UFRGS - Instituto de Letras OFICINA DE LEITURA: O mundo por outro olhar: a violência urbana e o cenário periférico na perspectiva de um marginalizado LETÍCIA MENDES PEREZ RECHE RENATA BLESSMANN FERREIRA Professora Solange Mittmann Teoria e Prática de Leitura – 2015/1 INFORMAÇÕES Público alvo 12 alunos, com idades entre 15 a 18 anos, estudantes do 2º ano do Ensino Médio, provenientes de escolas públicas de bairro e/ou centrais. Tempo de duração Oficina no turno inverso, com 6h/a divididas em seis encontros de 1h/a cada. Recursos necessários Fotocópias dos textos a serem trabalhados, equipamentos de áudio para reprodução da canção. OBJETIVOS Oferecer aos jovens um momento para reflexão acerca de outras realidades socioeconômicas que eles podem ou não conhecer a partir da temática da marginalidade social; Proporcionar um ambiente de trocas de conhecimentos, valorizando as vivências de cada aluno e sua opinião pessoal; Possibilitar aos estudantes o contato com diferentes gêneros textuais, bem como descortinar a importância do uso coerente de cada gênero, de acordo com os contextos cotidianos; Oportunizar aos alunos o entendimento, por meio do produto final, da noção de autoria, e a percepção de si próprios como sujeitos atuantes na sociedade a partir de seus discursos. JUSTIFICATIVA A escolha da temática propõe um novo olhar perante o outro, a partir do entendimento que a realidade socioeconômica que o cerca o constitui como sujeito. A intenção é que os alunos da oficina, por não terem contato com a periferia, repensem a complexidade do outro e não o vejam de forma maniqueísta, como se a violência urbana fosse intrínseca àqueles que nascem em condições econômicas inferiores. Postos frente à frente com textos que relativizam a naturalização das ações humanas de acordo com o estigma social, os estudantes podem tornar-se cidadãos a partir de um posicionamento crítico em relação à constituição da sociedade. UNIDADE TEMÁTICA “O mundo por outros olhos: a violência urbana e o cenário periférico na perspectiva de um marginalizado” . A partir dessa unidade, intenta-se que os alunos, no decorrer do trabalho com os textos, mudem a sua visão perante aqueles que moram na periferia. Em um movimento de textos que se inicia no mais global em direção ao que trata da realidade mais específica, os alunos devem repensar a existência do outro, que está inserido em uma situação totalmente diversa da deles. Assim, percebendo o que motiva as ações do outro, os alunos podem ter uma maior empatia com esse outro e, sobretudo, podem se aproximar da compreensão das motivações desse sujeito. RESULTADOS ESPERADOS Intenta-se que os alunos consigam estabelecer uma relação entre os textos lidos, os debates feitos e o contexto social em que estão inseridos. Além disso, espera-se que, a partir das reflexões linguísticas e sociais feitas, os alunos possam expandir sua visão de mundo e possam, dessa maneira, perceber a implicação de suas ações enquanto sujeitos atuantes na sociedade - inclusive pela escrita, em que eles podem colocar-se na posição de autores, pela defesa de seu ponto de vista e opinião. FORMA DE AVALIAÇÃO A avaliação será tanto quantitativa quanto qualitativa, tendo em vista que os alunos devem participar da leitura, discussão e interpretação dos textos, bem como devem apresentar qualidade nas tarefas escritas e dedicação e adequação do produto final. Além disso, espera-se que os alunos participem dos debates propostos, trazendo suas experiências em relação à temática dos textos lidos e colaborando de maneira positiva em cada encontro. ATIVIDADES 1º encontro: Manoel de Barros – Sobre Importância 2º encontro: Rubem Fonseca – Feliz Ano Novo 3º encontro: Chico Buarque – O Meu Guri 4º encontro: Carolina Maria de Jesus – Trecho de Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada 5º encontro: produção final. 6º encontro: leitura para o grupo com comentários dos colegas. 1º ENCONTRO – POEMA Apresentação da temática da oficina, bem como dos textos a serem lidos; Atividade de pré-leitura: a)Onde podemos encontrar poesia? b)Você costuma ler poesia? Em caso afirmativo, quais são os seus autores preferidos? Se não lê, por que não? c)Quais são os temas mais comuns que aparecem em poesias? d)Que características são comuns a esse gênero textual? Distribuição das cópias para os alunos, leitura do poema de forma silenciosa em um primeiro momento e, posteriormente, uma segunda leitura, em voz alta, feita com o grande grupo. MANOEL DE BARROS SOBRE IMPORTÂNCIA Uma rã se achava importante Porque o rio passava em suas margens. O rio não teria grande importância para a rã Porque era o rio que estava ao pé dela. Pois pois. Para um artista aquele ramo de luz sobre uma lata desterrada no canto de uma rua, talvez para um fotógrafo, aquele pingo de sol na lata seja mais importante do que o esplendor do sol nos oceanos. Pois pois. Em Roma, o que mais me chamou atenção foi um prédio que ficava em frente das pombas. O prédio era de estilo bizantino do século IX. Colosso! Mas eu achei as pombas mais importantes do que o prédio. Agora, hoje, eu vi um sabiá pousado na Cordilheira dos Andes. Achei o sabiá mais importante do que a Cordilheira dos Andes. O pessoal falou: seu olhar é distorcido. Eu, por certo, não saberei medir a importância das coisas: alguém sabe? Eu só queria construir nadeiras para botar nas minhas palavras. 1º ENCONTRO – POEMA Compreensão do texto e estudo do texto (a ser feito individualmente e discutido em grupo): a)Qual o tipo de relação que o título do poema estabelece com os versos? Existe alguma crítica implícita? b)Que tipo de reflexão você acha que o poema propõe? c)Como o eu lírico encara aquilo que é importante para os outros? Ele mostra sua visão como sendo positiva ou negativa? d)No final do poema, o eu lírico se questiona sobre saber ou não medir a importância das coisas e levanta a questão: alguém sabe? Você acha que existe apenas uma verdade absoluta sobre o valor das coisas? Justifique. 1º ENCONTRO – POEMA Leia os versos a seguir, considerando os contextos em que aparecem no texto: “Uma rã se achava importante Porque o rio passava em suas margens. O rio não teria grande importância para a rã Porque era o rio que estava ao pé dela.” a)No trecho acima, aparecem, em dois momentos, uma mesma palavra: “porque”. A presença dela acrescenta que ideia ao resto dos versos? Por que o eu lírico a utiliza? b)Por que outras palavras poderíamos substituí-la, sem que mudássemos o sentido dos versos? 1º ENCONTRO – POEMA “Para um artista aquele ramo de luz sobre uma lata desterrada no canto de uma rua, talvez para um fotógrafo, aquele pingo de sol na lata seja mais importante do que o esplendor do sol nos oceanos.” a)O que você entende com a leitura desse trecho? Por que talvez o pingo de sol seja mais importante do que o esplendor do sol? Será que somente para um artista ou para um fotógrafo o pingo de sol na lata pode ser importante? b)Já que a nossa oficina trata sobre as diferenças sociais, como você transporia esse trecho para a divisão social mais comum em nossa sociedade? Quem seriam as latas e quem seriam os oceanos? Por quê? c)Considerando a sua resposta do exercício anterior, como você explicaria o fato de alguns (as latas) serem iluminados somente por um pingo de sol, enquanto outros (os oceanos) serem iluminados por um esplendoroso sol? 1º ENCONTRO – POEMA “Em Roma, o que mais me chamou atenção foi um prédio que ficava em frentes das pombas. O prédio era de estilo bizantino do século IX. Colosso! Mas eu achei as pombas mais importantes do que o prédio.” a)Lendo os três primeiros versos, você deve ter tido uma expectativa em relação ao que era importante naquela cena. Qual era essa expectativa? b)Com o restante dos versos, a sua expectativa pode ter sido rompida. Qual palavra introduz o sentido necessário para o rompimento da expectativa? Que tipo de ideia ela introduz? c)Por que outras palavras você poderia substituir, mantendo o sentido dos versos? d)Em que suas importâncias se diferenciam das dos outros? Que prioridades existem na sua vida que você acha que podem não existir na dos seus colegas? 1º ENCONTRO – POEMA “Eu só queria construir nadeiras para botar nas minhas palavras.” a)Você já viu essa palavra em negrito sendo usada antes? b)Pelo uso no poema, o que você entende como sendo o significado dessa palavra? c)Podemos considerá-la um neologismo? Que outras palavras vem em sua lembrança? Elas podem fazer sentido no texto? 2º ENCONTRO – CONTO Atividade de pré-leitura: a)Por que meios contos são divulgados? b)Que características são comuns a esse gênero textual? c)Com o título “Feliz Ano Novo”, que tipo de história você imagina encontrar? Como podem ser os personagens e o que eles podem estar fazendo? d)No texto anterior, conversamos sobre a importância de cada coisa no mundo e as várias visões existentes sobre cada importância. Você acha que, entre camadas sociais diferentes, pode haver mudanças de prioridades? Justifique e dê exemplos. Distribuição da cópia do conto para os alunos e leitura em voz alta feita pelo professor. OBS: neste link tem o conto: http://www.releituras.com/rfonseca_feliz.asp 2º ENCONTRO – CONTO Compreensão do texto e estudo do texto (a ser feito individualmente e discutido em grupo): a)Releia a sua resposta da questão sobre o título, na atividade de pré-leitura. A história narrada aconteceu como você imaginou? O que aconteceu de diferente? Para a sua resposta, considere o último trecho do conto: “Quando o Pereba chegou, eu enchi os copos e disse, que o próximo ano seja melhor. Feliz Ano Novo.” b)Você deve ter percebido que o autor não transcreve a fala dos personagens como normalmente aparece nos livros. Apesar disso, nós conseguimos entender qual personagem diz o quê. De que forma o autor consegue fazer isso? c)Você também deve ter notado que o autor optou por escrever seu conto de maneira mais coloquial. Por que ele fez essa escolha? 2º ENCONTRO – CONTO d)Há dois grupos diferentes no conto. Quais são eles e qual é a realidade de cada um? e)Retomando o poema de Manuel de Barros, quais são as importâncias de cada um desses grupos? F)Você acha que a violência que acontece dentro da mansão pode ser justificada pela vida que os assaltantes levavam? Se eles vivessem em uma realidade diferente, que tipo de ações você acha que eles teriam? g)Você acha que os assaltantes sofrem algum tipo de violência? Justifique. h)Retomando a canção de Chico Buarque, você percebeu alguma semelhança no caso das duas histórias? Quais? 2º ENCONTRO – CONTO Leia os trechos a seguir, considerando os contextos em que aparecem no texto: “Onde você afanou a TV, Pereba perguntou. Afanei, porra nenhuma. Comprei. O recibo está bem em cima dela. Ô Pereba! Você pensa que eu sou algum babaquara para ter coisa estarrada no meu cafofo?” a)Você pode não conhecer algumas palavras do trecho, mas, mesmo assim, você provavelmente entendeu o narrado. Quais palavras foram essas e por que outras você poderia substituir? b)Essas palavras desconhecidas provavelmente são conhecidas por outras pessoas, porque são gírias. Por que você acha que o autor preferiu usar essas palavras, e não outras, mais conhecidas? c)Que tipo de visão Pereba tem em relação ao amigo de mesma classe social? Ele corrobora a visão que normalmente é atribuída a pessoas como o narrador? 2º ENCONTRO – CONTO “Pereba sempre foi supersticioso. Eu não. Tenho ginásio, sei ler, escrever e fazer raiz quadrada. Chuto a macumba que quiser.” a)Como o narrador vê Pereba? b)Qual a relação entre ter estudos e poder chutar a macumba que quiser? c)O que você pode inferir desse trecho, dito pelo narrador 2º ENCONTRO – CONTO “O quarto da gordinha tinha as paredes forradas de couro. A banheira era um buraco quadrado grande de mármore branco, enfiado no chão. A parede toda de espelhos. Tudo perfumado. Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e desci.” a)Que ligações podem ser feitas com o início do texto, em que é apresentada ao leitor a situação caótica do banheiro na moradia dele? b)O que o ato do narrador representa? Por que ele fez o que fez? 2º ENCONTRO – CONTO “Então, de repente, um deles disse, calmamente, não se irritem, levem o que quiserem não faremos nada. Fiquei olhando para ele. Usava um lenço de seda colorida em volta do pescoço. Podem também comer e beber à vontade, ele disse. Filha da puta. As bebidas, as comidas, as jóias, o dinheiro, tudo aquilo para eles era migalha. Tinham muito mais no banco. Para eles, nós não passávamos de três moscas no açucareiro.” a)A intenção da vítima não era a de irritar o assaltante. Por que ele decidiu dizer o que disse? b)Por que o assaltante se sentiu ofendido com a oferta da vítima? c)O que significa ser apenas “três moscas no açucareiro”? 3º ENCONTRO – CANÇÃO Atividade de pré-leitura: a)Você sabe o que é uma canção? b)Que características são comuns a esse gênero textual? c)Você costuma perceber a relação entre a letra e a melodia das canções que ouve? d)Você conhece alguma canção que trate da questão da marginalidade social ou da violência urbana? Qual? Distribuição da letra para os alunos e reprodução da canção. CHICO BUARQUE O MEU GURI Quando, seu moço, nasceu meu rebento Não era o momento dele rebentar Já foi nascendo com cara de fome E eu não tinha nem nome pra lhe dar Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro Chave, caderneta, terço e patuá Um lenço e uma penca de documentos Pra finalmente eu me identificar Olha aí! Olha aí! Ai o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega! Como fui levando não sei lhe explicar Fui assim levando ele a me levar E na sua meninice, ele um dia me disse Olha aí! Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega! Que chegava lá Olha aí! Olha aí! Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí! Olha aí! Chega estampado, manchete, retrato Com venda nos olhos, legenda e as iniciais Eu não entendo essa gente, seu moço Fazendo alvoroço demais Chega no morro com carregamento Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador Rezo até ele chegar cá no alto Essa onda de assaltos está um horror O guri no mato, acho que tá rindo Acho que tá lindo de papo pro ar Desde o começo eu não disse, seu moço! Ele disse que chegava lá Eu consolo ele, ele me consola Boto ele no colo pra ele me ninar De repente acordo, olho pro lado E o danado já foi trabalhar Olha aí! Olha aí! Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí Olha aí! É o meu guri! É o meu guri e ele chega Chega suado e veloz do batente Traz sempre um presente pra me encabular Tanta corrente de ouro, seu moço Que haja pescoço pra enfiar 3º ENCONTRO – CANÇÃO Compreensão do texto e estudo do texto (a ser feito individualmente e discutido em grupo): a)Que história é cantada por Chico? Qual é o trabalho do menino e como termina a canção? b)Em nenhum momento é mencionado, explicitamente, o serviço do menino. Quais elementos da canção te auxiliam a descobri-lo? c)A melodia e o ritmo da canção estão em consonância com o que é cantado ou destoam entre si? Justifique. d)Qual poderia ser uma solução para ajudar o menino a mudar de vida? Você acha que essa é uma história comum entre as crianças e jovens brasileiras? e)Existe alguma relação entre essa canção e os dois textos já lidos, Sobre Importância e Feliz Ano Novo? Quais podem ser traçadas? 3º ENCONTRO – CANÇÃO Leia os versos a seguir, considerando os contextos em que aparecem no texto: “Quando, seu moço, nasceu meu rebento Não era o momento dele rebentar Já foi nascendo com cara de fome E eu não tinha nem nome pra lhe dar” a)Você consegue perceber a diferença de significado entre os termos em negrito? Quais são os diferentes sentidos? Qual é a classe de palavras de cada um? b)A palavra “nem” não somente está funcionando como uma negação, mas também deixa implícita outra informação. Que informação é essa? 3º ENCONTRO – CANÇÃO “E na sua meninice, ele um dia me disse Que chegava lá (...) Desde o começo eu não disse, seu moço! Ele disse que chegava lá” a)A partir da segunda estrofe e por cinco vezes ao longo da canção, podemos ler uma fala que o próprio guri repetia muito. Na sua opinião, qual é esse lugar em que o menino gostaria tanto de chegar? b)Discuta com os colegas a questão anterior. Todos pensaram no mesmo lugar? Por que alguns chegaram em lugares diferentes? c)Com base em um fato que é mostrado explicitamente na canção, onde é o lugar em que o menino de fato chegou? Cite as estrofes que explicam sua resposta. 3º ENCONTRO – CANÇÃO “Chega no morro com carregamento Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador Rezo até ele chegar cá no alto Essa onda de assaltos está um horror” a)De onde você acredita que o menino tira tantas pulseiras, relógios, carteiras, gravadores, já que, no início da canção, é dito que a mãe não tinha sequer nome para dar para ele? b)O que você acha da afirmação, em negrito, da mãe do menino? A mãe está sendo coerente? 3º ENCONTRO – CANÇÃO “Chega estampado, manchete, retrato Com venda nos olhos, legenda e as iniciais Eu não entendo essa gente, seu moço Fazendo alvoroço demais” a)Nessa estrofe, ficamos sabendo onde o menino chegou, mas isso não é dito explicitamente. Como você chegou à conclusão do que aconteceu? b)Por que a mãe não entende as outras pessoas? Para ela, o filho chegou onde ela esperava? 3º ENCONTRO – CANÇÃO “Olha aí! É o meu guri e ele chega! (...) Olha aí! É o meu guri!” a)Na sua opinião, quem poderia estar contando a história dessa canção? b)Há uma mudança no final de uma das estrofes, já que, ao longo da canção, sempre aparece uma mesma fala: “Olha aí! É o meu guri e ele chega!”, e, depois de um acontecimento, a fala que encerra a canção se torna apenas: “Olha aí! É o meu guri!”. Por que você acha que ocorre essa mudança? O que ela representa no sentido do discurso do narrador? 4º ENCONTRO – DIÁRIO Atividade de pré-leitura: a)Quais são as características de um diário? b)Você conhece algum diário que ficou famoso? c)Qual é a motivação da pessoa que escreve um diário? Quais são os temas possíveis de ser encontrados em um diário? Distribuição da letra para os alunos, leitura silenciosa e, posteriormente, leitura em voz alta pela professora. CAROLINA MARIA DE JESUS 14 DE JULHO DE 1958 “... Está chovendo. Eu não posso ir catar papel. O dia que chove eu sou mendiga. Já ando mesmo trapuda e suja. Já uso o uniforme dos indigentes. E hoje é sábado. Os favelados são considerados mendigos. Vou aproveitar a deixa. A Vera não vai sair comigo porque está chovendo. (...) Ageitei um guarda-chuva velho que achei no lixo e saí. Fui no frigorifico, ganhei uns ossos. Já serve. Faço uma sopa. Já que a barriga não fica vazia, tentei viver com ar. Comecei desmaiar. Então resolvi trabalhar porque eu não quero desistir da vida. Quero ver como é que eu vou morrer. Ninguém deve alimentar a ideia de suicidio. Mas hoje em dia os que vivem até chegar a hora da morte, é um herói. Porque quem não é forte desanima. ... Vi uma senhora reclamar que ganhou só ossos no Frigorífico e que os ossos estavam limpos. – E eu gosto tanto de carne. Fiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se porque é duro a gente vir ao mundo e não poder nem comer. Pelo que observo, Deus é o rei dos sabios. Ele pois os homens e os animais no mundo. Mas os animais quem lhes alimenta é a Natureza porque se os animais fossem alimentados igual aos homens, havia de sofrer muito. Eu penso isto, porque quando eu não tenho nada para comer, invejo os animais. ... Enquanto eu esperava na fila para ganhar bolachas ia ouvindo as mulheres lamentar-se. Outra mulher reclamava que passou numa casa e pediu uma esmola. A dona da casa mandou esperar (. ..) A mulher continuou dizendo que a dona da casa surgiu com um embrulho e deu-lhe. Ela não quiz abrir o embrulho perto das colegas, com receio que elas pedissem. Começou pensar. Será um pedaço de queijo? Será carne? Quando ela chegou em casa, a primeira coisa que fez, foi desfazer o embrulho porque a curiosidade é amiga das mulheres. Quando desfez o embrulho viu que eram ratos mortos. CAROLINA MARIA DE JESUS 14 DE JULHO DE 1958 Tem pessoas que zombam dos que pedem. Na fabrica de bolacha o homem disse que não ia dar mais bolacha. Mas as mulheres continuaram quietas. E a fila estava aumentando. Quando chegava alguem para comprar, êle explicava: – O senhor desculpe o aspecto hediondo que êste povo dá na porta da fabrica. Mas por infelicidade minha todos os sabados é êste inferno. Eu ficava impaciente porque queria ouvir o que o dono da fabrica dizia. E queria ouvir o que as mulheres dizia. Que dilema triste para quem presencia. As pobres querendo ganhar. E o rico não queria dar. Ele dá só os pedaços de bolacha. E elas saem contentes como se fossem a Rainha Elisabethe da Inglaterra quando recebeu os treze milhões em joias que o presidente Kubstchek lhe enviou como presente de aniversario. O dono da fabrica vendo que elas não iam embora, mandou dar. A empregada nos dava e dizia: – Quem ganhar deve ir-se embora. Eles alegam que não estão em condições de dar esmola porque a farinha de trigo subiu muito. Mas os mendigos já estão habituados a ganhar as bolachas todos os sabados. Não ganhei bolacha e fui na feira, catar verduras. Encontrei com a dona Maria do José Bento e começamos a falar sobre o custo de vida.” 4º ENCONTRO – DIÁRIO Compreensão do texto e estudo do texto (a ser feito individualmente e discutido em grupo): a)Os recursos linguísticos por ela utilizados nos revelam, assim como fez Rubem Fonseca no conto Feliz Ano Novo, uma preocupação em demonstrar, a partir da linguagem, a realidade da personagem, ou apenas denotam o conhecimento linguístico da autora? b)Com que propósito você acha que a autora escreveu esse trecho? c)Como você poderia descrever Carolina e sua vida a partir do que você leu? d)Que violências são expostas no trecho que você acabou de ler? 4º ENCONTRO – DIÁRIO e)Como a personagem diferencia os favelados dos mendigos? f)Assim como em Feliz Ano Novo, aqui também são apresentados dois grupos distintos. Quais são eles e o que os representa? g) Tanto na canção de Chico Buarque, como no conto de Rubem Fonseca e no trecho do diário de Carolina Maria de Jesus há o elemento da fome. Por que esse elemento esteve presente nos três textos? O que eles têm em comum? 4º ENCONTRO – DIÁRIO Leia os trechos a seguir, considerando os contextos em que aparecem no texto: “Tem pessoas que zombam dos que pedem.” a) A quem a personagem se refere nesse trecho? b) A personagem está concluindo ou criticando algo? c) Considerando o restante do contexto do trecho, qual foi a zombaria? 4º ENCONTRO – DIÁRIO “Quando chegava alguem para comprar, êle explicava: – O senhor desculpe o aspecto hediondo que êste povo dá na porta da fabrica. Mas por infelicidade minha todos os sabados é êste inferno. Eu ficava impaciente porque queria ouvir o que o dono da fabrica dizia. E queria ouvir o que as mulheres dizia. Que dilema triste para quem presencia. As pobres querendo ganhar. E o rico não queria dar. Ele dá só os pedaços de bolacha. E elas saem contentes como se fossem a Rainha Elisabethe da Inglaterra quando recebeu os treze milhões em joias que o presidente Kubstchek lhe enviou como presente de aniversario.” a) A que povo o dono da fábrica se refere? b) Por que o dono caracteriza esse povo como tendo “aspecto hediondo”? O que significa ter esse aspecto? 4º ENCONTRO – DIÁRIO c)O dono da fábrica não parece sentir compaixão pelas mulheres que lhe pedem ajuda. O que você achou das falas e ações do personagem, visto a situação de pobreza e de fome das mulheres? d)Relembre com seus colegas o enredo de Feliz Ano Novo. Nesse conto, quem tinha o poder eram os assaltantes; as vítimas eram os ricos. No diário, quem tem o poder e a partir do que esse poder é materializado? e)Quem está sofrendo uma violência: o dono, por ser importunado na porta da fábrica, ou as mulheres, que não têm o que comer? f)Que função exerce a citação à Rainha Elisabethe? Para que a personagem menciona a Rainha? 5º ENCONTRO – ESCRITA Produção final: cada aluno deverá optar por um dos quatro gêneros textuais estudados (poesia, conto, canção ou diário) para escrever sobre a temática “Violência versus Marginalidade social – Um caminho de duas mãos?”, tendo de problematizar a tangência de ambos. Para tal escrita, os alunos devem considerar as discussões feitas em aula, que propiciaram o entendimento dos motivos das ações do outro a partir da leitura de textos cujos protagonistas estavam em uma situação periférica. Os alunos devem escrever na oficina e entregar para as professoras assim que terminarem. 6º ENCONTRO – LEITURA Leitura em roda, para comentários do grupo: os textos, lidos e comentados pelas professoras, deverão ser entregues aleatoriamente entre os participantes, para que cada um fique responsável por ler, em voz alta, o texto do colega. A partir da leitura de cada texto, deverá ser aberto um tempo para a discussão do que foi escrito pelo autor, de modo que os alunos construam não somente a sua identidade como autores, mas também seu posicionamento crítico perante o que leem. Os alunos serão, a partir das observações das professores e dos comentários dos colegas, incentivados a reescrever o texto e entregar no próximo encontro. BIBLIOGRAFIA BARROS, Manuel de. Meu Quintal é maior do que o Mundo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. BUARQUE, Chico. O Meu Guri. In.: Almanaque. Manaus: Universal Music, c1993. 1 CD. Faixa 3. FONSECA, Rubem. Feliz Ano Novo. Ed. Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. JESUS, Carolina Maria de Jesus. Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada. 9ª ed. São Paulo: Ática, 2007.