Empresas pagam danos morais por impedir namoro entre funcionários Advogado Marcos Alencar: normas de empresas só podem limitar o relacionamento quando há um nexo entre a função que os funcionários exercem O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que as empresas não podem impedir seus funcionários de namorar. Ao analisar um processo relativo ao tema, a 8ª Turma manteve uma indenização de R$ 50 mil por danos morais a uma ex-empregada da Transportadora Colatinense, no Espírito Santo, por discriminação no trabalho. A funcionária trabalhava como auxiliar administrativa e iniciou um relacionamento, mantido em segredo, com o gerente comercial da mesma empresa. Quando o sócio da companhia soube do namoro, determinou que o gerente rompesse o relacionamento com aquela "simples funcionária". Como isso não ocorreu, a empregada foi demitida dias depois. Grandes companhias, principalmente multinacionais, costumam ter normas internas que proíbem o namoro entre funcionários. É o caso do Walmart e das Lojas Renner, também condenadas pelo TST pela prática. A conduta, que já é antiga, tem como objetivo muitas vezes proteger a empresa de possíveis conflitos de interesse entre os empregados. A Justiça do Trabalho tem entendido, porém, que a empresa não pode simplesmente vedar o relacionamento entre os empregados, se o namoro ocorre fora do horário de trabalho. Também considera que normas genéricas e amplas ultrapassam o campo de atuação da companhia. Nas poucas decisões existentes, o TST e os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) reverteram as demissões por justa causa e asseguraram o pagamento de indenização por danos morais, que têm variado de R$ 30 mil a R$ 50 mil. No caso da auxiliar administrativa, a Transportadora Colatinense alegou no processo que a demissão da funcionária ocorreu por corte de pessoal e não em consequência do relacionamento. Até porque, segundo a transportadora, o gerente era casado na época com outra mulher. O TST manteve decisão do TRT do Espírito Santo que, ao analisar provas, entendeu que ocorreu constrangimento e discriminação. O Walmart também teve que indenizar um casal, após determinação do TST. Cada um receberia R$ 30 mil. O exfuncionário era operador de supermercado e ela atuava no setor de segurança e controle patrimonial. Eles começaram a namorar em março de 2009 e passaram a viver em união estável. Após descobrir a relação, o Walmart abriu processo administrativo com base em norma interna que proíbe integrantes do setor de segurança de ter "relacionamento amoroso com qualquer associado (empregado) da empresa ou unidade sob a qual tenha responsabilidade". Os dois foram demitidos no mesmo dia. Para o redator do processo do funcionário na 2ª Turma do TST, ministro José Roberto Freire Pimenta, houve "invasão da intimidade e do patrimônio moral de cada empregado e da liberdade de cada pessoa que, por ser empregada, não deixa de ser pessoa e não pode ser proibida de se relacionar amorosamente com colegas". Com base nos dados do processo, o ministro Freire Pimenta concluiu que a demissão se deu somente pelo fato de o casal ter um relacionamento afetivo. "Não houve nenhuma alegação ou registro de que o empregado e sua colega de trabalho e companheira agiram mal, de que entraram em choque ou de que houve algum incidente envolvendo-os, no âmbito interno da própria empresa", afirmou. O ministro ainda citou precedente da 3ª Turma do TST, que julgou o recurso da companheira. A Lojas Renner também foi condenada a indenizar em R$ 39 mil por danos morais um empregado que trabalhou por 25 anos na empresa e foi dispensado, por justa causa, ao manter namoro com uma colega de trabalho. A companhia alegou no processo que o empregado foi dispensado por ter praticado falta grave ao descumprir orientação que não permitia o envolvimento amoroso entre superiores hierárquicos e subalternos, mesmo fora das dependências profissionais. A juíza de primeiro grau considerou inconstitucional o código de ética da empresa e, por isso, declarou nula a dispensa motivada. Ainda levou em conta o fato de o empregado ter prestado serviços à empresa, por mais de duas décadas, sem jamais ter sofrido uma única advertência ou suspensão. Os desembargadores do TRT de Santa Catarina mantiveram a condenação por entender ser "da natureza humana estabelecer relações, empatias e antipatias, encontros e desencontros, amores e desamores". O TST também considerou a decisão correta. Nos casos em que há casamento entre empregados do mesmo setor, tem sido comum que as companhias estabeleçam, em regulamento interno, a saída de um dos funcionários, para não haver conflitos de interesses, diz a advogada Juliana Bracks, do Bracks & von Gyldenfeldt Advogados Associados. "Essas regras, porém, têm que ter razoabilidade". Segundo ela, o que não pode é existir uma proibição genérica. Para o professor de direito do trabalho da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Túlio Massoni, apesar de a companhia ter a prerrogativa de criar regras e regulamentos internos, eles têm que estar em conformidade com o ordenamento jurídico. "A razão dessa iniciativa é louvável para evitar, por exemplo, favoritismos em detrimento da competência dos funcionários. Contudo não deve ser unilateralmente imposta", afirmou Túlio. Ele sugeriu que essas normas sejam elaboradas com a participação do sindicato dos empregados e sejam consensuais. O advogado trabalhista Marcos Alencar, entende que essas normas só podem limitar o relacionamento quando há um nexo entre a função que os funcionários exercem. "Nada pode impedir que o marido, por exemplo, seja motorista da empresa e a esposa trabalhe no setor de contas a pagar. Nesse caso, um setor nada tem a ver com o outro. O trabalho de cada um flui de forma independente", disse. As empresas, ao editarem suas regras, devem demonstrar de forma convincente que são necessárias, segundo o advogado trabalhista Alexandre Fragoso Silvestre, do Miguel Neto Advogados. "Os empregados, por sua vez, devem evitar demonstrações de afeto muito incisivas perante terceiros, o que, de certa forma e em dado grau, pode agredir outras pessoas", afirmou. Procurado pelo Valor, o Walmart informou por meio de nota que "que respeita o entendimento do Judiciário e que cumprirá a determinação do TST". E acrescentou que "o respeito ao indivíduo é uma de suas premissas, e que as regras internas estabelecidas visam o bem-estar e qualidade dos ambientes de trabalho". A Lojas Renner, por sua vez, afirmou em nota que não inibe relacionamentos entre colegas de trabalho e que conta com inúmeros casais que trabalham na organização. Segundo a empresa, "o caso em questão refere-se a um relacionamento extraconjugal com uma de suas subordinadas, o que poderia caracterizar assédio sexual". A reportagem não conseguiu localizar representante da Transportadora Colatinense para comentar o assunto. Leia mais. Fonte: Valor Econômico