O espetáculo da morte nas redes sociais
Por Ana Luiza Moreira Mano e Luciana Ruffo - psicólogas componentes do NPPI PUC-SP
O que podemos observar sobre nossas formas de lidar com a morte na WEB, nos dias atuais?
Muitas vezes, as redes sociais acabam divulgando a notícia, antes mesmo das demais mídias.
As pessoas se movimentam para compartilhar, pedir ajuda, explorando assim todo um
universo de possibilidades que, cada vez mais, têm influenciado o cotidiano prático.
Com a recente tragédia ocorrida em Santa Maria, muitas questões relativas à morte (e sua
presença na internet) ressurgiram. A situação foi explorada ao extremo pelas diversas mídias,
inclusive nas redes sociais.
Por se tratar de uma catástrofe envolvendo principalmente uma faixa etária que costuma fazer
bastante uso da internet, a divulgação de imagens de pessoas que morreram no incêndio, e o
perfil de muitas delas, foram muito explorados pelos usuários das redes sociais.
O que nos leva a buscar tantas informações sobre a morte de pessoas muitas vezes
desconhecidas a nós? O que faz com que seus perfis sejam visitados muito mais vezes quando
ligados a tragédias, do que enquanto essas pessoas estavam vivas? De que maneira a dinâmica
da própria internet contribui para esses fatos?
A partir de tantas questões resolvemos escrever este texto. De maneira geral, o ser humano é
atraído pelo mórbido. Uma analogia que nos ajuda a entender tal afirmação é observarmos o
que acontece com o trânsito, quando há um acidente. O trânsito fica caótico, simplesmente
porque todos querem olhar e ver o que ocorreu. Simples assim. Você sabe que não é ninguém
conhecido seu, que você não poderá ajudar em nada, mas é quase inevitável "darmos aquela
olhadinha..."
E ainda, parece que, quanto mais estranho for esse suposto acidente, quanto mais peculiar a
forma como ocorreu, mais atraente se torna ao nosso olhar. Os crackers (os hackers "do mal")
sabem dessa curiosidade inerente aos humanos e se utilizam dessa característica para, por
exemplo, espalhar vírus através de e-mails com títulos provocativos do tipo “veja as fortes
imagens do incêndio”.
De maneira geral, todas as coisas que já acontecem em nossa vida presencial se manifestam
também na internet, mas com um peso e “aparência” maiores. Neste sentido, a internet
provocaria em nós uma reação também mais exacerbada, porque além do fato em si, tem-se
acesso muito rápido às imagens e conteúdos pertinentes àquele evento.
Antes do surgimento da WEB, quando alguém morria, toda a sua rede de amigos comentava o
fato. Mas, nas redes sociais, a abrangência dessa “fofoca” - que antes acontecia apenas no
“boca a boca” se torna muito mais ampla. Um amigo de um amigo vê, compartilha, comenta.
As pessoas podem dizer que “conhecem alguém que passou por lá”, ou ainda, ver e matar sua
curiosidade em ver como fica o corpo humano (algo que temos muito forte em termos de
imagem como sadio e “funcionando”) quando perde sua vitalidade.
Na verdade, por pior que isso possa nos parecer, todos nós - seres humanos - somos curiosos
quanto à morte e as questões que a envolvem. Por não haver respostas definitivas sobre sua
essência e por ser algo inevitável de se passar, o interesse é grande.
Houve uma pessoa que, presente no local da tragédia de Santa Maria, postou uma mensagem
nos últimos minutos antes de sua morte, escreveu sobre o incêndio, descreveu o que viu e
sentiu. Assim como houve, no ataque terrorista de 11 de setembro, a gravação de ligações de
despedidas de pessoas que sabiam que iam morrer e que conseguiram contatar seus
familiares.
O fato é que no cotidiano normal, nenhum de nós se imagina em confronto com a morte. Não
pensamos nela a maior parte do tempo. Mas, quando entramos em contato com os fatos
dessa natureza extrema ocorrendo com os outros, ou ainda com as suas imagens – que, como
dissemos, nos recorda nossa finitude - nossa reação é tentar entender e compreender o
processo pelo qual um dia também iremos passar.
Talvez ainda, ao menos em parte, o interesse por essas observações envolvam também uma
esperança: “se eu observar bem essas experiências vividas pelas pessoas, quem sabe, eu possa
sobreviver...”. O aspecto "sobrevivência" pode ser entendido de duas formas: seja
emocionalmente, suportando com a dor de perder alguém através do aprendizado que talvez
possa adquirir ‘vendo’ a dor do outro; ou ainda na forma da própria sobrevivência física,
aprendendo a melhor lidar com tais fatos e situações.
A internet, nesse sentido, é tida como professora ideal para todas essas lições. Ali eu vejo,
sinto e compartilho tudo aquilo que penso, sofro, independente de ser comigo ou com o
outro. Quem sabe, sendo espectador desse mórbido espetáculo eu possa alimentar a secreta
esperança de me tornar mais conhecedor sobre aquilo que tanto temo: como lidar com a dor
da morte de alguém querido, ou de morrer, eu mesmo, de fato.
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O espetáculo da morte nas redes sociais Por Ana Luiza - PUC-SP