está exposto ao mesmo (idade,
estado de saúde, sexo, etc…).
Potenciais fontes de Amplificação e Disseminação desta bactéria (os
riscos associados à ocorrência da presença da Legionella estão
intimamente relacionados com os seguintes factores de risco):
 Sistema de água quente e fria, todos equipamentos que libertam
aerossóis;
 Torres de arrefecimento, condensadores evaporativos;
 Piscinas e jacuzzis;
 Equipamentos de terapia respiratória;
 Humidificadores e equipamentos de nebulização individuais;
 Fontes ornamentais, lavagem de viaturas;
 Sistemas AVAC - ventilação do ar e climatização.
Destes, os que oferecem maior risco são aqueles que produzem aerossóis,
através da formação de microgotículas de água contaminadas com um
tamanho igual ou inferior a 5µm, as que quando inaladas podem penetrar no
sistema respiratório atingindo os alvéolos pulmonares e causar as infecções
graves.
Causas que contribuem para o desenvolvimento desta bactéria
(identificação do risco)
Na identificação dos riscos críticos e na avaliação dos riscos salientamse os seguintes aspectos a ter em atenção:
 Ocorrência de zonas de estagnação de água nas redes de água quente
e fria, associada a juntas cegas e pontos de menor consumo, assim
como à presença de reservatórios mal dimensionadas com problemas
de curto circuitos hidráulicos, favorecendo a sedimentação de materiais;
 Temperatura na rede de água quente sanitária abaixo dos 50ºC
incluindo o circuito de retorno e na rede sanitária de água fria
temperatura superior a 20ºC;
 Presença de nutrientes na água (Fe, Mn; etc…), que facilitam o
desenvolvimento de biofilmes biológicos com a presença de algas,
protozoários e de outros biotas, que constituem suporte ao
desenvolvimento da bactéria Legionella;
 Má qualidade da água da rede pública ou privada que pode apresentar
tendências incrustantes ou agressivas para os materiais, acrescido de
uma má higienização dos sistemas;
 Idade dos materiais que constituem a rede e a sua composição;
 Falta de um programa de manutenção e operação correcto para a rede
predial (água quente e fria) e para todos os equipamentos instalados da
qual a água faz parte do processo;
 Má localização das torres de arrefecimento face às tomadas de ar do
sistema AVAC, devendo-se ter em atenção os materiais que entram na
sua composição;
 Nos hospitais a falta de gestão dos pacientes face às principais fontes
de risco, permitindo muitas vezes o seu acesso a locais onde o risco é
maior;
 Falta de um plano de prevenção e controlo face à presença da bactéria
Legionella;
 Não existência de procedimentos para comunicação do risco
Pessoas mais susceptíveis ao Risco:
 Doentes imunocomprometidos;
 Idade superior a 50 anos;
 Doentes crónicos (diabetes, doenças cardiovasculares, doenças
pulmonares, doenças renais etc…);
 Fumadores activos e alcoólicos;
 Doentes que sofreram transplantes recentes e doentes com HIV.
Acções a desenvolver a nível hospitalar no âmbito da avaliação e do
risco.
A nível hospitalar deve-se implementar um programa de prevenção efectivo da
Legionella, programa de gestão de risco e implementação de medidas de
controlo do crescimento da Legionella de uma forma pró-activa e não quando
da ocorrência de um caso.
Entidades envolvidas para a implantação do programa de gestão de risco:
É imprescindível existir uma boa relação entre os responsáveis para que não
existam quebras na comunicação do risco.
Nos grandes edifícios devem estar envolvidos nestes programas além da
administração, o responsável da equipa de operação e manutenção, a
Comissão de Controlo de Infecção (no caso de edificios hospitalares) empresas
que prestem serviços de manutenção e os laboratórios de análises de água e
quando se verifique alguma ocorrência deve ser de imediato comunicado à
Autoridade de Saúde para actuação.
Os responsáveis pelos equipamentos e instalações dos grandes edifícios
devem implementar um plano de gestão do risco, tendo em conta o seu
conhecimento das redes prediais de água quente e fria, quer do ponto de vista
do seu traçado, sistema de produção de água quente (central térmica), estado
das canalizações, tipo de materiais que a compõem, modo de circulação da
água, temperatura da água em diferentes pontos da rede, localização das
torres de arrefecimento, tratamentos existentes à água de arrefecimento, etc.
Com base nas informações anteriores deve-se identificar e avaliar os factores
de risco para todas as instalações, elaborando um mapa de pontos críticos e
complementarmente adoptar as medidas necessárias para prevenir os riscos e
minimizar os seus possíveis efeitos.
Programa de gestão do risco envolve:
O plano de gestão do risco depende do tipo de edifício, dos equipamentos
instalados, das características da rede de água quente e fria, da maior ou
menor susceptibilidade dos utentes do edifício, da localização do edifício e da
zona envolvente. Na sua elaboração deve-se ter em conta os seguintes
aspectos:
 Qual o tipo de risco a ser gerido;
 Identificação dos riscos quer associados a equipamentos e sistemas de
água quente e fria quer associados è vulnerabilidade das pessoas;
 Análise do risco;
 Avaliação do risco
 Medidas para controlar e minimizar os riscos (controlar o crescimento
desta bactéria, tratar e estabelecer medidas de controlo);
 Implementar um programa de monitorização e rever as medidas de
controlo e estabelecer protocolos de limpeza e desinfecção de todos os
equipamentos;
 Estabelecer esquemas de comunicação simples entre os responsáveis
pelo programa de gestão do risco e de prevenção da Legionella a nível
hospitalar ou gestão de grandes edifícios, estabelecer periodicamente a
sua afinação;
 Auditar com alguma regularidade os planos de prevenção e gestão do
risco associados à Legionella spp, para a sua reformulação, pelo menos
de 2 em dois anos e uma vez por ano fazer uma inspecção rigorosa aos
sistemas de água fria e quente e sistema de climatização.
O plano de gestão do risco envolve também a elaboração de vários protocolos,
como protocolo amostragem e monitorização, protocolo de tratamento da água
do processo, protocolo de actuação face a situações críticas, protocolo de
comunicação do risco entre os vários intervenientes no plano de gestão do
risco, associado à presença de resultados adversos de Legionella na água e no
biofilme e a sua comunicação às autoridades de saúde.
Com base nas informações anteriores deve-se identificar e avaliar os factores
de risco para todas as instalações, elaborando um mapa de pontos críticos e
complementarmente adoptar as medidas necessárias para prevenir os riscos e
minimizar os seus possíveis efeitos.
Num hospital além dos factores de risco anteriormente focados, há a
considerar os vários tipos de pacientes existentes e a existência ou não de
práticas de gestão doentes. Os de alto risco, mais susceptíveis às infecções de
outros serogrupos da bactéria Legionella pneumophila, além do serogrupo 1,
requerem medidas preventivas especiais, com vigilância através de um
diagnóstico cuidadoso a todos os doentes com pneumonia nosocomial,
recorrendo aos testes de serologia, para a pesquisa de anticorpos ou
recorrendo aos testes de antigenuria para pesquisa de antigenes,
determinando-se o tipo de bactéria encontrado.
Quando a água fornecida apresentar alterações constantes da matéria em
suspensão deve-se equacionar previamente a instalação de uma bateria de
filtros à entrada do sistema, após uma avaliação criteriosa da sua aplicação e a
correcta adaptação ao tipo de água existente, permitindo diminuir a presença
de biofilmes bacterianos e aumentar a eficácia da desinfecção a jusante deste
ponto.
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