Acórdãos TCAS
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:
04880/11
Secção:
CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:
12-08-2011
Relator:
JOAQUIM CONDESSO
Descritores:
CITAÇÃO EM EXECUÇÃO FISCAL.
FORMALIDADES DA CITAÇÃO PROVISÓRIA REALIZADA NOS
TERMOS DO ARTº.191, DO C.P.P.T.
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO. ARTº.715, DO C. P. CIVIL.
NOÇÃO E ÂMBITO DA PENHORA.
BENS RELATIVAMENTE IMPENHORÁVEIS. ARTº.823, Nº.1, DO
C.P.CIVIL.
BENS PERTENCENTES A PESSOAS COLECTIVAS DE UTILIDADE
PÚBLICA.
Sumário:
1. A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dandolhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender
(cfr.artº.228, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário).
Actualmente, a regulamentação nuclear da matéria relativa à citação, e
respectivas formalidades a respeitar, no âmbito dos processos de execução fiscal,
acha-se vertida nos artºs.188 a 194, do C.P.P.T.
2. No artº.191, nºs.1 e 2, do C.P.P.T., prevê o legislador a forma de citação
através de postal, registado ou não, consoante o valor da execução em causa for
ou não superior a dez U.C., mais se fixando em 250 U.C. o limite para além do
qual a citação tem de ser pessoal, tal como nos casos de efectivação de
responsabilidade subsidiária (cfr.artº.191, nº.3, do C.P.P.T.).
3. De acordo com o artº.715, do C. P. Civil, pode-se aplicar no processo vertente
a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos
da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul
incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que
a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar
prejudicadas pela solução que deu ao litígio, tudo ao abrigo do princípio da
economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual
preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
4. Aplicando-se a regra da substituição, deve o relator do processo, antes de ser
proferida decisão, a fim de evitar decisões-surpresa, mandar notificar cada uma
das partes para, em dez dias, se pronunciarem sobre as questões objecto dessa
decisão (cfr.artºs.3, nº.3, e 715, nº.3, ambos do C.P.Civil).
5. A penhora consubstancia-se na apreensão jurídica de bens do devedor ou de
terceiro, em termos de desapossamento em relação àqueles e de empossamento
quanto ao Tribunal, tudo com vista à realização dos fins da acção executiva. O
património do devedor susceptível de penhora constitui a garantia geral de
cumprimento das suas obrigações. A regra é a da penhorabilidade de todos os
bens do devedor, sem discriminação entre eles, desde que sejam susceptíveis de
produzir um qualquer valor, neles se incluindo os simples créditos, seja qual for a
sua natureza (cfr.artº.601, do C.Civil; artº.821, do C.P.Civil). O âmbito da
penhora é, obviamente, delimitado pelo fim do processo executivo: a satisfação
do crédito exequendo. Daí que seja dominado por um princípio de
proporcionalidade (cfr.artº.821, nº.3, do C.P.Civil), expressamente consagrado no
artº.217, do C. P. P. Tributário, no que ao processo tributário diz respeito.
6. Na penhora de bens em execução fiscal devem aplicar-se as restrições e
condicionamentos previstos no processo civil (“ex vi” do artº.2, al.e), do
C.P.P.T.), nomeadamente quanto a matérias que se prendem com o prévio exame
do requisito da idoneidade dos bens a apreender, ou seja, da sua penhorabilidade
(cfr.artº.822 a 824-A, do C.P.Civil ).
7. O artº.823, nº.1, do C. P. Civil, consagra o regime de impenhorabilidade
relativa ou subsidiária de bens, desde logo, ressalvando a hipótese de execução
para pagamento de dívida com garantia real. Dizem-se relativamente
impenhoráveis os bens que apenas podem ser penhorados em determinadas
circunstâncias ou com vista ao pagamento de certas dívidas.
8. O reclamante/recorrido, “Sport Grupo Sacavenense”, de acordo com a matéria
de facto provada (cfr.nº.5 da matéria de facto provada) é uma associação
(cfr.artº.157, do C.Civil) que goza do estatuto de utilidade pública, o qual lhe foi
atribuído ao abrigo do regime previsto no dec.lei 460/77, de 7/11
(cfr.actualmente o dec.lei 391/2007, de 13/12). Encontramo-nos, portanto,
perante uma pessoa colectiva privada à qual foi atribuído o estatuto de utilidade
pública e que a doutrina denomina como pessoa colectiva de mera utilidade
pública.
9. Os bens de pessoas colectivas de utilidade pública somente estão isentos de
penhora ao abrigo do artº.823, nº.1, do C. P. Civil, quando se demonstre
encontrarem-se especial e efectivamente afectados à realização de fins de
utilidade pública, cumprindo ao executado o ónus de provar essa especial
afectação, conforme resulta do artº.342, nº.2, do C. Civil.
Aditamento:
1
Decisão Texto
Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA
deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto
sentença proferida pela Mma. Juíza do Tribunal Tributário de
Lisboa, exarada a fls.240 a 247 do presente processo,
através da qual julgou procedente a reclamação de acto do
órgão de execução fiscal deduzida por “A...”, executado no
âmbito do processo de execução fiscal nº.34922006/107082.7, o qual corre seus termos no 4º. Serviço de
Finanças de Loures, em cujo dispositivo decide:
“…Pelo exposto, e nos termos das disposições legais
citadas, julgo procedente a reclamação deduzida por A...,
anulando o acto reclamado quanto à penhora das rendas…”.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.261 a 266 dos
autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Conclui-se, pois, que no caso concreto a alegada falta de
prova da citação efectuada, nos termos do artº.191, do
C.P.P.T., não se verifica, uma vez que a prova junta pela
R.F.Pública é manifestamente suficiente para conferir ao
douto Tribunal a certeza de que a mesma foi efectivamente
realizada;
2-Subsidiariamente e no seguimento da citação efectuada,
nos termos do artº.191, do C.P.P.T., e face ao seu carácter
provisório, deverá ser a ora reclamante considerada
devidamente citada nos termos do artº.193, do mesmo
diploma, uma vez que não se verifica a falta de citação
susceptível de prejudicar a defesa da mesma;
3-Assim, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na
ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que
incorreu em erro de julgamento sobre a prova documental
apresentada, consubstanciando esta uma errada
interpretação e aplicação das normas legais já citadas;
4-Nestes termos, em face da motivação e das conclusões
atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente
recurso, revogando-se, em consequência, a douta sentença
ora recorrida, com as legais consequências, assim se
fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu
douto parecer no sentido da total procedência do presente
recurso e acompanhando, em síntese, a argumentação da
recorrente Fazenda Pública (cfr.fls.279 e 280 dos autos).
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo
(cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.),
vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de
facto (cfr.fls.244 e 245 dos autos):
1-Em 13/12/2006 foi instaurada à reclamante no 4º. Serviço
de Finanças de Loures, o processo de execução fiscal
nº.3492-2006/107082.7 para a cobrança coerciva do
montante de € 967,54 e acrescido, respeitante a Coimas de
2006;
2-No âmbito do processo de execução fiscal foram
efectuadas as seguintes penhoras:
a) Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 3125 da
freguesia de Sacavém, concelho de Loures, com o VPT de €
2.595.600,00;
b) Rendas recebidas pela reclamante por força de um
contrato de arrendamento que mantém com a sociedade
“B..., Serviços, Lda.”;
3-Por despacho de 18/12/2009 da Chefe de Finanças, por
Delegação, a Adjunta, foi levantada a penhora do imóvel
referido no número anterior.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não
provada a seguinte “…Que a reclamante tivesse sido citada
antes das penhoras referidas no nº.2 dos factos provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de
facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…Os
factos provados assentam na análise crítica dos elementos
constantes dos autos, nomeadamente dos títulos executivos,
das informações oficiais e dos documentos juntos…”.
X
Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se
baseou em prova documental constante dos presentes autos
e apenso e, por outro lado, que a recorrente impugna a
decisão da matéria de facto constante da sentença objecto
do presente recurso num ponto específico, este Tribunal
julga provada a seguinte factualidade que se reputa
relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao
probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), e 2, do C. P.
Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
4-No âmbito do processo de execução fiscal identificado no
nº.1 supra, figura como executado e ora recorrido, o “A...”,
com o n.i.p.c. ..., mais tendo domicílio fiscal no Largo 5 de
Outubro, 2685-000 Sacavém (cfr.documentos juntos a fls.15
e 29 dos presentes autos; factualidade admitida pelo
reclamante/recorrido na p.i.);
5-O executado e ora recorrido goza do estatuto de utilidade
pública (cfr.despacho do Primeiro-Ministro, datado de
7/8/1986, efectuado ao abrigo dos artºs.2 e 3, do dec.lei
460/77, de 7/11, e publicado na II série, do D.R. 193, de
23/8/1986, a pág.7872);
6-Em 21/12/2006, foi expedido aviso-citação do executado
para o seu domicílio fiscal, através de postal registado nos
CTT sob o nº. RP311868648PT, o qual não foi devolvido
(cfr.informação exarada a fls.23 dos presentes autos;
documentos juntos a fls.216, 222 e 223 dos presentes
autos);
7-Em 7/10/2009, foi concretizada a penhora de rendas
identificada no nº.2, al.b), supra, tendo o 4º. Serviço de
Finanças de Loures procedido à notificação da mesma
penhora e citação pessoal do executado, no pretérito dia
21/10/2009 (cfr.documentos juntos a fls.12 e 16 dos
presentes autos; informação exarada a fls.23 dos presentes
autos; factualidade admitida pela reclamante/recorrida na
p.i.).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à
matéria de facto aditada, no teor dos documentos e
informações oficiais referidos, tal como na análise dos
mecanismos de admissão de factualidade por parte do
reclamante/recorrido, enquanto espécie de prova admitida no
âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação
pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida
considerou, em síntese, julgar procedente a reclamação
deduzida por “A...”, anulando o acto reclamado quanto à
penhora das rendas, dado não existir prova nos autos de que
a Fazenda Pública tenha procedido à citação do
reclamante/executado mediante postal nos termos do
artº.191, do C. P. P. Tributário.
X
O recorrente discorda do decidido sustentando desde logo,
como supra se alude, que a alegada falta de prova da
citação efectuada, nos termos do artº.191, do C.P.P.T., não
se verifica, uma vez que a prova junta pela R.F.P. é
manifestamente suficiente para conferir ao douto Tribunal a
certeza de que a mesma foi efectivamente realizada
(cfr.conclusões 1 e 2 do recurso), com base em tal alegação
pretendendo consubstanciar erro de julgamento de facto da
decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos tribunais
no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à
sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e
privados no âmbito das relações jurídicas administrativotributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da
causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta
peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os
quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e
do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra
as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e
limites do poder à sombra da qual é decretada e, então,
torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C.
P. Civil.
Cremos que o caso “sub judice” se integra na primeira
hipótese já que o que a recorrente pretende é que a
sentença dá como não provados factos que o devem ser
(erro de julgamento da matéria de facto).
Saber se os factos que o recorrente considera relevantes e a
provar mediante a produção de prova documental, por serem
relevantes para o enquadramento jurídico das questões a
apreciar e decidir, é matéria que se coloca claramente no
âmbito da validade substancial da sentença, que não no da
sua validade formal. Ou seja, o facto de na sentença não ter
sido considerada a factualidade - provada e não provada referida pelo recorrente poderá constituir erro de julgamento,
mas já não nulidade da sentença.
Passemos, então, ao exame do dito erro de julgamento da
matéria de facto, o qual o recorrente reconduz à análise dos
documentos juntos aos autos pela Fazenda Pública durante
a instrução do processo em 1ª. Instância.
Antes de avançarmos na apreciação, haveremos de ter
presente que a garantia do duplo grau de jurisdição em
matéria de facto, consagrada no artº.712, do C. P. Civil, tem
de conviver com o princípio da livre apreciação da prova,
logo na 1ª. Instância (artº.655, nº.1 do C.P.Civil, aplicável ao
processo tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.),
Segundo o princípio da livre apreciação da prova o Tribunal
baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na
sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação
que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de
acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento
das pessoas. Somente quando a força probatória de certos
meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força
probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do
C.Civil) é que não domina na apreciação das provas
produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.Prof.Alberto
dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987,
pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de
Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e
seg.).
No caso concreto, este Tribunal já supra se pronunciou,
tendo aditado à factualidade provada os nºs.4 a 6 exarados
anteriormente, sendo que o nº.6 da factualidade aditada se
fundamenta precisamente nos documentos juntos pela
Fazenda Pública durante a instrução do processo em 1ª.
Instância.
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas
considerações, julga-se procedente o vício assacado à
sentença objecto de recurso e sob apreciação.
Mais argúi o recorrente que a douta sentença ora recorrida, a
manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda
Pública que incorreu em erro de julgamento sobre a prova
documental apresentada, consubstanciando esta uma errada
interpretação e aplicação das normas legais constantes dos
artºs.191 e 193, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 2 e 3 do
recurso), com base em tal alegação pretendendo
consubstanciar, segundo cremos, erro de julgamento de
direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso
padece de tal vício.
O processo de execução fiscal tem como objectivo primacial
a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza,
estando estruturado em termos mais simples do que o
processo de execução comum, com o intuito de conseguir
uma maior celeridade na sua cobrança, recomendada pelas
finalidades de interesse público das receitas que através
dele são cobradas.
A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa
dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma
e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.228, do
C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário;
ac.T.C.A.Sul, de 24/5/2011, proc.4478/11).
Actualmente, a regulamentação nuclear da matéria relativa à
citação, e respectivas formalidades a respeitar, no âmbito
dos processos de execução fiscal, acha-se vertida nos
artºs.188 a 194, do C.P.P.T. (cfr.artºs.272 a 278, do anterior
C.P.Tributário).
No artº.191, nºs.1 e 2, do C.P.P.T., prevê o legislador a
forma de citação através de postal, registado ou não,
consoante o valor da execução em causa for ou não superior
a dez U.C., mais se fixando em 250 U.C. o limite para além
do qual a citação tem de ser pessoal, tal como nos casos de
efectivação de responsabilidade subsidiária (cfr.artº.191,
nº.3, do C.P.P.T.). Esta forma de citação, embora
tendencialmente funcione como meio de proporcionar ao
destinatário o conhecimento da instauração de uma
execução contra ele, não fornece garantias para o processo
de a citação ter chegado ao conhecimento do citando,
principalmente nos casos que o postal nem sequer é
registado. Por isso, ela é considerada como uma citação
meramente provisória/prévia que só dispensa uma citação
definitiva (pessoal ou edital - cfr.artº.192, do C.P.P.T.), nos
casos em que não vier a ser efectuada penhora. Com efeito,
no artº.193, do mesmo diploma, prevê-se que, quando a
citação é efectuada por postal nos termos do examinado
artº.191, nºs.1 e 2, se o postal não vier devolvido, ou sendoo, não indicar nova morada do destinatário, proceder-se-á de
imediato à penhora, mas, se se conseguir penhorar bens,
proceder-se-á à citação pessoal do executado, mais se
devendo levar a cabo citação edital se não for conhecida a
sua morada. Esta solução da citação provisória/prévia (a
consagrada no artº.191, nºs.1 e 2, do C.P.P.T.), pode
aceitar-se, já que não havendo penhora de bens, não pode
resultar do processo lesão patrimonial para a pessoa
singular ou colectiva contra quem corre a execução e,
consequentemente, não se torna indispensável assegurar
que lhe é dada possibilidade de defesa contra a pretensão
do exequente (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 31/1/2007,
rec.697/06; ac.T.C.A.Norte, de 14/6/2007,
proc.1212/04.3BEBRG; Jorge Lopes de Sousa,
C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas
Editora, 5ª. edição, 2007, pág.271 e seg.; A. José de Sousa
e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo
Tributário anotado e comentado, Almedina, 2000, pág.456 e
seg.; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal,
Almedina, 2008, pág.197 e seg.; Rui Duarte Morais, A
Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.48 e seg.).
“In casu”, no processo de execução fiscal nº.34922006/107082.7, no âmbito do qual foi deduzida a reclamação
que originou os presentes autos, levando em consideração o
montante da dívida exequenda (€ 967,54, conforme se retira
do nº.1 da matéria de facto provada), a citação do
executado/reclamante devia ser realizada através de postal
registado (cfr.artº.191, nºs.1 e 2, do C.P.P.T.), dado que o
débito exequendo concreto era superior a dez (10) e inferior
a duzentas e cinquenta (250) unidades de conta (no período
compreendido entre 1/1/2004 e 31/12/2006 o valor da U.C.
cifrou-se em € 89,00, atento o disposto nos artºs.5, nº.2, e 6,
nº.1, do dec.lei 212/89, de 30/6 - cfr.Salvador da Costa,
Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado,
Almedina, 2ª. edição, 2009, pág.29 e seg.).
Conforme se retira da matéria de facto provada o
executado/reclamante foi citado em 21/12/2006, ao abrigo do
artº.191, nº.2, do C.P.P.Tributário, através de aviso-citação
registado e no âmbito do processo de execução fiscal
nº.3492-2006/107082.7 (cfr.nº.6 da matéria de facto
provada), não obstando à prova de tal citação o facto de o
aludido aviso-citação ter sido enviado no âmbito de um
registo colectivo, dado que não foi o mesmo devolvido.
Nestes termos, reunidos se encontravam os pressupostos
para que a A. Fiscal procedesse à penhora de bens do
executado/reclamante, conforme dispõe o artº.193, nº.1, do
C.P.P.Tributário, o que na realidade viria a ocorrer em
7/10/2009, consubstanciando-se, além do mais, na penhora
de rendas, e tendo o 4º. Serviço de Finanças de Loures
procedido à notificação da mesma penhora e citação pessoal
do executado, no pretérito dia 21/10/2009 (cfr.nº.7 da matéria
de facto provada), tudo como se encontra consagrado no
artº.193, nºs.1 e 2, do citado diploma.
Em conclusão, nada a apontar ao cumprimento e respeito
pelos pertinentes normativos legais por parte da Fazenda
Pública e no âmbito do processo de execução fiscal nº.34922006/107082.7, o qual corre termos no 4º. Serviço de
Finanças de Loures.
Terminando, sem necessidade de mais amplas
ponderações, julga-se procedente este fundamento do
recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida a
qual padece do vício de erro de julgamento de direito
incidente sobre a alegada falta de prova da citação do
reclamante/executado mediante postal nos termos do
artº.191, do C. P. P. Tributário, no âmbito do processo de
execução fiscal nº.3492-2006/107082.7, ao que se procederá
na parte dispositiva deste acórdão.
X
Haverá, agora, que saber se, de acordo com o artº.715, do
C. P. Civil, se pode aplicar no processo vertente a regra da
substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos
termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal
Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao
tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão
recorrida as não haja apreciado, designadamente por as
considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio, tudo
ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no
caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de
supressão de um grau de jurisdição.
Pensamos que sim, desde logo porque a factualidade
provada se baseia em prova documental, assim nada
havendo que obste a tal conhecimento e dispondo dos
elementos de facto para tal, neste conspecto se devendo
levar em consideração a matéria de facto aditada ao
probatório.
Mais se dirá que, aplicando-se a regra da substituição, deve
o relator do processo, antes de ser proferida decisão, a fim
de evitar decisões-surpresa, mandar notificar cada uma das
partes para, em dez dias, se pronunciarem sobre as
questões objecto dessa decisão (cfr.artºs.3, nº.3, e 715, nº.3,
ambos do C.P.Civil).
“In casu”, tal despacho foi exarado a fls.282 dos presentes
autos, somente tendo o reclamante/recorrido produzido
alegações complementares (cfr.fls.285 e 286 dos autos), nas
quais termina pugnando pelo provimento da reclamação e
consequente anulação da penhora de rendas.
Concluindo, deve este Tribunal avançar para o conhecimento
em substituição, resultante da revogação da decisão
recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de
direito incidente sobre a alegada falta de prova da citação do
reclamante/executado, mediante postal e nos termos do
artº.191, do C. P. P. Tributário.
A reclamação que deu origem ao presente processo tinha
por objecto inicial a penhora de um imóvel e a penhora de
rendas, ambas levadas a efeito no âmbito do processo de
execução fiscal nº.3492-2006/107082.7, o qual corre termos
no 4º. Serviço de Finanças de Loures (cfr.nº.2 da matéria de
facto provada e supra exarada). Tendo a penhora sobre o
imóvel sido levantada pela Fazenda Pública, através de
despacho de 18/12/2009 (cfr.nº.3 da matéria de facto
provada), foi declarada a inutilidade superveniente da lide
nesta parte, através de sentença com trânsito em julgado
(cfr.sentença exarada a fls.56 a 62 dos autos).
Nestes termos, resta apreciar a matéria relativa à penhora de
rendas, rendas essas recebidas pelo reclamante “A...” por
força de um contrato de arrendamento que mantém com a
sociedade “B..., Serviços, L.da.”, as quais o mesmo
reclamante qualifica como um bem relativamente
impenhorável, assim sendo ilegal a respectiva penhora,
devido a violação do disposto no artº.823, nº.1, do Código de
Processo Civil, mais devendo ser anulada, nos termos do
artº.135, do C.P.A.
A penhora consubstancia-se na apreensão jurídica de bens
do devedor ou de terceiro, em termos de desapossamento
em relação àqueles e de empossamento quanto ao Tribunal,
tudo com vista à realização dos fins da acção executiva. O
património do devedor susceptível de penhora constitui a
garantia geral de cumprimento das suas obrigações. A regra
é a da penhorabilidade de todos os bens do devedor, sem
discriminação entre eles, desde que sejam susceptíveis de
produzir um qualquer valor, neles se incluindo os simples
créditos, seja qual for a sua natureza (cfr.artº.601, do C.Civil;
artº.821, do C.P.Civil). O âmbito da penhora é, obviamente,
delimitado pelo fim do processo executivo: a satisfação do
crédito exequendo. Daí que seja dominado por um princípio
de proporcionalidade (cfr.artº.821, nº.3, do C.P.Civil),
expressamente consagrado no artº.217, do C. P. P.
Tributário, no que ao processo tributário diz respeito (cfr.Rui
Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª.edição, Almedina,
2010, pág.92 e seg.; Carlos Paiva, O Processo de Execução
Fiscal, Almedina, 2008, pág.273 e seg.; Artur Anselmo de
Castro, A acção executiva singular, comum e especial, 3ª.
edição, Coimbra Editora, 1977, pág.107 e seg.; Salvador da
Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 1998, pág.27 e
seg.).
Na penhora de bens em execução fiscal devem aplicar-se as
restrições e condicionamentos previstos no processo civil
(“ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), nomeadamente quanto
a matérias que se prendem com o prévio exame do requisito
da idoneidade dos bens a apreender, ou seja, da sua
penhorabilidade (cfr.artº.822 a 824-A, do C.P.Civil; Jorge
Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II
volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.441).
No caso “sub judice”, conforme se retira da matéria de facto
provada (cfr.nº.2 da matéria de facto provada e supra
exarada), o que está em causa é a penhora de rendas,
rendas essas recebidas pelo reclamante “A...” por força de
um contrato de arrendamento que mantém com a sociedade
“B..., Serviços, L.da.”. No âmbito do processo executivo
tributário, a penhora de rendas, enquanto modalidade de
rendimentos periódicos, está prevista e deve seguir as
formalidades dos artºs.228 e 229, do C. P. P. Tributário.
Alega o reclamante/recorrido que as rendas em causa se
devem considerar como um bem relativamente
impenhorável, assim sendo ilegal a respectiva penhora,
devido a violação do disposto no artº.823, nº.1, do Código de
Processo Civil.
Diz-nos o citado artº.823, nº.1, do C. P. Civil, na sua
redacção actual, resultante do dec.lei 38/2003, de 8/3, o
seguinte:
ARTIGO 823.º
(Bens relativamente impenhoráveis)
1-Estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução
para pagamento de dívida com garantia real, os bens do
Estado e das restantes pessoas colectivas públicas, de
entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou
de pessoas colectivas de utilidade pública, que se encontrem
especialmente afectados à realização de fins de utilidade
pública.
Este preceito consagra o regime de impenhorabilidade
relativa ou subsidiária de bens, desde logo, ressalvando a
hipótese de execução para pagamento de dívida com
garantia real. Dizem-se relativamente impenhoráveis os bens
que apenas podem ser penhorados em determinadas
circunstâncias ou com vista ao pagamento de certas dívidas
(cfr.José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes,
C.P.Civil anotado, 3º. Volume, Coimbra Editora, 2003,
pág.352). Os bens do domínio público do Estado e de outras
pessoas colectivas públicas são absolutamente
impenhoráveis (cfr.artº.822, al.b), do C.P.Civil). Já os bens
que integram o seu domínio privado estão sujeitos a penhora
salvo se, não incidindo sobre eles garantia real a favor do
exequente, se encontrarem especial e efectivamente
afectados à realização de fins de utilidade pública. O mesmo
acontece com os bens pertencentes a entidades
concessionárias de obras ou serviços públicos ou a pessoas
colectivas de utilidade pública, os quais são impenhoráveis,
igualmente, quando a penhora recaia sobre bens sobre que
não incida garantia real a favor do exequente e que estejam
especial e efectivamente afectados à realização de fins de
utilidade pública. Mais se dirá que os bens de pessoas
colectivas de utilidade pública somente estão isentos de
penhora ao abrigo do artº.823, nº.1, do C. P. Civil, quando se
demonstre encontrarem-se especial e efectivamente
afectados à realização de fins de utilidade pública,
cumprindo ao executado o ónus de provar essa especial
afectação, conforme resulta do artº.342, nº.2, do C. Civil
(cfr.José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes,
C.P.Civil anotado, 3º. Volume, Coimbra Editora, 2003,
pág.352 e seg.; Carlos Lopes do Rego, Comentários ao C. P.
Civil, II Volume, Almedina, 2ª. edição, 2004, pág.47 e seg.;
ac.S.T.J., 20/1/2010, proc.642/04.5TBSXL-B.L1.S1;
ac.R.Porto, 22/5/2006, proc.651458).
“In casu”, o reclamante/recorrido, “A...”, de acordo com a
matéria de facto provada (cfr.nº.5 da matéria de facto
provada) é uma associação (cfr.artº.157, do C.Civil) que
goza do estatuto de utilidade pública, o qual lhe foi atribuído
ao abrigo do regime previsto no dec.lei 460/77, de 7/11
(cfr.actualmente o dec.lei 391/2007, de 13/12). Encontramonos, portanto, perante uma pessoa colectiva privada à qual
foi atribuído o estatuto de utilidade pública e que a doutrina
denomina como pessoa colectiva de mera utilidade pública
(cfr.Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo,
I, Almedina, 1990, pág.565 e seg.; Marcello Caetano, Manual
de Direito Administrativo, I, 10ª. edição, Almedina, 1991,
pág.396 e seg.).
Enquanto pessoa colectiva de utilidade pública o
reclamante/recorrido enquadra-se na previsão do examinado
artº.823, nº.1, do C. P. Civil, mais se devendo concluir que as
rendas por si percebidas e que foram objecto de penhora no
âmbito do processo de execução fiscal nº.34922006/107082.7, o qual corre termos no 4º. Serviço de
Finanças de Loures, somente estão isentas de penhora ao
abrigo do mesmo preceito, quando se demonstre
encontrarem-se especial e efectivamente afectadas à
realização de fins de utilidade pública, cumprindo ao “A...” o
ónus de provar essa especial afectação, conforme resulta do
artº.342, nº.2, do C. Civil.
Ora, nos presentes autos, o reclamante/recorrido não faz
prova da especial e efectiva afectação das rendas
penhoradas à realização de fins de utilidade pública
derivados do seu estatuto. E compreende-se perfeitamente
que assim seja. É que, os citados fins de utilidade pública
são perfeitamente reconhecíveis relativamente a um campo
de jogos ou um pavilhão desportivo, por exemplo. Mas já não
se compreendem relativamente a rendas percebidas, as
quais se reconduzem a dinheiro. O que caracteriza o
dinheiro é precisamente a sua fungibilidade por bens ou
serviços. É para isso que foi concebido.
Nem doutro modo podia ser. O executado, sendo uma
pessoa colectiva de mera utilidade pública, que prossegue
fins sociais relevantes, não deixa, por isso, e no seu dia-adia, de ser um ente como os outros. Que, como os outros,
assume obrigações e que, como os outros, as deve cumprir.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações,
julga-se improcedente este fundamento da reclamação
deduzida por “A...”, em consequência do que se mantém o
acto reclamado no que diz respeito à penhora de rendas
levado a efeito no âmbito do processo de execução fiscal
nº.3492-2006/107082.7, dado que estas não devem
considerar-se bens relativamente impenhoráveis ao abrigo
do artº.823, nº.1, do C. P. Civil, ao que se procederá na parte
dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS
JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e revogar a
sentença recorrida a qual padece do vício de erro de
julgamento de direito;
2-CONHECENDO EM SUBSTITUIÇÃO, julgar improcedente
a reclamação deduzida por “A...”, em consequência do que
se mantém o acto reclamado, no que diz respeito à penhora
de rendas, levado a efeito no âmbito do processo de
execução fiscal nº.3492-2006/107082.7 (cfr.nºs.2, al.b), e 7
da matéria de facto provada).
X
Condena-se o reclamante/recorrido em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 12 de Agosto de 2011
(Joaquim Condesso - Relator)
(Carlos Araújo - 1º. Adjunto)
(Cristina dos Santos - 2º. Adjunto)
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