A Avaliação Indirecta da Matéria Colectável e os Preços de Transferência na LGT Francisco de Sousa da Câmara Mestre em Direito, Advogado Sócio da Morais Leitão, J. Galvão Teles & Associados – Sociedade de Advogados 1. Introdução A temática que me proponho tratar, sob a égide de uma epígrafe relativamente nova entre nós (métodos indiciários e preços de transferência), confronta duas realidades que tradicionalmente têm sido tratadas autonomamente. Em virtude disso, começo por colocar as questões mais elementares: qual a razão para assimilar estas duas problemáticas e as tratar conjuntamente? Terão pontos de contacto? Será que a Lei Geral Tributária (doravante LGT) aportou novos elementos para o seu tratamento, tanto de forma isolada como conjunta? O propósito deste trabalho é precisamente pôr em confronto essas duas realidades, chamando a atenção para a aproximação e distanciamento do regime introduzido pela nova lei, tanto no respeitante ao método – aspecto material – de avaliação da matéria colectável, como em relação ao procedimento – aspecto formal – para chegar à avaliação e revisão daquela matéria colectável. Neste contexto, parece-me razoável começar por antecipar – a título preliminar – que se me afiguram existir inegáveis razões para que aquelas realidades – se bem que verdadeiramente diferentes – possam ser pensadas conjuntamente dentro de um mesmo modelo tributário. Tanto numa situação como noutra a Administração Fiscal procura determinar o valor dos rendimentos ou bens tributáveis, a partir da declaração que lhe é apresentada ou omitida pelo contribuinte e que, segundo supõe, não representa a realidade. Como regra, ao constatar a impossibilidade de determinar a matéria colectável de forma directa e exacta, ou ao verificar que há uma discrepância significativa entre o que deveria ser e aquilo que é efectivamente declarado, a administração pode, por determinação legal, corrigir a matéria colectável a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que disponha. Quando, ao invés, a mesma Administração verifica que as operações realizadas pelos contribuintes, ligados por “relações especiais”, não respeitam as condições de mercado, provocando aumentos ou reduções “anómalas” ou intencionais da matéria colectável (muitas vezes com o propósito de reduzir a tributação), pode proceder à correcção do “preço” para o seu “valor justo ou adequado”. O termo “preço de transferência”, corresponde ao preço dos bens (corpóreos ou incorpóreos) e serviços facturado a uma subsidiária ou outra empresa do grupo. Uma vez que este preço não é negociado no mercado livre, é possível que se afaste do preço que pessoas independentes praticariam, em idênticas circunstâncias, para uma transacção similar. O abuso clássico na utilização do preço de transferência decorre precisamente do facto de, através da política de preços praticada pelo/s contribuinte/s, se proceder a uma transferência indirecta de lucros de uns para outros, de modo a obter uma redução da carga fiscal global.1 1 Neste sentido vejam-se os Relatórios da OCDE sobre preços de transferência [Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administration, ed OCDE, Paris 1995, updated version; Preços de Transferência e Empresas Multinacionais – Relatório de 1979; Preços de Transferência e Empresas Multinacionais – Três estudos fiscais – Relatórios de 1984] e Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, pág. 317 e segs., ed. Liv. Almedina, Coimbra 1993. Este A. cita variadíssima doutrina tanto nacional como estrangeira. A possibilidade da administração fiscal proceder a ajustamentos nas matérias colectáveis de empresas associadas com base no princípio acima enunciado só foi introduzida entre nós em 1964 para regular situações internacionais (exigia-se que a entidade situada em Portugal pertencesse a sociedade não residente), através do aditamento do artigo 51.º-A ao C.C.I..2 Mas só em 1976, com a alteração introduzida pelo DL 503-B/76 de 30 de Junho, se deixou de exigir, para se proceder à correcção, que as instalações situadas no território pertencessem a não residentes, passando dessa forma o artigo 51.º-A a aplicar-se a todas as relações de empresas associadas, tanto nacionais como internacionais. Esse mesmo regime foi posteriormente incluindo no Código do IRC, através do seu artigo 57.º.3 Mais tarde foi introduzida uma nova regra no CIRC – o artigo 57.º-C – de modo a evitar que em certas circunstâncias se criasse um endividamento excessivo entre empresas com relações especiais.4 No âmbito das situações que pretendemos abordar, as correcções efectuadas pela Administração são, como regra, motivadas por comportamentos dos contribuintes totalmente diferentes, num e noutro caso. Aliás, tanto as normas jurídicas que regulam a matéria dos “métodos indiciários” e os “preços de transferência”, como a experiência e a vasta jurisprudência sobre a matéria nos ensinam a identificar paradigmas de cada uma das situações. No seio empresarial, verifica-se que a «pequena/ média» empresa tem sido o grande alvo das correcções fixadas com base em métodos indirectos, ao passo que o alvo predilecto das correcções por via dos mecanismos previstos para combater a manipulação de preços tem sido a grande empresa/ MNE.5, o que se explica em face da dimensão e da estrutura organizacional e societária das sociedades. Admitindo-se este facto como uma constatação estatística, importa-nos reflectir sobre as correcções fiscais efectuadas para prevenir a evasão das PME e das MNEs, das vias preventivas (legais e administrativas), das vias repressivas e dos meios de recurso. Será que a LGT estabelece o mesmo tipo de direitos e garantias para os diferentes tipos de contribuintes neste domínio? DL 45.977 de 19 de Outubro. O artigo 57.º é o primeiro artigo da Subsecção I (Correcções para efeitos de determinação da matéria colectável) da secção VI (Disposições comuns e diversas) do Capítulo III (Determinação de matéria colectável) e tem a seguinte epígrafe: «Correcções nos casos de relações especiais ou sujeição a vários regimes de tributação». 4 Para efeitos deste artigo entende-se que existem relações especiais entre um sujeito passivo de IRC e uma entidade não residente quando: «a) a entidade não residente detenha uma participação directa ou indirecta no capital social do sujeito passivo de, pelo menos, 25%; b) a entidade não residente, sem atingir esse nível de participação exerça, de facto, uma influência significativa na gestão; c) a entidade não residente e o sujeito passivo estejam sob o controlo da mesma entidade, nomeadamente em virtude de por esta serem participados directa ou indirectamente». A lei também estabelece que é equiparada à existência de relações especiais «… a situação de endividamento do sujeito passivo para com um terceiro não residente em território português, em que tenha havido prestação de aval ou garantia por parte de uma das entidades referidas…» nas alíneas a), b) ou c) supra. Este artigo foi editado pelo DL 5/96 de 29 de Janeiro. Apesar de se verificar que o legislador procurou utilizar e determinar o conceito «relações especiais» já anteriormente previsto no artigo 57.º do CIRC, não é de todo claro que tenha procurado estabelecer um critério legal geral aplicável para além das situações de subcapitalização. Por um lado, isso não resulta expressamente da lei e, por outro, a administração fiscal tem continuado a fazer correcções ao abrigo do artigo 57.º sem observar os estritos critérios apontados no 57.º-C. Finalmente, os tribunais superiores, designadamente o Supremo Tribunal Administrativo, têm continuado a considerar que a lei não contém um critério para definir o que são as relações especiais. Cfr. Ac. do STA de 09.12.98, Rec. 19.858 in AD n.º 450, págs. 784 e segs. Atento o estado de incerteza que se vive presentemente, o Relatório Final da Comissão de Reforma da Fiscalidade Internacional Portuguesa, apresentado em Março de 1999, recomendou «que o conceito de relações especiais assente em dois pilares, abrangendo, por um lado, as relações criadas pela via do controle que uma entidade por sobre ela deter direitos de voto ou a gestão efectiva e, pelo outro, as relações criadas pela via familiar». Neste sentido se descreveram uma série de situações taxativas (8) que poderiam retratar essas relações especiais. 5 Por meras razões de simplificação repartimos o mercado empresarial em dois grandes sectores: a pequena e média empresa, por um lado, e a grande empresa e a multinacional por outro. As considerações que se fizeram a propósito de um ou outro destes grupos têm que ser entendidas como observações que manifestam tendências e não como afirmações absolutas e rígidas. 2 3 No presente trabalho procuraremos mostrar o seguinte: 1) Não obstante vir acentuar – na linha da reforma da tributação directa de 1989 – o princípio de que a matéria colectável deve ser avaliada segundo métodos directos, em conformidade com os critérios de cada tributo, a lei geral tributária vem aumentar os casos em que a administração fiscal pode recorrer a métodos indirectos. As alterações introduzidas neste domínio e o estudo de cada uma das situações em que a Administração Fiscal pode recorrer a métodos indirectos são apresentadas na secção 2 deste artigo; 2) A cláusula geral que permite à administração proceder a correcções da matéria colectável sempre que não seja respeitado, por entidades com relações especiais, o «princípio do preço de plena concorrência», mantém-se sem qualquer regulamentação e com a mera referência à necessidade de fundamentar a verificação dos respectivos pressupostos legais. A lei continua a não eleger quaisquer métodos para proceder à determinação do chamado «preço de mercado». A análise do presente status quo e as directrizes que se devem seguir para obter aquele resultado são retratadas na secção 3; 3) Verifica-se que as regras do procedimento de revisão da matéria tributável em sede de métodos indirectos e, em concreto, o diálogo directo criado entre o Fisco e o Contribuinte para rever a matéria tributável fixada por métodos indirectos, não foram importadas nem adaptadas para as situações respeitantes às correcções dos preços de transferência, mantendo-se procedimentos, direitos e garantias díspares para problemas que podiam ser refundados a partir de um mesmo modelo, assente num processo de partes e apoiado no princípio do contraditório (secção 4); 4) Finalmente, faz-se um balanço geral da situação presente e traçam-se as principais linhas de orientação para que, numa futura revisão, se possam voltar a afrontar estes problemas dando-lhes uma solução de conjunto, aproximando mais os direitos e as garantias dos contribuintes cujas matérias colectáveis forem objecto de correcções com base nos métodos indirectos ou na aplicação das regras dos preços de transferência (secção 5); 2. Avaliação indirecta: determinação da matéria colectável por métodos indirectos 2.1. As alterações introduzidas pela LGT Neste domínio, da determinação da matéria colectável por métodos indirectos, a lei geral tributária representa uma mudança significativa face ao sistema anterior. Os principais aspectos em que se acentua essa mutação são os seguintes: (i) (ii) Aumentam-se as situações em que se admitem correcções à matéria colectável com base numa avaliação indirecta, i.e., a partir de indícios ou presunções;6 Estabelece-se que à avaliação indirecta se aplicam «… sempre que possível e a lei não prescreva em sentido diferente, as regras da avaliação directa»;7 6 Cfr. artigos 87.º a) e b) 88.º e 90.º [equivalentes aos artigos 51.º e segs. do CIRC, 28.º, 38.º e 66.º (2) do CIRS e 82.º, 83.º e 83.º-A do CIVA], 87.º c) e 89.º da LGT e 349 e segs. do C.C. 7 Cfr. artigo 85.º (2) da LGT. (iii) (iv) (v) (vi) (vii) (viii) (ix) (x) (xi) (xii) (xiii) (xiv) Aumenta-se a participação do sujeito passivo tanto na fase da avaliação indirecta como no processo subsequente da sua revisão;8 Acentua-se a necessidade de avaliar a matéria colectável com base em critérios objectivos com o propósito de limitar actuações discricionárias;9 A reclamação prévia à impugnação judicial tanto é exigida quando se invoque erro na quantificação, como quando se defenda a existência de erro nos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável; 10 Aumenta-se a lista de factores de ponderação ou critérios que podem servir para determinar a matéria colectável. Para certas situações, admite-se a aplicação de indicadores padronizados, definidos anualmente pelo Ministro das Finanças, e que podem consistir na margem de lucro ou rentabilidade minimamente aceitável para a respectiva actividade;11 Acabam-se com as comissões de revisão e institui-se um regime de tipo arbitral, abrindo-se um diálogo directo entre o perito do contribuinte e o perito do fisco, e atribuindo-se à administração (actual Director Distrital de Finanças) a última palavra na falta de acordo entre aqueles;12 Permite-se que o contribuinte possa requerer a nomeação de um perito independente na petição da reclamação, além de indicar o perito que o representa;13 Naquele diálogo, alarga-se o âmbito de competência da discussão, a qual deixa de se restringir ao quantum da obrigação tributária, de modo a também poderem ser apreciados os pressupostos de aplicação dos métodos indirectos;14 O procedimento de apreciação da reclamação deverá ser célere, por determinação legal, devendo estar concluído no prazo de 30 dias;15 O acordo expresso ao nível da Comissão tem novas consequências para o contribuinte (limita-lhe a impugnação do acto tributário de liquidação) e para a administração (impede-a de alterar a matéria colectável, salvo em caso de trânsito em julgado de crime de fraude fiscal envolvendo os mesmos elementos);16 Presume-se legalmente a desistência da reclamação do contribuinte no caso do seu perito faltar à primeira e à segunda reunião;17 Prevê-se a intervenção de um perito independente mais preparado, sorteado entre personalidades constantes de listas distritais organizadas pela Comissão Nacional de Revisão e, no caso daquele sustentar a tese do contribuinte sem que se obtenha um acordo entre as partes, admite-se a suspensão automática do processo executivo sem a prestação de garantia;18 Na falta de acordo entre os peritos das partes o órgão competente da Administração fiscal (DDF) decide e fixa ou não a matéria colectável com o seu Cfr. artigos 60.º (1) d) e e), 91.º (1) e (4), 92.º (1), 61.º (1) e) da LGT e artigos 8.º, 9.º, 54.º e 60.º do RCPIT. Cfr. artigos 89.º 90.º da LGT; Vejam-se ainda os artigos 5.º e segs. do RCPIT respeitantes ao procedimento da inspecção tributária. 10 Cfr. artigo 86.º (5) da LGT. 11 Cfr. artigos 89.º e 90.º e) a f) da LGT. 12 Cfr. artigos 92.º (1) e (3) e (6) da LGT. 13 Cfr. artigos 91.º (1) e (4), 93.º e 94.º (1) da LGT. 14 Cfr. artigos 86.º (5) in fine e 91.º (14) in fine da LGT. 15 Cfr. artigo 92.º (2) da LGT. 16 Cfr. artigos 86.º (4) e 92.º (3) e (5) da LGT. 17 Cfr. artigo 91.º (5) e (6) da LGT. 18 Cfr. artigo 92.º (8) da LGT. 8 9 (xv) prudente juízo, devendo também fundamentar a adesão ou rejeição às teses do perito independente no caso de intervir;19 Não se admite a apresentação da citada reclamação, que abre a via do diálogo, nos casos em que as correcções da matéria colectável: a) sejam correcções aritméticas; b) possam ser objecto de recurso hierárquico com efeito suspensivo de liquidação; c) respeitem a questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos;20 (xvi) Prevê-se a criação de uma Comissão Nacional de Revisão com o objectivo de preparar as listas de peritos independentes e contribuir para a uniformidade dos critérios técnicos utilizados na determinação da matéria colectável por métodos indirectos.21 2.2. Que tipo de alargamento das possibilidades de recurso a métodos indirectos? A questão que se deve pôr neste domínio consiste, antes de mais, em saber se a Lei Geral Tributária assinala um ponto de viragem e de melhoria no nosso ordenamento jurídicotributário no que respeita à fixação da matéria colectável com base em métodos indirectos. A criação de novos casos que permitem proceder a uma avaliação indirecta é indisputável, por confronto do artigo 87.º da LGT com os artigos constantes dos códigos respeitantes aos diferentes impostos. À revelia do ante-projecto aprovado, em Fevereiro de 1999, pela Comissão encarregue de apresentar o Ante-Projecto da LGT (doravante o “Ante-Projecto da Comissão da LGT”), o texto da Lei Geral Tributária veio adoptar um sistema de apuramento automático do rendimento tributável com base em métodos indirectos.22 A decisão do Executivo parece terse inspirado numa tese minoritária sugerida por alguns membros da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal (doravante “CDRF”) que apresentou o seu Relatório em 1996.23 Parece-nos que neste âmbito temos de começar por distinguir dois tipos de situações: A primeira situação é representada por uma nova opção legislativa que consiste na criação de um regime simplificado de tributação para pequenos contribuintes.24 São razões de Cfr. artigo 92.º (6) e (7) da LGT. Cfr. artigo 91.º (14) da LGT. 21 Cfr. artigo 94.º da LGT. 22 Uma interessante e prolixa análise desta matéria, colorida pela vasta 23 Cfr. recomendações 8.ª e 9.ª do capítulo 8.º “Métodos indirectos de determinação da matéria tributável in “Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal (doravante “RCDRF”), ed. Ministério das Finanças, págs. 355 e 356, Lisboa, 1996. A Lei do OE para 1996 já tinha também preconizado combater a evasão e fraude fiscais através de uma ampliação dos métodos indiciários existentes. Cfr. artigo 56.º da Lei n.º 10-B/96 de 23 de Março. Em defesa desta via pode ver-se, A. Carlos dos Santos, Da questão fiscal à reforma da reforma fiscal, ed. Rei dos Livros, págs. 89 e segs. (assim, pág. 100101). 24 Cfr. Artigo 87.º a) da LGT. Admite-se que, ainda assim, o sujeito passivo possa optar pela avaliação directa, nas condições que a lei definir, nos termos do artigo 81.º (2) da LGT. 19 20 simplificação, fácil administração do imposto, certeza e mínima captação de receitas que certamente ditaram essa nova opção;25 A segunda situação vem reforçar o plano empreendido pelo Executivo para erradicar a evasão fiscal em Portugal e pode desdobrar-se em dois casos.26 Aqui não se trata de criar um regime de tributação normal, presumida ou forfetária para certo tipo de pessoas ou realidades. Neste segundo tipo de situações o legislador pretendeu criar mecanismos para que a Administração possa, seja com base em presunções ou numa ficção legal, aproximar-se da realidade quando os resultados – declarados ou omitidos – parecem manifestamente irreais. Essa avaliação indirecta pode ocorrer em dois casos, a saber: 1) Quando não se afigure possível comprovar e quantificar a matéria colectável de forma directa e exacta com base nos elementos da contabilidade; 2) Quando, sem razão justificada, a matéria colectável do contribuinte é significativamente menor do que a matéria colectável «normal» do sector de actividade.27 Perante o presente estado das coisas, evidenciado pelas impressivas estatísticas que têm sido dadas a conhecer (os impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas dependem essencialmente de cerca de 15% a 20% dos sujeitos passivos), o Governo decidiu criar um regime para combater a evasão e fraude fiscais e do mesmo modo arrecadar uma receita mínima.28 Aliás, o Relatório da CDRF já tinha sugerido que viessem a ser adoptadas certas medidas neste domínio, posto que «sendo os métodos indiciários um instrumento de correcção das situações de incumprimento, é na sua aplicação que assenta, em grande parte, a possibilidade de inversão desta situação, sem prejuízo da conjunção que com estes métodos deve fazer o regime do ónus da prova, o regime do sigilo bancário e os aspectos relativos à inspecção tributária, resultantes das recomendações constantes dos respectivos capítulos».29 Preocupado com a situação de evasão o Governo rechaçou a proposta apresentada pela Comissão que preparou o Ante-Projecto da LGT – a qual não incluía novos casos de avaliação indirecta – para vir a acolher as propostas apresentadas em 1996 pela minoria da CDRE. Depois da polémica travada em torno da “colecta mínima” adopta-se uma nova via que consiste em alargar o campo das avaliações indirectas. Supostamente o que se perde em rigor – em virtude do novo golpe dado no método da tributação pelo rendimento real – procura 25 Lê-se, a este propósito, no Relatório apresentado pela CDRF: «… as principais vantagens apontadas a um sistema de determinação do rendimento, de acordo com indicadores de aplicação automática aos contribuintes com volume de negócios ou rendimentos abaixo de determinados níveis, decorrerão essencialmente do aumento da equidade fiscal, do acréscimo da receita, da diminuição da carga burocrática que recai sobre a Administração Fiscal e de, uma vez implantado, permitir a libertação se recursos dos serviços de Inspecção Tributária para outras tarefas». Relatório da CDRF cit., pág. 350. 26 A Resolução do Conselho de Ministros n.º 119/97 de 19 de Junho (ponto 10) sublinhava a necessidade de combater a fraude e evasão fiscais e aduaneiras, incluindo já a possibilidade de melhorar «… os procedimentos de determinação indirecta do rendimento, nomeadamente através de análises económicas sectoriais sistemáticas, de aprofundamento das técnicas de elaboração de rácios e da clarificação do conceito de “indícios fundados”». 27 De forma taxativa a lei elenca estas duas situações da forma seguinte: «A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: (b) impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável; (c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-cientifica referidos na presente lei» Artigo 87.º da LGT. 28 O “RCDRF” dá notícia de que a percentagem de contribuintes de IRC que apresentam matéria colectável nula ou negativa tem vindo a crescer, tendo atingido 63% em 1993. Por outro lado, a média de IRC pago pelos contribuintes naquele ano foi de 248 contos – cfr. RCDRF cit., pág. 333. 29 Ibidem, pág. 334. ganhar-se em eficiência, com a redução de custos na administração do imposto e o crescimento das receitas. 2.2.1. Regime simplificado de tributação A primeira opção legislativa constitui, neste domínio da tributação por métodos indirectos, em criar um regime simplificado de tributação. Em determinados casos e condições – que serão previstos na lei – a matéria colectável poderá ser avaliada de forma indirecta, mas o sujeito passivo terá a possibilidade de optar pela avaliação directa.30 A moldura legal do regime simplificado de tributação poderá vir a receber a influência de outras legislações da União Europeia. Com efeito, o citado RCDRF já apontava a existência de outros métodos indirectos de aplicação automática no seio da U.E., e os quais não dependem da verificação da inexistência de elementos fiáveis a fornecer pelo contribuinte.31 Em certos Estados membros da U.E., optou-se pela criação de regimes simplificados de tributação para pequenos contribuintes que desenvolvem uma actividade agrícola comercial, ou industrial ou uma profissão liberal [e.g. o sistema espanhol contém duas modalidades de avaliação, i.e., o regime conhecido pela modalidade de “coeficientes” (cfr. artigos 29.º e segs. do Regulamento do IRPF) e o regime dos “sinais, índices ou módulos” (cfr. artigos 27.º do regulamento do IRPF)]. No primeiro caso, a determinação do rendimento faz-se empregando meios de avaliação directa (e.g. o sujeito passivo tem que ter contabilidade e determinar exactamente o conjunto das suas vendas, compras e outros gastos), limitando-se a lei a estabelecer um conjunto de coeficientes que representam os custos dedutíveis (cfr. artigo 30.º do RIRPF). No segundo caso, o sujeito passivo já não está obrigado a manter o mesmo tipo de obrigações contabilísticas [cfr. artigo 67.º (4) do RIRPF], determinando-se o rendimento da actividade em função de uns índices ou módulos aprovados por despacho Ministerial em função da superfície, do local, do pessoal empregado, da energia consumida, da potência ou capacidade de instalação de elementos produtivos, etc.32 Neste momento não existem orientações mínimas que permitam determinar a que universo de sujeitos passivos se destinará o regime de tributação simplificado. Poderá optar-se pela sua aplicação, de forma relativamente simples, aos sujeitos passivos que não disponham de contabilidade organizada (cfr. artigo 109.º do CIRS e 99.º do CIRC).33 Outra hipótese será 30 Cfr. artigos 81.º (2) e 87.º a) da LGT. Desconhecem-se ainda (30.06.99) em absoluto as linhas de que virá a revestir-se este novo regime. Será fundamental manter e garantir esta possibilidade de opção pelo método de avaliação directa, sob pena da lei poder colidir com o artigo 104 (2) da CRP. 31 O trabalho desenvolvido pela CDRF não foi pacífico neste domínio. Para a maioria dos membros desta Comissão a via do combate à evasão e fraude discais não exigia a adopção desses métodos indirectos de determinação da matéria colectável de aplicação automática. Contudo, outros membros da Comissão vieram a emitir uma opinião contrária que veio agora a ser aproveitada e introduzida na LGT: «… a sua introdução será positiva por colocar em valores mais verosímeis a tributação de um conjunto importante de contribuintes e por aligeirar significativamente as exigências sobre os mesmos». – RCDRF cit, pág. 348. 32 Estes métodos estão explicados no RCDRF cit., págs. 341 e 342. Para maiores desenvolvimentos, veja-se Francisco A. Velázquez Cueto, “Los métodos de determinacion de la base imponible. La estimacion indirecta”, in Crónica Tributaria, n.º 74/1995, págs. 95-109. 33 Foi a sugestão apresentada no RCDRF, o qual também pressupunha que, numa primeira fase, os contribuintes estivessem isentos de IVA – ob. cit. págs. 349 e 352. «Tratar-se-ia de um universo de contribuintes bastante significativo. De acordo com dados estatísticos do exercício de 1994, existiam 558,3 milhares de agregados familiares com rendimentos das categorias B e C sem contabilidade organizada, pelo que, considerando os agregados em que existe mais de um titular destes rendimentos e os rendimentos de categoria D, se pode concluir que aquele número ultrapassará os 600 mil contribuintes». A parte da Comissão que elaborou o RCDRF e que advogou a introdução destes métodos veio, ainda assim, a manifestar alguma fazer aplicar esse regime em função exclusiva dos resultados ou volumes de negócios passivos, de modo a não excluir as sociedades, sobretudo porque são grande parte destas que não apresentam resultados positivos.34 Poderá mesmo dizer-se que se assim não for, a falta de neutralidade do regime, induzirá os empresários que exercem a sua actividade de forma individual a adoptar a forma jurídica societária. No entanto, parece-nos que três ordens de razões podem levar a que se mantenha este regime de tributação simplificada apenas para as pessoas singulares: primeiro, porque também se procuram simplificar as exigências contabilísticas e as obrigações formais e acessórias dos sujeitos passivos. Tanto assim, que é reafirmado o princípio do sujeito passivo poder optar pela avaliação directa. Ou seja, o empresário individual poderá em princípio, evitar o regime simplificado sem necessidade de constituir uma sociedade para conduzir os seus negócios. Segundo, porque as sociedades – obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal – também estarão sujeitas a um novo regime de controlo, introduzido pela criação de indicadores económicos de base técnico-científica que permitirão apreciar se a matéria colectável apresentada é inferior à normal e admitindo, sendo caso disso, que a Administração Fiscal possa proceder a correcções. Terceiro, porque o artigo 104.º (2) da CRP continua a afirmar o princípio de que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real», exigindo de algum modo que a excepção não se transforme numa regra aplicável ao maior tecido empresarial Português que continua a ser constituído por pequenas e médias empresas. Independentemente da desejável simplificação do novo regime de tributação, importará ter presente de que aquele não poderá ser criado de sorte a que se perca um mínimo de controlo das operações realizadas pelos sujeitos passivos (e.g. parece-nos desejável que se mantenham as obrigações de numeração, registo e conservação por ordem cronológica de todas as facturas emitidas – como recomendava o RCDRF), «… já que a inexistência destes documentos permitiria a completa ocultação das operações com terceiros sujeitos ao regime de tributação pelo lucro real, ou a emissão para terceiros de facturas relativas a operações inexistentes, tendo em vista permitir a estes a sua dedução fiscal».35 2.2.2. Impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria colectável A segunda situação, que permite recorrer a uma avaliação indirecta, vem retratada no artigo 88.º da LGT e reproduz praticamente os artigos 38.º do CIRS e 51.º do CIRC.36 Neste prudência ao sublinhar que «…devido à grande tecnicidade exigida na determinação dos indicadores de rendimento, se adopte algum gradualismo na sua extensão aos diferentes sectores de actividade, à semelhança do que ocorreu em Espanha, onde o regime dos “signos, índices ou módulos”, entrou em vigor em 1992, tendo aumentado progressivamente o seu âmbito até abranger em 1995 o sector agrícola». RCDRF cit., pág. 352. 34 As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades sujeitas a IRC que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou comercial são obrigadas a dispor de contabilidade organizada – cfr. artigo 98.º (1) do CIRC. 35 Ibidem, pág. 350. 36 O artigo 88.º da LGT dispõe o seguinte: «A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável para efeitos da aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria colectável: a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais; b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação; c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal». caso, os critérios para determinar a matéria colectável, encontram-se previstos no artigo 90.º da LGT, precedendo também – como regra – da legislação anterior – cfr. artigo 38.º (5) do CIRC e 52.º do CIRC. De qualquer forma, neste domínio, devem tomar-se em consideração os aspectos positivos introduzidos pelas alíneas e) a j) do n.º 1 do artigo 90.º da LGT. Essas alíneas procuram introduzir elementos mais objectivos (e.g. prevêem a tomada em consideração da localização e dimensão da actividade exercida; os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade; e a matéria tributável dos anos mais próximos), de modo a tentarem aproximar a ficção da realidade. O corpo do artigo 90.º (1) parece admitir a utilização indiscriminada de qualquer um dos vários elementos que permitem fixar a matéria colectável do sujeito passivo. A Administração fiscal pode utilizar qualquer desses critérios, até porque as declarações e outros elementos apresentados pelos contribuintes perderam a presunção de veracidade [cfr. artigo 75.º (2) a) da LGT]. Em qualquer caso, o sujeito passivo, no momento em que for ouvido [artigo 60.º (1) d) e e) da LGT], pode solicitar que a administração tenha em consideração alguns dos elementos específicos previstos nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 90.º [e.g. sobretudo os que respeitam à sua própria actividade – alíneas e) e segs.], podendo sempre vir discutir, a posteriori, o excesso na respectiva quantificação [cfr. artigo 74.º (3) da LGT]. Aquela não está obrigada a seguir a metodologia determinada pelo sujeito passivo, mas, no caso de não atender àqueles pedidos, pode acabar por assistir à ilisão da sua presunção, tanto com base nos elementos específicos utilizados, como nos restantes elementos que não foram tomados em consideração. A liberdade concedida à administração para preencher os conceitos indeterminados é limitada pelos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, admitindo-se que o sujeito passivo possa demonstrar a eleição inadvertida de um critério com a simples omissão de outro/s, que , in casu, se afigurava/m mais adequado/s para determinar a matéria colectável com maior exactidão.37 A posição dos cépticos “cobradores de impostos” saiu reforçada com a manutenção da obrigação de suprir as imprecisões contabilísticas no prazo de 30 dias, sob pena da matéria tributável ser fixada por métodos indirectos. Os corolários lógicos do princípio da verdade material não foram aqui reproduzidos. Em qualquer caso, uma vez que a LGT vem permitir a ilisão de todo o tipo de presunções consagradas nas normas de incidência tributária (cfr. artigo 73.º da LGT), deve admitir-se que, mesmo após o decurso do citado período de 30 dias, o sujeito passivo possa ainda evidenciar (e.g. antes da decisão da aplicação de métodos indiciários, antes da conclusão do relatório da inspecção tributária ou mesmo na reclamação contra a fixação da matéria colectável com base em métodos indirectos) que o afastamento das regras de incidência objectiva não se afigurava necessário. Aliás, a aplicação das regras que permitem proceder a uma avaliação directa, justificam-se nos termos do artigo 85.º (2) da LGT. Na verdade, a verificação dos pressupostos que permitem a fixação da matéria colectável por métodos indirectos não só devem existir no momento da sua fixação, como devem subsistir no momento em que a reclamação do contribuinte é apresentada e apreciada. A obediência aos princípios acima enunciados e ao próprio princípio de legalidade deverão, por conseguinte, impedir a “homologação” de um resultado que é uma ficção por contraposição à realidade então conhecida. 37 A administração está obrigada a fundamentar a avaliação, evidenciado as razões porque optou por um certo critério e explicitando o modo de ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado – cfr. artigo 84.º (3) da LGT. Se não se exige que essa fundamentação motive a razão pela qual não foram tomados em consideração outros critérios (salvo se expressamente invocados pelos contribuintes), pelo menos ter-se-ão que evidenciar as razões pelas quais se elegeu o critério adoptado – cfr. artigos 77.º (4) e (5) da LGT. 2.2.3. Adesão à matéria tributável padronizada 2.2.3.1. Introdução A criação deste pressuposto – a matéria colectável declarada não deve ser significativamente inferior à ficção legal definida anualmente com base nos índices fixados pelo Ministério das Finanças – no conjunto dos casos que admitem o recurso à avaliação indirecta representa, novamente, outra vitória da facção dos “cépticos cobradores de impostos” que, desiludidos com o nível de evasão fiscal, também procuram criar neste domínio uma regra anti-evasão do tipo “colecta mínima por outras palavras…”. A introdução da alínea c) no artigo 87.º da LGT representa claramente um alargamento desmedido das possibilidades de avaliar indirectamente a matéria tributável e vem na linha da autorização legislativa que foi dada ao Governo em 1996 (OE para 1996) e que, por razões políticas, não foi utilizada.38 Segundo aquela disposição legal, a administração fiscal pode proceder à avaliação indirecta sempre que a «matéria tributável do sujeito passivo se afastar sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei».39 A introdução desta nova possibilidade para determinar a matéria colectável de forma indirecta vem minar o sistema. Em primeiro lugar, contribui decisivamente para criar um sistema de avaliação paradoxal. Em segundo lugar, a sua formulação, mesmo com a nova redacção dada pela Lei 100/99, é infeliz e contraditória aos princípios constitucionais que presidem à criação dos impostos. Finalmente, também não parece que possa ter o mérito de vir a ser responsável pela eliminação da evasão fiscal. 2.2.3.2 Admissão de um regime paradoxal? 38 O artigo 56.º c) 1), 2), 3) e 7) e e) da Lei 10-B/96 de 23 de Março propunha o seguinte: «Fica o Governo autorizado a: c) Rever os Códigos do IRS e IRC, por forma a aperfeiçoar a tributação do rendimento e da despesa e a combater a evasão fiscal, no seguinte sentido: «1) Permitir a determinação por métodos indiciários do conjunto dos rendimentos líquidos dos contribuintes que, auferindo predominantemente rendimentos das categorias B e C de IRS, apresentem, na média dos últimos três anos, por categoria e titular, rendimento colectável inferior ao valor anual do salário mínimo nacional;»; «2) Permitir a determinação por métodos indiciários do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC que, na média dos últimos três anos, apresentem indicadores de rentabilidade inferiores à média do sector, quando não demonstrem a sua veracidade;» 3) «Permitir a determinação por métodos indiciários do rendimento líquido da categoria B do IRS de sujeitos passivos que possuam, ou sejam obrigados a possuir, contabilidade organizada, bem como o rendimento líquido das categorias C e D de IRS em relação aos sujeitos passivos que, na média dos três últimos anos, apresentem indicadores de rentabilidade inferiores à média do sector de actividade, quando não demonstrem a sua veracidade, sem prejuízo de, com referência à categoria D, se considerar para este efeito a totalidade do rendimento líquido apurado;» 7) «A determinação de rendimentos por aplicação de métodos indiciários nos termos dos precedentes n.º 1, 2 e 3 será efectuada face a indicadores objectivos definidos com recurso a estudos económicos e após consulta das entidades representativas do sector de actividade em que o contribuinte se insere ou das associações de classe representativas, publicados por portaria do Ministro das Finanças;» e) «Rever a legislação fiscal, por forma que, sem prejuízo do prazo normal de caducidade, na liquidação só possa recorrer-se à utilização de métodos indiciários durante os três anos posteriores, respectivamente, ao da verificação do facto tributável, em sede de IRS e de IRC, e ao do ano em que se verificou a exigibilidade do imposto, em sede de IVA.». 39 A actual redacção da alínea c) do artigo 87.º da LGT foi dada pela Lei 100/99 de 26 de Julho. O principal propósito foi reduzir a margem de discricionariedade da Administração, através de uma maior objectivação dos seus pressupostos de aplicação, de modo a atenuar os riscos da norma vir a ser declarada inconstitucional. Um regime preocupado em afirmar sistematicamente que a avaliação indirecta só cabe nos casos taxativamente previstos na lei [cfr. artigos 81.º (1) e 87.º da LGT], que insiste em reiterar que esta última via é subsidiária da avaliação directa [cfr. artigo 85.º (1) da LGT] e que estabelece peremptoriamente que mesmo no âmbito da avaliação indirecta se aplicam as regras da avaliação directa [cfr. 85.º (2) da LGT] não se adapta, no meu modo de ver, com a criação de uma excepção que vem permitir, clara e frontalmente, a aplicação de métodos indirectos mesmo quando não há qualquer incorrecção, inexactidão ou falsidade da contabilidade do contribuinte. Teoricamente, com a actual redacção do artigo 87.º c), a mera suspeita de que o valor declarado não é o valor real pode – em abstracto –vir a permitir a aplicação dos métodos indirectos a qualquer empresa, independentemente da sua estrutura, dimensão, história e acima de tudo, da existência de uma sã contabilidade. Por outro lado, segundo o actual regime legal, as próprias declarações e outros elementos do contribuinte deixam de se presumir verdadeiras e de boa fé quando a matéria tributável se afastar significativamente para menos, sem razão justificativa, dos indicadores legais fixados anualmente.40 O que, por outras palavras, vem permitir que no caso da administração fiscal se não satisfazer com a justificação apresentada pelo sujeito passivo, a matéria colectável seja fixada por métodos indirectos, a documentação do contribuinte perca toda a credibilidade e passe a recair sobre este último o ónus da prova do excesso na quantificação que a Administração vier a fixar.41 Ora, a vida mostra-nos dezenas senão centenas ou milhares de situações em que os resultados de uma empresa caem, num determinado exercício, claramente abaixo do sector, sem que se possa atribuir automaticamente aos órgãos de fiscalização da administração fiscal o veredicto cesarista de determinar se a justificação apresentada pelo contribuinte é ou não suficiente e, em caso negativo, permitindo-lhe contrapôr uma nova matéria colectável criada (sem o rigor do laboratório e do caso concreto), com manifesta violação dos princípios da tributação real e da capacidade contributiva.42 2.2.3.3. Admissão de um regime inconstitucional? A admissão de um regime que permite desconsiderar o lucro tributável real com base em meras suspeitas, abstractamente definidas por referência a média de rendibilidade de um sector (ainda que particularizadas em face da dimensão empresarial, do tempo de existência, da sua situação geográfica, etc), afigura-se contrária aos princípios da igualdade tributários, da capacidade de pagar e da tributação real. Começa-se, no território da prova, por permitir que a administração prescinda ou ignore as contas da empresa e a sua contabilidade (a qual, teoricamente, pode não ter qualquer falha), bastando-lhe, para isso, não aceitar a justificação apresentada pelo contribuinte. O que quer dizer que se inverte o ónus da prova, recaindo sobre o contribuinte a prova diabólica de demonstrar as razões pelas quais os seus resultados são mais reduzidos do que a média do sector, como se não bastasse exibir uma sã contabilidade respeitadora de todos os princípios contabilísticos exigidos pelo P.O.C. e pelos códigos dos impostos. Tanto mais que a Lei não balizou suficientemente os limites que devem vincular a Administração na apreciação que faz da justificação apresentada pelo contribuinte… Veja-se que o artigo 75.º (2) c) não foi alterado em conformidade pela Lei 100/99. Cfr. Artigos 87.º c), 75.º (1) e (2) c) e 74.º (3) da LGT. 42 Cfr. os artigos 87.º c), 89.º, 90.º (2) e 75.º (2) da LGT afiguram-se, por conseguinte, disposições contrárias ao disposto nos artigos 13.º, 103.º (1) e 104.º da CRP. 40 41 Com base neste critério, duas empresas com contabilidade sã podem ser tratadas diferentemente para efeitos de IRC. Doravante, caso este modelo não venha a ser declarado inconstitucional, a opção de tributação pelo lucro ou pelo lucro normal, segundo métodos indirectos, atribuir-se-á automaticamente à administração, sobretudo porque se sabe que não há uma homogeneidade nos resultados apresentados pelas empresas de cada sector. Ora, no nosso entender, a consagração do modelo previsto na alínea c) do artigo 87.º da LGT, ignora a capacidade contributiva de cada contribuinte e foi conquistado à custa de uma leitura manifestamente redutora dos princípios constitucionais acima referidos, representando, em última análise, o sacrifício e a submissão de valores fiscais fundamentais aos expedientes, do momento, encontrados para aumentar a receita. A este propósito, afigura-se-me oportuno relembrar as palavras de Nuno Sá Gomes, o qual afirma: «… a função garantística decorrente do princípio da capacidade contributiva, no sentido de que os impostos devem ser estabelecidos de harmonia com a capacidade económica dos contribuintes pode, eventualmente, determinar a inconstitucionalidade dos impostos estabelecidos legalmente por métodos indiciários, por presunções absolutas da riqueza, por ficções jurídicas, etc que dêem origem a tributações injustas por falta de capacidade económica, como, de resto, tem sido decidido por vários tribunais constitucionais dos diversos países […]. Trata-se de reconhecer o direito constitucional de não ser tributado sem capacidade contributiva individual e concreta».43 2.2.3.4. Ineficácia no combate à evasão fiscal Por último, a própria virtude que a tal método se poderia atribuir – luta contra a evasão fiscal – ficou definitivamente afastada pela nova redacção dada pela Lei 100/99, posto que doravante os contribuintes faltosos procurarão evitar reduzir a matéria colectável abaixo dos patamares resultantes da aplicação dos limites legais estabelecidos anualmente e, os contribuintes zelosos que, porventura, estejam a atravessar o deserto (mercê dos elevados investimentos realizados, ou de razões conjunturais e pessoais específicas) verão recair sobre si as suspeitas de evasão fiscal. 2.2.3.5. Ónus da prova: Administração versus contribuinte A aplicação deste método só pode ocorrer no caso de ser verificarem cumulativamente três requisitos, a saber: (1) A matéria colectável declarada pelo sujeito passivo ser inferior a 30% ou, durante 3 anos consecutivos, 15% da que resultaria da aplicação dos indicadores definidos anualmente pelo Ministro das Finanças; (2) O sujeito passivo não apresentar razões justificadas desse afastamento na declaração do exercício a que a liquidação respeita; (3) Já terem decorrido três anos sobre o início da actividade. A propósito daqueles indicadores de base técnico-científica definidos anualmente pelo Ministro das Finanças, a lei refere que eles podem consistir em margens de lucro ou rentabilidade, devendo tomar-se em consideração diversos factores, como seja o início de actividade, a localização e a dimensão da actividade.44 Neste sentido, o Relatório da CDRF Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Vol II, ed. Cadernos de CEF (174), pág. 124. A faculdade atribuída ao Ministro das Finanças para fixar os indicadores que servem de base à determinação da matéria colectável normal, mostra-se contrária à Constituição e designadamente aos artigos 165.º (1) i) e 103.ª (2) da CRP. 43 44 referia-se à inserção da actividade em zonas menos populosas e à ocorrência de casos de força maior que afectam a actividade de modo significativo, etc. Do exposto decorre que uma sociedade, por exemplo, terá de justificar na sua declaração periódica de rendimentos (mod. 22) as razões que justificam a não apresentação de resultados ou a apresentação de resultados significativamente inferiores aos estimados para o sector de actividade, sob pena da administração proceder a uma correcção da sua matéria colectável. Em qualquer caso, não querendo aceitar a justificação apresentada pela sociedade e pretendendo prosseguir com a aplicação dos métodos indirectos, competirá à administração fiscal demonstrar o seguinte: 1) Que a matéria tributável apresentada pelo contribuinte é inferior à “matéria colectável padronizada” por aplicação dos indicadores legais –artigo 74.º (3), 87.º c) e 89.º da LGT; 2) Que procedeu a uma escolha correcta do indicador objectivo legalmente fixado para esse ano e que permite apurar o que poderemos designar por matéria colectável padronizada – artigo 89.º (2) da LGT; 3) As razões da não aceitação das justificações apresentadas pelo contribuinte – artigo 77.º (5) da LGT. Contra a matéria colectável que vier a ser ficada pela Administração pode o contribuinte reclamar nos termos do artigo 91.º da LGT. Tal reclamação servirá não só para permitir apreciar se estavam reunidos os pressupostos para proceder à avaliação indirecta como para sindicar, numa fase graciosa, a decisão que desconsiderou a justificação apresentada pelo contribuinte [cfr. artigos 86.º (5) e 91.º (1) e (14) da LGT]. Neste domínio, afigura-se particularmente importante que o contribuinte esteja apto a justificar a forma positiva a sua matéria colectável, podendo, do mesmo modo, evidenciar as razões concretas que motivaram aquele afastamento e pelas quais a aplicação dos indicadores legais é inapropriada. Além disso será também o momento oportuno para demonstrar o excesso da quantificação determinada pela Administração. Sem prejuízo das considerações de cada caso, os contribuintes deverão sempre ter presentes alguns elementos de análise, dos quais salientamos os seguintes: (1) A posição assumida pela Associação empresarial e/ ou profissional; (2) A apreciação real da margem de lucro ou rentabilidade definida legalmente, posto que quaisquer ratios – sendo definidos com base em valores contabilísticos – têm limitações e são objecto de várias distorções; (3) Enunciação de factores qualitativos (e.g. qualidade de gestão, motivação do pessoal, carteira de clientes, localização, relações com terceiras entidades – sejam os accionistas, os bancos ou os trabalhadores) descurados pelos indicadores objectivos definidos por lei; (4) Análise contabilística específica (e.g. amortizações, provisões, desvalorização de stocks, etc); (5) Risco operacional e financeiro decorrente das operações concretas desenvolvidas pelo sujeito passivo (e.g. será que grande parte das vendas são realizadas num mercado que entrou em depressão, reflectindo-se drasticamente nas suas receitas, ou será que as mesmas vendas estão dependentes de forte financiamento que se torna mais difícil de obter, mercê do aumento das taxas de juro ou do tipo de garantias bancárias solicitadas pelas instituições de crédito?). No nosso entender, caso não venha ou enquanto não vier a ser declarada inconstitucional, esta medida tenderá a promover o aumento das disputas entre os contribuintes e a administração e dificultará, ainda mais, as relações entre os parceiros sociais (e.g. entre as associações empresariais e profissionais e o governo). Por outro lado, poderá constituir um novo factor destabilizador, responsável pela introdução de maior discricionariedade administrativa e incerteza na área fiscal, podendo mesmo tornar-se responsável pelo aumento de corrupção?45 e 46 A final, caso o contribuinte não venha a obter êxito com a reclamação, sempre poderá impugnar o acto de fixação de matéria colectável definitivo (quando não houver lugar a liquidação de imposto) ou impugnar o acto de liquidação, invocando então todas as questões acerca da inconstitucionalidade desta disposição legal.47 O tempo, por seu turno, encarregar-se-á de nos demonstrar se o novo regime de diálogo introduzido pela LGT, enquanto filtro pré-contencioso destinado a reduzir o número de litígios judiciais, não será ele próprio vítima do sistema que admitiu novas possibilidades de recurso a presunções. 3. Possibilidade de corrigir a matéria colectável com base nos “preços de transferência” 3.1. Princípios gerais Na matéria respeitante à determinação e valorização do preço de transferência o legislador acabou por reproduzir o retrato feito pelo CPT sobre a matéria. Duas disposições se aplicam directamente a estas situações: uma, indica de forma directa [artigo 77.º (3)] o conteúdo mínimo dos requisitos que permitem a correcção do lucro tributável, estabelecendo concomitantemente os requisitos a que deve obedecer a respectiva fundamentação; e a outra, deixa entrever de forma implícita [artigo 91.º (14)] que o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos se não aplica às correcções efectuadas em virtude da existência de «relações especiais».48 O artigo 77.º (3) da LGT estabeleceu o seguinte: «3 – Sempre que as leis tributárias permitam que a matéria tributável seja corrigida com base nas relações entre o contribuinte e terceiras pessoas e verificando-se o estabelecimento de condições diferentes das que se verificariam sem a existência de tais relações, a fundamentação das correcções obedecerá aos seguintes requisitos: a) Descrição das relações especiais; b) Descrição dos termos em que nomeadamente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes em idênticas circunstâncias; 45 Veja-se que mesmo os bons propósitos de associar empresas independentes para determinar os índices por sector de actividade não têm encontrado eco em virtude das dificuldades que criam. Segundo as informações veiculadas nos meios de comunicação social, «…as grandes firmas de consultoria multinacionais a operar em Portugal estão a recusar o convite do Governo para que estudem e coordenem a melhor forma de aplicar os métodos indiciários». […] Segundo a mesma notícia, uma consultora «entendeu que existiam riscos face àquilo que a administração fiscal poderia pretender; os termos de referência não estavam suficientemente concretizados»., in Jornal de Negócios, 29.4.99. 46 Com isto não se querem negar as virtudes da tributação presumida, a qual tem assumido um papel de primordial importância desde o Antigo Egipto até aos nossos dias, independentemente das diferentes estruturas de sociedade e dos próprios impostos que se consideram. O que se afigura inadequado neste domínio é que, por motivação administrativa e política, se alargue mais a tributação presumida por via meramente repressiva, à margem dos princípios gerais contidos na LGT que reafirmam a prevalência do princípio da avaliação directa. 47 O Provedor de Justiça solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstracta sucessiva de algumas normas da LGT, de entre as quais se destaca precisamente o artigo 87.º c). 48 O procedimento de revisão aplicável aos preços de transferência é tratado no ponto 4.2.2. infra. c) Descrição e qualificação do montante efectivo que serviu de base à correcção.» Esta aproximação ao problema é bem sintomática do compromisso que oculta. Não tendo afrontado directamente a problemática dos preços de transferência, com a eliminação dos conceitos indeterminados (e.g. relações especiais) e a elaboração, ou pelo menos identificação, de critérios e métodos próprios de valorização das operações, o legislador limitou-se a evitar uma intervenção descricionária da administração fiscal, estabelecendo um itinerário com barreiras sujeito a controlo contencioso.49 Aliás, decorre do corpo daquele preceito e tem sido sublinhado pelo nosso Supremo Tribunal Administrativo que, para além de se exigir que seja uma norma expressa a permitir tais correcções (no nosso ordenamento, o exemplo paradigmático é o artigo 57.º do CIRC), as mesmas só podem ocorrer desde que verificados certos pressupostos cumulativos a saber: 1) A existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa; 2) Que entre ambos sejam estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes; 3) Que tais relações sejam causa adequada das ditas condições; 4) Que aquelas conduzam a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência.50 A concretização desta possibilidade ocorre fundamentalmente em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas onde expressamente se admite que a DGCI efectue as correcções que sejam necessárias para que o princípio de plena concorrência seja respeitado.51 De qualquer modo deve sublinhar-se que, na generalidade dos casos, a 49 Um trajecto que, grosso modo, já se encontrava vertido no CPT (artigo 80.º). A alínea c) do n.º 3 do artigo 77.º utiliza o temo “qualificação”, mas o legislador certamente se quis referir a “quantificação” como consta no artigo 80.º do CPT, posto que, em rigor, é o valor da correcção que importa indicar. Tome-se nota que, apesar disso, a Declaração de Rectificação n.º 7B/99 não corrigiu esta inexactidão [cfr. DR, I série A, n.º 49, 27.2.99, pág. 1090 (5)]. 50 Hoje parece ser jurisprudência corrente que «esses pressupostos resultam de conceitos indeterminados sujeitos ao controlo contencioso e nada têm a ver com a descricionaridade técnica, por não fazerem apelo a conhecimentos científicos não jurídicos ou a conhecimentos artísticos ou profissionais». Cfr.Ac. do STA de 1.10.97, Rec. 21.337; Ac. do STA de 9.12.98, Rec. 19.858. No passado, ainda no âmbito da vigência do C.C.I. e sem uma norma equivalente ao artigo 77 (3) da LGT ou ao 80.º do CPT, entendia-se de forma diferente. Saldanha Sanches lembra a esse propósito que «na origem desta posição está uma concepção do Prof. Teixeira Ribeiro que, interpretando o artigo 51.º-A do C.C.I. afirmava: “Confere-se aqui à Administração Fiscal o poder de corrigir, como entenda necessário, o lucro tributável de qualquer contribuinte”. Com base nesta argumentação exigia correctamente o STA a fundamentação da decisão, mas baseando-se no carácter descricionário da mesma. V. Caso Varela & Sá Ltd., STA, 11/12/91» in A quantificação da obrigação tributária, Cadernos da CTF (173), pág. 432, Lisboa, 1995. Veja-se ainda o Ac. do STA de 4.12.91, Ap. DR 10.8.94, pág. 1470. No entanto, já por esse tempo salientava Alberto Xavier que «…não tendo, pois, a vontade da Administração qualquer relevância no que toca à existência e medida do tributo, por não poder contar, dispensar, exigir, modificar ou fixar o conteúdo de quaisquer elementos do tipo legal de imposto – parece poder afirmar-se […] que a descricionaridade não ocupa qualquer lugar no conteúdo do acto tributário», in Conceito e Natureza do Acto Tributário, ed. Liv. Almedina, pág. 344. 51 O artigo 57.º do CIRC estabelece o seguinte: «1 – A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que apuraria na ausência dessas relações. 2 – O disposto no número anterior observar-se-á igualmente sempre que o lucro apurado em face da contabilidade relativamente a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em território português se afaste do que se se tratasse de uma empresa distinta e separada que exercesse actividades idênticas ou análogas, em condições idênticas ou análogas e agindo com total independência. contabilidade reflecte com rigor as operações realizadas e as declarações são verdadeiras, competindo pois à administração fiscal o ónus de provar a verificação dos pressupostos que lhe permitem proceder às correcções e, bem assim, a bondade de tais ajustamentos.52 Procedendo dessa forma, a administração terá que fundamentar o acto de fixação de matéria colectável, obedecendo aos requisitos expressamente previstos no artigo 77.º (1), (2), (3) e (6) da LGT. Se a administração fiscal, ao efectuar tal correcção, não seguir – a par e passo – o itinerário previsto no artigo 77.º (3) da LGT o acto é ilegal e portanto deve ser anulado, nos termos dos artigos 2.º b) e c) da LGT, 120.º (c) do CPT e 135.º do CPA.53 Adiante, a propósito do procedimento de revisão, desenvolveremos este tópico. Por ora, na presença de conceitos indeterminados e na ausência de uma metodologia própria para valorizar as operações, interessa-nos começar por apreciar outro tipo de questões, a saber: (i) A inserção das correcções dos preços de transferência no âmbito da avaliação da matéria colectável; (ii) O preenchimento dos conceitos indeterminados; (iii) A avaliação e valorização das operações. 3.2. A inserção das correcções dos preços de transferência no âmbito da avaliação da matéria colectável Seguindo de perto o modelo espanhol, o legislador decidiu explicitar expressamente que a matéria colectável pode ser avaliada segundo dois tipos de métodos, directos e indirectos. Deste ponto de partida, o mesmo legislador entendeu dever definir taxativamente os três casos em que a matéria colectável pode ser avaliada de forma indirecta – cfr. artigo 87.º da LGT. Esses casos foram, como vimos, explicitados nos artigos subsequentes (artigos 88.º e 89.º da LGT). Tomou-se, pois, a opção de não adoptar um entendimento mais abrangente de avaliação indirecta, de modo a poderem aí ser integrados os casos em que a matéria colectável – parte ou a totalidade – é avaliada ou, se quisermos, valorizada com base em elementos extracontabilísticos, i.e., com o recurso a factores indirectos. Referimo-nos, precisamente aos casos em que a matéria colectável é corrigida em virtude de se considerar que o preço das operações não traduz o “preço justo”. No contexto legislativo adoptado o itinerário seguido para enquadrar os preços de transferência parte dos pressupostos seguintes: 1) A avaliação da matéria colectável é determinada de forma directa ou indirecta; 2) A avaliação indirecta só é admitida nos casos e condições expressamente previstos na lei; 3) As situações paradigmáticas objecto das correcções efectuadas ao abrigo do artigo 57.º do CIRC não podem ser integradas naqueles casos que, em verdade, se não 3 – Também se aplicará o disposto no n.º 1 quanto às pessoas que exerçam simultaneamente actividades sujeitas e não sujeitas ao regime geral do IRC, quando relativamente a tais actividades se verifiquem idênticos desvios. 4 – Quando o disposto no n.º 1 se aplique relativamente a um sujeito passivo do IRC, por virtude de relações com o outro sujeito passivo do mesmo impostos ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último serão efectuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro.» 52 Cfr. Artigos 74.º (1) e 75.º (1) da LGT. 53 Cfr. Neste sentido ver a jurisprudência corrente do STA, de que o Ac. STA do 6.XI.96, in Rec. 20.188 é paradigmático. revêem nas situações previstas no artigo 87.º da LGT, até porque, em princípio, a contabilidade das empresas retrata fielmente a realidade das operações.54 4) A matéria colectável dessas empresas continua a ser apurada pelo método de avaliação directa, de acordo com o imposto em causa; 5) O Código do IRC contêm uma norma substantiva especial – artigo 57.º - segundo a qual as correcções à matéria colectável exigem a valorização de certas operações com o recurso a elementos extra-contabilísticos, só alcançados de forma indirecta.55 6) Se não bastasse já estarmos perante uma realidade distante de uma ciência exacta, verificamos que a indeterminabilidade dos conceitos do artigo 57.º do CIRC e a ausência de uma metodologia legal específica aplicável aos preços de transferência, reforçam a incerteza e insegurança que se vivem neste domínio. 3.3. O preenchimento dos conceitos indeterminados Lê-se num acórdão do STA, proferido em 9 de Dezembro de 1998, «Não contendo a lei um critério para definir o que são as relações especiais a que tal normativo se reporta, entende Vítor Faveiro […] que estas “deverão ser as relações de dependência ou subordinação que procuram justificar que uma empresa imponha a outra ou com ela acorde, condições diferentes das que decorreriam nas relações de mercado livre”. Ora, se os mesmos sócios pela sua posição accionista maioritária em ambas as empresas, podem decidir nas duas os negócios a efectuar e o modo por que os mesmos se devem processar com independência, temos que concluir que nos negócios entre elas ocorrem relações especiais que podem justificar condições diferentes das normais».56 Anteriormente a isto, o mesmo STA, pela mão do Juiz Conselheiro Rodrigues Pardal, já havia sublinhado que «não há relação especial se entre duas sociedades que têm um sócio em comum, uma empresa não dominar a outra ou não estiverem subordinadas à mesma direcção empresarial».57 Sem prejuízo deste entendimento, o preenchimento deste conceito não tem sido pacífico. 54 O valor declarado é igual ao valor real pelo qual foi realizada e registada contabilisticamente a operação. Como regra, nestas situações, não há simulação nem sequer qualquer erro contabilístico que permita a aplicação do artigo 88.º da LGT. Como bem sublinha Alfonso Gota Losada, «… la discrepancía entre la Administración y la sociedad no tiene su causa en defectos substanciados de la contabilidad, la cual lo más probable es que refleje correctamente las transacciones económicas producidas, sino en la aplicación de unos critérios de valor distintos. De manera que […] no es procedente aplicar el procedimento de estimación indirecta de bases, luego el procedimento aplicable es el que hemos denominado […] “procedimento de estimación valorativa”», in Tratado del Impuesto de Sociedades, Tomo II, pág. 522, ed. Extecom, SA, Madrid 1988; 55 O lucro tributável da sociedade continua a ser “… constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade…” como prescreve o n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, mas tal resultado deve ser corrigido nos termos do mesmo diploma (e.g. deduzindo-se os prejuízos e/ ou os benefícios fiscais existentes), sendo possível substituir o valor declarado e registado pelo valor de mercado que seria utilizado entre entidades independentes (e.g. ampliando ou reduzindo os proveitos ou os custos), nos termos dos artigos 15 (3) e 57.º do CIRC. Não estamos perante a utilização de uma presunção mas diante uma norma substantiva especial de valorização de uma operação para efeitos fiscais e daqui decorrem importantes corolários. Por um lado, a administração não pode presumir o valor do ajustamento, posto que sobre si cai o ónus de encontrar o valor de mercado. Por outro lado, as regras do procedimento de avaliação e revisão da matéria colectável calculada por métodos indirectos não são aplicáveis neste domínio. No mesmo sentido, veja-se Afonso Gota Losada, ob. cit., pág. 144. Afinal, como sublinha Saldanha Sanches, «a lei parte assim do balanço comercial para, através de mudanças pontuais de regime, definir o balanço fiscal…», in A Quantificação da Obrigação Tributária, cadernos da CTF (173), pág. 322, Lisboa 1995; 56 Cfr. Rec. 19.858. 57 Ac. STA 23.10.91, Rec. 13.350, in Ap. DR. 10.8.94, pág. 1090. Neste estado de coisas, na ausência de uma definição própria, as mais elementares regras de interpretação exigem que se procure reconstituir o pensamento legislativo a partir da definição do artigo 9.º n.º 1 do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o rendimento e o património, o qual serviu de inspiração à celebração das Convenções bilaterais celebradas por Portugal, à redacção originária do artigo 51.º A do CCI58 e, recentemente, à própria Convenção relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas.5960 Para afastar as incertezas, o Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal recomendava que «… o artigo 57.º do CIRC seja desenvolvido no sentido de delinear, tanto quanto possível, o conceito de relações especiais e explicitar os métodos adequados à determinação do preço de plena concorrência.61 E o recente Relatório da Comissão de Reforma da Fiscalidade Internacional Portuguesa voltou a reafirmar com contundência a necessidade de definir o conceito de relações especiais, reduzindo a insegurança que ainda paira neste âmbito e conformando-nos com as Recomendações da OCDE. Tantas são as vozes a clamar por certeza e aludir aos critérios que já definem as nossas obrigações internacionais, que mal se compreende a persistência em não definir expressamente o conceito «relações especiais» e em integrá-lo directamente na LGT.62 Porventura autonomizando uma secção para tratar dos preços de transferência, nomeadamente: a) indicando e definindo os requisitos cuja verificação necessária permite as correcções efectuadas pela DGCI – o actual artigo 77.º (3), expurgado dos conceitos indeterminados; b) definindo os critérios e metodologias que permitem determinar o preço de plena concorrência entre empresas independentes; e c) estabelecendo um procedimento que assegure cabalmente o contraditório em caso de ter ocorrido qualquer correcção. 3.4. A avaliação e a valorização das operações Como lembrava há bem pouco tempo Maria Teresa Veiga de Faria, em comunicação apresentada na 30ª. Assembleia Geral da CIAT, a propósito da correcção dos “preços de transferência”, «a formulação do princípio que, aliás, foi introduzido em 1964, tem-se mantido, por opção, com um carácter muito genérico, não especificando a lei as metodologias a aplicar».63 Na versão do Projecto de Convenção destinada a evitar as duplas tributações da OCDE de 1963. A definição da Convenção relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas, 90/436/CEE (JOCE L 225/10, 20.8.90) é reproduzida do artigo 9.º (1) da Convenção Modelo da OCDE. A Comissão, criada nos termos previstos no artigo um da Convenção, apresenta uma recomendação que os EstadosMembros podem não acolher; a sua prolacção impõe, no entanto, que no espaço de seis meses os Estados adoptem uma solução que elimine a dupla tributação. Veja-se em geral, Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. II, pág. 366 e segs., ed. Lisboa 1996. 60 J.J. Amaral Tomás, sublinha expressamente que na ausência desta definição «…é aplicável o conceito previsto no artigo 9.º n.º 1 do Modelo da Convenção da OCDE» in “Os preços de transferência”, Fisco n.º 29, pág. 22. De harmonia com o artigo 9.º, entende-se que existem relações especiais quando uma empresa de um Estado contratante participar, directa ou indirectamente, na direcção, no controle ou no capital de uma empresa do outro Estado contratante ou as mesmas pessoas participarem, directa ou indirectamente, na direcção, no controlo ou no capital de uma empresa de um Estado contratante e de uma empresa do outro Estado contratante». No mesmo sentido se pronuncia Celeste Cardona “ Regime Jurídico da Correcção de Lucros Tributários”, Eurocontas, Abril 1996, pág. 12. 61 Cfr. Relatório cit., pág. 662, Ministério das Finanças, Abril 1996. 62 No âmbito de aplicação da Convenção Multilateral de Arbitragem não se poderá deixar de interpretar este termo em conformidade com a definição dada pelo seu artigo 4.º que reproduz integralmente o artigo 9.º (1) da Convenção Modelo OCDE 63 Cfr. Maria Teresa Veiga de Faria, “A Fiscalização dos Preços de Transferência das Operações Internacionais”, in Bol. C.T.F. N.º 381, pág. 149. Mesmo as margens de segurança (sem sede de juros e royalties) foram eliminadas com a 58 59 Tanto quanto é do nosso conhecimento não existem ainda práticas administrativas, nem a experiência permite fundamentar qual a metodologia seguida ou a seguir com vista à determinação do valor normal dos preços de transferência.64 Em rigor, os princípios orientadores sugeridos pela OCDE permitem encontrar mais do que um preço de plena concorrência, dependendo do método utilizado. Uma vez que a OCDE, de que Portugal é membro, já emitiu recomendações e orientações sobre esta matéria, que permitem interpretar e aplicar as convenções bilaterais para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal, tendo de alguma forma também sido tomadas em consideração aquando da aprovação da convenção de Arbitragem Comunitária, parece-nos que a administração fiscal portuguesa deva observá-las no caso de proceder a correcções ao abrigo do artigo 57.º do CIRC.65,66 Independentemente disso, em caso de proceder a uma correcção, a Administração terá também que descrever os termos em que tais operações decorrem entre pessoas independente e em idênticas circunstâncias, dando assim cumprimento ao artigo 80.º b) do CPT. No interessantíssimo caso relatado pelo Juiz Conselheiro Brandão de Pinho, o STA veio expressamente confirmar que não basta «… considerar como excessivo o acréscimo de custos suportado pela UMM Portugal, sustentando numa factura não discriminativa, que não revela a respectiva composição, e que aquela empresa comparticipou numa estrutura de custos, sem realizar uma verdadeira operação lucrativa, para além da inexistência – o que é meramente formal – de um contrato escrito, a enquadrar a natureza dos custos a comparticipar, os critérios de repartição a adoptar, as formas de pagamento, etc…»67. No caso concreto foi precisamente aquela falta – não preenchimento do requisito previsto no artigo 80.º b) do CPT – que determinou a anulação do despacho do SEAF que corrigira o lucro tributável da UMM Portugal, sem ter sequer apreciado o que seria o “valor de mercado” daquela contribuição.68 Outros casos, porém, exigirão uma busca exaustiva daquele valor. Por isso, o citado relatório da CDRF já recomendava «…a explicitação das metodologias mais adequadas para a determinação do preço de plena concorrência, em razão dos bens, dos serviços, ou das transferências de tecnologia em causa, dos respectivos mercados, das condições de venda e pagamento, e de outros aspectos relevantes…» na linha das recomendações previstas nos relatórios da OCDE.69 E, mais recentemente o relatório da CRFIP veio sublinhar a introdução da reforma dos impostos sobre o rendimento em 1989. Para maiores desenvolvimentos, veja-se da mesma A., “Preços de Transferência: Problemática geral”, in XXX Aniversário CEF 1963-1993, Ministério das Finanças, Lisboa 1993 64 Cfr. J.J. Amaral Tomás, ob. cit., pág. 23. A situação não anda muito distante daquela que foi retratada por Maria de Lurdes Correia e Vale em “Critérios de imputação de receitas e despesas entre sociedades interdependentes em diferentes países quer sejam partes em convenções internacionais sobre dupla tributação quer o não sejam”, Bol. CTF n.º 162, págs. 7-56. 65 Cfr. Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, OCDE, Paris 1995, actualizado periodicamente; e Recomendação do Conselho da OCDE [C/M (97)] 18/Prov.]. 66 Os métodos que permitem avaliar e valorizar as transacções são detalhadamente explicados nas orientações da OCDE e já têm sido descritos e apreciados entre nós. Vejam-se os trabalhos de Miguel Teixeira de Abreu, “Os preços de Transferência no Contexto Internacional”, Fisco n.º 18, págs. 9-15, e “Os preços de transferência no quadro da evasão fiscal internacional”, in CTF n.º 358, pág. 109 (assim, pág. 146 e segs), Celeste Cardona, ob. cit, págs. 14 e 15, Maria Teresa Veiga de Faria, “Os Preços de Transferência: Problemática Geral”, ed. XXX Aniversário do CEF, ed. Ministério das Finanças, págs. 397 e segs., e do A., “Portugal: the Cost – plus method: determination of the margin and cost base”, in Transfer Pricing Journal, vol. 6, n.º 3, 1999, págs.104-108; 67 Ac. STA de 6.11.96, Ap. DR 28.12.98, pág. 3260. 68 A este propósito sublinha Philip Baker: «This is an unsual transfer pricing case from Portugal. The cost contribution appears clearly excessive given that it involved a mark up of 45% over cost. […]. What is rather interesting is that the taxpayer sought to justify the cost contribution by reference to the additional costs of entering a new market. The Supreme Administrative Court did not need, in the final analysis, to express a decided view on that issue. The Court’s dicta suggest, however, that it might have accepted that parties at arms length would have agreed to make such a contribution to enter a new market [see, for example Para 1.32 of the OECD Transfer Pricing Guidelines (…)]», 1 I.T.L.R (1998/1999), págs. 137 e 138. 69 Cfr. Relatório de CDRF, pág. 660, Ministério das Finanças, Abril 1996. necessidade dessas mesmas recomendações serem objecto de integração no direito português… Com o propósito de evitar ou pelo menos reduzir o tipo de discussões em torno do que se entende por valor de mercado, o legislador espanhol enumerou recentemente vários métodos de avaliação e valorização das operações, introduzindo regras que permitem determinar aquele valor seguindo as linhas recomendadas pela OCDE.70 É essa outra das tarefas que, entre nós, falta realizar, eliminando os riscos de uma intervenção descricionária da Administração que, tantas vezes, se procura esquivar à aplicação do método mais adequado para adoptar o método que lhe garanta uma maior receita.71 4. O procedimento previsto na LGT para a revisão da matéria colectável segundo métodos indirectos e as correcções dos preços de transferência 4.1. Procedimentos a adoptar na revisão de matéria colectável fixada por métodos indirectos 4.1.1. Apresentação de reclamação necessária? Seus efeitos.72 4.1.1.1. Introdução Antes de entrarmos na análise das regras respeitantes ao procedimento, convém precisar de novo, conceptual e metodologicamente, as diferentes situações em que a matéria colectável pode ser avaliada indirectamente73, posto que em princípio aquela deve ser calculada directamente, segundo os critérios próprios de cada imposto. Tivemos também oportunidade de sublinhar que neste últimos casos, os quais abrangem três possibilidades de avaliação indirecta, deveríamos distinguir fundamentalmente duas situações em que a matéria colectável é calculada a priori segundo o regime simplificado de tributação e aquelas em que a tributação é determinada a posteriori com base em presunções ou ficções legais.74 No entanto, o contribuinte poderá pronunciar-se antes dessa fixação, o que deverá ocorrer não só antes da elaboração do Relatório final da inspecção tributária [cfr. artigo do RCPIT e 60 (1) e) da LGT], como antes da tomada de decisão de aplicação de métodos indirectos [cfr. artigo 60.º (1) d) da LGT]. A preterição desta formalidade consumada com a 70 Cfr. Artigo 16 (3) do LIS. Um estudo detalhado sobre estas situações pode encontrar-se no capitulo X (Regras de valorização: operações vinculadas) dos Comentários al impuesto sobre as sociedades, tomo I, págs. 713 a 790, Editorial civitas, Madrid 1998. 71 A experiência em matéria de preços de transferência é muito reduzida, no entanto, a liberdade de escolha concedida à administração em sede de métodos indirectos (cfr. artigo 90.º da LGT, equivalente aos artigos 38.º (5) e 52.º do CIRS e CIRC, respectivamente) é já disso exemplo. 72 Deve ter-se em especial atenção que, até à entrada em vigor do novo CPT, a lei permite que o contribuinte possa optar pelo regime da reclamação previsto nos artigos 84.º e segs. do CPT vigente – cfr. artigo 3.º (2) do DL 398/98 de 17 Dezembro. 73 A avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa [cfr. artigo 86.º (1) da LGT]. Em regra, o acto da avaliação directa do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação não é um acto destacável que permita a sua impugnação directa e imediata. Haverá casos, no entanto, em que podem ter a natureza de actos destacáveis e, nesse caso têm de ser imediatamente atacados e impugnados e não a impugnação do acto final de liquidação, sob pena de se deixar consolidar na ordem jurídica o primeiro acto. 74 O primeiro tipo de situações procura combater a evasão fiscal de forma preventiva, ao passo que as duas outras medidas previstas no artigo 87.º b) e c) da LGT já visam reprimir a evasão na sequência de uma acção ou omissão do contribuinte. não notificação do sujeito passivo para se pronunciar, determinará automaticamente a ilegalidade do acto.75 Além disso, a lei estabelece que a impugnação da avaliação directa – em regra efectuada na sequência de uma fiscalização – exige o prévio esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão, nos termos do artigo 86.º (2) da LGT, mas essa é também a regra no caso da matéria tributável ser fixada por métodos indirectos.76 4.1.1.2. Regime simplificado de tributação Em qualquer caso, a lei concretiza que o procedimento de revisão da matéria colectável fixada com recurso a métodos indirectos só abrange o segundo tipo de situações acima indicados, explicitando-se peremptoriamente que tal pedido de revisão não cabe “… em caso de aplicação de regime simplificado de tributação”.77 O que se explica por duas ordens de razões. Primeiro, porque a aplicação desse regime decorre – como regra – de um acto de vontade do sujeito passivo que decide não optar pela avaliação directa. Segundo, porque a determinação de matéria colectável – ainda que realizada por métodos indirectos – é calculada em funções das condições e critérios objectivamente estabelecidos na lei, reduzindo ao mínimo a possibilidade de uma intervenção descricionária da Administração. Assim, não se exigindo e até impedindo-se o recurso ao meio administrativo de revisão comum [cfr. artigos 86.º (1) e 91.º (1) da LGT], ter-se-á de admitir a impugnação contenciosa directa da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta, de modo a poder discutir eventuais erros na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável. 4.1.1.3. Matéria tributável fixada com base em presunções ou ficções legais Já o segundo tipo de situações – avaliação indirecta calculada com base em presunções ou ficções legais78 - exige a prévia reclamação, como decorre expressamente do disposto nos artigos 91.º (1) e 86.º (5) da LGT. Neste contexto, verifica-se que houve uma hesitação assinalável na qualificação terminológica do procedimento de revisão adoptado pela LGT. Apesar de se prever que tal procedimento se inicia com a apresentação de um «…requerimento fundamentado dirigido ao órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal…» e de se prever que todo o procedimento é conduzido pelo perito da administração tributária designado por este órgão que, a final «na falta de acordo […] resolverá, de acordo com o seu prudente juízo…», o Cfr. artigo 135.º do CPA aplicável por remissão do artigo 2.º c) da LGT. A alteração do artigo 86.º (2) operada pela Lei 100/99 é equívoca porque, como regra, é a matéria colectável determinada de forma indirecta que não é susceptível de ser impugnada imediata e directamente sem antes se esgotarem os meios administrativos para a sua revisão. O próprio acto de fixação definitiva da matéria colectável que decide a reclamação não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação [cfr. artigos 86.º (3) e 95 (2) c) da LGT]. 77 Cfr. Artigo 91.º (1) da LGT. 78 Situações em que se revela impossível determinar directa e exactamente a matéria colectável (cfr. artigo 88.º da LGT) ou em que a mesma se afasta significativamente da matéria colectável standard para aquele tipo de actividade e empresa (cfr. artigo 89.º da LGT). 75 76 legislador não adoptou o termo «reclamação», senão de forma indirecta [cfr. artigos 91.º (6), (9) e (15) e 86.º (5) da LGT].79 4.1.1.4. Efeitos de reclamação prévia Os principais efeitos desta reclamação podem sintetizar-se fundamentalmente em dois tipos: O primeiro deles visa evitar a consolidação na ordem jurídica do acto que fixou a matéria colectável com base nos métodos indirectos e que se poderia considerar definitivamente fixado tanto em relação ao “quantum” (i.e. ao valor da matéria colectável determinada pela administração) como em relação à verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos que legitimaram aquela fixação. Em segundo lugar, a reclamação suspende a liquidação do tributo nos termos do artigo 91.º (2) da LGT.80 Este efeito acaba por corresponder a um corolário do primeiro princípio, posto que o acto de liquidação é, por natureza, um acto consequente do acto de fixação de matéria colectável. 4.1.2. A forma e o conteúdo mínimo da reclamação Na preparação da reclamação, o sujeito passivo deverá ter em consideração certos requisitos formais, a saber: (i) Dirigir a reclamação ao orgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal – até à reorganização da DGCI as reclamações devem ser dirigidas aos directores distritais de finanças e aos directores de finanças da Região Autónoma da Madeira e dos Açores, consoante os casos – cfr. artigos 91.º (1) da LGT e 4.º do DL 398/98 de 17.XII; (ii) A reclamação deve ser apresentada em requerimento fundamentado, evidenciando os erros na quantificação ou nos pressupostos de determinação indirecta de matéria colectável – cfr. artigos 86.º (5), 91.º (1) e (14) da LGT; (iii) A reclamação deve ser apresentada no prazo de 30 dias a contar da data da notificação da decisão que fixou a matéria colectável com o recurso a uma avaliação indirecta, nos termos do artigo 279.º do Código Civil – cfr. artigos 57.º (3), 77.º (6) e 91.º (1) da LGT e 65.º (1) do CPT; (iv) A reclamação deve conter a indicação do perito que representa o sujeito passivo, apesar de nada dever obstar a que o contribuinte apresente a sua «defesa em causa própria» indicando-se como perito para defender os seus interesses – cfr. artigo 91.º (1) da LGT;81 (v) O sujeito passivo pode ainda requerer a nomeação de um perito independente, o qual será sorteado entre as personalidades constantes de listas distritais que serão organizadas pela Comissão Nacional de Revisão – cfr. artigos 91.º (4), 94.º e 95.º (1) da LGT. 79 No mínimo estas hesitações terão o inconveniente de vir permitir confusões terminológicas entre a reclamação do acto de fixação da matéria colectável por métodos indirectos e a reclamação do acto de liquidação. 80 Do mesmo modo, a LGT previu expressamente a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 46.º (2) d), alargando-se também neste âmbito o campo de aplicação do anterior artigo 33.º do CPT. 81 A lei refere que o reclamante deve proceder à «… indicação do perito que o represente» dando ideia que será necessário dar mandato a um terceiro (seja advogado ou não). O facto de se instituir um “processo de partes” e de se não exigirem características técnicas ou de independência ao perito parece, no entanto, evidenciar a desnecessidade de mandatar uma terceira pessoa. Outra solução revelar-se-ia incomportável para os sujeitos que não tenham meios económicos para suportar a sua defesa através de uma pessoa independente, uma vez que o regime do apoio judiciário não cobre estas situações. Em qualquer caso, se não se viesse a admitir tal entendimento, o director distrital de finanças competente teria de convidar o reclamante a suprir essa suposta falta, procedendo então à nomeação do terceiro perito, nos termos dos artigos 44.º do CPT, 76.º (1) e (2) do CPA, 2.º b) e c) e 57.º (2) da LGT. 4.1.3. Um processo de partes para compor o conflito A Lei Geral Tributária quebra indiscutivelmente com a tradição procedimental tributária nesta matéria, ao instituir um processo de partes para tentar resolver o conflito. Neste domínio, a Lei veio atacar a proposta apresentada no Anteprojecto da LGT fazendo assentar o procedimento de revisão num debate contraditório onde se confrontam duas partes: o contribuinte e a Administração Fiscal. Transforma-se o procedimento de revisão num processo que opõe duas partes, desenvolvendo-se a competência para fixar a matéria colectável, na falta de acordo, ao orgão competente da Administração Fiscal. Com isto, o legislador absteve-se deliberadamente de criar um orgão autónomo (e.g. “Comissão de Revisão”) com voto de qualidade da Administração Fiscal a quem competiria decidir a reclamação. Acaba-se com a reclamação para um orgão supostamente independente e imparcial e com isso enterra-se a expressão “Comissão” que cada vez mais andava associada a uma ideia de uma “Comissão Arbitral” sem as características, a natureza e os fins desta.82 O procedimento de revisão, conduzido pelo perito da administração tributária reúne os peritos das duas partes e o eventual perito independente, nomeado a pedido de qualquer uma daquelas partes, nos termos previstos no artigo 91.º (1), (3) e (4) da LGT. A lei limita-se a indicar – timidamente – que o perito da administração “…preferencialmente não deve ter tido qualquer intervenção anterior no processo”. Em qualquer caso, parece-nos indiscutível que se tal perito interveio de forma directa ou mesmo indirecta na formação do acto reclamado, a sua nomeação viola o princípio da imparcialidade consagrado nos artigos 55.º da LGT e 266.º (2) da CRP., existindo um verdadeiro impedimento à sua nomeação, o qual pode determinar a anulabilidade da decisão.83 4.1.4. Os efeitos da decisão das partes Não obstante o perito da Administração Fiscal não assumir o papel do Juiz, dotado das suas características de independência, terá de exercer as suas competências «…na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários».84 Aliás, só reconhecendo que a Administração respeita estes princípios é que o contribuinte aceitará chegar a um acordo com o perito da Administração, o qual permitirá proceder à consolidação definitiva do acto de fixação da matéria colectável na ordem jurídica, e à liquidação do imposto sem possibilidade de qualquer das partes poder vir a discutir o “quantum” por via da impugnação ou recurso.85 82 O processo instituído está a meio caminho entre a arbitragem e a peritagem. Só decidindo por acordo é que os peritos das partes podem compor o diferendo que opunha as partes. Em caso de insucesso, a administração decide só, apesar de então as posições daqueles peritos se elevarem a pareceres fundamentados que devem ser considerados na resolução do litígio. 83 Uma interessante análise do princípio da imparcialidade pode ver-se no Ac. do STA de 21.10.98, Rec. n.º 22.279, CTF 364/377. Cfr. artigo 44.º (1) g) e 51.º do CPA. Veja-se também a “LGT – Comentada e Anotada, ob. Cit., nota 9.ª ao artigo 91.º 84 Cfr. artigo 55.º da LGT. 85 O artigo 92.º (5) estabelece expressamente que «em caso de acordo, a administração tributária não pode alterar a matéria tributável acordada, salvo em caso de trânsito em julgado de crime de fraude fiscal envolvendo os elementos que serviram de base à sua participação, considerando-se então suspenso o prazo de caducidade no período entre o acordo e a decisão judicial», deixando de regular expressamente os efeitos em relação ao sujeito passivo. Este facto, associado ao pressuposto de que o contribuinte não estará pessoalmente presente para fazer valer os seus direitos e interesses terá A fixação definitiva de matéria colectável por acordo implicará, num primeiro momento, a liquidação do “tributo” em conformidade com a matéria colectável acordada [cfr. artigo 92.º (3) da LGT], mas também exigirá que daí se extraiam as necessárias consequências em face de outros tributos que dele dependem. Ou seja, no caso de se chegar a acordo para reduzir a matéria colectável de IRC de 100.000 contos para 30.000 contos haverá que também partir destes novos valores para liquidar o respectivo IVA supostamente em falta. A matéria colectável acordada não poderá – salvo no caso mencionado no artigo 92.º (5) da LGT – voltar a ser alterada, devendo servir de base aos tributos abrangidos pela mesma (e.g. IRS, IRC, IVA) e a todos anos, períodos ou exercícios a que respeita o acordo. Aliás, em caso de reclamação da matéria tributável apurada na mesma acção de inspecção é autuado um único procedimento de revisão, ainda que respeitante a mais de um exercício ou tributo. 4.1.5. Procedimento de revisão A finalidade de todo o procedimento de revisão é a obtenção de um acordo quanto ao valor da matéria colectável. Tal busca compete aos peritos das partes – com a eventual participação do perito independente – e é assente num debate contraditório conduzido pelo perito da administração fiscal.86 porventura levado o Presidente da Comissão que elaborou o ante-projecto, Professor Leite de Campos, e os ilustres Conselheiros Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa a deixar entrever que o contribuinte poderá ainda reclamar desse acto. Estes AA. sublinham a este propósito: «…o sujeito passivo, que não intervém na elaboração do acordo, não está vinculado pelo acordo referido, que poderá impugnar com, fundamento em qualquer ilegalidade» - cfr. ob. cit., 3.ª anotação ao artigo 92.º, pág. 317. No entanto, a nosso ver, o artigo 86.º (4) da LGT não parece permitir tal possibilidade incondicionalmente. Aí se dispõe: «Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver tido por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria colectável regulado no presente capítulo». A questão que nos parece poder levantar-se – estando aflorada na passagem dos AA acima citados – será a de saber se o acordo expresso implicará uma renúncia definitiva de recurso aos Tribunais tanto para discutir o “quantum” do imposto como a verificação dos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável. O Supremo Tribunal Administrativo tem ultimamente entendido que a renúncia ao direito de impugnação ou recurso só é válida se constar de declaração expressa que, hoje, a LGT estende a qualquer “…outro instrumento formal” – cfr. artigo 96.º (2); acresce que tal renúncia só é válida nos casos previstos na lei [cfr. artigo 96.º (1) da LGT]. Sem prejuízo de se ter reconhecido que ambos os peritos puderam apreciar se se reuniram os pressupostos que originam a avaliação indirecta da matéria colectável, a lei limitou-se a determinar que o debate contraditório «visa o estabelecimento de um acordo […] quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação» [cfr. artigos 91.º (14) in fine, 86.º (5) e 92.º (1) da LGT]. Ou seja, nos termos da lei parece-nos que esse acordo não significa necessariamente um prévio acordo sobre a “bondade do recurso à avaliação indirecta”, equivalente à renúncia de recorrer a Tribunal para discutir essa matéria. Ora, é certo que a lei poderia ter previsto expressamente que esse acordo incidia também sobre o adequado recurso à avaliação indirecta, reconhecendo automaticamente a renúncia expressa ao recurso aos Tribunais, em obediência ao princípio da economia processual (e.g. renúncia sob condição), tal como havia sugerido o Relatório apresentado, em Novembro de 1997, pela Comissão de Estudo e Análise da Regulamentação do Processo Fiscal – cfr. Relatório da CEARPF, in CTF 394/III, assim pág. 117. Contudo, atenta a letra da lei parece-nos que o acordo não impedirá o sujeito passivo de repor aquela questão de direito – verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável – ao Tribunal competente, através de uma eventual impugnação do acto tributário de liquidação, em virtude de não se dever presumir a renúncia ao direito de recurso aos Tribunais para discutir a citada questão de direito [cfr. artigos 96.º, 92.º (1) e 86.º (4) da LGT e 212.º da CRP]. Nem se diga a existência de acordo sobre o “quantum” representa, por si, um acordo implícito sobre a verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos. Primeiro, a lei não faz decorrer directa e expressamente esse efeito daquele acordo que não incide sobre essa matéria. Segundo, já era essa a situação legal vigente antes da entrada em vigor da LGT, em que se admitia que o contribuinte (com ou sem acordo no seio da CDR) sindicasse judicialmente a legalidade do acto de determinação do rendimento colectável, com base em métodos indirectos, alegando que não se haviam verificado os pressupostos que legitimavam o recurso a tais métodos. A limitação à sindicância judicial, restringia-se à “matéria de facto” e exigia a comunhão de opiniões da Comissão e do perito independente nomeado e pedido do contribuinte [cfr. artigo 89.º (2) do CPT, em conformidade com alterações introduzidas pelo DL 24/98 de 9 de Fevereiro]. Terceiro, é a própria lei que impede a renúncia à impugnação sem uma declaração de vontade expressa nesse sentido. 86 Cfr. artigo 92.º (1) e (2) da LGT. O procedimento de revisão tem o seu início com a primeira reunião dos peritos das partes. Na sequência da apresentação da reclamação, o Director Distrital de Finanças87 deverá designar o perito da administração fiscal (no prazo de 8 dias) e marcar a primeira reunião dos peritos a realizar no prazo máximo de 15 dias. A convocação do perito do contribuinte deve ser efectuada por carta registada e com antecedência não inferior a oito dias.88 Esta exigência é imperativa, tanto mais que a lei comina a “não comparência injustificada” com a desistência do pedido.89 Com o intuito de implementar um procedimento célere, o legislador estabeleceu que «em caso de falta do perito do contribuinte, o órgão da administração tributária marcará nova reunião para o 5.º dia subsequente…». A rigidez deste comando legislativo [que, a nosso ver, agrava a situação prevista anteriormente no artigo 86.º (4) do CPT] parece-nos excessiva em virtude de dificultar enormemente a exequibilidade do procedimento de notificação do contribuinte que, obviamente, não poderá deixar de ser feita por carta registada – diremos mesmo, com aviso de recepção – em virtude da lei determinar que a falta injustificada à primeira reunião e a não comparência à segunda reunião valem como desistência da reclamação [cfr. artigo 91.º (6) da LGT e 65.º (1) do CPT].90 Em qualquer caso, parece-nos que o contribuinte poderá sempre invocar “justo impedimento” caso não tenha podido – em tempo – justificar a falta à primeira e segunda reuniões, designadamente porque se encontrava ausente no estrangeiro; nesses casos, competirá àquele orgão da administração designar um novo dia para a reunião.91 Outra interpretação violará sempre os mais elementares direitos dos contribuintes e designadamente o princípio da proporcionalidade92 e o direito à justiça fiscal com tutela constitucional.93 87 O Director de Finanças da Madeira ou dos Açores ou a entidade que vier a ser determinada por lei [cfr. artigos 91.º (1) e (3) da LGT e 4.º do DL 398/98 de 17 de Dezembro]. 88 Os peritos da Fazenda Pública constarão da lista de âmbito distrital aprovada anualmente pelo Ministro das Finanças até 31 de Março, sendo o perito escolhido de acordo com a data de entrada da reclamação e da ordem das listas, as quais podem também estar organizadas, por sectores de actividade económica, de acordo com a qualificação dos peritos [cfr. artigo 91.º (1), (12) e (13) da LGT]. 89 Cfr. Artigo 91.º (5) da LGT. 90 A redacção dada ao artigo 91.º (6) pela Lei 100/99 ainda piorou a situação, pois parece exigir que o contribuinte justifique a falta à primeira reunião, sob pena de se verificar a primeira condição que faria presumir a desistência da reclamação. A ratio do preceito, a aplicação sistemática das várias regras e os princípios constitucionais da proporcionalidade e do direito à justiça não podem, em qualquer caso, admitir tal interpretação. 91 Mal estaríamos se no mesmo momento em que os Tribunais Administrativo voltam a admitir a invocabilidade do “justo impedimento” relativamente aos prazos de recurso contencioso – ainda que considerem estarmos perante um prazo de natureza substantiva – a Administração negasse essa possibilidade aos administrados até por aplicação remissiva do artigo 2.º d) da LGT para o artigo 146.º da CPC. A presunção legal da desistência da reclamação tem necessariamente que admitir prova em contrário, a qual passará pela justificação da falta à reunião marcada pela administração fiscal no prazo definido na lei ou quando tal se afigurar possível ao bonus pater famílias. Veja-se o Ac. STA de 25.11.98, Rec. 34.284, in Justiça Administrativa n.º 15, págs. 15-32, Maio/Junho 1999. 92 «Esta sanção de desistência, nos casos em que as duas faltas às reuniões sejam justificadas, parece ser dificilmente conciliável com o princípio constitucional da proporcionalidade», in LGT – Comentada e anotada, anotação 11, ao artigo 91.º, ob. Cit., pág. 313. 93 De outra forma, admitir-se-ia que a falta a uma reunião, marcada num espaço de tempo eventualmente insuficiente para originar a justificação da não comparência, poderia dar lugar a um acto de fixação da matéria colectável por métodos indirectos automático, limitando, nesse pressuposto, o objecto de uma posterior impugnação ou recurso. Tal interpretação do artigo 91.º (6) da LGT deveria então ser considerada desconforme ao disposto nos artigos 20.º e 268.º (4) do CRP, por violação do direito de acesso à justiça. Se assim não fosse, ter-se-ia que admitir que aquele acto não se havia consolidado na ordem jurídica permitindo-se ainda a discussão do “quantum” no âmbito da impugnação judicial do acto de liquidação. Caso contrário, admitir-se-ia que uma regra de procedimento poderia legitimar, indirectamente, a consagração de uma presunção inilidivel, posto que a matéria tributável estaria definitivamente fixada de acordo com métodos indirectos, em clara violação do disposto no artigo 73.º da LGT. Veja-se o Ac. STA 25.2.98, Rec. 21.177. O perito independente, sorteado entre as personalidades constantes das listas distritais elaboradas pela Comissão Nacional de Revisão, e nomeado a requerimento de qualquer dos partes, poderá não estar presente nas reuniões, ficando ainda assim com a possibilidade de apresentar as suas observações por escrito, no prazo de 5 dias a seguir à reunião em que devia ter comparecido.94 No entanto, no caso da sua nomeação ter sido requerida pelo contribuinte, a Administração não poderá – em caso algum – deixar de o nomear em virtude da lei assegurar ao procedimento certas garantias que, na sua ausência, seriam postergadas. A tramitação deste procedimento sem a sua nomeação equivaleria, no nosso entender, à preterição de uma formalidade essencial exigindo, por isso, a anulação de qualquer acto que viesse a ser adoptado pela administração.95 A apreciação da reclamação e o procedimento de revisão deve estar concluído no prazo de 30 dias contados do seu início (i.e. 45 dias após a apresentação da reclamação). No caso dos peritos das partes não chegarem a acordo durante esse período sobre o valor da matéria colectável a considerar para efeitos de liquidação, o Director Distrital de Finanças competente decide a reclamação, de acordo com o seu prudente juízo. O número 6 do artigo 92.º da LGT indica que tal decisão deve ter em conta as posições de ambos os peritos, tendo já levado alguns AA a aventar que a sua decisão está condicionada pela posições apresentadas pelos peritos das partes.96 Apesar da controvérsia se poder gerar em torno da equívoca expressão usada pela lei, parece-nos que deve preponderar uma interpretação teleológica que, ademais encontra expressão na letra e espírito da norma, a qual admite a adopção de qualquer decisão «…de acordo com o seu prudente juízo…». A decisão não poderá evitar a fundamentação com referência às posições assumidas pelos peritos das partes, mas não deverá estar condicionada a quaisquer limites impostos pelos mesmos.97 O limite esse encontrar-se-á entre o valor inicialmente fixado e o valor reclamado. Do processo de partes e da reclamação apresentada pelo sujeito decorre a proibição de reformatio in peius, não sendo pois possível ao director distrital de finanças, na ausência de acordo dos peritos das partes, fixar um rendimento tributável superior ao reclamado. Por outro lado, se interveio perito independente, a decisão do director distrital de finanças deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial do seu Cfr. artigo 91.º (7) da LGT. Caso assim não fosse admitir-se-ia que esta disposição poderia quedar com letra morta à vontade da administração, impedindo a intervenção de uma entidade independente e inviabilizando a possibilidade do contribuinte poder prosseguir a sua contenda – administrativa ou judicial – sem ter de pagar o imposto controvertido e de prestar garantia no processo executivo – cfr. artigo 92.º (7) e (8) da LGT. Mesmo no primeiro ano de aplicação do regime, afigura-se-nos, indubitavelmente, que seria mais gravoso e penalisador para os contribuintes prosseguir com um processo sem essa nomeação (porque, eventualmente, ainda não estavam criadas as condições para lhe dar exequibilidade prática) do que, perdendo a celeridade que lhe é característica, aguardar que essas condições estivessem criadas e os peritos fossem nomeados. 96 Cfr. LGT – Comentada e Anotada, ob. Cit., comentário 5 ao artigo 92.º, pág. 318. 97 Qualquer notificação de um acto que possa afectar os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados tem de ser fundamentado. Sobre esta matéria veja-se a LGT – Comentada e Anotada, ob. Cit., nota 18 ao artigo 77.º. Decorre do desenrolar dessa explicação que «…o artigo 22.º do CPT será materialmente inconstitucional se for interpretado como permitindo que actos desse tipo tenham eficácia sem a notificação do conteúdo da decisão e da fundamentação. Assim, este art. 22.º, numa interpretação compatível com a Constituição, nos casos de falta de notificação da decisão ou sua fundamentação, deverá ser interpretado como uma mera faculdade que é concedida ao notificado irregularmente, para obter a sanação da deficiência. Mas, se o interessado notificado irregularmente não usar desta faculdade, não poderá, por força daquela norma constitucional, considerar-se que o acto é eficaz em relação a ele, designadamente para efeitos da contagem do prazo para impugnação graciosa ou contenciosa» 94 95 parecer, nos termos da lei.98 99 Caso o perito independente tenha aderido à tese do contribuinte – no todo ou em parte – a reclamação ou impugnação judicial terá, na parte em que se verificou esta consonância de opiniões, efeito suspensivo, independentemente da prestação de garantia.100 101 Acresce que a apresentação da reclamação não estará sujeita a quaisquer custas ou outros encargos, salvo se cumulativamente se verificarem determinadas circunstâncias, a saber: (1) Provar-se que se verificaram os pressupostos de aplicação de métodos indirectos; (2) A reclamação for destituída de qualquer fundamentação; (3) Tendo sido deduzida impugnação judicial esta venha a ser considerada improcedente. Com a redacção inicial do artigo 91.º (9) da LGT, na sequência de indeferimento da reclamação, o director distrital de finanças poderia aplicar um agravamento até 5% da colecta reclamada, graduada em função de falta, e que seria exigida adicionalmente a título de custas.102 A Lei 100/99, vindo permitir a aplicação do agravamento em todas as situações em que a impugnação não tem sucesso, alargou inadmissivelmente a possibilidade dessa cominação poder vir a ser aplicada automaticamente, depois de decorridos variadíssimos anos, penalizando ainda mais o contribuinte. Uma vez que este agravamento pode ainda assim ser objecto de impugnação autónoma com fundamento na injustiça da decisão condenatória, na prática esta questão poder-se arrastar anos pelos Tribunais…103 4.1.6. Abertura da via judicial Seguindo a tradição vigente [cfr. artigo 89.º (1) do CPT], a avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação do imposto.104 Já deixámos antever que, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação apresentada nos termos do artigo 91.º da LGT.105 Do mesmo modo, a propósito dos efeitos da decisão das partes, enunciámos as razões que nos levam a sustentar que a insindicabilidade judicial do acto de fixação de matéria 98 Anteriormente a propósito da fundamentação do acto da CDR vejam-se os Acs. STA de 5.6.91 e 25.6.98, respeitantes aos recursos ns. 12.150 e 22.750 respectivamente, este último, publicado in Bol. CTF 391/232 e segs. Vejam-se do mesmo modo, os Acs. STA 25.2.93 (AD 384/1221), 30.4.92 (AD 372/1308), 11.5.98 (AD 338/1398 e Ac. STA [P] 27.10.82 AD 256/528. 99 Cfr. artigo 92.º (7) da LGT. 100 Cfr. artigos 92.º (8) da LGT. Apesar do sistema criado ter a virtualidade de teoricamente permitir a nomeação de verdadeiros peritos independentes, o processo da sua nomeação é bastante complexo e moroso. 101 A reunião deverá culminar sempre com a redacção de uma acta redigida pelos dois peritos, nos termos do artigo 27.º do CPA, por remissão do artigo 2.º c) da LGT. Sobre o assunto, veja-se a “LGT – Comentada e Anotada, Ob. Cit., pág. 317. 102 Cfr. artigo 101.º do CPT. 103 Apesar de existir algum paralelismo entre esta condenação e a condenação por litigância de má-fé, deve prevalecer a aproximação deste agravamento às “custas”, conduzindo a que tal valor respeite o valor das eventuais custas que seriam devidas não fosse a sua inexistência. Assim, não obstante o limite fixado na lei ser de 5% da colecta reclamada, o valor do agravamento nunca poderá corresponder a um valor desproporcionado com os objectivos que se quiserem prosseguir, sob pena da sua aplicação ser ilegal e dessa disposição poder vir a ser considerada inconstitucional por violação do artigo 266.º (2) da CRP. 104 Cfr. Artigo 86.º (3) da LGT. 105 Cfr. artigo 86.º (5) da LGT. O n.º 2 do mesmo artigo estabelece, além disso, que a impugnação de avaliação indirecta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão. colectável por acordo das partes se limita ao respectivo “quantum”, parecendo-nos possível trazer sempre quaisquer questões de direito para o forum próprio da justiça – os Tribunais.106 No entanto, na falta de acordo, o contribuinte poderá reagir contra o acto de liquidação com fundamento em qualquer ilegalidade, designadamente com base em erro de quantificação, erro nos pressupostos de determinação da matéria tributável ou com fundamento em qualquer outro vício que atinja o acto impugnado ou qualquer acto anterior que aquele consuma ou absorva.107 4.2. O procedimento a adoptar no âmbito dos preços de transferência Tivemos já oportunidade de esclarecer que não existem na LGT regras especiais sobre o procedimento de correcção “do preço” das operações entre empresas associadas ou a respeito da sua revisão, na sequência da sua fixação pela administração fiscal. As correcções dos preços de transferência efectuam-se geralmente na sequência de uma inspecção tributária (cfr. artigo 63.º da LGT e artigo 2.º do RCPIT). A esse respeito, ainda assim, teremos que distinguir os procedimentos a adoptar no decorrer de uma operação de fiscalização e aqueles que operam após a sua conclusão. 4.2.1. Procedimentos a adoptar antes da conclusão do relatório da inspecção Os procedimentos do procedimento tributário estão vertidos na LGT (cfr. artigos 95.º e segs. da LGT) e estão desenvolvidos, no que respeita especificamente às acções de inspecção, no RCPIT (artigos 5.º e segs. e 54.º e segs. do RCPIT). O procedimento tributário deve ser concluído no prazo de 6 meses e, nesse período, deve contar com a colaboração e participação do contribuinte (cfr. artigos 59.º e 60.º da LGT e 8.º, 9.º, 54.º, 55.º e 60.º do RCPIT). Atenta a natureza particularmente sensível das correcções efectuadas ao abrigo do artigo 57.º do CIRC – sujeitas a uma apertada vigilância e exigente fundamentação [cfr. artigo 77.º (3) da LGT] – os princípios do contraditório, da cooperação, da participação e da audição prévia, desenvolvidos no RCPIT, permitem que o contribuinte possa intervir directamente – e com o apoio de um perito especializado108 - no decurso da fiscalização, expressando a sua 106 Deve sublinhar-se que, no caso em que são utilizados métodos indirectos, por aplicação do artigo 87.º c) da LGT, o direito de liquidar os impostos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de três anos. No entanto, tal prazo suspende-se desde a data em que é apresentada a reclamação até à sua decisão – cfr. artigos 45.º (2) e 46.º (1) d) da LGT. 107 Vimos oportunamente que a lei estabeleceu critérios objectivos para que a Administração determine a matéria tributável por métodos indirectos, atribuindo-lhe, ainda assim, uma margem de manobra relativamente alargada no que respeita às opções de um ou outros critérios [e.g. a aplicação dos vários índices nas als. a) a d) do n.º 1 do artigo 90.º da LGT]. Não obstante nos parecer que certos elementos devem necessariamente ser ponderados [als. e) e g) do n.º 1 do artigo 90.º da LGT] em obediência aos próprios princípios por que se deve pautar todo o procedimento tributário, afigura-se indispensável que os Tribunais apreciem se os factos de que a administração partiu para presumir a existência de um rendimento são verdadeiros ou falsos. Como já sublinhou o STA, o recurso a um método presuntivo «… é um poder vinculado, sujeito a escrutínio judicial, que impõe que a A.F enuncie as razões que a levaram ao uso de tal método e que justifique esse uso» (cfr. Ac. STA de 28.10.98, Rec. 20.568). O Tribunal pode apreciar se os factos de que partiu a Administração para presumir a existência de mais rendimentos ou mesmo outros são verdadeiros ou falsos e pode – quando for um tribunal de revista limitado a conhecer as questões de direito – mandar alargar a matéria de facto ao tribunal a quo de modo a poder apreciar convenientemente a questão – vejam-se os Acs. STA 25.11.93, AD 380/900 (assim, pág. 905); e Ac. STA 3.11.93, Rec. 15.382, in Fisco ns. 65-65/30 (assim pág. 35). 108 Cfr. Artigo 54 (3) do RCPIT. versão dos factos, a qual deve ser reduzida a escrito em obediência ao artigo 54.º (3) da LGT. Após a elaboração do projecto do relatório final o contribuinte deve ser notificado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o mesmo. No caso do contribuinte apresentar elementos novos, a prolacção do relatório final terá de ter em consideração não só os elementos indicados no artigo 62.º (2) a) da LGT, mas também esses novos elementos solicitados pelo contribuinte na audiência que precedeu a conclusão relatório – cfr. artigo 60.º do RCPIT e 60.º (6) da LGT. Neste domínio, a defesa dos contribuintes sai reforçada com a reforma recentemente introduzida pela LGT e já concretizada no RCPIT.109 Em qualquer caso poder-se-ia ter admitido um procedimento para prevenir conflitos, fosse pela via da regulamentação de acordos prévios em matéria de preços de transferência, fosse através de uma adaptação do pedido da informação prévia vinculativa a estas novas realidades.110 4.2.2. Procedimentos a adoptar após a conclusão do relatório da inspecção Em regra, neste contexto, concluído o relatório da inspecção é adoptado um acto tributário (o acto de fixação da matéria colectável), o qual se pode fundamentar nas conclusões daquele (cfr. artigos 77.º da LGT e 63.º do RCPIT). As correcções efectuadas ao abrigo do artigo 57.º do CIRC deverão ser notificadas ao contribuinte, acompanhadas da respectiva fundamentação, por carta registada com aviso de recepção [cfr. artigo 112.º (1) e 53.º (2) do CIRC]. No caso do acto tributário se afastar das conclusões do relatório de fiscalização, as razões de divergência deverão ser fundamentadas de forma expressa.111 A LGT indica expressamente que o pedido de revisão da matéria colectável previsto no artigo 91.º (respeitante ao início do procedimento de revisão da matéria colectável fixada por avaliação indirecta) não se aplica aos casos que possam ser objecto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação.112 Na sequência daquela notificação o contribuinte poderá, no prazo de 30 dias contados da notificação, interpor recurso hierárquico para o Ministro das Finanças e da decisão deste recurso contencioso para o Tribunal Central Administrativo, nos termos dos artigos 112.º (2) do CIRC, 41.º (1) b) do ETAF e 28.º (1) da LPTA. Nos termos do artigo 112.º (3) do CIRC, o recurso hierárquico terá efeito suspensivo quanto à parte do IRC correspondente aos valores contestados e deverá conter, sob pena de ser liminarmente rejeitado, os respectivos fundamentos, podendo ser-lhe juntos os documentos ou pareceres considerados relevantes.113 109 No entanto, a LGT foi parca nas alusões às correcções dos preços de transferência por oposição às que fez para as situações em que a matéria colectável é apurada segundo um procedimento de avaliação indirecta. Mas, têm de garantir-se os mesmos direitos procedimentais atribuídos aos restantes sujeitos passivos a quem se determine a matéria colectável com base em métodos indirectos, salvo disposição em contrário [cfr. artigo 91.º (14) da LGT]. 110 Por exemplo, poder-se-ia ter integrado tal possibilidade num outro número do artigo 37.º ou através de uma maior explicação do artigo 68.º da LGT. Veja-se sobre o assunto, Jean Pierre Lagae, “Advance Pricing Agreements”, EC Tax Review 1999/1, p.8-18 e Catarina Pinto Correia, “Les Prix de Transfer. Les Résolutions du problème de la double imposition. La procédure arbitrale et les accords préalables de prix”, Rev. Direito e Justiça, vol. XIII, 1999, Tomo I, pág. 255. 111 Cfr. Artigo 63.º (1) do RCPIT. 112 Cfr. Artigo 91.º (14) da LGT. O número 14 deste artigo 91.º confirma o que já se depreendia em face dos artigos anteriores que delimitam o campo de avaliação indirecta e das competências que são atribuídas às partes em termos de discussão (i.e. além do quantum da obrigação, admite-se agora que as partes também possam acordar sobre a (in)existência dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável. 113 O n.º 5 do artigo 112.º estabeleceu que «sempre que o contribuinte utilize o recurso previsto neste artigo, não poderá, em relação à matéria recorrida, socorrer-se dos meios de defesa previstos no artigo anterior», fundamentalmente as reclamações e as impugnações. A experiência tem mostrado e as estatísticas têm comprovado que a grande generalidade dos casos (em que há correcções ao abrigo do artigo 57.º do CIRC e que são remetidos ao Senhor Ministro das Finanças) são muito lentos e, como regra, estão votados ao insucesso. Considerar que existe a possibilidade de recurso contencioso com base no indeferimento tácito (cfr. artigo 57.º da LGT) não nos parece solução, uma vez que se procurava precisamente obter um filtro pré-contencioso que pudesse rever a primeira decisão administrativa. Por outro lado, a possibilidade de impugnação judicial do acto de fixação de matéria colectável, fixada nos termos do artigo 57.º, não tem sido admitida pelo STA, por considerar que aquele acto exige um recurso hierárquico necessário – cfr. Ac. STA 4.XII.91, Rec. 13.676. É certo que tal posição é susceptível de reacção em virtude daqueles actos definitivos, nos termos do artigo 18.º do CPT. Por essa razão, admitimos que também é possível – com o risco de lutar contra jurisprudência contrária – impugnar judicialmente o acto definitivo perante o Tribunal Tributário de 1.ª Instância. O que o artigo 112.º (5) do CIRC parece impedir é a cumulação de recurso hierárquico com a reclamação e/ou impugnação judicial.114 5. Conclusões 1. O recurso aos “métodos indirectos” ou à metodologia própria dos “preços de transferência” constitui uma excepção à regra geral que prevê a determinação do lucro tributável com base exclusiva nos respectivos elementos contabilísticos. Sendo situações excepcionais, a LGT procurou rodeá-las de vários cuidados, tanto ao nível da determinação das regras substantivas, como do procedimento. Apesar de tudo, a falta de um “olhar conjunto” isolou ainda mais estas problemáticas e permitiu reforçar o modelo tradicional de direitos e garantias de forma substancialmente diferente para os destinatários daquelas intervenções da administração fiscal. 2. Não obstante se terem alargado substancialmente os casos em que se admite o recurso a uma avaliação indirecta, muito para além do que foi proposto pela “Comissão encarregue de apresentar o Ante-Projecto da LGT”, criaram-se barreiras e mecanismos que permitirão um controle judicial apertado. Já no que respeita aos preços de transferência, a LGT limitou-se a extrair a consequência lógica da possibilidade de correcção das operações realizadas entre entidades com relações especiais e que é atribuída à DGCI; tal possibilidade exigirá a prévia verificação dos pressupostos taxativamente definidos na lei e a subsequente fundamentação das correcções na linha de orientação já prevista no artigo 80.º do CPT. Ficaram por definir os conceitos indeterminados (e.g. relações especiais) e por indicar os métodos para proceder à avaliação e valorização das transacções, de modo a encontrar o preço de plena concorrência. 3. As novas regras de procedimento e de inspecção tributária também reforçam as garantias dos contribuintes. No entanto, se se pode afirmar que o procedimento da revisão da matéria tributável em sede de métodos indirectos representou uma modificação substancial – se bem que os seus resultados possam vir a ser comprometidos pela dificuldade em articular a exequibilidade administrativa com o ambicioso plano gizado pelo legislador – já o mesmo se não pode dizer a respeito dos preços de transferência. 114 Neste sentido, veja-se a anotação da Ana Paula Dourado ao Ac. de 4 de Dezembro de 1991. Rec. 13.676, Fisco n.º 40, págs. 41 e segs. 4. Em termos substantivos, a LGT não trouxe nada de novo em sede de preços de transferência, tendo mesmo levantado dificuldades conceptuais na integração das eventuais correcções no âmbito dos dois métodos de avaliação – directa e indirecta. Assistindo-se às constantes recomendações da OCDE e à revisão das suas orientações desde 1995, à alteração das legislações similares à nossa, como a Espanhola, e às várias propostas que há muito existem em Portugal, verifica-se que não se quiseram consagrar as linhas mestras de mudança na LGT; nem sequer se quis deixar nota de que haverá – a breve trecho – que introduzir modificações de carácter legislativo (e.g. CIRC) e administrativo para dar satisfação às necessidades e às obrigações existentes e assumidas por Portugal no contexto internacional. 5. Teria sido bom que a LGT, enquanto moldura do sistema fiscal e com um papel determinante na clarificação e sistematização dos direitos e garantias dos contribuintes, também tivesse desenvolvido a área dos preços de transferência, ainda que através de um modesto contributo de carácter geral. Por um lado, permitindo a celebração de acordos prévios em matéria de preços de transferência e criando uma metodologia própria para determinar o preço de plena concorrência e, por outro, admitindo, ainda na fase administrativa (no âmbito de revisão da matéria colectável), uma intervenção participativa do contribuinte, de forma semelhante à que se garante para a fixação da matéria colectável por métodos indirectos. Mesmo refutando-se a introdução de um procedimento arbitral para tratar das controvérsias em sede de preços de transferência – e esta poderá ser a consequência lógica da adesão a Acordos prévios sobre essa matéria – impunha-se admitir um processo de revisão que fizesse apelo ao princípio do contraditório. A experiência mostra que nestas questões, de elevada complexidade técnica e com repercussões reditícias acentuadas, o recurso hierárquico não tem servido nenhum dos seus propósitos. O processo é moroso; em geral, não envolve uma instrução adicional e limita-se a permitir discutir questões de direito em gabinetes demasiadamente distanciados das realidades que lhes estão subjacentes… O recurso a terceiros independentes, à audição do sujeito passivo ou à simples aportação de novas provas não são regra e, por conseguinte, o recurso hierárquico tem funcionado como uma etapa necessária, mas não como um filtro pré-contencioso. Publicada a LGT persiste, como é natural, a necessidade de aperfeiçoar o trabalho realizado. Parte desta tarefa compete indisputavelmente ao legislador, mas, uma outra parte, não menos relevante, recai sobre os ombros dos diversos aplicadores do direito, da administração fiscal, dos contribuintes, dos advogados e, a final, tomba pesadamente sobre os julgadores a quem é atribuída a nobre e fascinante missão de realizar a justiça e de assegurar uma tutela jurisdicional efectiva! Lisboa, 17.7.99