Comunicação Professor Ivor Goodson Quero falar acerca de dois projetos em que estive envolvido antes de participar neste, porque ambos são relevantes para este projeto. Um deles realizou-se quando trabalhei nos Estados Unidos da América. Trabalhei lá por 15 anos, de verdade não gostei muito e por isso fiquei muito contente quando voltei para Inglaterra. Quando estava nos Estados Unidos da América, o governo Clinton estava a tentar reformar o trabalho no sector educacional, penso que era no âmbito do Education 2000. Uma das reformas estava relacionada com a Avaliação que teve bastantes efeitos negativos nas escolas, não foram bem-sucedidas, e começaram a ficar desesperados por encontrar outro tipo de avaliação. Por isso convidaram britânicos, eu e o Andy Hargreaves, para fazermos uma avaliação da avaliação que, naquele momento, estava a ser feita. Queria falar muito brevemente de como fizemos isso. As medidas estavam a ser postas em práticas quase à revelia dos professores, não tendo o seu contributo nem o que os professores pensavam acerca destas mudanças. Elas foram implementadas sem o envolvimento dos professores, sem ninguém perguntar o que eles achavam e pensavam. Então, nós decidimos que íamos fazer duas coisas: por um lado, recolher todos os documentos relativos às políticas e analisar o que o governo tinha estipulado fazer e, por outro lado, recolher o que chamamos de work life narratives. O estudo das narrativas profissionais de professores, mais concretamente, as narrativas de vida de professores. Tentámos perceber as dimensões relacionadas com a identidade profissional dos professores e qual o sentido que os professores davam a estas medidas, o que é que os professores pensavam sobre o seu próprio trabalho, por que motivo são professores e até que ponto é que estas dimensões estavam ou não estavam a ser afectadas por estas mudanças que iam sendo decretadas. Relativamente a este nosso projeto, para além das três dimensões que estamos a considerar e que foram referidas pelo professor Fernando Gonçalves, que são a dimensão da mudança curricular, pedagógica e organizacional, uma dimensão que não está aqui considerada e que eu me sinto muito interessado por ela é a questão da identidade profissional e de que forma é que a identidade profissional é afectada. Fizemos um estudo sobre este tema e está publicado no livro Professional knowledge, professional art. Uma das coisas mais interessantes, no que diz respeito à nossa avaliação, aconteceu no fim do projeto quando nós elaborámos uma série de portraits, retratos de professores específicos e da vida desses professores, onde se teve em conta a forma como as suas vidas tinham sido afectadas pelas reformas que estavam em curso. Nos Estados Unidos atribuem-se prémios para tudo e particularmente atribuem-se muitos prémios no contexto educativo, onde o objectivo é conseguir perceber quem são os melhores professores pelo número de prémios que ganham. Contudo, estes prémios são atribuídos com alguma razoabilidade, de forma pensada. Então, considerámos que podia ser uma forma de distinguir grupos de professores. Por um lado, professores que tinham ganho muitos prémios e, por outro lado, professores que não tinham ganho prémios. Curiosamente, eram os professores que mais prémios ganhavam aqueles que mais desiludidos se mostravam face às mudanças que estavam em curso. Eles detestavam a avaliação realizada, odiavam as reformas, detestavam sentir-se avaliados, detestavam ter que prestar contas, sentiam que estavam a perder a sua valorização profissional, a sua profissionalidade, e alguns até desistiram de ensinar. Embora haja aqui uma certa generalização, pareceu ficar claro que há aqui um paradoxo de performatividade, no sentido em que quanto mais os professores são avaliados - especificamente os melhores professores, os professores mais empenhados -, menos produziam, porque reagiam de forma negativa à avaliação. Após a realização deste estudo, voltei para Inglaterra com a minha família. Quando estava de volta à Europa, no momento em que regressei a Inglaterra tive a felicidade de estar naquele momento a haver uma proposta por parte da comissão europeia para estudos relacionados com a dimensão que tínhamos estado a analisar nos Estados Unidos. Eu propus-me a fazer um estudo, que foi financiado, e que avaliou, por uma lado, a narrativa sistémica, a narrativa que os sistemas produziam acerca das mudanças e, por outro lado, a narrativa relacionada com a vida dos professores e de que forma é que elas se processavam num conjunto de países, tais como: Finlândia, Suécia, Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia e Inglaterra. Uma das questões que se colocou foi até que ponto é que se iria verificar no contexto europeu o mesmo tipo de desencontro entre as narrativas dos professores e as narrativas sistémicas, e verificámos que havia duas trajectórias muito distintas: uma trajectória relacionada com os países do Sul e outra relacionada com os países do Norte. Ao passo que os países do Norte tendiam, de uma forma geral, a acreditar que os governos faziam coisas positivas, denotava-se uma maior aceitação das medidas propostas pelo governo, o Sul tendia a ter menos certezas acerca das propostas que eram feitas. Portanto, as respostas dos professores eram bastante diferentes dentro destes dois grupos. No que diz respeito especificamente à Inglaterra, havia tendencialmente uma aceitação tácita daquilo que era proposto, não foi gerada muita discussão à volta desta questão. Contudo, quando se introduziu uma complexidade ao nível da coorte dos professores que eram questionados, emergiram algumas diferenças. Uma questão que eu acho que vale a pena focar diz respeito ao paradoxo de performatividade, através da relação com a profissionalidade, isto é, perceber de que forma é que se explica que quanto mais se avalie, quanto mais se procure controlar, menos as pessoas mostrem vontade de fazer o melhor que podem. Nós fizemos uma análise da coorte para chegarmos a diferentes gerações de professores, para percebermos as diferentes visões que estes têm acerca do que é ensinar. Verificou-se que há uma grande diferença entre os professores mais velhos e os professores mais novos, e essa diferença emergiu naturalmente nas entrevistas. Sugiram expressões muito diferentes, que começaram a chamar a atenção pela sua repetição. O primeiro professor que eu entrevistei disse: “Você tem que perceber, isto é só um trabalho. Eu simplesmente faço o meu trabalho, faço o que o governo me manda fazer, e no final do dia eu vou para casa e a minha vida começa”. Os professores mais novos frequentemente utilizavam expressões como “Isto é só um emprego”, dando uma maior importância à vida pessoal afastada do contexto de trabalho. Por outro lado, denotou-se que os professores mais velhos adoptam um discurso de missão: “Ensinar é a minha vida, é aquilo em que eu acredito”, “Eu expresso através da minha profissão aquilo que quero fazer no mundo”. É importante perceber que existem excepções, mas no geral há uma diferença de postura muito significativa, uma vez que tendencialmente foi isto que se verificou. Relativamente a este projeto, que é a razão pela qual estou aqui, sugiro que é importante ver de que forma é que as reformas estão também a afectar estas questões. Algumas das dimensões que estão previstas neste estudo dizem respeito a estudos de caso e entrevistas com professores. Esta é uma oportunidade muito importante de tentar perceber estas narrativas de vida dos professores, e ao retractar estas vidas perceber a alma dos professores e as suas motivações. Qualquer pessoa que acredite que a motivação dos professores não é a chave para um ensino de sucesso é tolo. A avaliação das consequências de uma reforma, no caso de uma avaliação, passa também em grande medida pelos efeitos que essa avaliação, que esse projeto, que essa mudança, têm ao nível da mentalidade e da motivação dos professores.