PACTO MORAL:
A motivação transcendente versus indisciplina
Sávio Ferreira de Souza+
[email protected]
Resumo
O artigo relata uma experiência de reação à Indisciplina em turma de
graduação tecnológica, com média de idade discente superior a
encontrada na graduação tradicional. O juízo primitivo do autor dava
como certo de que esta seria um a classe de aula formada por alunos
maduros e conscientes do valor do conhecimento adquirido pela
experiência vital. No entanto, o ensaio mostrou o contrário, com atos
de prematuridade e rebeldia contra a Instituição de Ensino e contra
professores que tentavam discipliná-los da forma tradicional, gerando
mais indisciplinas, formando um círculo vicioso. Pelas motivações
humanas investigou-se a adoção de um pacto de livre adesão, como
uma
solução
que
comprometesse alunos e
professor
a
desempenharem disciplinadamente suas funções, com base no
“dever-ser”, não como obrigação, que afrontaria suas liberdades, mas
através da adesão livre advinda da vontade dos sujeitos lastreado na
motivação transcendente, em uma relação ganha-ganha que se
mostrou profícua.
Palavras-chave: Educação; Indisciplina; Liberdade; Motivação; Pacto
Moral.
+
Advogado formado pela UCP/RJ, Empresário e Professor de graduação e de pósgraduação na Universidade Estácio de Sá e no IEF – Instituto de Ensino e Fomento,
Especialista em Marketing pela PUCPR, Especialista em Orientação Familiar pela
Universidade de Navarra, Espanha, Máster in Family Education – Young Children,
pelo European Institute of Educational Sciences – Bruxelas. Mestrando em
Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná.
1
Introdução
A experiência de uma turma de graduação tecnológica com
média de idade superior a 26 anos indicaria ser, no juízo do autor,
uma atividade prazerosa e tranqüila, pois dos que ali estavam
matriculados
esperava-se
uma
demonstração
de
maturidade,
supostamente adquirida na experiência vital e laboral. No entanto,
esta atividade mostrou-se um desafio na medida em que o professor
se deparou com indisciplinas piores do que estava acostumado a lidar
na graduação tradicional, tais como: desprezo pelos horários de
entrada em sala de aula, ultrapassando meia hora; revolta dos alunos
contra
a
Instituição
pelo
que
entendiam
serem
deficiências
administrativas a falta de conforto encontrado no novo campus
recentemente inaugurado; a extensão do intervalo regulamentar (30
minutos) para uma “rodada de cervejas” com os colegas no
supermercado próximo e, após isso, implorar presença ao professor
como algo naturalizado na Instituição.
Em conversa com colegas, os seguidos atos de indisciplina
baseavam-se em dois pontos: Bloqueio de entrada em sala após 20
minutos e negação de abono de freqüência aos que estendiam o
horário do intervalo. Os professores entendiam haverem sido mal
avaliados pelos alunos, quando em pesquisa semestral, entendendo o
sistema como injusto aos profissionais sérios, pois não sendo
obrigatório, os poucos que a respondiam eram, segundo eles, os
faltosos e indisciplinados que buscavam revanche pelo endurecimento
reativo às suas falhas não assumidas, o que de fato acontece.
Os alunos quando perguntados sobre as razões pela qual
chegavam tarde e demoravam a voltar alegavam: a distância do
campus (localizado em bairro) e o aumento do trânsito na cidade que
os impedia de fazerem o trajeto do local de trabalho até o campus
em apenas 1 hora, já que saíam às 18h00min do trabalho.
Questionados se sabiam disso antes de efetuarem a matrícula, todos
2
responderam
positivamente,
sem
dar
importância
ao
contrato
firmado. Por outro lado alegavam serem os valores cobrados na
cantina mais caros ao do supermercado próximo (contestado por
alguns que lembravam que a cantina não servia cerveja) e a
caminhada “roubava-lhes” 15min de intervalo, que deveria ser
suprido pelo professor em sua aula. Somando-se os fatores aos 30m.
de intervalo, das 3 horas previstas, sobravam 1h:45m. ao professor
que haveria, ainda, controlar a presença.
Os dados foram levantados em conversas com o coordenador,
professores e alunos na primeira semana e serviram para confirmar
que
pelo
relacionamento
social
muitos
são
os
conhecimentos
repassados através de leituras, aulas, conferências ou discursos e a
indisciplina não é exceção. Ela também se difunde sempre que a
rebeldia seja entendida como natural ou como expressão do “caráter
forte”
da
criança
(sujeito)
que
aos
poucos
domina
os
pais
(professores), que ao se furtarem de corrigi-los, fortalecem condutas
lastimáveis, inabilitando-as para uma vida social saudável.
Era
evidente que muitos alunos mostravam esta inadaptabilidade e, a
revolta contra a Instituição não seria uma novidade.
Aplicando
estes
conceitos
ao
artigo,
nascem
algumas
perguntas: o que inclina uma pessoa supostamente madura, em vista
da idade, agir como um adolescente, no que tange a indisciplina,
como os atos citados?
Não seriam comportamentos incompatíveis
com a fase de suas vidas? Como combater isto?
O artigo relata a proposição de um pacto moral pelo professor,
de livre adesão pelos alunos, como forma de solução viável para
comprometimento mútuo de desempenho disciplinar das funções
características a cada mutuante, abalizada no “dever-ser”, não como
obrigação que afrontasse suas liberdades, mas através da adesão
pessoal de livre vontade.
3
Indisciplina e autonomia
O conceito de indisciplina caminha atrelado à noção de
disciplina e Garcia (2000, p. 51-52) sugere duas matrizes latinas ao
termo: discipulus e disco (verbo), este, comumente traduzido por
aprender ou tornar-se familiarizado, derivando o sentido de disciplina
como seguir ou acompanhar, acepção que melhor se coaduna aqui.
O professor, como bem notado por Estrela (1995, p. 65), é o
produtor e o comunicador das normas sociais impostas em sala
prescrevendo posturas (poder), sem aceitação e desconhecendo as
necessidades dos alunos, gerando reações vistas como indisciplinas.
A indisciplina tem origem na liberdade humana, eis que os
alunos, ao serem coagidos a seguirem normas não pactuadas, contra
elas se insurgem gratuitamente, pelo que
citando
Arendt
(1972),
faz
notar
Aquino (1996, p.141),
como
o
confuso
homem
contemporâneo associa liberdade com vontade, supondo ser a
primeira o domínio interno da segunda, divorciando-a da visão
política. Confunde-se, assim, liberdade com livre arbítrio, uma
escolha que julga e decide as duas coisas. Afastando-se a liberdade
do mundo político, articulando-a com a vontade, arreda os homens
do mundo, juntando autonomia, soberania e tirania em uma
expressão apenas: EU QUERO! (AQUINO, 1996, p.141).
O professor que exerce poder ao invés de autoridade fomenta
reações e alija o aluno do meio, na medida em que se desconfia do
indisciplinado
por
promover
insegurança.
A
conseqüência
é
a
formação de um sujeito socialmente inadaptado pela carência de
padrões morais que pode gerar recalcitração, pelo conhecimento do
sofrimento, ou mais indisciplina, formando um círculo vicioso.
Conhecer, no entanto, não é só ter acesso à informação, mas
em julgá-la através de um processo de intelecção onde entendimento
e juízo (razão) ocupam os papéis principais. Conhecer não consiste
4
apenas em olhar, mas em entender e julgar (HENRIQUES, 2008).
Estas habilidades são a fonte imanente da transcendência e traduzem
o desejo destacado, imparcial e irrestrito do homem em conhecer, e
isto, assim como gera todos os seus questionamentos particulares, e
com eles a indisciplina, também se mostra fonte de outras questões
que induzem o sujeito para além de seus limites.
Os comportamentos pessoais dos que sustentam o poder e/ou a
autoridade são os que serão julgados, pelo aluno, em complemento
às ordens e regras fornecidas, base de atos de aceitação (disciplina)
ou de rejeição (indisciplina). Não seria uma chacota um professor
discorrer sobre a honestidade objetivando que os alunos não “colem”
nas provas, quando ele mesmo não prepara os conteúdos de aula?
A correspondência moral é visível no filme Clube do Imperador
(2002), onde o professor, ao verificar que o aluno “colava” durante
um jogo de conhecimento, formula uma questão na certeza de que
ele não poderia respondê-la. Reconhecendo o propósito o pupilo não
questiona o professor por haver assim procedido, reconhecendo
tacitamente sua culpa. Entretanto, encurrala o mestre perguntandolhe pelas razões de não o haver desmascarado ainda durante o
concurso. Esta omissão foi lida pelo aluno como um acovardamento
do professor frente ao diretor e deste em relação ao seu pai, um
Senador e doador contumaz da escola. No fundo, o mesmo motivo
que o havia induzido a colar, destruindo a autoridade ao equipará-los
em um ato imoral.
O pupilo cobra do tutor a coerência entre discurso e ato. O
docente o havia feito entender a ética dos estudos, motivando-o a
persegui-la como um bem, mas ele mesmo não teve coragem de
fazer o que a ética da docência lhe exigia? O resultado visto foram os
atos de indisciplinas que se seguiram, arrastando bons colegas.
A insegurança, expõe Llano Cifuentes, mais do que uma
sensação
momentânea de vulnerabilidade experimentada diante de
5
uma ameaça real, designa a sensação de se estar permanentemente
exposto a um perigo vago, indefinido e impreciso (1997, p. 6). Ela é
a causa da ansiedade, que surge sempre quando o homem não
encontra
os
elementos
necessários
para
defender
sua
frágil
vulnerabilidade. Sua origem é a falta de vivência do que os alemães
chamam de Geborgenheit, ou, amparo afetivo, que em sua expressão
mais genuína traduz-se pelo amor paterno-maternal (Id. p.36).
Kamii (1999) recordando Piaget pondera sobre a autonomia,
definindo-a como governo sobre si próprio, e seu oposto, a
heteronomia, como o ser governado por outrem. A mesma autora
sugere que a criança deva ser ajudada a crescer em autonomia,
tornando-se menos heterônoma a cada dia, em um processo que
culmina na maturidade.
Quando se busca saber o que impede tornar um adulto
moralmente autônomo depara-se com uma educação que, para
Piaget (Apud Kamii, 1999), reforça a heteronomia natural infantil, ao
se utilizar recompensas e castigos ao invés de se intercambiar pontos
de vista.
Uma criança flagrada em uma mentira geraria duas
condutas: um castigo (escrever 100 vezes...) ou confrontá-la à
decepção causada em seus pais pelo seu ato (mentir), método que
busca motivá-la a buscar um meio de ganhar credibilidade junto ao
meio. Corominas (2006) alerta que prêmios e castigos devam ser
correspondentes para serem úteis. Premiar com algo material dinheiro ou coisas - uma boa ação ou um bom comportamento
produz o desejo de ganhar mais dinheiro em vez da vontade de se
tornar melhor pessoa. Por isso, o melhor prêmio a uma boa obra é o
seu reconhecimento em si mesmo por parte do que lhes são caros.
Estas ações devem ser estimuladas pela educação, visando à
autonomia das crianças, suas liberdades e responsabilidades que, no
fim, é o que as tornará maduras, sabedoras de que somente na vida
social existe liberdade, por haver escolhas e por ser neste ambiente
6
que a instituição política realiza suas obras e os homens, nelas se
inserem, com atos e palavras (AQUINO,1996, p. 141).
Modelos educativos responsáveis são os que fazem crescer em
autonomia o que se constitui em um eterno risco de se colher
resultados inesperados, como método de mensuração do quão
autônomo está o sujeito, já que o processo não é estanque. Uma boa
definição nos é brindada pelo adágio “se queres verdadeiro poder,
deves
comparti-lo”
(CURWIN
e
MENDLER,
1998,
p.
53).
A
maturidade, assim considerada, torna-se meta futura, resultado de
uma construção lenta que se atinge, segundo a Teoria dos Planos
Futuros em Contraste com as Recordações, de David Isaacs (2000),
quando estes dois fatores se equilibram, conforme o resumo abaixo:
Fases da vida
Planos Futuros e Recordações
Criança pequena
Quase nulos, limitado a poucos atos que, se
lembrados, dificultariam o recomeço, como nos
tombos dos primeiros passos da criança.
Segunda infância
Pequenos, limitando-se à busca de
autonomias, mas com raras lembranças.
maiores
Adolescência
Fortes planos e poucas recordações, para desespero
dos pais que tentam repassá-la aos filhos.
25 anos
Maturidade: equilíbrio entre aos planos futuros e as
experiências adquiridas na adolescência
40 anos
Primeira grande crise: Sentido de diminuição das
possibilidades futuras e aumento das experiências.
Velhice
Raros planos futuros e muita experiência. Devem-se
fomentar encontros com os adolescentes, pois sem
pressões (paterna), completam-se mutuamente.
Pelo evidenciado até então, verifica-se que aqueles alunos com
que o autor lidava, não só já haviam ultrapassado a idade de se
mostrarem autônomos, mas caminhavam a passos apressados à crise
dos quarenta, conservando sérios problemas de lidar com suas
liberdades. Os castigos eram ineptos, por não atacarem o problema
na fonte, gerando mais
indisciplinas sempre que os alunos se
7
sentiam ofendidos por estarem sendo tratados como crianças. Porém,
não se atentavam ao fato de que transferiam as causas de suas
incúrias ao professor, visto como insensível, e para instituição,
culpabilizada pela localização do campus e dificuldade de transporte,
não analisadas no ato da matrícula (contrato).
Relato da experiência
Na primeira aula ao indicar o plano de ensino para o semestre,
propôs-se o seguinte: Haveria duas formas de se ministrar aquelas
aulas: uma light e despretensiosa, quando ninguém seria incomodado
e aprenderiam pouco, ou a que comprometeria professor e alunos em
um sistema de acordo unindo os que, voluntariamente, assim o
manifestassem, dando várias oportunidades de aprendizado, inclusive
aula extra (intervalo), visita a empresas do ramo e ao porto de
Paranaguá, em aulas práticas. Olhando frente a frente a frente, o
autor pedia para que manifestassem (um a um) sua vontade.
A adesão veio em massa, com apenas uma insegurança, assim
exposta: Veja, o bom mesmo seria a primeira, mas como meus
colegas disseram, estamos aqui pagando para receber o melhor, pelo
que sigo a maioria. Estava formada a base e delimitada a oposição
que aderira ao acordo em virtude da inibição, que Llano Cifuentes diz
consistir em um retraimento da personalidade provocado pelo temor
perante determinada circunstancia exterior (1997, p. 14). No caso, o
fato de todos haverem aceitado, a ele caberia opor-se ou render-se,
ainda que sem convicção. Faltava apenas estabelecer os termos
pactuais, propositadamente, não propostos naquela noite.
O acordo difere do contrato firmado entre alunos e Faculdade.
Pereira (1990, p. 7), propaga que contrato é um acordo de vontades,
na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar,
transferir, conservar ou modificar direitos explicando que, a seu lado,
8
há o pacto, que é uma cláusula aposta em certos contratos
conferindo-lhe um feitio especial, agora provida de sanção.
O acordo seguiu o formato dos contratos psicológicos, já
anunciados por Rousseau e descrito aqui por Janssens et al. (2003, p.
1350): como um acordo de trocas e contribuições entre duas partes.
Na segunda aula, como se esperava, os atrasos continuaram,
pelo que, após o retorno do intervalo, abordou-se o tema da seguinte
forma: na aula anterior, firmou-se a intenção de se estabelecer uma
convenção com adesão de todos, mas ao que parece, poucos prezam
a palavra empenhada. Como não se pode punir sem que haja uma
convenção, é necessário definir os termos e a tolerância para início e
reinício das aulas e o que se fará nos casos de indisciplina.
Com a maioria em sala e após longo debate, mediado pelo
professor, contrapondo suas necessidades, acordou-se, livremente,
com 15 m. de tolerância na entrada e nenhuma na volta do intervalo,
deixando claro que em alguns dias o professor poderia avançar no
horário caso fosse necessário fechar algum ponto. Por outro lado o
professor faria cartas às empresas enfatizando a necessidade de
alguns alunos se ausentassem de 15 a 30 minutos mais cedo para
chegarem às aulas e comprometendo-se de avisar os casos de
ausência do aluno. A penalidade por atrasos e faltas não justificadas,
iriam ser definidas pelo professor com a anuência de 3 alunos,
revezando-se na função, e poderiam variar de trabalhos até a perda
de nota em casos de reincidência.
O acordo funcionou, embora vários ajustes se mostrassem
necessários durante o semestre, como a tolerância de um aluno
específico a quem a empresa negou o pedido efetuado, mas as
resistências foram caindo, uma a uma, quando os alunos tinham que
justificar suas faltas perante seus pares, que, conhecendo as
realidades, foram muitas vezes impiedosos. Por outro lado, as aulas
9
práticas foram bem aproveitadas e lembradas, um sacrifício não
remunerado a não ser pela alegria dos encontros.
Motivações Humanas
Motivar alunos a receberem ensinamentos em um ambiente que
concentra sujeitos, compreensões, educações e culturas diferentes, é
o desafio a ser vencido por um pacto moral, entre professor e alunos,
visando enfrentar a indisciplina, que reflete, na opinião de Garcia
(2006, p.125), uma cizânia entre contratos e expectativas sociais,
não só entre sujeitos, mas também entre eles e o conhecimento.
Maslow, primeiro no tema das motivações, compreendia que as
necessidades humanas organizam-se em uma série de cinco níveis:
fisiológica, segurança, social, EU e auto-realização. Suas criticas
centraram-se na auto-realização, que não esgotaria as aspirações
humanas instigando futuras investigações que revelaram exageros
nas aplicações de seus conceitos, geradas por simplificações que
visavam um suporte ás técnicas que procuravam desenvolver com
fins práticos imediatos (PÉREZ LÓPEZ, 1994, p. 47).
Críticas à auto-realização humana (WATERSON, 2007. p. 94)
Estas simplificações denominadas de extrínsecas e intrínsecas
pela área da administração apareceram na primeira fase da evolução
econômica onde a motivação extrínseca foi largamente utilizada por
expoentes como Taylor, Ford e Fayol que entenderam o ser humano
10
como homem produtivo (homo economicus) centrado na aceleração
da
produção
individual
em
troca
de
salários
crescentes.
A
denominação deu-se porquanto o incentivo atuava desde fora para
dentro no trabalhador, em um modelo mecanicista. Sua limitação
deu-se no limite produtivo laboral, quebrando as espirais ascendentes
e decaindo em produtividade. Um segundo momento deu-se com a
experiência Hawthorn1 que enfatizará o aspecto psicológico ao buscar
satisfação no trabalho que, como visto no mecanicismo, não se
limitava apenas ao salário, mas no desejo de superação pessoal, na
busca de auto-estima e da auto-realização, que também, como se viu
na tira acima, não se firma. Hawthorn centrava-se no psiquismo
humano e sua prática ficou conhecida como “homo psicologicus”.
A Motivação Transcendente
Pérez López (1998) revoluciona as motivações apoiando suas
convicções na teoria sobre a transcendência do ser humano de Viktor
Frankl (1986), psiquiatra austríaco cujo maior aprendizado se deu
como prisioneiro nos campos nazistas, onde tudo lhe foi tirado,
menos sua liberdade mental. Nesta indigência, Frankl vê o homem
como um ser livre, capaz de viver ou de morrer, dependendo do
sentido que dêem às suas existências, afirmando a prevalência da
ética e a premência de que as pessoas não sejam competentes
apenas em técnicas e estratégias, mas que se tornem conhecedores
da natureza humana, penetrando em suas reais necessidades.
Frankl (1987, p. 120) concebe o sujeito tridimensionalmente,
decompondo-o, não como uma unidade biológica e psicológica, mas
também Noológica (espírito). A tridimensionalidade concebe uma
totalidade unitária e livre, onde a liberdade prova o espírito humano.
Sendo livre, o sujeito não se determina só por fatores externos
1
Bairro de Chicago onde foi realizada. (WIKIPEDIA), Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki
/ Experiência_ de_Hawthorne/. Acesso em: 24 out. 2009.
11
(sociais & econômicos) nem por impulsos internos (biológicos ou
psicológicos), mas por atos livres de sua vontade, e, por esta
condição, ele está sempre aprendendo (FRANKL, 1986).
A dimensão desta liberdade e abertura do homem ao mundo
exige compreender o conceito de transcendência trazido por Frankl,
como a forte convicção de que o homem se dirige sempre para fora
de si mesmo em uma autotranscendência, reconhecendo ter uma
condição de ser no mundo, de um modo tal que sua conduta só é
humana, quando significar agir no mundo. É neste sentido que Frankl
(1998, p.139) ao dizer: somente na medida em que cumprimos uma
missão, realizamos um dever, nos realizamos e consumamos a nós
mesmos, desqualifica a auto-realização como causadora de sentido
da existência e abre um novo panorama nas técnicas motivacionais.
Por pouco que pensemos, veremos que a ação de uma
pessoa tem conseqüências que constituem uma
poderosa fonte de motivação (...) a motivação de uma
ação pelas conseqüências, pelo valor, que esta ação
tem para satisfazer as necessidades de outra pessoa. A
esta chamaremos de motivação transcendente. (PÉREZ
LÓPEZ, 1996, p. 55)
A educação enriquece a humanidade sempre que motivar seus
educandos a ganharem conhecimentos pensando, também, nas
necessidades da sociedade, em um diálogo que compreende, não só
a criação de conhecimentos, mas, sobretudo, de respeito à ética.
[...] no último tipo de motivação, a transcendente, o
importante é o outro, o tu, e a vontade é a potência
que atua com desejo de dar ou dar-se. Na prática,
conhecer esta classificação ajuda a criar valores, e
buscar uma identidade. Em resumo, ninguém dá o que
não tem. E paradoxalmente, o que todos têm é
carência. Para suprir de certa forma esta necessidade,
é preciso que outros que estejam em diferentes estados
de motivação possam interagir entre si (CARRASCO,
1998, p.28).
Toca-se no ponto principal que move o professor na elaboração
de um pacto moral com seus alunos, de forma a diminuir suas
12
carências para que, ao perceberem o valor do dar de si , não só à
Faculdade, mas também aos seus colegas, sendo responsáveis.
Spinoza (1973) defende que nada obsta ao homem adquirir tal
natureza e tudo o que pode ser meio para chegar a isto, se chama
verdadeiro bem. O sumo bem, contudo, é chegar a gozar com outros
indivíduos, se possível, dessa natureza. De que adianta um médico
sem doentes, um professor sem alunos, um advogado sem clientes?
Educar, portanto, é fazer ver ao educando que o significado de
liberdade, no sentido dado por Aristóteles (2006), é possuir a
capacidade de escolher o bem e repelir o mal e, entre dois bens,
saber escolher o melhor. É pela mediação voltada para a ética,
proposta pelo professor, que se consegue alcançar a volição do
homem. Para isto, o mestre deve, antes de tudo, conhecer a seus
alunos e dar-se a conhecer por eles, sem o que, nenhum pacto se
forma. Por este procedimento se ganha em altura e em volume.
É papel da universidade reproduzir e desenvolver conteúdos
construídos pela humanidade e este processo pode ter três vieses: o
primeiro, ao objetivar os planos do professor como seu ganha pão,
contribuindo com a aquisição de conteúdos pelos alunos, pela
motivação extrínseca. O segundo apóia-se nas interações e propiciam
ao aluno estabelecer relações entre as informações e a experiência,
sem deixar de ser seu ganha-pão, utilizando-se da motivação
intrínseca.
O
terceiro,
a
motivação
transcendente,
recebe
os
conteúdos, relaciona-os com a experiência voltada para o bem do
semelhante e, pela razão, absorve um conhecimento que objetiva o
bem particular e o da humanidade, ainda que as outras motivações
também estejam presentes, por se tratar deevolução motivacional.
O Pacto Moral
Um professor adquire autoridade pela sua postura em relação
aos seus alunos e esta é determinada pelo prestígio adquirido através
13
dos méritos de suas aulas, pela justiça com que trata a diversidade e
pelo rigor de suas atuações. Poucos são os alunos que percebendo a
disposição do docente em reconhecê-los como pessoas e de ajudá-los
a vencerem suas dificuldades, respondem com indisciplina, salvo em
casos atípicos de manifestação de ciúmes e busca de atenção. É por
meio deste processo que se cresce em autoridade, desprezando-se
quase por completo o poder que deverá exercer em casos de desafios
dos que querem conhecer seus limites. Estes casos se resolvem olho
no olho e de forma tão franca que encabula o inseguro desafiante.
Um professor moralmente fraco não alcançará o prestígio
necessário para ganhar autoridade na medida em que esta fraqueza,
percebida pelos alunos, compromete sua habilidade de levar as
pessoas a fazerem de boa vontade o que se quer, por conta de sua
influência pessoal. A autoridade é básica para propor um pacto moral
para serem seguidos livremente pelos alunos, comprometendo todos
em coisas simples, como horários, tolerâncias, prazos e o tratamento
respeitoso durante as aulas, sem preocupação de que o mesmo seja
rejeitado pelos alunos. Esta certeza baseia-se na constatação
empírica de que todos detestam ferir alguém em quem confia.
Conquista-se autoridade através do tempo devotado a conhecer
os alunos, suas necessidades, suas fraquezas e potencias, fazendo
dele um tutorado, não um amigo, pois com estes se mantém
confidências, impossível de ocorrer onde há relação de subordinação.
O objetivo do pacto moral é comprometer uma pessoa livre a outra
pessoa livre, sem uma regra pendente sobre eles.
Os seres humanos que vivem um amor solidário
superam rapidamente suas inibições. Entregam-se uns
aos outros. Criam uma rede de liames fortes que
sustentam a fraqueza e revigoram as limitações, uma
corrente em que os elos se interligam com solidez para
formarem um todo inquebrantável e seguro. (LLANO
CIFUENTES, 1997, p. 39)
14
Um ato livre da vontade e, portanto, fruto do entendimento que
obriga voluntariamente aos pactuantes e cuja penalidade não é
superior à perda do prestígio pessoal, do sentirem-se incomodados
enquanto
homens
indignos
de
manter
a
palavra
empenhada.
Exatamente como diziam Piaget (citado por Kimii, 1999) e Corominas
(2006) no início deste artigo e que Curwin e Mendler (1998, p.45)
corroboram ao afirmar que as melhores decisões para trabalhar a
conduta dos alunos se baseiam em um sistema de valores que
mantém a dignidade de cada aluno em todas as situações.
Considerações finais
O artigo relatou uma experiência em sala de aula que,
explorando as motivações humanas, motivou a proposição de um
pacto moral como meio de combate à indisciplina, visando dele tirar
proveito como meio de ganho de eficiência nas práticas educativas e
crescimento das mediações em sala de aula. O processo tem na
transcendência humana sua força mais específica, mostrando-se
capaz de mover o sujeito à aceitação livre de uma obrigação moral. A
penalidade pela não adesão se dá apenas pelo descrédito frente ao
professor e seus colegas, em um processo inibitório sem violência,
embora não isento de riscos para o professor, que se expõe a
negociar uma eventual negativa de adesão. É
uma alternativa que
combate um ato volitivo de indisciplina com outro ato volitivo, agora
de disciplina.
A exploração da carência humana de sentir-se aceita como
pessoa por seu grupo de iguais, fugindo da exclusão, é a ferramenta
poderosa
para
o
desenvolvimento
pactual,
pelo
que
qualquer
indisciplina será encarada (e deve ser revelado publicamente) como
uma traição à classe, aos colegas, à palavra empenhada e ao
professor. Isto é o que dá solidez ao pacto.
15
Com esta ferramenta se logrou dar combate à indisciplina em
uma turma grande e imatura e ainda brindar o professor com a
oitava melhor avaliação da Faculdade no semestre, um sinal de que
os alunos respondem positivamente sempre quando tratadas como
seres humanos livres em uma relação ganha-ganha.
O Pacto Moral, dentro dos parâmetros aqui propostos, é factível
de ser incrementado, não só contra a indisciplina, mas como fomento
à compreensão do valor da ética, sempre que aceitos livremente,
obrigando seres livres a respeitarem outros seres livres, como se via
nas cenas do filme 3002 (2007).
Aí, exatamente no respeito à liberdade da pessoa humana é
que reside a dignidade do processo.
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