O GURI E A IMPOSSÍVEL FELICIDADE:
Uma reflexão sobre o mal-estar na relação cidade/morro em uma canção de
Chico Buarque de Hollanda
Samira de Jesus Mór (UFJF)
INTRODUÇÃO
Não existe nenhum lugar para onde se possa escapar.
Milan Kundera
O primeiro episódio do seriado Cidade dos Homens, “A coroa do Imperador”,
da Rede Globo, nos apresenta os protagonistas Laranjinha e Acerola em seu cotidiano
de crianças pobres e faveladas. Temos o ambiente, ao mesmo tempo, hostil e familiar da
favela apresentado pelos olhos de duas crianças que procuram resistir à sedução
aparentemente fácil do mundo das drogas e encontrar um caminho de dignidade através
do estudo e do trabalho. As duas opções da comunidade em que vivem se colocam
diante dos meninos: a contravenção e o banditismo versus a honestidade e o trabalho.
Algumas cenas desse episódio nos interessam especificamente como introdução à
reflexão que propomos: o mal-estar vivido pelos moradores das grandes cidades em face
de um contexto angustiante, volátil e dicotômico. Nas cenas em questão, temos os dois
mundos que se confrontam no ambiente da cidade apresentados pelo olhar do menino
Acerola.
Ao sair da casa do patrão de sua mãe – que trabalha ali como empregada
doméstica –, Acerola observa o condomínio e reflete:
“Pelo dinheiro que eles gastam pra não ser roubados, você pode
imaginar o dinheiro que eles tem pra ser roubado. Pelo dinheiro que
eles acham que não é nada, você imagina o dinheiro que eles acham
que é muito. Eles ganham muito, mas pagam pouco. Eles pagam
pouco e por isso ganham muito. Mas eu nunca ia querer morar num
lugar assim, parece uma prisão. O problema daqui é falta de
segurança. Eles vivem com grade, câmera, porteiro, que fica te
vigiando. E mesmo assim aqui tem muito assalto. Na favela não tem
porteiro, nem câmera e nem assalto”. (CHARLONE, 2002)
Acerola pega o ônibus e logo está na subida do morro onde mora. Agora é a
favela que o seu olhar nos mostra:
“Aqui é a fronteira entre lá e aqui. Lá é um país, aqui é outro. Esse daí
(policiais em um carro na entrada da favela) são os guardas da
fronteira de lá. E esses daqui (meninos armados postados atrás de
muros) os da fronteira de cá. Lá eles escolhe quem manda neles, e
aqui eles já tão escolhido. Os playboy gosta de ver o morro na
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televisão, pra ver como é ruim aqui e achar melhor morar lá. Eles só
passam daqui pra comprar droga, filmar ou fazer reportagem. Eu acho
que, se eles gostam de drogas, não deve ser tão bom morar lá. Porque
é cheio de grade, porteiro, câmera. A droga pra eles é que nem
tempero, que eles pagam pra achar melhor viver na prisão”
(CHARLONE, 2002) .
Algumas palavras nos chamam atenção no discurso do menino: “aqui” e “lá”,
“fronteira”, “país” (asfalto) e “país” (morro), “eles” (playboy e policiais) e “eles”
(traficantes). É um discurso marcado pela diferença, no qual Acerola se coloca como
observador dos “países” em que a cidade se divide. É interessante perceber que ele
chama aos que governam ou ditam as regras nos dois lados de “eles”, não se incluindo
em nenhum dos dois. O pronome “nós” não aparece, embora por suas palavras
possamos entender que ele prefere o ambiente que lhe é familiar, a favela, ainda que
reconheça o grave problema que esta apresenta: o tráfico de drogas, a pobreza e a falta
de escolhas de muitos meninos como ele. O que Acerola escolhe, na verdade, é a
liberdade. Esta parece estar para ele muito mais no seu meio pobre do que nos
condomínios ricos, onde os sistemas de segurança tornam os lares parecidos com
prisões. É a alteridade que se apresenta pelo olhar do garoto, a relação com o outro tão
necessária a todo ser humano, mas que se torna mais conflitante e árdua na cidade
grande. O sociólogo Zygmunt Bauman, em O Mal-Estar na Pós-Modernidade, nos fala
nesse outro o chamando estranho, elemento que desestabiliza a ordem social: “Num
mundo constantemente em movimento, a angústia que se condensou no medo dos
estranhos impregna a totalidade da vida diária – preenche todo fragmento e toda ranhura
da condição humana”. (BAUMAN, 1998:21) E em Freud, encontramos o conceito de
estranho relacionado ao que foi recalcado e retorna, indiferente à vontade do indivíduo.
Para os moradores da favela, o outro, o que mora nos condomínios – o playboy que
visita o morro ou o policial que intimida e muitas vezes é conivente com a contravenção
tão presente ali –, é o diferente, o estranho, uma presença que incomoda, mas com a
qual é necessário conviver mesmo que não se queira. O morador da cidade, dos
condomínios, tampouco se sente à vontade em seu contato com os chamados favelados,
deles desconfia todo o tempo e está pronto para rechaçá-los ao menor sinal de ameaça.
Tanto o que mora no morro quanto o que mora no asfalto acabam se vendo obrigados à
convivência, já que estão todos inseridos em um mesmo sistema, o capitalista, e fazem
parte de uma engrenagem que sobrevive graças à força propulsora e consumidora de
ambos os lados.
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“Para Freud, esse mal-estar é o desconforto sentido pelo indivíduo em
conseqüência dos sacrifícios pulsionais exigidos pela vida social”. (ROUANET, 1993:
96). O mal-estar vivido por aqueles que moram na cidade, em que a vida social é ainda
mais imperativa que no campo, é fruto da conformação desses indivíduos a uma
situação altamente repressora. Segundo Freud, o homem para viver em sociedade
precisa abdicar da gratificação indiscriminada dos impulsos sexuais e agressivos.
Instado pela autoridade externa e pelo Superego, esse homem sublima parcialmente as
pulsões sexuais, transformando-as em ideais coletivos, e recalca as agressivas que,
transferidas ao Superego, são dirigidas contra o próprio indivíduo como culpa. O malestar é, pois, frustração e culpa. (ROUANET, 1993:96). Esse ressentimento gerado pela
civilização se intensifica nos dias de hoje pelas exigências do capital, em uma sociedade
massificada, em que os bens de consumo seduzem a todo instante pelos meios de
comunicação, e em que aqueles que não se adéquam ou não podem atender a essas
exigências são colocados à margem, como elementos periféricos, indesejados, prováveis
desestabilizadores da ordem, estranhos. E estranhos que podem se voltar contra o
sistema que os marginaliza.
Este trabalho se propõe pensar essa condição de mal-estar na relação cidademorro na canção “O meu guri”, de Chico Buarque. Voltando ao seriado Cidade dos
homens, suas personagens e o guri da música de Chico têm em comum a infância na
periferia; o contato e o desejo de inserção numa sociedade movida pelo consumo; a
busca por uma dignidade espelhada no outro, seu oposto e possível oponente social; a
convivência com a marginalidade, resistindo ou sucumbindo a ela. Retomando a
epígrafe dessa introdução e uma expressão de Zygmunt Bauman, são indivíduos sujeitos
a uma “vida líquida” na qual estão inseridos de tal forma que dela não podem escapar.
O GURI E A IMPOSSÍVEL FELICIDADE
A civilização é um processo conduzido por Eros (...). (ROUANET,
1993:111)
A felicidade é virtualmente impossível, mas temos que agir como se ela
pudesse ser alcançada. “O programa que o princípio do prazer nos
impõe – ser feliz”, diz Freud, “não é realizável, mas não podemos nem
devemos abrir mão dos esforços para sua realização”. (ROUANET,
1993:117)
A sociedade atual, global, ocidental, talvez mais que em qualquer outra época,
oferece ao homem a promessa da felicidade imediata. Pelo menos para aqueles que
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puderem pagar por ela. E felicidade é sinônimo de consumo que gera status. Todo
mundo quer ser feliz, quer ser importante, ter respeito, dignidade.
As lutas de gerações a respeito do necessário e do desejável mostram
outro modo de estabelecer as identidades e construir a nossa
diferença. Vamos nos afastando da época em que as identidades se
definiam por essências a-históricas: atualmente configuram-se no
consumo, dependem daquilo que se possui, ou daquilo que se pode
chegar a possuir. (CANCLINI, 1997: 15)
Identidade. É isso que o guri da canção “O meu guri”, do disco Almanaque
(1981), de Chico Buarque, parece buscar. O personagem nos é apresentado pela mãe,
mulher que, na canção, como o filho, não tem nome nem dignidade. Seu interlocutor é
provavelmente alguém de respeito pela deferência que ela lhe faz: “Seu moço”. Talvez
seja um repórter, alguém que tenha subido o morro para “filmar ou fazer reportagem”,
como assinala Acerola. A esse moço, ela conta sua história, que é a história de seu filho.
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
O jogo estabelecido entre o substantivo “rebento” e o verbo “rebentar”, nos
dois primeiros versos, nos faz pensar na chegada abrupta do guri ao mundo. Ele nasce
prematuro, antes do tempo para ele e para a mãe, não era esperado ou não era desejado.
E a mãe vai levando a vida e o menino, que também a leva. Os dois se deixam levar por
um destino, ou pela cadeia de fatos na qual suas vidas se inserem.
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
O guri profetiza seu sucesso: um dia vai “chegar lá” – expressão usada para
indicar que alguém alcançou seu objetivo, teve sucesso. E a mãe parece sentir orgulho
do filho, como podemos perceber na expressão repetida cinco vezes no trecho acima,
refrão da canção: “olha aí”. Essa expressão é cantada com a entonação de quem aponta,
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mostra alguma coisa. É possivelmente a mãe a apontar o filho para seu interlocutor,
confirmando a realização da profecia do menino. Mas a palavra “aí”, advérbio que
designa lugar, conjuga-se com a palavra “ai”, interjeição de lamento, dor. O menino que
nasce antes do tempo, com cara de fome, sem nome, que “chega lá”, como saberemos
nos versos seguintes, por caminhos tortuosos, só pode carregar com ele esse “ai”. No
fundo, mesmo sem se dar conta, em sua alienação, a mãe sabe que o destino de seu filho
é frustrado, falhado, desde seu nascimento. O guri nasce na favela, de mãe ignorante e
pai ignorado, seu lugar no mundo já é, desde o princípio, a marginalização. Retomando
o discurso de Acerola: “ele já tava escolhido”.
Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
A segunda estrofe da canção começa com o mesmo verbo que termina a
primeira: chegar. E de onde chega o guri? Do batente, gíria que significa trabalho.
Sabemos que o trabalho é um caminho para a dignidade e para a maturidade. Ao entrar
no mundo do trabalho, o jovem entra também no mundo dos adultos. O fato de vir
“suado” e “veloz” corrobora com a idéia de esforço positivo associada a trabalho. O
guri está crescendo e, pelo menos aos olhos da mãe, tornando-se respeitável. “Batente”
vai rimar com “presente” que, por sua vez, rima com “corrente”. Não é só ritmo que
essas palavras conseguem dar aos versos, elas se relacionam semanticamente. O
trabalho do guri permite-lhe trazer presentes para a mãe, as correntes, jóias, que é o que
se costuma dar a uma mulher por quem se tem apreço. As correntes de ouro, material
nobre, de valor, conferem dignidade à mãe, mas já anunciam para o leitor/ouvinte que
há algo de errado com o trabalho do menino.
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Nos versos acima, temos a confirmação: o guri é ladrão. Escolheu o único
caminho que poderia lhe dar rapidamente a felicidade e a dignidade que sua origem
nunca lhe daria. Ele traz mais um presente para a mãe: uma bolsa com tudo dentro,
inclusive os documentos para finalmente ela se identificar. O guri dá à mãe, mesmo que
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por vias tortas, transgressoras, uma identidade que acaba também sendo sua. Uma
identidade associada ao consumo, à felicidade prometida pela sociedade da qual ele
quer fazer parte.
Chega no morro com o carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assaltos tá um horror
No primeiro verso, temos a palavra “carregamento” remetendo ao contrabando,
ao roubo, à contravenção praticada pelo guri. Os dois últimos versos trazem no
comentário inocente da mãe a ironia do autor. O guri é o assaltante, que a mãe não
reconhece, mas é interessante pensar na insegurança, no medo que afeta também o
morador da favela. Aquele a quem muitas vezes se atribui esse tipo de crime. Como o
menino Acerola, a visão que a mãe tem da cidade se estabelece na desconfiança e, pelo
menos no quesito assalto, o morro é mais seguro que a cidade. Ainda que, como no caso
do menino, o que traga essa sensação de proteção seja o fato de que a favela lhes é
familiar.
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí
Agora temos um momento melancólico, mãe e filho se consolam. De quê? Do
abandono, da vida? No belo verso “Boto ele no colo pra ele me ninar”, a mãe,
exercendo seu papel, bota o filho no colo. O filho é amparado, guardado, no regaço
materno. O menino retorna ao aconchego e à segurança primordiais. Mas a mãe também
precisa de amparo, também precisa de aconchego e o guri é a sua segurança. Ele a nina,
a faz dormir, e dela cuida. E desse menino ela tem muito orgulho, como percebemos no
último verso da estrofe acima: “olha aí”.
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
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E, então, o destino do guri se confirma: ele chega lá. Ele está no jornal, onde
figuram as pessoas importantes, reconhecidas pela sociedade, mas também os bandidos,
os assassinos e os ladrões. E é nas páginas policiais que o guri está. Seu nome não está
lá, só as iniciais e também a venda nos olhos. A mãe não entende o alvoroço das
pessoas chocadas com o destino do guri. Ela ainda descreve a “pose” do menino: no
mato, rindo, lindo de papo pro ar. Adélia Bezerra de Menezes, ao analisar a canção de
Chico, nos diz sobre esse trecho da música: “O que torna quase que mais patética a mãe
do guri marginal é que a alienação atinge fundo, a desumanização vai longe: ela perde,
mas não sabe que perdeu”. (MENEZES, 2001:62,63). A dor da mãe é mostrada em
véspera, no estágio anterior ao seu deflagrar. É o momento antes da dor, antes que ela
descubra que o guri está morto. E a canção termina ironicamente com a confirmação de
que ele chegou lá. O destino do guri, o único possível, já estava decidido desde seu
nascimento. A promessa de felicidade só poderia ser alcançada rapidamente por
caminhos tortuosos, marginais. Mas a sociedade que promete a felicidade, não perdoa
aqueles que buscam alcançá-la por vias marginais. O guri ultrapassa o limite, cruza a
fronteira, e por isso tem de ser eliminado.
Há, porém, coisas para as quais o “lugar certo” não foi reservado em
qualquer fragmento da ordem preparada pelo homem. Elas ficam “fora
do lugar” em toda parte, isto é, em todos os lugares para os quais o
modelo da pureza tem sido destinado. (...) Mais frequentemente, estas
são coisas móveis, coisas que não se cravarão no lugar que lhes é
designado, que trocam de lugar por sua livre vontade. A dificuldade
com essas coisas é que elas cruzarão as fronteiras, convidadas ou não
a isso. (BAUMAN, 2007:14, 15)
O guri da canção de Chico é o elemento estranho, insurreto, que cruza a
fronteira, que transgride as regras sociais, em busca daquilo que lhe foi negado: a
dignidade e a felicidade. Desde a sua meninice, o desejo de chegar lá se impõe. É o
princípio do prazer que move o menino, ele não pode se negar a realizá-lo. E, para
alcançar seus objetivos, ele recorre aos impulsos agressivos. Se a sociedade e as
circunstâncias em que nasce negam ao guri o direito aos bens de consumo e,
principalmente, a participação e identificação com essa sociedade, então ele toma à
força o que lhe foi negado. O preço do progresso trazido pela modernidade na sociedade
capitalista foi a marginalização de uma camada considerável dessa sociedade. São
sujeitos que se postam às margens da vida aprazível do consumo e, não raro,
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ultrapassam a fronteira entre “lá” e “aqui”, do discurso de Acerola, para pegar o que
não podem comprar. Com o avanço dos meios de comunicação, essa vida se coloca aos
olhos de todos, inclusive dos pobres. Estes nem sempre apenas admiram o café luxuoso
e farto – como em “Os olhos dos pobres”, de Baudelaire –, mas decidem entrar e
usufruir desse luxo, mesmo sem serem convidados. Nesse momento, entra em ação a
repressão social: os olhos que condenam e rejeitam, a força da ordem que expulsa,
prende ou mata. É preciso manter o elemento recalcado em seu lugar, ou em seu nãolugar.
Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus
quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um
menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para
andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças
para tomarem o ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram
extraordinariamente sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o
novo café com idêntica admiração, mas diversamente nuançada pela
idade.
Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que
todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do
menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só
entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam
fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria
estúpida e profunda.
Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o
coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda
me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores
que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler
neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão
estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e
inspirados pela Lua, quando você me disse: "Essa gente é
insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não
poderia pedir ao maître para os tirar daqui?" (BAUDELAIRE, 2011)
REFERÊNCIAS
BAUDELAIRE.
Os
olhos
do
pobre.
Disponível
em
<
http://contosdocovil.wordpress.com/2008/06/04/os-olhos-dos-pobres/> Acesso em: 18
de julho de 2011.
BAUMAN, Zygmunt. Mal-Estar na Pós-Modernidade. Trad. Mauro Gama, Cláudia
Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
________. Tempos líquidos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2007.
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BUARQUE, Chico. Almanaque. São Paulo: Ariola, 1981. LP.
CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da
globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
A COROA do Imperador. In: Cidade dos homens. Direção: Cesar Charlone. Elenco:
Darlan Cunha, Douglas Silva, Jonathan Haagensen. Roteiro: Cesar Charlone, Fernando
Meirelles, Jorge Furtado. Brasil, 2002.
FREUD, Sigmund. Mal-estar na cultura. Trad. Renato Zwick. Porto Alegre, RS:
LP&M POCKET, 2010.
MENESES, Adélia Bezerra. Figuras do feminino na canção de Chico Buarque. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-estar na Modernidade: ensaio. São Paulo: Companhia
das Letras, 1993.
SAROLDI, Nina. O Mal-Estar na Civilização: as obrigações do desejo na
contemporaneidade. Coleção Para ler Freud. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2011.
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