CONFLITO (OU PARADOXO) NA COMPREENSÃO DO QUE SEJA ÉTICA NA
POLÍTICA, NOS DIAS ATUAIS
Nepomuceno Silva (*)
A prática política, de nossos dias, não só no Brasil, está
a dissociar ou distanciar-se infinitamente, da ética, na expressão
filosófica, a única concebida.
Os suspicazes políticos, na volúpia da conquista ou da
manutenção do poder, erigem uma imaginária ética de resultados ou,
noutros termos, ética de êxito, consagrando a máxima de Maquiavel,
para o qual os fins justificariam os meios.
Ética, do latim ethica (ou do grego ethiké) é o estudo
dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de
qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a
determinada sociedade, seja de modo absoluto.
Pergunta-se, então: seria a denominada ética de êxito
uma verdadeira ética?
A filosofia, por certo, responderá que não, resultando
numa prática política, sem ética. E política sem ética é a política de
Maquiavel (Nicóllo Maquiavelli) pois ele a difere da moral e da religião.
Mas, segundo Giovanni Sartori (A política, Ed. UnB, 2ª ed., 1997, p. 163),
Maquiavel não chega à veritá effetuale della cosa, vez que desprovido
de preocupações descritivas e preconceitos de valos. Era um teorista
por excelência, nada mais.
Doutrina José Fernandes Santillán, no capítulo “As duas
éticas”, do livro “Antologia – Noberto Bobbio – O filósofo e a Política –
Sindicato Nacional dos Editores de Livros – 2003 – p. 171, que:
“De todas as teorias sobre a relação entre moral e
política, a que levou ao extremo a tese da separação, e
que, portanto pode ser considerada como a mais
1
consequentemente dualista, admite existência de duas
morais baseadas em dois diferentes critérios para julgar
as ações. Estes critérios levam a valorações não
necessariamente
coincidentes
do
mesmo
comportamento, e em conseqüência são incompatíveis
e não intercambiáveis entre s. Um exemplo clássico da
teoria das duas morais é a teoria weberiana, que
destaca
a
ética
da
convicção
e
a
ética
da
responsabilidade. O que distingue essas duas morais é
precisamente o diferente critério que elas usam para
julgar uma cão como boa ou má. A primeira leva em
consideração algo que antecede a ação – um princípio,
uma norma, alguma proposição prescritiva – e cuja
função é influir de maneira mais ou menos determinante
na
ação
real,
permitindo
julga-la
positiva
ou
negativamente ao estabelecer sua correspondência ou
não com a ação abstratamente contemplada. A
segunda, ao contrário, para fazer um julgamento positivo
ou negativo de uma ação, serve-se de algo que se
encontra mais além – ou seja, depois do resultado -,
permitindo que se faça um juízo positivo ou negativo da
ação ao se constatar se ela alcançou ou não o que
pretendia. Normalmente, essas duas éticas também
podem ser chamadas de ética dos princípios e ética dos
resultados. Na história da filosofia moral, correspondem a
elas, de um lado, as morais deontológicas (como a
kantiana) e, de outro, as morais teleológicas (como a
utilitarista), que hoje predominam.
As duas éticas não coincidem: o que é correto em
relação aos princípios pode ser incorreto em relação aos
resultados e vice-versa. Com base no princípio “não
matarás”, a pena de morte deve ser condenada; mas
com base no resultado, em seguida à comprovação de
que a pena de morte apresenta grande capacidade de
intimidação, ela poderia ser justificada (os abolicionistas
se empenham em demonstrar com dados estatísticos
que esta pena não tem grande poder de dissuasão).
2
Essa distinção percorre toda a história da filosofia
moral, independentemente da conexão que possa ter
com a distinção entre moral e política. Mas torna-se
importante em relação a esta última distinção quando se
sustenta que a ética do político é, exclusivamente, a da
responsabilidade (ou a dos resultados); que a ação do
político deve ser julgada conforme o êxito ou o fracasso;
que julga-la com base nos critérios de fidelidade aos
princípios é um moralismo abstrato que tem pouco
sentido quando aplicado às coisas desse mundo”.
Portanto, na Política, com
P
maiúsculo,
confunde-se ela com a ética (prática do bem comum) como
princípio pelo que, não se pode conceber uma ética de
resultados ou ética de êxito, como se isto fosse a verdadeira ética,
ou, noutros termos, ética como princípio. Pois, em verdade, o que
temos, ai, é um oportunismo (tirar proveito próprio de situações,
geralmente ambíguas ou, como explicita o Dicionário Aurélio
Eletrônico, “Sistema político em que a tática principal é a
acomodação às circunstâncias, a transigência adequada nos
fatos e acontecimentos momentâneos, para a consecução de
seus objetivos”) ou fisiologismo (“atitude ou prática – de políticos
ou funcionários públicos, etc. – caracterizada pela busca de
ganhos ou vantagens pessoais em lugar de ter em vista o interesse
público).
É momento de lembrar das lições do antropólogo
brasileiro, Roberto da Matta, citado em minha obra1, “no Brasil costumase ter duas éticas: uma para os amigos e outra para os outros,
arrematando: “Quando se tem duas, não se tem nenhuma”.
__________
1.
As Alianças e Coligações Partidárias, ed. Del Rey, 2003, p. 116.
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Na ética o que se preconiza – e de que necessita – é a
busca de soluções para o real palpitante, o fático e atual, não o teórico
ou simbólico.
Até porque o termo ética se refere ao indivíduo,
enquanto a política à esfera social, à qual pertence. Logo, se o
oportunismo ou fisiologismo condiz com o indivíduo (o suspicaz), não há
como inserir aí, o que é próprio do âmbito social, ou, como diz Lênio
Strek, à comum + unidade, vale dizer, à unidade política, que é titular
da política (com P maiúsculo) como princípio de vida. Mesmo que dois
ou mais indivíduos hajam fisiologicamente não há ver nisto qualquer
ação política, ante a ausência do requisito moral, naquela união.
(*) O autor é:
Professor de Direito Ambiental
Professor de Ética
Professor de Direito Eleitoral
Mestre em Direito Público
Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – 5ª CC
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