APRESENTAÇÃO DE LIVRO SOBRE ESQUIZOFRENIA 1 O livro A Esquizofrenia de Acordo com a Abordagem Comportamental oriundo da tese de doutorado de Gina Nolêto Bueno aborda a esquizofrenia, ou melhor, as falas delirantes e alucinatórias de duas pessoas com o diagnóstico de esquizofrenia, em uma unidade de tratamento. Este livro oferece o conhecimento sobre os eventos que antecederam e que mantiveram os comportamentos de delirar e de alucinar, bem como o seu tratamento, a partir de uma perspectiva analítico-comportamental. Diante disso, o foco do mesmo é sobre o comportamento do esquizofrênico. Este livro é didático, inovador e uma ótima escolha pelos resultados apresentados, tanto para os profissionais como para os estudantes de áreas afins que lidam com a complexidade do comportamento humano. De início, alguém poderia sugerir que a esquizofrenia é um tipo de ‘doença cerebral crônica, grave, incurável e incapacitante’. Responder-se-ia que ainda não se confirmou se no cérebro do esquizofrênico, seja ele de um esquizofrênico vivo ou de um esquizofrênico morto, há processos orgânicos ou neuroquímicos envolvidos em suas causas. Mesmo porque delirar, alucinar, comportar-se de modo desorganizado e não demonstrar emoções é coisa que um esquizofrênico faz (comportamento) em vez de algo que ele tenha (doença). Todavia, isso não significa afirmar que a esquizofrenia ou qualquer outro tipo de transtorno mental, cujos sintomas descrevem topografias comportamentais, não tenha qualquer base fisiológica. O comportamento é função conjunta de três fontes de seleção e variação, a saber: (1) filogênese, a seleção natural, área da biologia; (2) ontogênese, a seleção operante, área da psicologia; (3) cultura, a seleção das práticas culturais, área das 1 Bueno e Britto (2013). A Esquizofrenia de Acordo com a Abordagem Comportamental. Juruá: Curitiba. ciências sociais. O analista do comportamento considera que se deve entender cada tipo de seleção e variação para compreender de onde vem o comportamento (Skinner, 1953/2000; 1981/2007). Sendo assim, a principal preocupação neste livro foi com as propriedades funcionais das falas inapropriadas (delírios e alucinações) de duas pessoas com o diagnóstico de esquizofrenia, mais do que com as descrições topográficas dessas categorias comportamentais restritas a sintomas de transtorno psicótico. Agora, um breve retorno à história. A palavra esquizofrenia foi proposta pelo psiquiatra suíço E. Bleuler e se originou dos termos grego skhizein (dividida ou partida) e phren (mente). No livro Dementia Praecox or the Group of Schizophenias, publicado por Bleuler (1911), a esquizofrenia foi descrita como um grupo de psicoses de curso crônico, marcado por ataques intermitentes: uma doença caracterizada por um tipo específico de alteração do pensamento que se manifestava por meio de uma desordem da linguagem. Bleuler (1911) enfatiza em sua obra que a linguagem do paciente esquizofrênico é típica de falas que envolvem problema, tais como “Bloqueio, pobreza de ideias, incoerência, nebulosidade, delírios e anomalias emocionais são expressos na linguagem dos pacientes” (p. 147). Observa-se, portanto, que ao descrever o paciente esquizofrênico, antes de tudo, Bleuler (1911) se referia a alguém que falava de modo diferente, estranho e bizarro. É evidente que a opinião pessoal de Bleuler se distingue de uma abordagem científica. Ao se referir ao prestígio de um empreendimento científico, Chiesa (1994/2006) argumenta que a ciência está associada a uma noção de confiabilidade, a noção de que as afirmações científicas são confiáveis porque foram elaboradas com base em provas e não foram inventadas. As explicações científicas são derivadas da observação e medida dos fenômenos naturais. Deve ser enfatizado, portanto, que Bleuler (1911) e seus seguidores, não identificaram de modo empírico os marcadores biológicos em seus pacientes. Logo, Bleuler não descobriu a esquizofrenia, ele a inventou. A partir da década de 1950, as explicações sobre as influências genéticas e bioquímicas das dificuldades comportamentais, sejam na cultura científica ou popular, aumentaram. Vários transtornos são conceituados como se possuíssem uma base genética e bioquímica, ainda que não fossem encontrados os genes e os marcadores biológicos em apoio a essas convicções. Wyatt (2009) apresenta dados de estudos da estrutura e funcionamento cerebral com o uso de scans por emissão de pósitrons (PET) e imagens por ressonância magnética (fMRI), os quais apontam que os dados assim obtidos são correlacionais. Também não é difícil descrever situações cotidianas em que o comportamento provoca mudanças na estrutura corporal, por exemplo, indivíduos altamente estressados podem desenvolver úlceras (Sidman, 2005; Wyatt, 2009). Em uma tabela de um livro publicado na década de 1990 e, amplamente citada nos compêndios de psicopatologia, Gottesman (1991) apresenta os dados de estudos sobre esquizofrenia com o intuito de demonstrar as correlações entre esquizofrenia e genética. A conclusão a que chegou seu estudo assinala a correlação que existe entre gêmeos monozigóticos e a possibilidade de desenvolver esquizofrenia, a saber: taxa aproximadamente de 48%. No entanto, em oposição a esses achados, Wyatt (2009) resume dados de outros estudos (Faber, 1981; Watson, 1981; Wyatt, 1993; Wyatt, Posey, Welker & Seamons, 1994; Wyatt & Midkiff, 2006) dos quais, uma análise ponderada permite outras conclusões: (a) os gêmeos idênticos não foram criados separados, mas pela família dos pais biológicos; (b) os gêmeos não foram separados até os 10 anos de idade; (c) as agências de adoção foram obrigadas, por contrato, a localizar famílias adotivas que eram similares às famílias biológicas. Por sua vez, Wong (2006) chama a atenção para o fato de que os estudos posteriores não conseguiram replicar as correlações entre a genética e a esquizofrenia propostas por Gottesman (1991). Como a explicação biológica ainda é dominante na cultura e em sua linguagem vários tipos de medicamentos têm sido usados como tratamento de escolha. E isso obviamente favorece as indústrias farmacêuticas e a propaganda alegarem os benefícios dos mais variados tipos de medicamentos usados para o tratamento dos transtornos mentais. De acordo com Wyatt (2009) a indústria famarcêutica subscreve cerca de 75% dos estudos sobre as drogas que são publicados em revistas de prestígio, por exemplo, Annals of Internal Medicine, Journal of the American Medical Association, Lancet e o New England Journal of Medicine. “Assim, a indústria está em uma posição de exercer controle substancial sobre o que é publicado” (p. 52). Wyatt (2009) relata, ainda, que artigos de funcionários dessas empresas são publicados como se fossem de autoria de acadêmicos. Então, como fazer para nos convencer da relevância de todas as questões aqui expostas? Os problemas gerados pelo tratamento medicamentoso da esquizofrenia como transtorno mental ou como ‘doença cerebral crônica e incapacitante’, sem os devidos marcadores biológicos tornam-se ainda mais difíceis de serem compreendidos. Um dos pontos de partida, portanto, será estudar o comportamento de delirar e de alucinar em relação aos eventos ambientais. Analisá-los funcionalmente. E, para estudar o efeito de uma variável sobre a outra, ou seja, as ‘relações de causa e de efeito’ é relevante voltarmonos para a experimentação, obedecendo a uma lição de C. Bernard (1865/1927) que ensinou que “(...) a análise experimental é o nosso único meio de buscar a verdade”. Por Ilma A. Goulart de Souza Britto - Dezembro, 2012. Referências Bernard, C. (1927). An introduction to the study of experimental medicine. Tradução organizada por H. C. Greene. Nova York: Macmillan. (Trabalho original publicado em 1865). Bleuler, E. (1950). Dementia praecox or the group of schizophenias. Tradução organizada por J. Zinkin. New York: International Universities Press. (Trabalho original publicado em 1911). Chiesa, M. (1994). Radical Behaviorism: The philosophy and the science. Boston: Authors Cooperative. Farber, S. L. (1981). Identical twins reared apart. New York: Basic Books. Gottesman, I. I. (1991). Schizophrenia genesis: The origins of madness. New York: Freeman. Skinner, B. F. (1970). Ciência e Comportamento Humano. Tradução organizada por J. C. Todorov & R. Azzi. 2ª Edição. Editora Universidade de Brasília e FUNBEC: Brasília. (Trabalho original publicado em 1953). Skinner, B. F. (2007). Seleção por consequências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 9 (1), 129-137. Tradução organizada por C. R. X. Cançado; P. G. Socares & S. Cirino. (Trabalho original publicado em 1981). Watson, P. (1981). Twins: An uncanny relationship? New York: Viking. Wong, S. E. (2006). Behavior analysis of psychotic disorders: Scientific dead end or casualty of the mental health political economy? Behavior and Social Issues, 15, 152-177. Wyatt, W. J. (1993). Identical twins, emergenesis, and environments. Psychologist, 48, 1294-1295. American Wyatt, W. J., & Midkiff, D. M. (2006). Biological psychiatry: A practice in search of a science. Behavior and Social Issues, 15, 132-151. Wyatt, J. W. (2009). Behavior analysis in the era of medicalization: The state of the science and recommendations for practitioners. Behavior Analysis in Practice, 2 (2), 49-57.