Comarca de Autor: JOana Réus: Maria e Filhos Ação Declaratória de Sociedade de Fato nº Vistos, etc. Relatados, decido. A sociedade brasileira, assim como a maioria das ocidentais, adotou a monogamia como forma de relacionamento entre o homem e a mulher. Esse sistema produz a fortificação da entidade familiar, esteio maior do Estado, posto que composto dos mais elevados níveis de moralidade e ética. A família se vê fortificada com o sistema monogâmico, e por conseqüência, o próprio Estado. Justamente para alicerçar e organizar as cláusulas de ordem pública relativas a essa união, é que surgiu a instituição do casamento. A celebração, inicialmente de caráter religioso, seguiu também para as previsões legais do Estado, sempre tendo como principal objetivo o resguardo da entidade familiar, tão importante pelos motivos já expostos. Em face de tais circunstâncias, temos grande orientação legal para o casamento, organizando o Código Civil e leis esparsas, desde os seus preparativos, celebração, efeitos e dissolução. Houve pleno interesse do Estado em disciplinar o casamento, deixando claro como se realiza, assim como os direitos e deveres daqueles que optam por sua realização. No entanto, o casamento não é a única forma de união entre o homem e uma mulher. Existem também as uniões informais, as quais se realizam sem qualquer participação do Estado na sua origem. É de se ressaltar que a união informal tem origem bem anterior ao casamento, situação só vivenciada após a sua organização pela Igreja, com o advento do Cristianismo. Ao depois, vendo o Estado a importância de dispor sobre o Casamento, puxou para si a incumbência instituindo o casamento civil. Mesmo assim, ainda nos tempos atuais a sociedade utiliza ambas as formas, realizando o casamento tanto nos templos religiosos como perante o Cartório de Registro Civil. Como o Estado sempre tem o interesse de dispor sobre a forma de união entre o homem e a mulher, pelos motivos já expostos, surge a justificativa da elevada pobreza legal das normas que regem a união de fato. A tudo isso ainda se adiciona a rejeição social, bem intensa até a parte final do século XX. Com o advento da Constituição Federal de 1988, com o expresso reconhecimento da União Estável e da igualdade entre os sexos, houve um marco histórico, gerando efeitos tanto no organismo social como também nos Tribunais. A união sem casamento passou a ser reconhecida legalmente e não mais somente em razão das decisões dos pretórios. Naquela oportunidade o Estado começou a disciplinar a situação, editando leis complementares que dispuseram com mais detalhes sobre a união de fato. Como não poderia deixar de ser, os passos iniciais foram cambaleantes e inseguros, tais como os de uma criança em seus primeiros meses de vida. A legislação não primou pela clareza e nem conseguiu dispor sobre todas as circunstâncias que envolvem a união fática. Até mesmo o Código Civil de 2002 foi econômico em suas previsões, isso para não dizer omisso, posto que já há condições para uma legislação mais abrangente e menos dúbia. A conclusão de toda esta realidade fática é que as dificuldades deságuam no Judiciário, posto que a sociedade não deixa de realizar as união informais sob a justificativa de insegurança jurídica. Ao Juiz não é dada a permissão de aguardar a chegada da legislação para a solução do caso que se encontra em sua mesa. O desate deve ser imediato, utilizando as fontes disponíveis, mesmo que insuficientes e imprecisas. A situação dos autos se torna especial justamente pelo tempo de seus acontecimentos, iniciando o relacionamento quando pouco havia a respeito da situação e prolongando-se até perto do fim do século XX. As mudanças significativas na legislação ocorreram quando o relacionamento estava em andamento, e isso deve ser sopesado na verificação dos direitos da autora. A prova testemunhal e documental deixam claro que houve um relacionamento amoroso entre o falecido Pedro e a autora Joana. Não se tratou de simples namorico como informam os contestantes. Ao contrário, o que se verifica nas provas é que foi profundo e duradouro, com várias passagens de aparência social como se marido e mulher fossem. Assim, foram vários os batizados, as viagens comprovadas pelas fotografias, além da profundidade de sentimento alicerçada na carta enviada pelo falecido à autora. Os eletrodomésticos comprados para a casa da autora, e a convivência nas fazendas do Sr. Pedro, quase sempre à vista de todos e sem a preocupação de esconder a situação. Para complementar a situação, houve ainda um posicionamento do Falecido Sr. Pedro que dá a idéia certa da profundidade do relacionamento entre ele e a autora. O Sr. Pedro registrou como seus os filhos da autora, concebidos durante o relacionamento informal. Nenhum pai o faria se não houvesse sentimento, corroborado pela quantidade de tempo em que o relacionamento durou, ou seja, até a morte do companheiro. O fato de que tais filhos, na realidade seriam geneticamente de outro homem, além de incomprovados nos autos, não modifica a situação concretizadora da união informal daquele casal. É sabido que a união informal prescinde de fidelidade, a qual não pode ser exigida, principalmente quando um dos conviventes é casado. Da mesma forma que o casamento não desaparece com o adultério, a convivência não se descaracteriza por eventuais relacionamentos principalmente quando fortuitos e pouco evidentes. com outras pessoas, Desta forma, as provas trazidas aos autos são suficientes para reconhecer-se a união informal entre a autora e o Sr. Pedro, como iniciada em meados de 1967, até o falecimento do companheiro ocorrido em julho de 1995. Não houve nenhuma prova contrária a estas conclusões, enquanto que a autora conseguiu a plena comprovação com as fotografias, o nascimento de seus filhos registrados pelo convivente e até as testemunhas que cercaram o casal durante o seu relacionamento. Não se rejeita também, a informação dos contestantes de que o Sr. Pedro manteve-se junto com a família dita legítima, posto que não se separou de fato ou judicialmente da esposa até o seu falecimento. Levava uma vida com duas famílias, conseguindo dispor-se para ambas. Resta agora a verificação dos direitos da autora em face de tais acontecimentos e levando em consideração os pedidos alternativos realizados. O primeiro pedido refere-se à meação em todo o patrimônio adquirido pelo falecido Sr. Pedro durante a convivência, isto é, de 1967 até 1997 quando de seu passamento. Inicialmente verifico que a inicial não indica quais os bens passíveis de divisão, tornando-se extremamente difícil a análise de sua viabilidade. Até a Constituição Federal de 1988, a principal fonte do direito para a solução das pendências relativas à união de fato, alicerçava-se na Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, a qual dizia: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.” De início a súmula trouxe dois entendimentos quando à correta interpretação das palavras “adquirido pelo esforço comum”. De um lado ficaram aqueles que entendiam tratar-se de qualquer tipo de ajuda, incluindo os afazeres domésticos e até mesmo o simples e importante apoio que a companheira concede ao companheiro nos anos de vida em comum. Assim, bastava a comprovação da união de fato para que houvesse direito à meação patrimonial. De outro lado estavam aqueles mais exigentes, os quais levavam ao pé da letra as determinações da súmula. Só aceitavam o direito à meação quando efetivamente se comprovasse o esforço da companheira na aquisição do patrimônio, evidenciado a sociedade de fato e o conseqüente direito à partilha de tais bens. Esta tese acabou se tornando a mais aceita nos pretórios, sendo que o próprio STF, após breve indecisão, sedimentou seu posicionamento com a exigência da prova conclusiva do somatório de esforços na aquisição do patrimônio comum. Disse o Pretório Excelso. Documento: - RECURSO EXTRAORDINARIO . - Nº: 115503 Data do Julgamento:10-06-1988 Ementa: RECURSO EXTRAORDINARIO. COLABORACAO DA CONCUBINA NA AQUISICAO DO PATRIMONIO DECISOES A PARTILHAR RECUSADA ORDINARIAS. NAS DIVERGENCIA INOCORRENTE COM A SUMULA 380, AUSENTE O PRESSUPOSTO DE FATO. RECURSO EXTRAORDINARIO NAO CONHECIDO. Origem: MG - MINAS GERAIS Publicação: DJ DATA-05-08-88 PG-18631 Nome do Relator: OSCAR CORREA Número do Relator: 137 Sessão: 01 - PRIMEIRA TURMA No caso dos autos, não há como concluir pela participação direta da autora na aquisição do patrimônio. E isso por duas grandes razões. A primeira é que não houve informação de qual seja este patrimônio. A autora não informou sobre quais bens incidiria a sua meação, de modo a permitir a produção da prova de sua efetiva participação na aquisição do patrimônio. A segunda é que a prova indicou apenas serviços domésticos, os quais eram utilizados para a manutenção do patrimônio do Sr. Pedro, mas nunca para a aquisição de outros bens. Os serviços domésticos, conquanto importantes para a convivência do casal, são remunerados com quantias pequenas, as quais se mostram insuficientes para a aquisição de patrimônio mais vultoso, o que impede o reconhecimento da sociedade de fato. Diz a jurisprudência do STF: Documento: - RECURSO EXTRAORDINARIO . - Nº: 69991 Data do Julgamento:18-08-1970 Ementa: CONCUBINATO. DEMONSTRA TER DOMESTICOS COM CONCUBINA PRESTADO INTUITO DE QUE NAO SERVICOS LUCRO, NEM CONCORRIDO PARA O AUMENTO DO PATRIMONIO DO REU, ADQUIRIDO DURANTE A UNIAO. INEXISTENCIA, NO CASO, DE SOCIEDADE DE FATO ENTRE OS CONCUBINOS. INSUSCETIVEL DE MATERIA REEXAME NA DE FATO INSTANCIA EXTRAORDINARIA, COM APLICACAO DA SUMULA 279, E NAO DA DE N. 380. PROVIMENTO DO RECURSO DO REU, PARA O EFEITO DE SER A ACAO JULGADA IMPROCEDENTE, PREJUDICADO, EM CONSEQUENCIA, O APELO DA AUTORA. Origem: PR - PARANA Publicação: RTJ VOL-56521- PG-***** DJ DATA-18-1270 PG-06329 EMENT VOL-00824-02 PG-00798 RTJ VOL-00056-03 PG-00521 Nome do Relator: BARROS MONTEIRO Por outro lado, trata-se de união concubinária, posto que o Sr. Pedro era casado ao tempo de sua realização, havendo entendimentos da inaplicabilidade de dupla meação nestas circunstâncias. Tem-se aí uma situação em que o Casamento concorre com o Concubinato, já que tanto os filhos requerem seus direitos ao patrimônio do pai e da mãe efetivamente casados, como também a concubina pretende mear o mesmo patrimônio. A solução foi bem delineada pelo Superior Tribunal de Justiça em recente julgado, o qual cito passagem do voto, vazado nos seguintes termos: “Consubstanciada casamento e a existência concubinato, de impende concomitante fixar-se a preponderância legal de um dos institutos. Emerge, tanto do plano legal subjacente às razões acima esposadas, quanto do plano social, segundo o qual o legislador conferiu especial deslinde ao casamento, notadamente no que tange à salvaguarda da Família, base da sociedade e merecedora de fundamental proteção do Estado, a prevalência do vínculo matrimonial diante da figura do concubinato a ele simultâneo, reforçando-se tal preponderância quanto a relação concubinária vem alicerçada em impedimento para configuração de nova relação conjugal. ( STJ. Rec. Especial. N. 631.465 – DF (2004/0025085-2. Rel. Min. Nancy Andrighi.) Também Tribunais Estaduais entendem desta maneira: CONCUBINATO ADULTERINO - DIREITOS PRÓPRIOS DO CASAMENTO –IMPOSSIBILIDADE. Se adulterino, o concubinato não pode gerar direitos próprios do casamento. Por outro lado, a substituição de testemunhas arroladas é um direito da parte, que deve ser exercido dentro dos limites do art. 408 e demais regras do CPC. Por isso, não se configura um cerceamento de defesa o indeferimento da mesma feito a requerimento intempestivo na audiência (TJ-RJ- unân. da 1ª Câm. Cív. reg. em 7-5-97 - Ap. 651/97-Capital - Rel. Des. Marlan de Moraes Marinho; in ADCOAS 8155359). Nota ADCOAS: Colhe-se do voto do Relator: "Portanto , em sendo assim, mesmo que indiscutível a existência do concubinato, por ser adulterino, não poderia a autora, ora apelante, pretender extrair dele os efeitos da união estável do casamento, como efetivamente acontece. Pois, por mais boa vontade que se tenha, não há como se conciliar juridicamente a existência, a um só tempo, dos dois institutos. Na verdade, um exclui o outro, sob pena de se promover a total subversão dos princípios que orientam o nosso Direito de Família." A única possibilidade de concretizar-se a meação é a comprovação plena da ajuda na aquisição de determinado patrimônio, deixando claro que não há violação a quaisquer dos direitos inerentes ao casamento, notadamente a meação por lei concedida aos que se encontram na condição legal de marido e mulher. A jurisprudência tem entendido por conceder a meação em casos como a aquisição conjunta de um imóvel, utilizado para a residência dos concubinos, ou situação similar. O importante é que fique claro não haver prevalência ou condição de igualdade do concubinato com o casamento. Diz a jurisprudência: CONCUBINATO ADULTERINO - PARTILHA - DIREITO –LIMITE. Deve ser arredada a idéia de ilicitude - e, assim, a impossibilidade jurídica de gerar qualquer eficácia - do chamado concubinato adulterino, mesmo para a hipótese de não se achar separado, de fato, de seu cônjuge o concubino casamento casado. de O que qualquer importa, dos irrelevante concubinos, é o o reconhecimento da efetiva existência da sociedade de fato entre eles formada, a caracterizar uma união estável. Logo, a concubina tem direito, mas não sobre a totalidade dos bens deixados pelo de cujus, mas à partilha, exclusivamente, do imóvel onde continua residindo, na proporção de metade - 50% - correspondente à sua exata contribuição no esforço comum dos partícipes da união estável (TJ-SP - Ac. unân. da 2ª Câm. Cív. julg. em 6-1294 - Ap. 217.102-1/7-Ribeirão Pires - Rel. Des. J. Roberto Bedran; in ADCOAS 146351). Nota ADCOAS: O Relator cita o Des. Cezar Peluso: "O que resultou da comunhão de vidas com a mulher dividese com a mulher; e o que foi obra de comunhão com a concubina divide-se com a concubina." Esta situação, no entanto, não se aplica ao presente caso, até mesmo porque não houve detalhamento do patrimônio dito adquirido com o esforço da autora juntamente com o do falecido Sr. Pedro. Também não houve prova de que a autora exerça profissão cuja renda fosse suficiente para a ajuda no patrimônio de seu concubino. A solução é de que, neste caso, há preponderância dos efeitos do casamento no patrimônio do falecido, não sendo lícito à concubina a pretendida meação. Resta também evidenciar que este já era o raciocínio antes do advento da Constituição Federal de 1988. Nela se declarou de forma bastante evidente o reconhecimento da União Estável como entidade familiar, ordenando a facilitação da sua transformação em casamento. Levando-se em consideração que o anteriormente dito concubinato impuro não pode ser transformado em casamento, haja vista o impedimento legal à bigamia, a Constituição Federal só reconheceu como entidade familiar a união informal entre pessoas desimpedidas para o casamento. As legislações posteriores que tratam da matéria, referendaram este entendimento, principalmente a lei nº Leis 8.971, de 1994, a qual informa em seu artigo 1º que os benefícios concedidos naquele dispositivo legal só seriam usufruídos por uniões sem impedimento para o casamento. Com o advento da Lei 9.278, de 1996, houve nova perplexidade jurídica, posto que esta legislação já não mais restringiu seus benefícios às uniões desimpedidas, silenciando sobre o âmbito de sua incidência. De qualquer forma, o advento da Lei 9.278 já se deu bem perto do final do relacionamento entre a autora e o Sr. Pedro. Mesmo com as previsões amplas da Lei 9278/96, ainda assim não houve mudança no pensamento majoritário da jurisprudência e doutrina, no que concerne à superioridade de tratamento nos casos de casamento em colidência com o concubinato. Diz o aresto: TJMG-036101) AÇÃO CONCUBINATO IMPURO DECLARATÓRIA - - RELACIONAMENTO INICIADO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.278/96 - DIREITO ADQUIRIDO.A Lei nº 9.278/96 colocou um ponto final no concubinato impuro (relação que envolve uma pessoa casada que mantenha casamento concomitantemente, sem a efetiva separação de fato), não gerando a relação efeitos que favoreçam aquele que está casado, nem beneficiando quem, embora não seja casado, mantenha a relação com conhecimento do estado familiar do outro. Todavia, a referida lei não pode retroagir para prejudicar direito adquirido, nos termos do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil.Recurso desprovido.(Apelação Cível nº 1.0107.03.900294-7/001, 1ª Câmara Cível do TJMG, Cambuquira, Rel. Eduardo Andrade. j. 27.04.2004, unânime, Publ. 30.04.2004). Em face do exposto, resta evidenciada a falta de direito da autora com relação à divisão de patrimônio, não podendo ser concedido o primeiro pedido. Isso nos leva à análise do pedido alternativo, qual seja a indenização por serviços prestados à base de dois salários mínimos por mês de convivência. A tese da indenização por serviços prestados nunca foi pacífica, recebendo críticas ferozes no sentido de que se estaria institucionalizando o “pretium carnis”. A crítica, por tal motivo não procede, posto que o serviço a que se refere não seria o originário das relações sexuais, mas sim os relativos à própria convivência, tal como uma empregada doméstica. Nessa sistemática, a jurisprudência atenderia aos reclamos justos, impondo o recebimento de certa quantia que, fatalmente seria gasta com a contratação de uma empregada doméstica. Sem ela, restaria à concubina a realização dos serviços e por isso teria o direito ao recebimento da indenização. A lei proíbe o trabalho sem a competente remuneração. O entendimento pelo cabimento da indenização por serviços prestados foi a tônica até o advento da Constituição Federal de 1988 e se consubstanciou mediante os seguintes arestos: STJ-145265) CIVIL E PROCESSUAL. CONCUBINATO. RELAÇÃO EXTRACONJUGAL MANTIDA POR LONGOS ANOS. VIDA EM COMUM CONFIGURADA AINDA QUE NÃO EXCLUSIVAMENTE. INDENIZAÇÃO. SERVIÇOS DOMÉSTICOS. PERÍODO. OCUPAÇÃO DE IMÓVEL PELA CONCUBINA APÓS O ÓBITO DA ESPOSA. DESCABIMENTO. PEDIDO RESTRITO. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ.I. Pacífica é a orientação das Turmas da 2ª Seção do STJ no sentido de indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, direito que não é esvaziado pela circunstância de ser o concubino casado, se possível, como no caso, identificar a existência de dupla vida em comum, com a esposa e a companheira, por período superior a trinta anos.II. Pensão devida durante o período do concubinato, até o óbito do concubino.III. Inviabilidade de ocupação pela concubina, após a morte da esposa do imóvel pertencente ao casal, seja por não expressamente postulada seja por importar em indevida ampliação do direito ao pensionamento criando espécie de usufruto sobre patrimônio dos herdeiros ainda que não necessários, seja porque já contemplada a companheira com imóveis durante a relação, na conclusão do Tribunal estadual, soberano na interpretação da matéria fática.IV. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" - Súmula nº 7/STJ.V. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido.(Recurso Especial nº 303604/SP (2001/00160379), 4ª Turma do STJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior. j. 20.03.2003, unânime, DJU 23.06.2003, p. 374). Em que pese grande disparidade de posicionamentos dos Tribunais Estaduais à respeito, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a indenização por serviços prestados no concubinato. No entanto, o cabimento desta indenização só pode ser aplicado aos relacionamentos ocorridos antes da Constituição Federal de 1988, posto que esta reconheceu a União Estável como entidade familiar, nada falando sobre o concubinato. O Código Civil de 2002 trouxe a diferenciação entre União Estável e Concubinato, referindo-se à ausência de impedimentos para o casamento, confirmando a previsão Constitucional que determina a facilitação da conversão da União Estável em Casamento. Tem-se assim, a confirmação de que as previsões legais relativas aos direitos dos conviventes, só fica bem caracterizada quando se tratar de União Estável. O concubinato, por ser contrário ao princípio monogâmico de família, fica relegado a segundo plano, só produzindo especialíssimos. efeitos de natureza patrimonial e ainda em casos Desta forma, prevendo a Constituição a Igualdade entre homens e mulheres, não há mais o mínimo cabimento em reconhecer-se direito à indenização por serviços prestados pela concubina, já que este direito também não é concedido ao concubino que provê o lar paralelo. A aplicação do entendimento anterior restringir-se-á aos relacionamentos ocorridos antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. Para os casos em que o relacionamento se iniciou antes da Magna Carta e só terminou depois dela, o reconhecimento da indenização para com a sua promulgação. Diz a jurisprudência: TJSC-050572) DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA DE SOCIEDADE DE FATO ANTE A NÃO COMPROVAÇÃO DA AQUISIÇÃO DE BENS DURANTE O PERÍODO DE CONVIVÊNCIA COMUM. IMPOSSIBILIDADE DE SEU RECONHECIMENTO E, IPSO FACTO, DE SUA DISSOLUÇÃO. INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS DOMÉSTICOS. INVIABILIDADE. 1. omissis 2. "Concubinato. Indenização por serviços domésticos. Descabimento. Recurso desprovido. Com o advento da Constituição de 1988, conferindo-se a união estável o estado de entidade familiar, não é concebível, sob pena de malferimento ao princípio isonômico, atribuir-se à concubina direitos que a mulher casada não dispõe" (AC nº 1996.009303-6, Des. Pedro Abreu).(Apelação Cível nº 2003.002369-0, 3ª Câmara de Direito Civil do TJSC, Campos Novos, Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato. j. 18.08.2003, unânime, DJ 01.09.2003). Aplicando-se aos autos este entendimento, verificamos que a autora possuía direitos à indenização pelos serviços prestados, à base de um salário mínimo por mês, iniciando em julho de 1967 até setembro de 1988. Ressalto que o valor da indenização deve ser calculado à base de um salário mínimo por mês, posto que não se comprovou a possibilidade de um pagamento maior, sendo certo que a ninguém é possível ganhar menos neste país. ISTO POSTO, e por tudo que dos autos constam, julgo parcialmente procedente a ação, para declarar por sentença que a autora manteve relacionamento de concubinato com o falecido Sr. Pedro, pelo período de julho de 1967 até julho de 1997. Em face disso, tem direito à indenização por serviços prestados, à base de um salário mínimo por cada mês de convivência, iniciando-se em julho de 1967 até outubro de 1988. Improcede o pedido de meação patrimonial. Condeno os requeridos ao pagamento de honorários que fixo em 10% sobre o valor da condenação, já levando em consideração a sucumbência parcial. Goianésia 01 de fevereiro de 2005 Aureliano Albuquerque Amorim Juiz de Direito A união estável homoafetiva e o STF: uma breve análise à luz do positivismo de Herbert Hart Caio Lucio Monteiro Sales Resumo: O presente ensaio tem por objetivo estabelecer uma relação entre alguns pontos principais da Teoria do Direito de Herbert Hart e a recente decisão do STF relativa ao reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. Para tanto, nos propomos a apresentar um breve panorama da Teoria de Hart, notadamente no que concerne à ideia de Direito como união de normas primárias e secundárias. Passaremos, ainda, por uma sucinta noção acerca do fenômeno da mutação constitucional e sobre o tema união homoafetiva no Brasil. Por fim, apresentaremos uma breve análise demonstrativa dos pontos de contato do positivismo de Hart e o referido julgamento da Suprema Corte. Palavras-chave: Positivismo Jurídico – Herbert Hart – Normas Primárias e Secundárias - Mutação Constitucional – União Homoafetiva – Entidade Familiar Abstract: This paper aims to establish a relationship between some main points of the legal theory of Herbert Hart and the recent Supreme Court decision on the recognition of the homoaffective union as a family entity. To this end, we propose to provide a brief overview of Hart's theory, especially regarding the idea of law as a union of primary and secondary standards. We will also, for a succinct idea about the phenomenon of constitutional mutation and the theme homoaffective union in Brazil. Finally, we present a brief analysis of the demonstrative points of contact with the positivism of Hart referred to the Supreme Court trial. Keywords: Legal Positivism - Herbert Hart - Primary and Secondary Standards - Constitutional Mutation Homoaffective Union - Family Entity Sumário: 1. Introdução – 2. A Teoria positivista de Herbert Hart: 2.1. Breves apontamentos acerca da vida e obra de Herbert Hart; 2.2. O Direito como união de normas primárias e secundárias – 3. O fenômeno jurídico da mutação constitucional: breves apontamentos – 4. União Homoafetiva: breves traços sobre o tema no Brasil – 5. O reconhecimento da união estável homoafetiva como entidade familiar pelo STF à luz do positivismo de Herbert Hart - 6. Considerações Finais – Referências 1 INTRODUÇÃO Local: Brasil, Cidade de Brasília, Plenário do Supremo Tribunal Federal. Data: 5 de maio de 2011. O que poderia ter sido um dia comum na rotina de milhões de brasileiros, acabou por marcar uma verdadeira quebra de paradigma, ao menos formal, no conceito de entidade familiar no Direito Brasileiro. Estamos a nos referir ao histórico julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277/DF e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132/RJ, por meio das quais se questionava a constitucionalidade do tratamento legal dado ao instituto da união estável, a qual se reconhecia apenas entre pessoas de sexos diferentes. A decisão histórica da Suprema Corte tratou de reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo, a união homoafetiva, como entidade familiar. A referida decisão foi recebida com festa por milhares de parceiros homossexuais, bem como por todas as demais pessoas que sempre entenderam haver um verdadeiro descompasso entre a Lei e a vida real, aquela que se passa fora das quatro paredes do Parlamento, aquela na qual os direitos previdenciários, os sucessórios, os patrimoniais, enfim, todos aqueles direitos garantidores da dignidade da pessoa humana eram negados àquele grupo minoritário. Na esfera técnica do Direito, tratou-se, aquela decisão, de uma das atribuições do Supremo Tribunal Federal, consoante o art. 102, da Constituição Federal[1], qual seja, a de processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade, bem como apreciar as arguições de descumprimento de preceito fundamental, enfim, o controle concentrado de constitucionalidade. Mas existe uma outra maneira de ler o fato jurídico ocorrido naquele dia no Plenário do STF: uma leitura à luz da Teoria Geral do Direito. Com o presente ensaio pretendemos, em sede da Teoria Geral do Direito, demonstrar a possibilidade de leitura da referida decisão, um exemplo do fenômeno jurídico da mutação constitucional, à luz do Positivismo de H. L. A. Hart, notadamente com base na obra O Conceito de Direito, de autoria do jurista inglês. Mas quem foi Hart, e o que nos legou com sua Teoria? 2 A TEORIA POSITIVISTA DE HERBERT HART: BREVE PANORAMA 2.1 Breves apontamentos acerca da vida e obra de Herbert Hart Nascido em 18 de julho de 1907, em Harrogate, na Inglaterra, Herbert Lionel Adolphus Hart graduou-se em direito em 1929. Profissionalmente, atuou como advogado em Londres de 1932 a 1939, basicamente em causas relacionadas a impostos e relações de confiança. Com o início da Segunda Guerra Mundial, Hart, convidado pelo Departamento de Guerra, passou a atuar na inteligência militar britânica. Trabalhou, de 1939 a 1945, no MI5, a divisão de inteligência britânica, juntamente com dois filósofos de Oxford, Gilbert Ryle e Stuart Hampshire. Em face de suas conversas com os citados estudiosos, Hart interessou-se pelo assunto filosofia. Com o fim da guerra, o jurista passou a lecionar em Oxford, onde também concluiu pós-graduação em filosofia. Sua experiência com a advocacia, os assuntos da guerra e o estudo da filosofia influenciaram Hart na elaboração de sua teoria, notadamente no que toca ao aspecto relacionado com a moral e o direito. Hart é tido como pertencente a uma corrente positivista inclusivista, uma vez que não exclui totalmente a Moral do campo de definição do Direito, como o fazem os positivistas da corrente exclusivista. Hart ainda atuou como professor visitante na Universidade de Harvard, de 1956 a 1957, bem como na Universidade da Califórnia, de 1961 a 1962. Aposentou-se em Oxford, no ano de 1978, falecendo naquela cidade, em 1992. Além de O Conceito de Direito, publicado em 1961 na Inglaterra, livro em que expõe sua Teoria e que serve de base a este artigo, Hart publicou as seguintes obras: Definition and Theory in Jurisprudence (1953); Causation in the Law, em coautoria com Tony Honoré (1959); Law, Liberty and Morality (1963); The Morality of the Criminal Law (1964); Punishment and Responsibility (1968); Essays on Bentham: Studies in Jurisprudence and Political Theory (1982) e Essays in Jurisprudence and Philosophy (1983). Como já dissemos, Herbert Hart, jurista positivista, elaborou uma Teoria jurídica própria, na qual se destacou por definir o Direito como um sistema de união de normas primárias e secundárias. Neste ponto, entendemos oportuna uma breve exposição sobre a essência da Teoria de Herbert Hart. 2.2 O Direito como união de normas primárias e secundárias Inicialmente, haja vista estarmos no campo do positivismo jurídico, notadamente em face do estudo sintético de uma teoria positivista – a de Herbert Hart -, faz-se mister trazermos à colação o escólio de Norberto Bobbio[2] sobre o assunto: “[...] o positivismo jurídico é uma concepção do direito que nasce quando „direito positivo‟ e „direito natural‟ não mais são considerados direito no mesmo sentido, mas o direito positivo passa a ser considerado como direito em sentido próprio. Por obra do positivismo jurídico ocorre a redução de todo o direito a direito positivo, e o direito natural é excluído da categoria do direito: o direito positivo é direito, o direito natural não é direito. [...]” Em sua obra O Conceito de Direito, o positivista Herbert Hart se propôs a discutir três problemas recorrentes relativos ao campo de definição do direito, aos quais chamou de Questões Persistentes. Segundo o jurista inglês: “Eis, portanto, os três problemas recorrentes: em que o direito difere das ordens apoiadas por ameaças e como se relaciona com estas? Em que a obrigação jurídica difere do dever moral e como se relaciona com este? O que são normas e até que ponto elas são os elementos essenciais do direito?”[3] Neste trabalho, haja vista o objetivo de relacionar a teoria proposta com o tema mutação constitucional, em face da recente decisão do supremo Tribunal Federal, ficaremos limitados à questão referente à divisão de normas conforme idealizada pelo jurista em estudo. Podemos, a título de simplificação, dizer que Hart estabeleceu como ponto de partida para sua discussão a teoria imperativa do Direito, elaborada pelo positivista inglês John Austin. Para Austin, o Direito seria um conjunto de regras ou comandos impostos por um soberano e acompanhados de ameaças que assegurariam seu cumprimento. Herbert Hart, a despeito de discordar do colega positivista, reconheceu um ponto positivo naquela teoria, a ideia de obrigação, de onde estabeleceu um novo começo. Assim Hart[4] se posicionou: “[...] não obstante seus erros, a teoria de que o direito consiste em ordens coercitivas partiu da percepção perfeitamente correta de que, onde existe o direito, a conduta humana se torna, num certo sentido, obrigatória ou não opcional. Aquela teoria foi feliz ao escolher esse ponto de partida, e partiremos também da mesma ideia para construir uma nova descrição do direito em função da interrelação entre as normas primárias e as secundárias. É aqui, entretanto, neste primeiro passo crucial, que mais temos a aprender com os erros da teoria já analisada.” Para Herbert Hart, não se deveria pensar no Direito somente como comandos obedecidos por força de coerção, uma vez que existiriam normas que não implicariam necessariamente em uma ordem ou comando a ser cumprido sob pena de sanção por parte de um soberano. Podemos entender aqui o soberano como o Estado-Legislador. O jurista de Oxford entendia que o sistema jurídico seria complexo e formado por normas de dois tipos diferentes, mas relacionados. Um dos dois tipos de normas seriam chamadas de primárias ou de tipo básico. Tais normas seriam as que exigiriam que as pessoas agissem de uma determinada maneira ou se abstivessem de agir em determinadas situações, independentemente das vontades individuais. As normas do outro tipo foram chamadas por Hart de secundárias ou parasitárias em relação às normas primárias. Por meio das normas secundárias, fazendo ou dizendo determinadas coisas, as pessoas poderiam introduzir novas normas ou modificar as do tipo principal existentes. Com espeque nas normas secundárias, poderia ainda ser controlada a aplicação das normas primárias, ser determinada sua forma de incidência, bem como se poderia proceder à extinção de determinadas normas pertencentes ao grupo básico.[5] Continuando sua exposição acerca da existência dos dois tipos de normas acima referidas, Hart registrou em seu livro: “As normas do primeiro tipo impõem deveres; as do segundo tipo outorgam poderes, sejam estes públicos ou privados. As do primeiro tipo dizem respeito a atos que envolvem movimento físico ou mudanças físicas; as do segundo dispõem sobre operações que conduzem não apenas a movimentos ou mudanças físicas, mas também à criação ou modificação de deveres ou obrigações.”[6] Neste ponto façamos uma pequena pausa para inserir uma reflexão que ora nos vem à mente. Não seria a mutação constitucional, por meio da técnica da interpretação conforme a Constituição, um exemplo das normas secundárias propostas por Hart, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, estaria, aí, determinando uma nova forma de incidência de uma determinada norma? Nossa vontade de responder a essa pergunta de forma peremptória é enorme, mas é prudente avançarmos um pouco mais em nosso estudo. Continuando a breve exposição acerca da Teoria proposta por Hart cabe-nos trazer ao corpo deste trabalho a noção de defeito que estaria relacionado às normas primárias. Para ele, as normas primárias estariam sujeitas a três defeitos. A uma, em um determinado grupo social, em face das normas estarem não sistematizadas, se houvesse alguma dúvida com relação ao âmbito de aplicação de determinada norma, ou seja, de certeza com relação à validade de uma norma, não haveria um procedimento específico ou até mesmo autoridade que dirimisse tal questão. A duas, outro defeito seria a estaticidade das normas primárias, que não conseguiriam acompanhar formalmente a evolução da sociedade. Por último, o terceiro defeito seria a ausência de uma instância responsável pela pacificação social e solução de conflitos, o que acabaria por levar à ineficiência das normas primárias.[7] Nesse ponto, Hart definiu Direito como um sistema composto da união de normas primárias e secundárias, estas corrigindo cada um dos três defeitos que estariam ligados àquelas. O defeito da incerteza das normas primárias seria solucionado com a introdução de uma norma de reconhecimento. Já o defeito do caráter estático das normas primárias teria como solução as normas de modificação. Por fim, o defeito da ineficiência seria eliminado por meio das normas de julgamento. Resumindo, seriam estas as normas secundárias: as de reconhecimento, as de modificação e as de julgamento.[8] Entendemos, a esta altura, que a resposta ao questionamento apresentado no que toca ao fenômeno da mutação constitucional já está bem mais fácil de ser proferida. Entretanto, é prudente que façamos uma breve passagem sobre o tema Mutação Constitucional. 3 O FENÔMENO JURÍDICO DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL: BREVES APONTAMENTOS Em aulas de história, é muito comum alguns professores desenharem no quadro negro (na realidade de hoje,quadro branco, já para indicar a evolução das coisas) uma linha do tempo, sobre a qual marcam pontos que representariam diversos marcos da evolução da humanidade. A evolução é algo inerente à vida. Em pleno século XXI, na era da internet e da globalização, tal evolução é ainda mais acelerada. O Direito, como integrante da vida de uma sociedade organizada, para não dizer seu principal pilar, não fica fora da evolução mencionada. Para ficarmos na seara do positivismo jurídico, tema base deste ensaio, e considerando a Lei como principal fonte do Direito, imaginemos uma norma escrita editada há mais de 70 anos atrás. Estaria tal norma totalmente condizente com a dinâmica atual da sociedade, haja vista a evolução no referido período? Poderíamos dizer que, na maioria dos casos, haveria dissonância entre o texto legal e os valores atuais de uma sociedade. Quem reforça com um exemplo o que afirmamos aqui é Pedro Lenza[9]: “Damos um exemplo, valendo-nos do Código Penal brasileiro, apenas para ilustrar: antes do advento da Lei n. 11.106/2005, os arts 215, 216 e 219 do CP traziam a expressão „mulher honesta‟. Quando falamos que este termo sofreu uma mutação interpretativa, não queremos dizer que o artigo em si foi alterado, mas, sim, que o conceito de „mulher honesta‟, ao longo do tempo, levando em consideração os padrões aceitos pela sociedade da época, adquiriu significados diversos. „Mulher honesta‟ no começo do século XX tinha determinado significado, diverso do que adquire a „mulher honesta‟ dos dias atuais „Mulher honesta‟ em uma cidade talvez tenha um significado diverso do que adquire em cidade de outra localidade”. Dessa forma, podemos entender que o fenômeno da mutação constitucional é responsável pela atualização de normas jurídicas pelo uso, por parte do Supremo Tribunal Federal, da técnica da interpretação conforme a Constituição, oxigenando tais normas e as mantendo vivas em face da evolução e alteração do comportamento da sociedade brasileira. Dirley da Cunha Júnior[10] assim define o fenômeno em questão: “[...] a mutação constitucional é um processo informal de alteração de sentidos, significados e alcance dos enunciados normativos contidos no texto constitucional através de uma interpretação constitucional que se destina a adaptar, atualizar e manter a Constituição em contínua interação com sua realidade social. Com a mutação constitucional não se muda o texto, mas lhe altera o sentido à luz e por necessidade do contexto. É um fenômeno que vem se revelando necessário para a respiração das Constituições, cujos enunciados muitas vezes ficam asfixiados à espera de revisões formais que nunca vêm ou que, vindo, não atendem as demandas do texto e dos fatos.” Aqui já estamos prontos para responder à questão posta por nós no corpo deste texto, ou seja, podemos afirmar sim, que a técnica da interpretação conforme, por meio da qual se manifesta o fenômeno da mutação constitucional, se enquadra na classificação de normas secundárias da Teoria de Herbert Hart, mais especificamente na categoria das normas de modificação. Por meio da interpretação conforme, o STF modifica a interpretação de determinada norma jurídica, adaptando-a aos novos tempos. Em outras palavras, a mutação constitucional elimina o caráter estático da norma primária, o conceito de mulher honesta, por exemplo, para tomar emprestada a ilustração proposta por Pedro Lenza e transcrita no corpo deste ensaio. Importa-nos, neste breve estudo, destacar a questão da união homoafetiva, a mutação constitucional representada por recente decisão do Supremo Tribunal Federal acerca do tema e sua relação com parte da Teoria positivista de Herbert Hart. Como o tema da união homoafetiva vem sendo tratado no país é pressuposto para continuarmos nossa caminhada. 4 UNIÃO HOMOAFETIVA: BREVES TRAÇOS SOBRE O TEMA NO BRASIL Passamos a analisar de forma sucinta, a partir deste momento, a questão da união homoafetiva no Brasil, estabelecendo uma relação entre a recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema e a Teoria de Herbert Hart. No que toca ao tema homossexualidade e homoafetividade, seria, no mínimo leviano, tentar estabelecer uma linha do tempo na qual procurássemos demonstrar a origem e a evolução dos referidos conceitos. Seja por questões ligadas à psicologia, no caso a opção sexual de cada pessoa, seja por fatores biológicos, ligados ao componente genético de cada ser humano, o certo é que o assunto é inerente à humanidade, e com ela caminha. São questões ligadas à liberdade de escolha de cada um, na busca daquilo que mais importa em termos de dignidade da pessoa humana – a busca pela felicidade. No que toca ao Direito de Família, importante inovação foi introduzida pelo Constituinte de 1988 no texto da Carta Maior,[11] ao ampliar o âmbito da proteção jurídica por parte do Estado daquela família formada somente pelo casamento entre um homem e uma mulher para outros tipos de entidades familiares: a formada pela união estável e a família monoparental, ou seja, aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Sabemos, hoje, que o texto constitucional não fechou as portas ao intérprete e que as relações familiares têm como base o enlace afetivo entre as pessoas. Apesar de não constar no texto constitucional, dois irmãos, órfãos de pai e mãe, formam uma entidade familiar. Mas no nosso estudo específico importa a questão da união estável. Como já trazido à colação neste trabalho, o art. 226, § 3º, da Constituição Federal limitou a possibilidade de seu reconhecimento jurídico somente às uniões entre pessoas de sexos opostos. Silenciou o Constituinte Cidadão no tocante às uniões homoafetivas, as quais, de fato já existiam na década de 80, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Ocorre que de 1988 para os nossos dias a sociedade evoluiu e, na seara das relações familiares, tal evolução é ainda mais significativa. Nesse sentido lecionou Maria Berenice Dias[12]: “As relações familiares são as mais sujeitas a mutações, pois regidas por costumes que se alteram cada vez em maior velocidade. O gradual afastamento da sociedade da moral judaico-cristã rompeu o modelo conservador da família, que dispunha de um perfil patriarcal, hierarquizado, patrimonial, matrimonializado e heterossexual. A revolução feminista, bem como o surgimento dos métodos contraceptivos e de reprodução assistida, produziu profundas alterações na estrutura familiar. O desafio foi abandonar o tradicional conceito de família, identificado exclusivamente com o casamento, e encontrar novos referenciais, para albergar as organizações que se formaram fora do laço da oficialidade. O comprometimento mútuo decorrente de um elo de afetividade levou a doutrina a chamar de família a multiplicidade de vínculos que se identificam pelo afeto.” Como situação de fato, as uniões homoafetivas começaram a ser levadas à apreciação do Judiciário. Afinal, estavam em jogo direitos sucessórios, previdenciários, direitos relativos à adoção por parceiros homossexuais, enfim, o direito à felicidade de uma minoria precisava ser respeitado, ademais em um Estado Democrático de Direito, onde a tolerância a e o respeito entre as pessoas são essenciais. Esse pressuposto de tolerância democrática é reforçado pelo escólio de José Afonso da Silva[13]: “[...] a democracia é um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo. Diz-se que é um processo de convivência, primeiramente para denotar sua historicidade, depois para realçar que, além de ser uma relação de poder político, é também um modo de vida, em que, no relacionamento interpessoal, há de verificar-se o respeito e a tolerância entre os conviventes”. Pioneiro no que toca ao tema, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul começou a proferir e confirmar decisões que garantiam direitos aos parceiros homossexuais. Tal pioneirismo daquela Justiça gaúcha mereceu a atenção da jurista Maria Berenice Dias, que acabou por publicar no ano de 2003 uma obra, já referenciada neste trabalho, dedicada a abordar o pioneirismo daquelas decisões. Sobre a tendência do Judiciário brasileiro, já naquela época, a autora previu: “A postura da jurisprudência, juridicizando e inserindo no âmbito do Direito de Família as relações homoafetivas, como entidades familiares, é um marco significativo. Inúmeras outras decisões despontam no panorama nacional a mostrar a necessidade de se cristalizar uma orientação que acabe por motivar o legislador a regulamentar situações que não mais podem ficar à margem da justiça. Consagrar os direitos em regras legais talvez seja a maneira mais eficaz de romper tabus e derrubar preconceitos. Mas, enquanto a lei não vem, é o Judiciário que necessita suprir a lacuna legislativa, mas não por meio de julgamentos permeados de preconceitos ou restrições morais de ordem pessoal.”[14] Poderíamos citar uma extensa casuística acerca do tema do reconhecimento dos direitos de parceiros homossexuais pela Justiça brasileira, entretanto, um exemplo de enorme relevância e atualidade passa a ser objeto do presente estudo: a recente decisão, por unanimidade, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a possibilidade jurídica da união estável entre pessoas do mesmo sexo, a união homoafetiva, bem como atribuiu a tal união o caráter de entidade familiar. Trataremos, enfim, de analisar alguns pontos de contato entre decisão em questão e a Teoria de Herbert Hart. 5 O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR PELO STF À LUZ DO POSITIVISMO DE HERBERT HART Inicialmente cabe-nos, em poucas linhas, tecer considerações sobre o conteúdo do julgamento ocorrido no STF acerca do tema objeto desta análise. O julgamento em pauta tratou da apreciação conjunta da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277/DF e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132/RJ. A primeira, proposta pela Procuradoria-Geral da República, pedia o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, com a ampliação dos direitos conferidos aos companheiros heterossexuais nas uniões estáveis aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. A segunda, proposta pelo governador do estado do Rio de Janeiro, pedia, sob os argumentos da isonomia, liberdade e dignidade da pessoa humana, que o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil[15], fosse estendido às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis daquele estado. Acompanhando o voto do Relator, Ministro Ayres Britto, por unanimidade, o Plenário do STF decidiu pela procedência das ações propostas e com efeito vinculante, dando interpretação conforme a Constituição no sentido de excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que pudesse vir a impedir o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. Iniciando nossa análise do julgado com base na Teoria de Hart, podemos destacar um primeiro ponto de contato: as normas secundárias de reconhecimento. Como já vimos, um dos defeitos das normas primárias, qual seja o da imprecisão, seria, segundo Hart, corrigido pelas normas secundárias de reconhecimento. Mas vejamos no caso qual seria a norma primária: aquela prescrita pelo art. 1.723 do Código Civil. Por meio de uma interpretação a contrario sensu do enunciado normativo do referido artigo da codificação civil brasileira, podemos extrair a norma: não é possível juridicamente a união estável entre pessoas do mesmo sexo, bem como uniões homoafetivas não podem ser reconhecidas como entidade familiar. Considerando a Teoria de Herbert Hart, estaríamos diante de uma ordem de não fazer dirigida ao Estado, qual fosse a de não reconhecer a união homoafetiva como união estável, nem tampouco conceder status de entidade familiar a tal situação. Ora, conforme já demonstramos, as uniões homoafetivas no Brasil há muito são situações de fato, à margem do Direito. A evolução da sociedade trouxe incerteza quanto à validade daquela norma insculpida no enunciado normativo do art. 1.723 do Código Civil. Tal incerteza necessitava ser apagada do mundo da vida daquela minoria afetada pela restrição representada pela Lei. Como norma secundária de reconhecimento, a atribuição de competência pela Constituição de 1988 ao STF para apreciar e julgar a ADI e a ADPF veio para corrigir o defeito representado pela incerteza gerada no seio social. Um segundo ponto de contato que podemos vislumbrar diz respeito às normas secundárias de modificação, também já referenciado em sede da Teoria do jurista inglês. Vejamos: se a sociedade passou por evolução, notadamente em seu comportamento, corroborada por decisões judiciais de primeira e segunda instâncias, conforme mencionado por Maria Berenice Dias em linhas anteriores deste ensaio, podemos perceber que não houve acompanhamento por parte da legislação no mesmo sentido. Afinal, o art. 1.723 do Código civil continuava lá, estático. Tal estaticidade deveria ser corrigida pelas normas secundárias de modificação, a priori, uma correção a cargo do Legislativo. No entanto, diante da inércia do legislador ordinário, a Corte Suprema brasileira, tratou de aplicar a norma secundária de modificação representada pela técnica de interpretação conforme a Constituição, corrigindo o defeito, in casu, o caráter estático do art. 1.723 do Código Civil. Foi um marcante exemplo do fenômeno da Mutação Constitucional no direito brasileiro. O terceiro defeito apresentado pela norma primária em discussão, qual seja o da inefetividade, é o último ponto de contato do julgamento em questão e o positivismo de Herbert Hart, dentro do que nos propusemos em nossas reflexões. Nesse aspecto, podemos dizer que a norma secundária de julgamento poderia ser representada pela estrutura representada pela divisão de funções estatais, sendo a função de julgar e estabelecer a paz social inerente ao Poder Judiciário. No que toca às uniões homoafetivas, a inefetividade vinha sendo corrigida de forma difusa, por meio de decisões judiciais de primeiro e segundo graus, faltava uma correção definitiva do defeito da inefetividade, a qual foi obtida com a decisão do Supremo Tribunal Federal em sede do julgamento das Ações discutidas neste trabalho. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após termos chegado ao fim das breves reflexões propostas no início deste ensaio, podemos tecer, em forma de síntese, as seguintes considerações finais: 1. Em um primeiro momento, após tecer breves comentários acerca da vida e obra de Herbert Hart, trouxemos, em síntese apertada, um dos principais pontos da Teoria proposta pelo jurista inglês: a ideia de Direito como a união de normas primárias e secundárias. Vimos que as normas primárias trariam um comando de fazer ou não fazer algo e que as secundárias serviriam para corrigir defeitos apresentados pelas primeiras, suplementando-as. Tais defeitos seriam basicamente três: a incerteza, o caráter estático e a inefetividade. A correção ficaria a cargo, respectivamente, de normas secundárias, divididas em três categorias: as de reconhecimento, as de modificação e as de julgamento. 2. Passamos em seguida a tecer breves comentários acerca do fenômeno da Mutação Constitucional, como responsável, em face da técnica da interpretação conforme aplicada pelo STF, pela oxigenação de normas jurídicas em descompasso com a realidade fática e evolução da sociedade. 3. Interessados no estudo do tema mutação constitucional em face das uniões homoafetivas, prosseguimos com um breve panorama sobre o tema no Brasil, destacando o comportamento do judiciário pátrio, valendo-nos de valiosa contribuição da jurista gaúcha Maria Berenice Dias, que demonstrou uma forte tendência do Judiciário em reconhecer direitos a parceiros homossexuais, entretanto, frisando a necessidade de colocação de um ponto final na questão a nível geral. 4. Por fim, estabelecemos alguns pontos de contato entre a Teoria positivista de Hart e a recente decisão do STF que reconheceu a possibilidade da existência de união estável entre pessoas do mesmo sexo, bem como concedeu a tais uniões o caráter de entidade familiar. No que toca à Teoria de Herbert Hart, pudemos constatar a presença tanto das normas primárias quanto das secundárias no caso da decisão referida. Referências BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: noções de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1995. DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade – o que diz a Justiça!: as pioneiras decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconhecem direitos às uniões homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. HART, H. L. A. O conceito de direito. Tradução de Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Salvador: Jus Podium, 2009. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. Notas: [1] “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; [...] § 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. [...] “ [2] BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: noções de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1995. p. 26. [3] HART, H. L. A. O conceito de direito. Tradução de Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 17. [4] Ibid., p. 106. [5] Ibib., p. 105. [6] Ibid., p.105-106. [7] ibid., p. 119-121. [8] Ibid., p. 122-126. [9] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 90-91. [10] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Salvador: Jus Podium, 2009. p. 257. [11] “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes [...]” [12] DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade – o que diz a Justiça!: as pioneiras decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconhecem direitos às uniões homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 12-13. [13] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 126. [14] DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade – o que diz a Justiça!: as pioneiras decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconhecem direitos às uniões homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 19. [15] Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. [...] Informações Sobre o Autor Caio Lucio Monteiro Sales Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, Especialista em Direito do Estado pela Faculdade de Tecnologia e Ciências de Salvador.