Título original: An interview with Naomi Eisenstadt Uma entrevista com Naomi Eisenstadt Extraído do livro ‘Aprendizagem na Primeira Infância: Lições da atuação em escala’, publicado pela Fundação Bernard van Leer “Se tivéssemos ampliado mais lentamente, o Sure Start poderia agora ter morrido na praia” Naomi Eisnenstadt foi a primeira diretora do programa Sure Start, do Reino Unido, desde a sua criação em 1999 até 2005. Ela o administrou durante um período de rápida expansão: hoje existem mais de 3.600 Centros Sure Start para crianças no Reino Unido, oferecendo um leque de serviços para pais e filhos desde o nascimento até 4 anos de idade. Os serviços incluem visitas de saúde, aprendizagem precoce, apoio aos pais e aconselhamento sobre cuidados infantis e emprego. Nesta entrevista ela fala para o Early Childhood Matters sobre como o Sure Start mudou enquanto se expandia, o que foi feito corretamente no processo de ampliação e o que poderia ter sido tratado de forma diferente. Inicialmente, a ideia de desenvolvimento comunitário era intrínseca ao Sure Start. Os primeiros programas-piloto locais foram estabelecidos para envolver os pais na definição de quais serviços o seu centro local deveria fornecer. Na medida em que houve uma ampliação de escala e os programas foram além das áreas mais carentes onde inicialmente se localizavam, a natureza do serviço Sure Start mudou. As autoridades locais assumiram um papel maior de liderança no fornecimento de um leque de serviços mais padronizados. O falecido Norman Glass, servidor público que concebeu o programa, lamentou isso e disse que a culpa foi da pressão política por resultados rápidos: “O desenvolvimento comunitário leva tempo... infelizmente, se você quiser que as coisas aconteçam de acordo com um calendário rigoroso e com grandes metas, então o desenvolvimento da comunidade necessariamente tem que ficar em segundo plano”. Você concorda? Existe alguma maneira de gerar vontade política para ser mais paciente? Sim, eu concordo que a pressão política por resultados rápidos deixou o desenvolvimento comunitário em segundo plano enquanto ampliávamos a escala do programa; e não, eu não acho que haja alguma maneira de fazer com que os políticos sejam mais pacientes. O ciclo eleitoral é simplesmente um fato da vida. Mas a pergunta presume que eu concordo com Norman de que a perda do foco no desenvolvimento comunitário foi algo ruim. Isso não é verdade. Para mim é doloroso dizer isso, porque nós começamos com o modelo de desenvolvimento comunitário e queríamos que ele funcionasse. Mas minha opinião a partir das evidências que surgiram é que, embora sejam ótimos para os adultos envolvidos, esses benefícios não necessariamente são transferidos às crianças, que são mais necessitadas. Qual acabou sendo o problema com o modelo de desenvolvimento comunitário? Quase por definição, o modelo exclui os mais desfavorecidos. Você chega aos pobres, mas somente àqueles que querem se envolver. A mãe viciada em drogas não vem. E caso venha, os outros pais não deixam que ela se sinta acolhida, e aí não volta mais. Você não pode culpá-los; se eu fosse uma mãe em um programa local, não gostaria que uma mãe viciada em drogas participasse. No entanto, evidentemente, a mãe viciada precisa de mais ajuda do que qualquer um dos outros. Para assegurar que o foco na criança como um todo não se perca, são necessários cuidados infantis a preços acessíveis, bem como disponibilizar os serviços aos pais em momentos que se encaixem na forma como as pessoas organizam as suas vidas. Foto: Cortesia Andrew Wright Imagine uma matriz dois por dois mostrando “querer” e “precisar”: algumas pessoas querem o programa, mas não precisam dele; algumas precisam, mas não querem; e assim por diante. O que inevitavelmente acontece é que a equipe se concentra nos pais que querem e necessitam de sua ajuda. Essas pessoas são muito pobres e realmente necessitam de apoio. Mas o fato a respeito delas é que são incrivelmente agradecidas e entusiasmadas, e isto as torna excelentes em monopolizar o tempo da equipe. O pessoal não tem tempo para pensar sobre como chegar aos pais que precisam de sua ajuda, mas não querem. Quando os políticos aparecem, eles veem um centro que está repleto de mães dizendo majoritariamente como este programa maravilhoso mudou suas vidas. Todos se esquecem dos pais que não estão ali. Como você chega a esses pais? Dados melhores. O atual governo do Reino Unido está tentando resolver o problema, mas não é fácil. O setor da saúde é onde existem os melhores dados sobre as crianças antes de entrarem para a escola, onde ocorre o maior alcance às famílias. Precisamos encontrar maneiras de utilizar o setor da saúde para colocar os pais “que precisam, mas não querem” em contato com outros serviços disponíveis para a primeira infância. Em essência, esta é uma questão de marketing. Precisamos segmentar melhor o mercado – há alguns pais para os quais basta uma venda mais tranquila, e alguns que demandam um empenho maior de venda. Para aqueles que necessitam de uma venda com maior intensidade, é tudo uma questão de persistência. Em vez de apenas contar para os pais sobre um grupo no Centro Infantil nas manhãs de terça-feira, precisamos de visitantes da área da saúde que dizem: “que tal eu vir aqui na terça-feira de manhã para buscá-los e irmos juntos para este grupo?”. Quase por definição, o modelo comunitário exclui os mais desfavorecidos. Você chega aos pobres, mas somente àqueles que querem se envolver. Quando você pensa em termos de marketing percebe que não basta simplesmente ficar irritado com os pais que não aparecem para pegar a ajuda que está disponível. Ter sucesso em uma venda difícil é responsabilidade do vendedor e não do comprador. É o vendedor que precisa entender a motivação do comprador e imaginar como fazer a persistência funcionar. Isto é algo que descobrimos não acontecer muito no modelo de desenvolvimento comunitário. Então, eu já não acredito mais que teria sido melhor se insistíssemos neste modelo. E se você tivesse tentado ampliar um modelo que fosse conduzido mais pela comunidade, será que provavelmente não teria levado a inconsistências na qualidade, em que comunidades diferentes teriam desejado coisas diferentes em lugares diferentes? Você denominou isto de “grande debate da aromaterapia”, em que pais de alguns centros Sure Start decidiram que queriam que seus programas locais gastassem dinheiro em cursos de aromaterapia, para horror dos políticos responsáveis. Cabe à equipe local fazer isto direito. Você precisa envolver os pais ou eles não passarão pela porta. Mas quando eles entram, você precisa então negociar sobre o que querem e o que necessitam, porque às vezes você descobre que aquilo que eles querem do programa não é necessariamente o que é bom para os filhos. Trata-se de um processo delicado, porque uma coisa que sabemos é que simplesmente não funciona dizer às pessoas o que elas devam fazer. Ao mesmo tempo, eu nunca quis que o Sure Start fosse uma zona em que não se investisse em conhecimento; é importante reconhecer que pode haver um déficit de conhecimentos em comunidades pobres. Você foi então acusada de tentar “impor valores da classe média sobre os pobres”, uma crítica que às vezes se fazia ao Sure Start. Quando o programa foi inicialmente lançado em áreas carentes, você realmente teve pais da classe média que se mostraram chateados por seus filhos não serem beneficiados. Estou muito orgulhosa por este ter sido provavelmente o primeiro programa para os pobres do qual as classes médias tiveram inveja. Sempre me fez rir o fato de sermos criticados porque as pessoas da classe média queriam que seus filhos entrassem no Sure Start. Alguém criticaria uma escola por ela ser popular entre a classe média? Também sempre senti que esta coisa de “impor valores da classe média” era uma besteira completa, porque realmente se existe algo em que a classe média normalmente é muito boa é em colocar seus filhos na escola e em bons empregos. Você não pode se deixar afetar muito com isto ou acabará negando essas oportunidades para crianças de origem mais pobre. Alguns críticos disseram que enquanto era ampliado, o Sure Start perdeu o foco no desenvolvimento holístico da criança e se transformou mais em um programa para colocar as mães para trabalhar. Como você evita que a “agenda da empregabilidade” coloque em segundo plano o foco integral na criança? Sempre defendi a agenda da empregabilidade, porque acho que a pobreza prejudica as famílias e que a melhor maneira de não ser pobre é ter um emprego. Mas a empregabilidade é uma jornada, e não um evento, e nesses termos acho que é claramente algo que “se soma” à criança como um todo, e não algo “excludente”. Pegue a alfabetização dos adultos, por exemplo. Isto lhe ajuda a obter um emprego, mas também lhe ajuda a ler para seus filhos. Além disso, em termos de saúde mental e autoestima, o emprego é realmente importante. Duas coisas são importantes para assegurar que o foco na criança como um todo não se perca. A primeira é ter cuidados infantis de qualidade a preços acessíveis, e a outra é disponibilizar os serviços aos pais em momentos que se encaixem na forma como as pessoas organizam as suas vidas, como à noite e aos fins de semana. Parte da hostilidade à agenda da empregabilidade veio do pessoal que estava na linha de frente ao conduzir seus grupos de pais em dias da semana, pois naturalmente tinham um interesse velado de que os pais estivessem disponíveis para comparecer. Quando o Sure Start foi ampliado para além das áreas mais necessitadas, os novos centros em áreas melhores receberam menos recursos porque teria sido proibitivamente caro oferecer universalmente a mesma cobertura. Em consequência, o nível dos serviços foi diluído. Como você convenceria os políticos de que vale a pena financiar o programa no mesmo nível elevado para todos? Eu não faria isso. Acho que é um desperdício de dinheiro. Você não precisa do mesmo nível de apoio para todos. Eu acho que a abordagem correta é a do “universalismo progressivo”, para usar a frase um tanto feia do antigo primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown; isto é, uma rede nacional, mas com a maior parte do dinheiro indo para as áreas pobres. No entanto, quando se amplia a escala desta maneira há o grande desafio de garantir que você chegue às pessoas pobres que vivem em áreas melhores (pois, naturalmente, nem todos os pobres vivem em áreas pobres). Acho que temos a infraestrutura preparada para isso, mas ainda não a utilizamos totalmente. Em retrospectiva, qual foi o maior fracasso na ampliação do Sure Start? O desenvolvimento da equipe, principalmente no nível hierárquico da liderança. Nós não percebemos como era difícil o trabalho que estávamos pedindo para os gestores locais dos programas executarem. Colocar em funcionamento grandes instalações, trabalhar para se somar aos serviços locais existentes: ambas são tarefas complicadas. Nós tínhamos algumas pessoas realmente muito boas, mas descobrimos que mesmo os mais capazes tiveram que se virar com o charme e pura força de vontade. O problema é que se você estiver trabalhando em nível local para a primeira infância, simplesmente não se tem o status para impor respeito. Eu penso que dirigir um centro para a primeira infância seja tão difícil quanto ser coordenador do primário, mas há maiores barreiras de entrada para se tornar coordenador do primário e eles ou elas são mais respeitados. Nós devíamos ter percebido isso antes e colocado mais ênfase na formação da equipe enquanto ampliávamos a escala; no entanto, mesmo com uma melhor formação, no clima atual infelizmente não se poderia fazer muito a respeito dos baixos níveis salariais no setor de primeira infância. Perversamente, porém, uma fresta de esperança nas atuais demissões no setor público pode ser a de que um número maior de pessoas altamente qualificadas agora se sinta atraído para trabalhar com a primeira infância. Nós devíamos ter colocado mais ênfase na formação da equipe enquanto ampliávamos a escala Norman Glass escreveu que achava que o Sure Start foi ampliado muito rapidamente: apenas dois projetos locais estavam em funcionamento em 1999, quando foi tomada a decisão de ampliar fortemente, e ele disse que argumentou que “seria melhor acumular primeiro alguma experiência sobre como dirigi-los”. Você concorda? Na época concordei com Norman, mas em retrospectiva acho que estávamos errados e que os ministros que não aceitaram nossa posição estavam certos. Na época achei que eles estavam loucos por fazer uma expansão tão rápida, mas os políticos perceberam que se tratava de uma questão do ciclo eleitoral – você precisa aproveitar o momento quando existe a vontade política, porque a oportunidade pode não surgir novamente. Se tivéssemos ampliado mais lentamente, o Sure Start poderia agora ter morrido na praia. Mas pelo fato de ampliarmos rapidamente, todo mundo ficou sabendo a respeito do Sure Start e isto dificultou muito que o programa fosse cortado na mudança do clima político e econômico – foram feitos alguns cortes, evidentemente, mas os cortes de recursos para a primeira infância não foram tão profundos quanto em muitos outros setores. Havia simplesmente muitos centros para fechá-los todos, e eles estavam fornecendo serviços amplamente populares. Por exemplo, 94% das famílias utilizam agora o seu direito de até 15 horas por semana de creche gratuita para cada filho de 3 e 4 anos de idade. Cortar esse direito seria politicamente impopular. Todos os três principais partidos consideram agora a ênfase em serviços para a primeira infância como algo que gera votos. Há argumentos sobre “o que” e “como”, mas não sobre se o programa deve existir ou não. Este certamente não era o caso antes de 1997. O Sure Start tem sido parte importante de uma revolução não anunciada na educação da primeira infância na Inglaterra, que mudou tanto a expectativa das pessoas quanto a resposta do governo ao que deveria ser oferecido para as crianças e famílias entre o nascimento e o início da escola.