Insuficiência Renal Aguda em Cuidados Intensivos Versão Original: Ana Lia Graciano, MD Pediatric Critical Care The University of North Carolina-Chapel Hill Versão Portuguesa: Fernanda Marcelino, MD Carlos Duarte, MD UCINP do Hospital Maria Pia, Porto - Portugal Bases da fisiologia renal Nefrónio A unidade funcional do rim • Capaz de produzir urina • Tem dois componentes major: glomérulo túbulo: proximal ansa de Henle distal colector Organização estrutural parênquima renal córtex medula nefrónios corticais justamedulares Fluxo sanguíneo renal – os rins recebem 20% do débito cardíaco – rede vascular: » artérias renais » artérias interlobares » artérias arqueadas » artérias interlobulares » arteríolas aferentes » capilares glomerulares » arteríolas eferentes » capilares peritubulares Efferent Arteriole Circulação renal Afferent Arteriole • existem dois leitos capilares dispostos em série • a arteríola eferente ajuda a regular a pressão hidrostática em ambas os leitos capilares OM C C: cortex OS : outer stripe IM IS: inner stripe IM: inner medulla Vasa Recta Etapas na produção de urina • filtração (função glomerular) • reabsorção e secreção (função tubular) 98% do ultrafiltrado é reabsorvido a reabsorção tubular é quantitativamente mais importante do que a secreção tubular na formação de urina, mas a secreção determina a quantidade de iões K+ e H+ que são eliminados Taxa de filtração glomerular (TFG) A TFG depende do balanço entre as pressões hidrostática e oncótica dentro do nefrónio • a pressão hidrostática é usualmente maior no glomérulo do que dentro do túbulo, impelindo a saída do filtrado do leito capilar para o túbulo • a pressão oncótica é criada pelas proteínas não filtradas: o que ajuda a reter líquido no espaço intravascular • TFG: Kf* (pressão hidrostática - pressão oncótica) • TFG normal: 100 ml/min/1.72m2 *Kf coeficiente de filtração no glomérulo Os rins podem regular a pressão hidrostática no glomérulo e nos capilares peritubulares, através da variação da resistências das arteríolas aferentes e eferentes, alterando a taxa de filtração glome-rular e/ou a reabsorção tubular em resposta às alterações homeostáticas. Determinantes da Taxa de Filtração Glomerular (TFG) Pressão de filtração: pressão coloidosmótica + pressão hidrostática Pressão hidrostática Pressão coloidosmótica glomerular glomerular Pressão na cápsula de Bowman Determinantes do fluxo sanguíneo renal (FSR) FSR= Pressão artéria renal - Pressão veia renal Resistência total da rede vascular renal Autoregulação Mecanismo de feedback que mantém o fluxo sanguíneo renal (FSR) e a taxa de filtração glomerular (TFG) constantes, apesar das alterações da pressão sanguínea arterial. Autoregulação da TFG • O aumento do fluxo sanguíneo renal, aumenta a TFG, levando ao aumento de NaCl oferecido à mácula densa. • O mecanismo de feedback através da mácula densa para as células justaglomerulares da arteríola aferente resulta no aumento do tónus vascular, diminuição do fluxo sanguíneo renal e da TFG. • Então o NaCl libertado para a mácula densa diminui, o que conduz ao relaxamento da arteríola aferente (que aumenta a pressão hidrostática glomerular) com libertação de renina a partir das células justaglomerulares das arteríolas aferentes e eferentes. • A renina aumenta a angiotensina I, que convertida em angiotensina II leva à constrição da arteríola eferente aumentando a pressão hidrostática, com normalização da TFG. Mácula densa Autoregulação por mecanismo de feedback + Pressão arterial Pressão hidrostática glomerular - TFG Reabsorção de NaCl no túbulo proximal NaCl na mácula densa Renina Angiotensina II Resistência arteriolar eferente afferent arteriolar Resistência resistance arteriolar aferente Função Tubular • Túbulo proximal – 70% do Na é reabsorvido no túbulo proximal Função Tubular • Ansa de Henle • 20 % do Na, Cl e K são reabsorvidos • a concentração e diluição da urina ocorre na ansa de Henle através dum gradiente osmótico criado por um mecanismo de contracorrente (vasa recta) • A taxa de fluxo urinário é regulada pelo NaCl, prostaglandinas, adenosina e volume urinário apresentado à mácula densa Função Tubular • Túbulo distal – secreta K e bicarbonato – O segmento proximal do túbulo distal é impermeável à água (diluição urinária) – Segmento distal (túbulo colector cortical) : secreção de K e bicarbonato Função Tubular • Ducto colector – Regula a concentração final da urina – Os receptores de aldosterona regulam a absorção de Na e a excreção de K – A ADH aumenta a reabsorção de água. Na ausência de ADH, o ducto colector é impermeável à água Locais major do fluxo de solutos e da água através do nefrónio Insuficiência Renal Aguda (IRA) Insuficiência renal aguda: IRA é um declínio súbito na função glomerular e tubular, resultando na incapacidade dos rins para eliminar produtos nitrogenados e manter a homeostasia dos fluidos e electrólitos. A azotemia é um elemento constante na insuficiência renal aguda (IRA); a oligúria não é obrigatória. anúria ::: débito urinário < 0,5 ml/kg/h Insuficiência renal aguda: fisiopatologia Aumento de NaCl que chega à mácula densa. A lesão das células do túbulo proximal aumenta o NaCl no nefrónio distal. Isto causa disfunção do mecanismo de feedback. Obstrução do lúmen tubular. Cilindros (necrose das células tubulares e “restos” de membrana basal) ocluem o lúmen. Isto vai aumentar a pressão tubular e diminuir a TFG. Perda (backleak) de líquido através da membrana basal tubular Insuficiência renal aguda: causas mais frequentes na UCIP • Situações de pós - operatório (especialmente cirurgia cardíaca) • Choque • Trauma, queimaduras ou lesões por esmagamento • Drogas nefrotóxicas • Asfixia neonatal Insuficiência renal aguda: aspectos clínicos mais comuns • azotemia • hipervolemia • alterações electrolíticas: K+ fósforo Na+ cálcio • acidose metabólica • hipertensão • oligúria - anúria Insuficiência renal aguda: classificação • Pré-renal (hipoperfusão) • Renal (intrínseca) • Pós-renal (obstrutiva) Pré-renal • Diminuição da perfusão sem lesão celular • Função renal tubular e glomerular intactas • Reversível se a causa subjacente for corrigida. Pré-renal • Etiologias comuns: – desidratação – hipovolemia – factores hemodinâmicos que podem comprometer a perfusão renal (ICC, choque) A azotemia pré-renal sustentada é o principal factor que predispõe os pacientes à necrose tubular aguda (NTA) induzida pela isquemia. Azotemia pré-renal e necrose isquémica tubular representam um continuum. A azotemia progride para necrose quando o fluxo sanguíneo é suficientemente comprometido para causar a morte das células tubulares. A maioria dos casos de IRA isquémica é reversível se a causa subjacente for corrigida. Pós-renal • obstrução do tracto urinário • importante corrigir rapidamente: – o potencial de recuperação da função renal é muitas vezes inversamente proporcional à duração da obstrução Renal • Classificação de acordo com o local primário de lesão: – – – – tubular interstício vasos glomérulos Insuficiência renal aguda: diagnóstico • História e exame físico • Testes sanguíneos : Hemogama, Ureia/creatinina, electrólitos, ácido úrico, PT/PTT, CK • Análise de urina • Índices renais • Ecografia renal (útil nas formas obstrutivas) • Doppler (avaliação do fluxo sanguíneo renal) • Medicina nuclear DMSA: anatomia DTPA e MAG3: função renal, excreção urinária e débito do tracto urinário superior. Índices renais Reabsorção de água e sódio: - intacta na insuficiência pré-renal - comprometida na doença túbulo-intersticial e NTA Dado que os índices urinários dependem da concentração de sódio urinário, estes devem ser interpretados com cuidado se o paciente recebeu terapêutica com diuréticos Índices renais Índice Insuficiência Renal (IIR) IIR: urina [Na] creatinina urinária / creatinina sérica Índices renais Fracção de Excreção de Na (FENa) FENa: [Na urinário/Na sérico] [creatinina urinária/creatinina sérica] x 100 % Azotemia pré-renal: – Sedimento urinário: cilindros hialinos e granulares finos – Relação creatinina urinária / creatinina plasmática : alta – Na urinário: baixo – FENa: baixa Aumento do débito urinário em resposta à hidratação • Azotemia renal: – Sedimento urinário: cilindros granulares castanhos e células epiteliais tubulares – Relação creatinina urinária / creatinina plasmática: baixa – Na urinário: alto – FENa: alta Valores laboratoriais urinários e séricos Pré-renal Renal Ureia/Cr >20 <20 FeNa <1% >1% IIR <1% >1% Na U (mEq/L) <20 > 40 Dens. urinária alta baixa Insuficiência renal aguda: prevenção • Reconhecer os pacientes de risco (pós-operatórios, cirurgia cardíaca, choque séptico) • Prevenir progressão de pré-renal para renal • Preservar a perfusão renal – isovolemia, débito cardíaco e tensão arterial normal – evitar nefrotoxinas (aminoglicosídeos, AINE, anfotericina) Hemoglobinúria + mioglobinúria hemoglobinúria: Reacções transfusionais, SHU, ECMO mioglobinúria: Lesões por esmagamento, rabdomiólise urina (+) para sangue mas (-) para glóbulos rubros CPK K+ tratamento Hidratação agressiva + alcalinização da urina manitol / furosemida Insuficiência renal aguda: conduta • Tratar a doença subjacente • Monitorização estrita das entradas e saídas – (peso, débito urinário, perdas insensíveis, fluidoterapia) • Monitorizar electrólitos séricos • Ajustar doses de medicamentos de acordo com a TFG • Evitar drogas altamente nefrotóxicas • Tentar converter a insuficiência oligúrica em nãooligúrica (furosemida x 3) Insuficiência renal aguda: Fluidoterapia Se o paciente tem sobrecarga de líquidos • Restrição hídrica (perdas insensíveis) • Furosemida 1-2 mg/kg • Terapia de substituição renal (ver a seguir) Se o paciente está desidratado: • 1º repor volume intravascular • Depois tratar como euvolémico (ver abaixo) Se o paciente está euvolémico: • Restringir às perdas insensíveis (30-35 ml/100kcal/24 horas) + outras perdas (urina, drenagem torácica, etc) Sódio • A maioria dos pacientes têm hiponatremia diluicional e devem ser tratados com restrição hídrica • Hiponatremia grave (Na< 125 mEq/L) ou hipernatremia (Na> 150 mEq/L): diálise ou hemofiltração Potássio A insuficiência renal oligúrica é frequentemente complicada por hipercaliemia, aumentando o risco de arritmias cardíacas Tratamento da hipercaliemia: • bicarbonato de sódio (1-2 mEq/kg) • insulina + soro glicosado hipertónico: 1 unidade de insulina /4 g glicose •polistireno de sódio (Kayexalate): 1 g/kg . Pode ser repetido qh. (Hipernatremia e hipertensão são complicações potenciais) • diálise Nutrição • Fornecer aporte calórico adequado • Limitar o aporte proteico para controlar o aumento da ureia • Minimizar o aporte de potássio e fósforo • Limitar a ingestão de líquidos Se a restrição de líquidos impede um aporte calórico adequado, a diálise deve ser considerada.