O QUE É MACONGE?
O Reino de Maconge formou-se em 1939, quando os «veteranos» do Liceu Nacional de Diogo
Cão, na cidade de Sá da Bandeira, Angola, não aceitaram que o recém-eleito presidente da
Academia, fosse um dos «fracos», ou seja, daqueles estudantes que davam mais atenção às
modas do tempo do que às tradições e praxes da Academia, tradições essas que vinham desde
a fundação da Escola Primária Superior do distrito da Huíla, em 1919, transformada, dez anos
volvidos, em Liceu Nacional de Diogo Cão.
No ano do vigésimo aniversário da instalação do ensino liceal, as praxes vinham-se degradando,
as tradições já não eram como dantes, as modas americanas estavam a fazer com que o uso
da capa e batina, como traje académico (cuja autorização tinha sido formalmente concedida
pela velha Academia de Coimbra, em 1933), caísse em desuso. Os «veteranos» uniram-se e
revoltaram-se. Em tempo de república fundaram um REINO. Para o guiar, elegeram um dos
alunos mais carismáticos da época, César da Silveira, o qual, por incompreensão de alguns
professores, já tinha efectuado a décima matrícula no Liceu e continuava a teimar que,
transportando os livros escolares entre a sua residência e o Liceu e vice-versa, por osmose, as
matérias das várias disciplinas teóricas haveriam de aparecer na massa encefálica.
Ao ser eleito Rei, César da Silveira, passou a designar-se por D. Caio Júlio César da Silveira IV,
porque, sendo o quarto na descendência directa dos varões da ilustre família dos Silveiras –
instalados no velho Lubango desde a colonização madeirense de 1885 – sonhava transmitir aos
seus familiares vindouros, tão ilustre cargo; Caio Júlio porque um “reino” de revoltosos tinha de
perpetuar a memória dos imperadores da república romana que tantas chatices davam à malta,
quando estudava História. Maconge, porque era preciso ter um território de base e, para tal
efeito, bem servia a pequena propriedade (fazenda/ chitaca) que o pai do César tinha na região
da Leba e onde, teimosamente, tentava fazer vingar umas árvores de fruta, chitaca essa
conhecida pelo nome de Maconge.
Os monárquicos elaboraram a «Constituição Política do Reino de Maconge» - que viria a ser
solenemente aprovada em Abril de 191 – o Rei dividiu as massas estudantis em escalões
sociais, dando títulos nobiliárquicos e humorísticos, explorando os pontos frágeis e
sensibilidades mais flagrantes de cada um dos seus súbditos. O «Conselho de Estado», com a
representação de todas as camadas sociais, redigia e assinava os decretos, inspirados nos
métodos da academia coimbrã; o «Conselho de Ministros» (após umas reuniões que começavam
por umas boas partidas de bisca ou de sueca), zelava pelo cumprimento dos ditos decretos.
Criou-se, assim, «uma organização académica dos estudantes dos cursos mais adiantados,
destinada a gerar um notável movimento académico, para o ressurgimento da velha Academia.
Determinava manifestações de toda a natureza: festas escolares, excursões, desporto,
serenatas e praxe», voltando a capa e batina a ser de uso obrigatório nas cerimónias escolares
e académicas, reanimando-se os rituais académicos, implantando-se a divisa da solidariedade,
fraternidade, amizade.
Em Novembro de 1942, sendo D. Caio Júlio César da Silveira IV, além de Rei de Maconge,
Presidente da Academia, efectuou-se a «Reunião da Academia do Liceu Nacional de Diogo Cão,
por determinação de Sua Excelência o Senhor Ministro das Colónias, Doutor Francisco Vieira
Machado», na qual se elaboraram as petições a apresentar ao senhor Ministro: No dizer de
César da Silveira, essa reunião operou «verdadeira transfiguração na fisionomia académica de
Sá da Bandeira. Foi – é inegável - acontecimento “histórico” de gratos e assinaláveis efeitos
(…) Coincidiu também com a criação de duas grandes tradições académicas: -fez-se, então, em
Sá da Bandeira, a primeira grande marcha académica aux flambeau (homenagem ao Ministro
Vieira Machado) e realizaram-se as primeiras “Festas de Finalistas” ( de «Despedida» como se
dizia naquele tempo)» – tradição que se manteve até 1974.
Com a gradual saída dos Maconginos dos bancos liceais, ao longo da década de 1940, a tertúlia
deste reino de Lenda, Sonho e Fantasia, onde se cultivava a Solidariedade, a Fraternidade e a
Amizade, decai e, com avanços e recuos, vai-se diluindo nas tradições continuadas pela
Academia da Huíla nas décadas seguintes, Academia que continua a ter na figura do Rei de
Maconge a sua entidade máxima.
As reuniões de confraternização dos antigos estudantes, maconginos, que se realizaram em
1954 e 59, foram pretexto para abraçar e recordar amigos, condiscípulos, professores,
tradições e praxes, transmitindo aos estudantes dessas épocas os «ensinamentos» que
permitem continuar a Academia, o Reino, o Sonho, a Lenda, a Fantasia.
É em 1967 que o Rei convoca, pela terceira vez, os seus súbditos. A 3.ª Grande
Confraternização dos Antigos Estudantes da Huíla (que se realizou no mês de Agosto durante
as tradicionais Festas de Nossa Senhora do Monte, padroeira da cidade), revitaliza, novamente
o Reino. Um grupo dos antigos estudantes, com espírito macongino, prepara esta
confraternização, na qual foi homenageado o antigo Dr. Ramalho Viegas, cognominado de O Pai
da Malta à época professor no Liceu de Setúbal. Para esses reuniões – coordenadas por Mário
Saraiva de Oliveira (Grão Duque do Lubango) e tendo por acólitos Rogério Gomes (Duque da
Mucanca) e Carlos Fontoura (Duque do Giraul) – é convocado o Presidente da Academia que se
faz acompanhar de outros «veteranos» e o empenho de antigos e actuais estudantes é de tal
ordem que a 3.ª Confraternização foi um marco histórico importantíssimo na vida académica.
Deste convívio resultou a realização de Ceias de Confraternização entre antigos e actuais
estudantes, no último sábado de cada mês, em todos os pontos do território português onde
pudessem estar juntos os «maconginos» (em Sá da bandeira, sede do Reino, no restaurante
«Casa Verde», durante os sete anos seguintes, cumpriu-se este ritual). É também em 1970
que, pela ausência forçada do Rei em Luanda, onde exercia a sua actividade profissional, foi
designado Vice-Rei D. Mário Saraiva da Oliveira, Grão Duque do Lubango), que, naturalmente,
substituía o Rei nos seus impedimentos.
Foi ainda na década de 1960 que se assistiu ao aumento gradual dos estudantes abrangidos
pelos Estatutos da Academia, com a integração dos alunos da Escola Industrial e Comercial,
Colégio Nuno Álvares, Instituto Comercial, Escola do Magistério Primário e Faculdade de Letras
da Universidade de Luanda.
De 1968 a 75 o presidente da Academia da Huíla era o responsável pela tradição académica,
cumprimento dos estatutos e, também, pelo comportamento cívico de cerca de três mil
estudantes, sendo coadjuvado por um Senado da Academia, para o qual eram anualmente
eleitos dois representantes dos vários estabelecimentos de ensino. As entidades locais
convocavam o presidente da Academia sempre que estavam em questão assuntos de interesse
estudantil, ou recepções às entidades oficiais, qual parceiro social tacitamente reconhecido.
Com o “revoada” provocada pela descolonização, os maconginos reagrupam-se nas terras do
ultramar do Reino e instalam-se os sobados que vão sendo criados nos territórios de Angola,
Portugal e Além-Mar, conforme a aglutinação de vontades de reunião e permanência dos
valores maconginos. Em Angola, o representante do Vice-Rei D. Fernando Silveira (Funka),
Marquês do Chongoroi, continua a congregar todos os maconginos aí residentes; neste
ultramar europeu, rectângulo à beira-mar plantado, os sobas do Porto, Aveiro, Leiria, Torres
Vedras, Lisboa, Seixal/Almada, Setúbal, Santo André/Sines, Portimão e Faro organizam
anualmente as Ceias onde comparecem os maconginos cujas «cubatas» (residências) ou
«chitakas» (quintas) ficam na área desse sobado. No Além-Mar estão organizados os sobados
do Funchal, Cabrália (Brasil), Toronto (Canadá) e Sidney (Ausatrália); em Macau existiu, entre
1989 e 99 o «Sobado de Amagáo».
Em todos os antigos estudantes da Huíla, que continuam a partilhar os ideais do Reino de
Maconge, que continuam a viver em permanente Amizade, Fraternidade e Solidariedade,
permanece o espírito macongino.
Henrique (Higino) Vieira
Presidente da Academia – 1968/69
Conde do Chiôco
Soba de Faro
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