ARTIGO EXERCÍCIO E ESTRESSE OXIDATIVO Marcelo dos Santos Isidório1 RESUMO A literatura científica atual está repleta de trabalhos relacionando o aumento no consumo de oxigênio induzido pela atividade física com a produção aumentada de espécies reativas. Estas espécies, quando em grande quantidade, reagem com estruturas celulares, oxidandoas, o que, em um processo final, pode levar à fadiga e até lesão muscular. Paralelamente, o organismo possui um sistema de defesa antioxidante, enzimático e não-enzimático, que combate a produção elevada de tais espécies e que, de acordo com pesquisas, parece perder a magnitude de sua ação com o envelhecimento. Apesar de ser modulado pelo treinamento, em alguns casos, esse mecanismo não consegue combater a produção elevada dessas espécies, levando o organismo a um estado de estresse oxidativo. Para auxiliar esse sistema de defesa, tem sido proposta a suplementação de vitaminas e minerais antioxidantes, o que tem sido assunto de muito interesse e controvérsia entre os pesquisadores. O objetivo deste trabalho foi prover aos profissionais envolvidos com treinamento uma revisão de literatura sobre o estresse oxidativo, seus mecanismos, alvos e danos envolvidos, relacionados especificamente aos efeitos do exercício, bem como o mecanismo de defesa antioxidante e os métodos comumente utilizados na avaliação do estresse oxidativo. Palavras-chave: estresse, antioxidantes, exercício. INTRODUÇÃO Parte do oxigênio utilizado na respiração é transformada em espécies reativas de oxigênio (EROs) (URSO; CLARKSON, 2003). A alta produção dessas espécies é responsável por várias ações Recebido para publicação em 19/10/2006 e aprovado em 18/02/2007. 1 Especialista em Treinamento Esportivo (EEFFTO / UFMG); Professor de Educação Física da Prefeitura de Itabira – MG. 70 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 deletérias em nosso organismo, e há evidências de que a produção de EROs está aumentada, como resultado do exercício físico intenso (VANCINI et al., 2005). Escape ou colisão de elétrons na cadeia mitocondrial, possibilidade de ocorrência de isquemia-reperfusão e auto-oxidação de catecolaminas são algumas vias de formação de espécies reativas induzidas pelo exercício (PARKER, 1997; MASTALOUDIS et al., 2001; URSO; CLARKSON, 2003; RAMEL et al., 2004; McANULTY et al., 2005). Para combater a alta produção de EROs e evitar o estresse oxidativo, o corpo utiliza um efetivo sistema de defesa antioxidante contendo antioxidantes não-enzimáticos, como tocoferóis, ácido ascórbico ou polifenóis, e enzimas antioxidantes endógenas, como catalase (CAT), glutationa peroxidase (GPx) e superóxido dismutase (SOD) (RAMEL et al., 2004). Considerando que algumas das defesas antioxidantes se adequam ao treinamento e à presença de dietas apropriadas, mas podem ser superadas quando se excedem no nível de exercício ao qual se está adaptado, é concebível que a suplementação dietética de específicos antioxidantes seja benéfica (GARCIA; DAOUD, 2002). Entretanto, a concentração normal de EROs não é determinada, nem as doses de antioxidantes necessárias para manter um nível de oxidantes endógenos adequados nos processos fisiológicos normais, como no envelhecimento, na inflamação e em infecções. Por isso, há grande controvérsia e discussão entre os pesquisadores sobre a suplementação de antioxidantes. O objetivo desta revisão foi familiarizar fisiologistas, preparadores físicos e nutricionistas com a base fisiológica e bioquímica do estresse oxidativo relacionado ao exercício, algumas das metodologias envolvidas em sua avaliação e possíveis implicações na saúde do praticante. ESPÉCIES REATIVAS DE OXIGÊNIO E ESTRESSE OXIDATIVO Quando o O2 passou a ser utilizado no processo de respiração, nosso organismo tratou de usar um sistema de defesa contra a toxidade deste gás no sentido de manter a homeostase, já que o metabolismo aeróbio conduz à formação de espécies reativas (VANCINI et al., 2005). R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 71 EROs são encontradas em todos os sistemas biológicos, e nesse grupo estão incluídos os radicais livres. Em condições fisiológicas do metabolismo celular aeróbio, o O 2 sofre redução tetravalente, com aceitação de quatro elétrons, resultando na formação de H2O (FERREIRA; MATSUBARA, 1997). Durante esse processo são formados intermediários reativos, como o radical superóxido (O2-), o peróxido de hidrogênio (H2O2) e o radical hidroxila (OH), sendo este o mais reativo das espécies (Figura 1). Essas espécies podem ser produzidas a partir de fontes exógenas (produtos químicos, radiações eletromagnéticas, como raios X e gama; fatores ambientais, como: fumo, hiperóxia, anestésicos etc.) ou endógenas (autoxidação de pequenas moléculas, como: tiols, hidroquinona, catecolaminas, cadeia de transporte de elétrons mitocondrial, sistema de transporte de elétrons do retículo endoplasmático e membrana nuclear, peroxissomas, membrana plasmática) (MALAVÉS, 2003). Figura 1 - Redução tetravalente do oxigênio molecular (O 2) na mitocôndria até a formação de água (H2O), (FERREIRA; MATSUBARA, 1997). 72 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 Com o objetivo de manter a homeostase, nosso organismo possui um sistema de defesa antioxidante, que combate a produção de tais espécies. Quando um estímulo, como o exercício físico, provoca a produção elevada de EROs ou a diminuição do sistema de defesa, ocorre desequilíbrio entre a produção e a remoção destas (DROGE, 2002; URSO; CLARKSON, 2003). Esse desequilíbrio entre a produção de EROs e a sua remoção pelo sistema de defesa antioxidante é definido como estresse oxidativo (VANCINI et al., 2005). Essa situação é responsável por várias ações deletérias em nosso organismo, como peroxidação de lipídeos, carbonilação de proteínas e até danos ao DNA da célula (ZOPPI et al., 2003), ou seja, causa danos moleculares às estruturas celulares, com conseqüente alteração funcional e prejuízo das funções vitais em diversos tecidos e órgãos. Seu efeito deletério varia de um ser para outro, de acordo com a idade, o estado fisiológico e a dieta (NIESS et al., 1999). MECANISMO DE DEFESA ANTIOXIDANTE E EXERCÍCIO As células vivas têm se adaptado a uma existência sob fluxo contínuo de EROs. Dos vários mecanismos adaptativos, o sistema de defesa antioxidante é o de maior importância (GRANOT; KOHEN, 2004), podendo ser dividido em dois maiores grupos: antioxidantes enzimáticos e não-enzimáticos. O grupo enzimático possui número limitado de enzimas, as quais são constituídas por SOD, CAT e GPx. Essas enzimas constituem a defesa primária contra a geração de EROs durante o exercício; sua atividade é conhecida, por aumentar em resposta ao exercício tanto nos estudos em animais quanto em humanos (METIN et al., 2003). A SOD elimina o radical superóxido, produzindo água oxigenada, sobre a qual atua a CAT e a GPx, decompondo-se em oxigênio e água (GARCÍA; DAOUD, 2002). O sistema antioxidante enzimático mostrou-se adaptar ao treinamento de alta intensidade em indivíduos treinados e destreinados (ORTENBLAD et al., 1997). Outra enzima que age conjuntamente com a GPx é a glutationa redutase (GR); considerada uma enzima de suporte, ela não age diretamente na remoção de espécies reativas, porém é R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 73 responsável pela regeneração da glutationa à sua forma reduzida (GSH) na presença de nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH), tendo como objetivo impedir a paralisação do ciclo metabólico da glutationa (ROVER JÚNIOR et al., 2001). Outra enzima de suporte é a glicose-6-fosfato desidrogenase (GRANOT; KOHEN, 2004). A principal via bioquímica fornecedora de NADPH é a das pentoses-fosfato, iniciada a partir da desidrogenação em C1 da molécula da glicose-6-fosfato. Essa via alternativa também origina pentoses – como a ribose, por exemplo, utilizada por todas as células na síntese dos ácidos nucléicos (SANTOS, 1999). A capacidade antioxidante de tecidos e órgãos mostra-se diferente. Di Meo et al. (1996), em estudo feito com ratos, observaram que o fígado exibe maior capacidade, seguido por sangue, coração e músculo. No entanto, essa baixa capacidade antioxidante do músculo pode ser aumentada, e a prática do exercício regular deve levar à regulação das enzimas antioxidantes no músculo esquelético (AGUILARSILVA et al., 2002). O grupo não-enzimático contém grande número de compostos capazes de prevenir danos oxidativos por interação direta e indireta com EROs, dentre os quais citam-se a glutationa (sintetizada pela célula) e os carotenóides, tocoferóis, polifenóis e ácido ascórbico (provenientes da dieta) (GRANOT; KOHEN, 2004). A glutationa é um tripeptídeo e existe no organismo em sua forma reduzida (GSH) e oxidada (GSSG). Atua direta ou indiretamente em muitos processos biológicos importantes, incluindo síntese de proteínas, metabolismo e proteção celular (ROVER JÚNIOR et al., 2001). Ela é reconhecida como um antioxidante fisiológico-chave, dada sua alta capacidade de doar elétrons combinados com sua alta concentração intracelular, resultando em grande poder redutor (AGUILAR-SILVA et al., 2002). Na inativação de um agente oxidante ocorre produção de GSSG e depleção de GSH. Em situações em que o sistema redox está íntegro, haverá recuperação da GSH via GR na presença de NADPH. Assim, a magnitude do estresse oxidativo pode ser monitorada pela razão GSSG/GSH (FERREIRA; MATSUBARA, 1997). A glutationa também melhora a habilidade de outros antioxidantes, como as vitaminas C e E (CHANDAN; PACKER, 2000). A vitamina E, também chamada de tocoferol, possui quatro análogos: alfa, beta, gama e delta. De todos, o alfatocoferol apresenta 74 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 a maior captação pelo organismo. Estudos em laboratório têm estabelecido que a vitamina E é um antioxidante extremamente efetivo na proteção dos ácidos graxos poliinsaturados (PUFA) contra danos das EROs. Ela parece ser essencial para a proteção de lipoproteínas circulantes e o correto funcionamento das membranas celulares (GUTTERIDGE; HALLIWELL, 1996). De acordo com Sacheck e Blumberg (2001), com a deficiência de vitamina E pode aumentar a ação das EROs, induzindo danos aos tecidos em níveis comparados àqueles encontrados após o exercício; assim, níveis adequados desta vitamina são importantes para manter a integridade da membrana durante o exercício. A vitamina C, também chamada de ácido ascórbico ou ascorbato, é um micronutriente essencial envolvido em muitas funções biológicas e bioquímicas (LEVINE et al., 1999). Ela tem gerado grande interesse, em razão da influência no sistema imune. A suplementação de vitamina C tem mostrado alterar os índices de resposta imune em humanos, e sua concentração está alta em neutrófilos e macrófagos ativados (NIEMAN et al., 2002). Em resposta ao trauma físico, esta vitamina exerce efeito protetor na mediação de neutrófilos na célula avariada pela varredura de metabólitos de EROs. Tem muitas propriedades antioxidantes, mas pode também reduzir íons de ferro e cobre e acelerar os danos oxidativos (GUTTERIDGE; HALLIWELL, 1996). Outros antioxidantes não-enzimáticos são a coenzima Q e betacaroteno. Na ocorrência de carotenóides e coenzima Q, a função antioxidante é alcançada, atraindo o elétron que não está pareado e estabilizando, assim, o composto. A vitamina E faz o mesmo que anteriormente e converte o composto num radical, que precisa da vitamina C, o qual o regenera através das enzimas ascorbato-redutases (GARCÍA; DAOUD, 2002). Os metais de transição, como o ferro e o cobre, participam da conversão de H2O2 em OH e de peróxidos lipídicos em radicais óxidos de lipídicos. Contudo, as proteínas plasmáticas e intracelulares que restringem essas conversões através da ligação dos metais de transição têm papel importante na proteção dos tecidos contra a ação das EROs. Os ligantes principais de metais extracelulares são: transferrina, de grande afinidade com o Fe (ferro); ceruloplasmina, que obtém afinidade com o Cu (cobre); e a albumina, apesar de ligar o Fe e R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 75 o Cu, com afinidade relativamente menor. As proteínas intracelulares que ligam os metais de transição são a ferritina, que armazena o ferro, e a metalotioneína, que liga muitos metais, inclusive o cobre (MOSLEN; SMITH, 1995). A nutrição é conhecida por influenciar o status antioxidante, o que pode explicar algumas das inconsistências observadas em alguns estudos (RAMEL et al., 2004). Para Sacheck e Blumberg (2001), a natureza equivocada desses resultados parece refletir uma diversidade de fatores, incluindo os antioxidantes testados, a natureza e o tempo de exercício, a idade e saúde dos sujeitos e o método de avaliação do estresse oxidativo. Tem-se demonstrado a possibilidade de minimizar o impacto das EROs no organismo por meio da administração de antioxidantes, como: betacaroteno, vitamina C, vitamina E etc. Nesse sentido, há evidências atuais de que a administração de antioxidantes tem impacto benéfico contra os efeitos causados pelo exercício físico intenso (GARCÍA; DAOUD, 2002). Ainda segundo esses autores, uma dieta rica em antioxidantes seria fator protetor na luta contra a oxidação, ou seja, seria uma terapia preventiva contra as EROs. Entretanto, continuam, a concentração normal de EROs não é determinada, nem as doses de antioxidantes necessárias para manter um nível de oxidantes endógenos adequados nos processos fisiológicos normais, como no envelhecimento, na inflamação e em infecções. Portanto, cuidar da dieta do esportista, verificando sua riqueza em antioxidantes naturais, pode ser uma boa maneira de evitar o estresse oxidativo. EXERCÍCIO E FORMAÇÃO DE ESPÉCIES REATIVAS DE OXIGÊNIO Quando praticamos alguma atividade física, uma maior demanda de energia é imposta e fatores como intensidade e duração do exercício, bem como aptidão do participante, determinam as contribuições relativas dos vários departamentos corporais para a transferência de energia no exercício (LOTUFO et al., 1996). A indução da produção de EROs pelo exercício está classificada como sendo uma fonte exógena de estímulo (PARKER, 1997) e existem diversos caminhos de produção durante o exercício. Essas vias podem ser: 76 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 1) Por meio de escape ou colisão de elétrons na cadeia mitocondrial: considerando que durante o exercício o consumo total de O2 aumenta de 10 a 20 vezes (RAMEL et al., 2004), que o nível de fluxo sangüíneo no músculo é cerca de 10 vezes maior e que 2 a 5% do O2 utilizado pela mitocôndria é convertido em EROs (PARKER, 1997; URSO; CLARKSON, 2003), é razoável supor que a produção mitocondrial de O2- se encontre igualmente aumentada. Há muitas controvérsias no tocante ao fato de o estresse oxidativo causar danos ao organismo pelo exercício. Pesquisas têm variado na intensidade, na duração e no modelo de atividade escolhida para o estudo. Além disso, variações no nível de aptidão dos sujeitos e análises utilizadas para avaliar os danos oxidativos têm contribuído para achados inconsistentes. Hipoteticamente, a grande proporção do fluxo de elétrons na cadeia de transporte de elétrons mitocondrial causada pelo aumento no consumo de O2 durante o exercício aeróbio pode aumentar a produção de EROs (MASTALOUDIS et al., 2001). 2) Ocorrência de isquemia-reperfusão (Figura 2). Durante o exercício, o fluxo sangüíneo é restrito em diversos órgãos e tecidos, a fim de aumentar o aporte para os músculos ativos. Assim, as regiões privadas temporariamente do fluxo entram num estado de hipóxia, que é maior quanto mais intenso o exercício e quando se supera a capacidade aeróbia máxima (VO2 max). Inclusive, o próprio músculo ativo entra em estado de hipóxia por insuficiência do aporte energético. Ao finalizar a atividade intensa, todas as áreas afetadas são reoxigenadas, compreendendo o fenômeno de isquemia-reperfusão, com a conhecida produção de EROs (PARKER, 1997; RAMEL et al., 2004). As células endoteliais reoxigenadas são potenciais geradores de O2- e OH, e a enzima xantina oxidase parece ser uma importante fonte de geração de espécies reativas (ZWEIER et al., 1988; SILVA, 2003). 3) Auto-oxidação de catecolaminas, cujos níveis aumentam durante o esforço (PARKER, 1997; URSO; CLARKSON, 2003; MCANULTY et al., 2005). Além dessas, há outras fontes secundárias, como, por exemplo, a liberação de macrófagos pelo sistema imunológico para reparo de tecidos danificados (MASTALOUDIS et al., 2004). O organismo adulto é mais suscetível ao estresse oxidativo durante o exercício por causa de mudanças ultra-estruturais e R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 77 bioquímicas relacionadas à idade, que facilitam a formação de EROs (JI, 2001). Ratos mais velhos demonstraram aumento nos produtos oxidantes, comparados aos ratos jovens, diante de estímulo de exercício agudo (BEJMA; JI, 1999). O estresse oxidativo induz também a respostas diferentes, dependendo do tipo de tecido do órgão avaliado e de seu nível de antioxidantes endógenos (LIU et al., 2000). Tem sido demonstrado aumento na produção de EROs em situação de hipertermia. Possíveis mecanismos para isso incluem aumento da citotoxidade do ferro e produção de óxido nítrico (McANULTY et al., 2005). Mitchell et al. (1983) demonstraram que a hipertermia aumentou a atividade da xantina oxidase e resultou em depleção aumentada de glutationa celular. Exercício em altas altitudes pode provocar também o aumento no estresse oxidativo. A exposição à alta altitude parece desequilibrar a eficiência do sistema de defesa antioxidante (BAKONYI; RADAK, 2004). A síndrome do sobretreinamento (overtraining), a fadiga muscular e a diminuição do desempenho físico estão associados ao estresse oxidativo induzido pelo exercício intenso (VANCINI et al., 2005). Figura 2 - Formação de espécies reativas de oxigênio pelo processo de isquemia-reperfusão e mecanismo de proteção celular (SILVA, 2003). 78 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 ESTRESSE OXIDATIVO E POSSÍVEIS ALVOS BIOLÓGICOS Proteínas, DNA e lipídios poliinsaturados são os candidatos naturais para o ataque oxidante. O DNA, por exemplo, pode passar por uma série de reações com as EROs, levando a quebra do DNA (dupla e simples) e modificações básicas, as quais podem resultar em mutações genéticas e morte celular (GRANOT; KOHEN, 2004). O componente lipídico das membranas biológicas é especialmente vulnerável à oxidação e passa por um processo de peroxidação em cadeia (FERREIRA; MATSUBARA, 1997; GRANOT; KOHEN, 2004). Considerada uma das principais conseqüências do estresse oxidativo (McBRIDE; KRAEMER, 1999), a peroxidação lipídica (PL) ocorre em ácidos graxos poliinsaturados e é iniciada por um radical OH, que captura um átomo de hidrogênio de um carbono metileno da cadeia polialquil do ácido graxo (VANCINI et al., 2005). Assim, um ácido graxo com um elétron desemparelhado reage com o O2, gerando um radical peroxil. De acordo com Ferreira e Matsubara (1997), nem sempre os processos de peroxidação lipídica são prejudiciais, pois seus produtos são importantes na reação em cascata a partir do ácido aracdônico (formação de prostaglandinas) e, portanto, na resposta inflamatória. O caminho da PL é o mesmo no repouso e no exercício, porém pesquisas têm demonstrado aumento na reação durante o exercício (METIN et al., 2003). Estudos indicam que há aumento na PL tanto em exercícios aeróbios quanto anaeróbios (MALAVÉS, 2003). A indução da PL pelo exercício intenso conduz a problemas como inativação de enzimas da membrana celular (MASTALOUDIS et al., 2001; METIN et al., 2003), diminuição da efetividade do sistema imune e progressão de doenças crônico-degenerativas, como câncer e doenças cardiovasculares (VIITALA et al., 2004). O nível de PL também se mostrou aumentado após exercício aeróbio exaustivo e exercício resistido (com pesos), realizados de forma aguda (MIYAZAKI et al., 2001; VIITALA et al., 2004). O DNA é atacado por radicais oxidantes se eles são formados em sua vizinhança, sendo um alvo vulnerável e importante. Há pouca probabilidade de relações em cadeia rápida, e, para que a lesão seja significativa, ela pode ocorrer de modo acumulativo ou sítio-específica, R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 79 assim como as proteínas. Para que o ataque oxidativo seja eficaz, deve levar à quebra dos filamentos do DNA ou deve alterar o sistema de reparação antes que a replicação ocorra, levando a mutações. A lesão ao DNA pode se acumular durante toda a vida e levar à mutação e, posteriormente, ao câncer (MOSLEN; SMITH, 1995; CHEESEMAN; SLATER, 1996). Há evidências de que o ataque das EROs às proteínas e ácidos nucléicos seja pouco danoso, a menos que haja grande extensão de ataque. Só há significância na lesão de EROs à proteína se houver acumulação ou se a lesão se concentrar nos sítios específicos de proteínas particulares (CHEESEMAN; SLATER, 1996). Estudos sobre os mecanismos de lesão oxidativa têm progressivamente confirmado a ação catalítica dos metais nas reações que levam a essas lesões, o que se pode comprovar pelas reações de Fenton e de Haber-Weiss. Embora o cobre possa também catalisar a reação de Haber-Weiss, o ferro é o metal pesado mais abundante no organismo e está biologicamente mais capacitado para catalisar as reações de oxidação de biomoléculas (FERREIRA; MATSUBARA, 1997). Reação de Fenton Reação de Haber-Weiss As EROs acarretam também ações benéficas ao organismo, tendo papel importante em numerosas funções fisiológicas, como a explosão respiratória, que é importante para fazer com que as infecções regridam através da destruição de patógenos pelos neutrófilos e macrófagos (BUZZINI; MATSUDO, 1990; FERREIRA; MATSUBARA, 1997). 80 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 ALGUNS MÉTODOS PARA AVALIAÇÃO DO ESTRESSE OXIDATIVO A detecção direta das EROs em sistemas biológicos é dificultada por suas concentrações extremamente baixas e por suas altas velocidades de reação, chegando a ponto de as taxas de remoção serem iguais às taxas de reação com biomoléculas (FERREIRA; MATSUBARA, 1997). Numerosos métodos existem para avaliar o estresse oxidativo; alguns deles medem diretamente o resultado do estresse (acúmulo de produtos oxidados), enquanto outros verificam a capacidade de defesa antioxidante (capacidade antioxidante total ou específica) (GRANOT; KOHEN, 2004). Em relação à PL, os métodos utilizados são: determinação de malondialdeído (MDA), seja pelo método TBARS (thiobarbituric acid reactive substances) ou por cromatografia líquida de alta eficácia (HPLC) – o MDA é um produto final obtido da hidrólise ácida dos lipoperóxidos, sendo considerado um bom marcador de dano oxidativo em membranas biológicas (MALAVÉS, 2003); medidas de gases alcanos exalados, principalmente etano e pentano; e medida da oxidabilidade do plasma (GRANOT; KOHEN, 2004). Dosagem de ácido úrico. Sua concentração elevada pode sugerir maior atividade da enzima xantina oxidase (Figura 2), indicando aumento na produção de O2- por esta via (ZOPPI et al., 2003). A magnitude do estresse oxidativo também pode ser monitorada pelo cálculo da razão glutationa oxidada (GSSG)/glutationa reduzida (GSH). Na inativação de um agente oxidante ocorre produção de GSSG e depleção de GSH. Em situações em que o sistema redox está íntegro, haverá recuperação da GSH via GR (glutationa redutase) na presença de NADPH. Assim, a magnitude do estresse oxidativo pode ser monitorada pela razão GSSG/GSH (FERREIRA; MATSUBARA, 1997). Quantificação de aminoácidos oxidados na urina. Ela muda paralelamente com os níveis de proteínas e aminoácidos oxidados na musculatura esquelética (LEEUWENBURGH et al., 1999). Esta técnica pode ser interessante quando se pensa em avaliar o estresse oxidativo nas crianças, por ser um método não-invasivo. É postulado que, após exercício físico intenso, as mudanças nos parâmetros plasmáticos associados ao exercício, que são pareadas com processos intracelulares, poderão prover a melhor indicação da habilidade dos sujeitos para resistir na atividade física (CHEVION et al., 2003). R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 81 Figura 3 – Modelo hipotético de dano celular induzido pelo exercício (CHEVION et al., 2003). CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS Inúmeros estudos na literatura têm relacionado os efeitos do estresse oxidativo provocado pelo exercício no organismo. Como visto nesta revisão, parece haver relação direta entre o exercício agudo e crônico e o aumento na produção de espécies reativas, bem como na capacidade de o organismo se adaptar a essas espécies através do mecanismo de defesa antioxidante. Embora haja equívocos em alguns resultados de pesquisa, em razão da diversidade de fatores analisados (antioxidantes testados, natureza e tempo de exercício, idade e saúde dos sujeitos e métodos de avaliação do estresse oxidativo), pesquisadores indicam a necessidade de avaliação bioquímica periódica no sentido de verificar o balanço redox do indivíduo e, a partir daí, aplicar as intervenções necessárias, seja no controle da sobrecarga de treino, seja na utilização de suplementos alimentares, seja na aplicação de ambos. Atualmente, o maior problema na avaliação do papel do estresse oxidativo em humanos tem sido a dificuldade em determinar quais doses e combinações de antioxidantes melhor previnem danos aos tecidos. Nesse sentido, a contribuição para o avanço científico dentro dessa área está em detectar um marcador sanguíneo e tecidual mais sensível, o que pode ajudar a elucidar as contradições presentes na literatura. 82 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 70-86, 2007 ABSTRACT EXERCISE AND OXIDATIVE STRESS Current scientific literature is filled of works relating the increase in the consumption of induced oxygen for the physical activity with the increased production of reactive species. These species, when in great amount, react with cellular structures, oxidating them, what, in a final process can lead to the fatigue and even a muscular injury. Parallel, the organisms possess system of an antirust, enzymatic defense and notenzymatic, that combat the high production of such species and that, in accordance with research, seems to lose the magnitude of its action with the aging. Although to be modulated by the training, in some cases, this mechanism does not fight the high production of these species, leading the organism to a state of oxidative stress. To assist this defense system it has been proposed the supplementation of vitamins and antirust minerals, what has been subject of much interest and controversy between the researchers. The objective of this work was to provide to the involved professionals with training a revision in the literature about oxidative stress, its mechanisms, targets and involved damages, related specifically to the effect of the exercise, as well as the mechanism of antirust defense and the methods usually used in the evaluation of oxidative stress. Keywords: stress, oxidative, exercice. REFERÊNCIAS AGUILAR-SILVA, R.H.; CINTRA, B.B; MILANI, S.; MORAES, T.P; TSUJI, H. Estado antioxidante do sangue como indicador da eficiência do treinamento em nadadores. Ver. Bras. Cien. e Mov., v.10, n.3, p. 7-11, 2002. BAKONYI, T.; RADAK, Z. High altitude and free radicals. Journal of Sports Science and Medicine, v. 3, p. 64-9, 2004. BEJMA, J.; JI, L.L. 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