MATABURRO
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O autor HELIO ESPERIDIÃO DA CRUZ.
Nasceu, em 11/01/1941, na cidade de Diamantina, Minas Gerais. Seus
pseudônimos são: Acorienim, Miache Confuso, Achei e MC.
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AGRADECIMENTOS
A todas as indústrias, que fabricam esta maldita droga liberada.
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DEDICAÇÃO
A todos os seres, que não são viciados e dependentes, desta maldita droga liberada.
MATABURRO
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APRESENTAÇÃO
N
os meus seis anos de vida, comecei a observar aquelas pontas de
tubinhos brancos jogados pelas ruas. O meu maior erro, foi à curiosidade em verificar
o que continha naquelas coisinhas brancas, jogadas fora por todas as ruas no bairro
Santo André, em Belo Horizonte.
Foi o inicio do meu lento suicídio. Besteira abrir aquele tubinho, com tanto
fumo sem queimar e achar que era muito desperdício pago, para serem consumidos.
Engraçado, é que um pé de fumo é muito bonito de se ver e acariciar. Na
temporada das chuvas, na minha Vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Milho Verde,
distrito de Serro, Minas Gerais ( onde estão todas as minhas raízes ), suas folhas são
enormes e verdinhas, contudo pegajosas, seria isto o motivo? Eles nascem por todos os
cantos, principalmente quando as chuvas são fartas. De sua beleza, não dá para
imaginar o mal que irá causar aqueles que usufruírem de suas propriedades. Na sua
forma original, talvez não causasse tanto mal, são as químicas adicionadas pelas
indústrias a ele, para prepará-lo a fim de contaminar e viciar os seus usuários, futuros
suicidas.
O marketing das propagandas enganosas, a que mais me incentivava e me
fascinava era a do Malborro, com aquele cowboy naquele lindo cavalo, laçando os bois.
Deveria ter traduzido Malborro como “Mal do Burro”, não foi possível visualizar esta
tradução naquele período de ilusões.
Fumei de todas as marcas, ao me utilizar daquelas pontas jogadas nas ruas.
Quando eu e o Geraldo passamos a comprar maços destes viciantes cigarros, fumei de
várias marcas até os dias atuais: Libert Ovais, Cammel, Lincon, Astória, Saratoga,
Berveli, cigarrilha, John Player, Continental, Hollywood, Malborro, Minister Box,
Derby azul e atualmente DUNHILL Carlton Blend.
Dá para ter uma ideia de como permaneço preso neste mataburro, esperando
o meu desfecho final. Já fiz inúmeras tentativas para parar: criei tabela para reduzir o
consumo, comprei e li o livro “ Como parar de fumar em cinco dias ”, fiz cursos como
parar de fumar, usei produtos, tiras, pontos aplicados na orelha e outros e nada.
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Meu pneumologista Dr Aguir, um Paraguaio muito maneiro, numa consulta
em uma quarta feira de 1965, me disse:
- Hélio, a partir de amanhã, você irá parar de fumar. Descobri um
medicamento que é tiro e queda! É só tomar um comprimido e pronto! Pará na hora.
- Dr qual é esta dádiva? Fale-me, por favor?
-Calma Hélio! Deixa consultá-lo primeiro, depois passarei a receita deste
medicamento, cuja receita, você só poderá ler após sair da minha sala.
Fiquei totalmente ansioso a espera do medicamento. Após a consulta, ele
receitou o medicamento e disse:
- Só abra lá fora.
Saí apressadamente, estava muito ansioso, queria parar de fumar de qualquer
forma. Quando abri a receita, estava escrito:
- TOME VERGONHA!
Caí no riso, contudo, até hoje aos 72 anos de idade, NÃO TOMEI
VERGONHA, não sei como tomar e nem consigo sair deste mataburro.
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MATABURRO
Capítulo I
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O
inicio se deu nos primeiros dias do ano de 1947, no bairro de Santo André,
na capital das Alterosas, Belo Horizonte, Minas Gerais, quando estava próximo de
deixar os meus seis anos para traz e entrar na casa dos sete. Recordo-me que no
segundo semestre de 1947, trabalhava para dona Lolita, vendendo pastel de carne,
pastel de queijo e tareco, que era feito de uma massa doce, dobrada, frita e sem recheio,
cortada em retângulos com mais ou menos 07 por 15 cm, todos muito gostosos . Comia
muito, mas gostava mais era dos tarecos.
Durante o percurso das minhas vendas, que normalmente era o trajeto do
bonde pelas ruas do bairro, seguia com uma cesta presa ao pescoço pela Rua Santo
André, descia a pedreira Prado Lopes, entrando na Rua Itapecerica, chegando ao
Largo da Lagoinha, indo até o Rio Arrudas, na Avenida do Contorno. Entrava no
cinema São Geraldo para assistir filmes de Zorro e Tarzan, voltando no início da noite ,
para prestar contas com Dona Lolita.
No cinema, comia o que não tinha vendido, deste jeito comecei a ficar
endividado e como não conseguia saldar minhas dívidas e acabei sendo mandado
embora.
Nestas andanças, observava muitas pontas de tubinhos brancos jogados pelas
ruas, tive a curiosidade de pegar alguns maiores, abria para ver como eram feitos, foi o
meu erro. Observei que eram bem prensados, continha muito fumo que não fora
queimado, o que me pareceu um grande desperdício por parte do comprador e usuário.
Mudamos para a Rua Vitória nº 156, bem próximo da Rua Santo André onde
morávamos. Neste novo endereço tinham duas casas, uma na parte inferior e outra na
parte superior do terreno, a que mãe alugou. Pouco tempo depois de mudarmos, o
terreno com as casas foi vendido. O novo proprietário, o Sr João, prometeu para mãe
que não iria retirá-la da casa e ele se tornou um grande amigo nosso. Iniciou a fazer
malas com material de caixotes, cortando as tábuas que trazia nas costas com serrote.
O Sr João me chamou para trabalhar com ele como seu ajudante. Minha
função era buscar sacos de cimentos vazios nas obras, para dar acabamento nas malas.
Com o passar do tempo, passei a sair com o carroceiro para desmontar e recolher os
caixotes deixados na rua pelas lojas. Levava sempre um martelo para desmontar,
retirar os pregos e arrumar as tábuas na carroça. Muito material era aproveitado,
voltando com ela, lotada para a Rua Vitória.
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Andávamos por muitas ruas do centro, principalmente na Avenida Afonso
Pena. O Sr João, começou a fazer outras casas ao lado da nossa, transformando o
terreno em uma vila de casas para alugar.
A fabricação de malas só crescia, a ponto de montar uma fábrica bem
equipada, com ferramentas elétricas de última geração, daquele período. Foi quando
comecei a catar aquelas pontas jogadas pelas ruas. Após a retirada de sua vestimenta,
guardava todo o fumo bom, nos maços de cigarros vazios jogados fora. Os maços de Li
Bert ovais, que eram de um material mais resistente, dava preferência a eles para
guardar o material retirado.
Com o passar dos tempos, fiz uma bolsa de pano, até hoje me recordo: era de
cor verde e um pano bem grosso. Costurei bem com agulha e com o tamanho, mais ou
menos de 10 por 15 centímetros. Nesta época, os tubinhos não tinham filtros, algumas
pessoas que usavam e podiam comprar, eram as piteiras que existiam neste período.
Contudo, o seu preço era muito elevado, devido ao material utilizado em sua confecção.
Se não me falhe a memória, eram feitas de ossos, cuja origem não saberia descrever.
Era muito esquisito usar aquele apetrecho, nos homens dava status, nas mulheres
virava um instrumento de muito charme e elegância, dando muita vaidade naquelas
que usavam.
Nas padarias, o pão vendido era embrulhado num papel cinza. No balcão de
cada uma, existia um rolo muitas vezes bem volumoso, preso em uma base, com uma
barra na frente para ser desenrolado e cortado com facilidade . Alguns donos de
padaria já cortavam o papel em vários tamanhos, colocando sobre o balcão para
facilitar a venda e o despacho dos compradores. Utilizava estes papéis, que
embrulhavam os pães, para fazer os meus tubões cinza, ficava feliz fumando aqueles
cigarrões, das sobras não utilizadas pelos usuários compradores. Foi assim que iniciei o
meu lento suicídio.
A casa ao lado da nossa, foi alugada para um casal com dois filhos. Fiz uma
amizade inseparável com o Geraldo, filho mais velho de Dona Zilda e do Sr Realino,
nossos vizinhos recém-chegados. Viramos unha e carne. Sempre que podíamos, onde
estava um, lá estava o outro. O filho mais novo, o Gefferson, andava pouco conosco, ele
era muito chorão, o que nos desagradava bastante. O Geraldo gostou e embarcou na
minha ideia, na utilização das pontas e do papel de pão.
Fumamos estes cigarros por um longo período. Preparávamos certa
quantidade lá no pé de Jatobá, existente próximo ao muro da casa de Dona Lolita,
guardando escondido em casa, sem que nossas mães soubess em.
Chegamos ao ponto de ter um estoque de dez, cinco escondidos com cada um,
para levarmos quando íamos para o Campo dos Afonso jogar bola e comer mel de
abelha. Adoçávamos a boca e logo a seguir, vinha o cigarrão.
Fumamos este tipo de cigarro por longos tempos.
Nossa bola era confeccionada por nós mesmos, com uma meia velha.
Enchíamos de trapos velhos, papéis usados e outros materiais como: serragem das
máquinas do Sr João. Prensava bem, amarrava, virava, tornava amarar e virar, até a
meia chegar ao final. Aí, costurava com agulha e linha bem forte.
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Ficávamos chutando um para o outro. Com o passar dos tempos, todo o
dinheirinho que pingava em nossas mãos, comprávamos cigarrilhas, que eram uns
tubinhos marrons, cuja embalagem era adocicada e tinha aparência dos charutos, à
diferença é que era fina e curta.
O Geraldo andava sempre bem vestido, usava uma calça azul escuro, camisas
claras e sapato preto Vulcabrás, as roupas sempre engomadas e bem passadas. Ele
trabalhava numa sapataria na Rua São Paulo, próximo da Praça Sete, no centro. Foi
quando começamos a experimentar todas as marcas de cigarros que vendiam: Li Bert
ovais, Astória, Saratoga, Berveli, Lincon, Canmel, Continental e outras que não
lembro a marca.
Passei a fumar só Continental, vendido em um maço azul claro de papel fino.
Gostava do Li Bert oval, por seu maço ser de cartolina e não amassar muito, quase
sempre eu comprava o Continental, tirava os cigarros do maço e colocava no maço de
Li Bert oval para não amassar e tirar onda de fumar do mais caro. O Geraldo passou a
fumar só o Canmel, que tinha um camelo estampado nos dois lados do maço.
Ficávamos alegres e felizes por não precisar catar mais pontas.
Minha bolinha era minha vira lata querida. Toda branquinha enfeitada com
bolas negras, bem redondinhas espalhadas por todo seu corpo. Onde estava lá estava
ela ao meu lado, devido as crias que dava, duas vezes por ano, com uma média de oito
filhotes e quando estava no cio dava muito trabalho. A pedido de mãe resolvi levá-la
para soltar no parque Municipal, localizado na Avenida Afonso Penna. Coloquei uma
corda nela e saímos bem cedinho, seguia pelas Ruas em direção ao parque, fumei muito
e chorava por aquela atitude que estava tomando. Quando cheguei, brinquei muito com
ela nos gramados, por fim joguei um pedaço de um tronco fino de árvore bem longe
para ela pegar e enquanto ela corria para pegá-lo, eu corria em direção da saída do
parque, assim abandonei minha bolinha.
Andei bem rápido ate o terminal de bondes, embarquei no bonde para Santo
André, chorava muito e consumia um cigarro atrás do outro, pela saudade que já se
apoderava da minha mente. Cheguei em casa chorando muito, mãe perguntou:
- Porque está chorando tanto?
Respondi por ter abandonado minha bolinha lá no parque, então mãe disse:
- Olhe embaixo da cama do nosso quarto?
Abaixei e para minha surpresa e alegria, lá estava minha bolinha, ainda muito
ofegante. Como teria chegado a casa na minha frente? Foi então que lembrei, durante
nossa ida, ela urinou em vários pontos do caminho, demarcando o seu trajeto.
Fiquei tão feliz que consumia e acendia um cigarro novo com a brasa do que
estava acabando de consumir. Com o passar dos anos a bolinha veio a falecer, não me
recordo do motivo. Fiquei muito triste e jurei nunca mais possuir um animal de
estimação.
Tive problemas com o Sr João, pela sacanagem que fazia com as suas duas
filhas, na cabana que fiz próxima do pé de jatobá. Fui despedido do serviço. Conheci
um cego na estação ferroviária, que me pediu para guiá-lo pelas ruas do centro, o nome
dele Sr Filisteu e morava num casebre perto da praça em frente à estação ferroviária.
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Saía pedindo nas ruas, esmola para o cego pelo amor de Deus e dava uma tragada no
meu continental, assim aconteceram por uns seis meses, dás nove ás dezoito horas , de
segunda a sexta feira.
À tardinha, sempre tinha que estar no terminal de bondes, ele entrava no
bonde com destino à ferroviária, eu pegava o bonde para Santo André. No dia seguinte ,
pegava ele em sua casa, não me recordo por que ele me dispensou. Hoje tenho minhas
dúvidas se realmente o Sr Filisteu era cego.
Consegui um serviço numa lavanderia, minha função era de entregar roupas
lavadas e passadas e recolher roupas para lavar. Tudo isto feito com um triciclo com
um baú fechado com cadeado. Andava por todas as ruas do entorno central de Belo
Horizonte, pegava carona com os ônibus, para subir as ladeiras mais íngremes, os
motoristas sempre me deixavam fazer isto. Gostava destas tarefas, tinha muita
liberdade para fumar os meus cigarros. Já não conseguia dominar o meu vício pelos
tubinhos brancos. Sai deste serviço por ser muito perigoso, andar no meio dos carros e
dos ônibus.
Fui trabalhar nas feiras livre com um casal de Cearenses, acordava no meio da
madrugada para montar a barraca. Não durou muito tempo, o Cearense num dia após
voltarmos da feira, ao pegar o prato de carne seca com farinha para comerem, o que
era o predileto do casal, o cearense teve um infarto fulminante, interessante é que ele
não fumava e vez por outra me chamava atenção por estar fumando na barraca. Não
me recordo que destino tomou sua esposa, que por sinal, era um mulherão.
Após este evento, fui ajudar meus dois cunhados na venda de seus produtos,
eles eram camelôs, era bom pela liberdade que tinha para fumar, fumava a vontade em
todos os momentos que me vinha o desejo.
Andando na Rua Rio de Janeiro, vi um anúncio num prédio:
“Precisa-se de ajudante, na sala 307”
Falei com o porteiro e subi o prédio não tinha elevador, ao chegar vi que não
conseguiria o serviço, tinha uma fila de mais ou menos uns trinta rapazes entre 12 e 14
anos, eu já tinha feito meus 14 anos. Por sorte do meu destino , o escolhido fui eu.
Comecei a trabalhar chuleando calças confeccionadas pelo Sr Albano, meu
empregador, um ser muito bom, educado e inteligente.
Na sexta feira à tardinha, ele me levava para a casa dele para fazer limpeza,
entrava no seu carro, um Pérfect preto de duas portas, que abriam para frente, isto
acontecia durante o mês inteiro, eu adorava e vibrava andar naquele carro , que
percorria a Avenida Amazonas na maior velocidade.
Trabalhei com ele durante quase quatro anos, aprendi a riscar, cortar e
costurar paletós, calças e camisas. Neste serviço fiz meu primeiro terno, o meu maior
problema, era que não podia fumar no interior da alfaiataria, gostava quando o Albano
mandava ir à rua fazer entregas, aproveitava para fumar. Tinha um desembargador
cliente vip do Albano que só usava ternos de linho S 120, nos quais eu sofria nos
chuleados, furava muito meus dedos com a agulha e tinha que ter o cuidado de não
manchar com o meu sangue derramado, as calças e os paletós.
Sai deste emprego com muita tristeza, eu e mãe iríamos mudar para o Rio de
janeiro, a capital da Republica.
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Capítulo II
12
J
á não dominava o meu vício, quando peguei um resfriado brabo e
prolongado, fiquei muito ruim deixando Maria preocupada, estava com uma tosse de
cachorro e mesmo deitado na cama, acendia meu cigarro, não conseguia tragar,
colocava a fumaça para dentro e assoprava, vinha àquela tosse braba.
Mãe descobriu que estava fumando, não me repreendeu, fiquei muito feliz.
Quando o pai do Geraldo descobriu que estava fumando, lhe deu a maior surra, que
não adiantou, ele continuou fumando sem que eles vissem até que aceitaram.
Interessante era que o Sr Realino também fumava.
Tanto eu quanto o Geraldo, fumávamos muito e em todos os lugares. Nos
bondes, sempre viajávamos no estribo, segurávamos com uma não e a outra com o
cigarro, vivíamos a saltar de costas, quando o bonde estava prestes a parar em cada
ponto, esta era a onda daqueles dias. Quando o pulante levava um tombo, o bonde
inteiro ria, tinha uma manha para se pular de costas, tinha que tombarmos o corpo
para frente, mais ou menos uns 45 graus, se pulássemos com o corpo reto, era tombo na
certa.
Certa vez, fui com mãe passear em Três Rios, na pensão do Tião e da Abigail.
Meu cunhado Sebastião, não gostava que eu fumasse. Certo dia ao vê-lo, prendi o
cigarro que estava fumando entre os dedos e coloque a mão no bolso. Ele chegou perto
de mim e disse:
- Esta fumando, né seu moleque?
Apertou minha mão contra minha perna, que se queimou e furou o bolso da
calça. Não adiantou, continuei a fumar. Já estava totalmente dependente.
Nos primeiros dias de dezembro de 1959, embarcamos na estação ferroviária
em mudança para o Rio de Janeiro. Partia saudoso, de tudo que estava ficando no
passado, que vivi na capital mineira.
Por outro lado, havia grande expectativa por tudo o que me esperava na
capital da Republica.
Fumei muito durante a viagem, estava ansioso com tudo, deixei o meu melhor
amigo e sua família para traz, dona Zilda, a quem passei a chamar de mãe Zilda, pois
ela me considerava como um filho, sempre que fazia tutu de feijão mulatinho com
torresmo, ela me chamava para comer.
Estava deixando para traz todas estas lembranças e referências inesquecíveis.
Chegamos à estação ferroviária da central do Brasil, no Rio de Janeiro, por
volta dás 10 h, Nelsina e Aina nos esperavam, foi muita emoção no nosso reencontro. As
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tralhas eram poucas, não me recordo o que foi feito dos poucos móveis que Maria
possuía.
Trazíamos um baú feito pelo Sr João, era lindo, pintado de vermelho com
riscos de desenhos pretos e todo cravejado com cravos branco , aqueles pelos quais
apanhava por perder o dinheiro que colocava na caixa de fosforo, que jogava fora ao
sacudi-la e a mesma não fazer barulho de estar carregada.
Pegamos um bonde para Ipanema, minha ansiedade era enorme, fumava um
continental atrás do outro, estava louco para ver o mar. O trajeto do bonde, foi por
ruas que não deu para matar o meu desejo, saltamos na Rua Visconde de Pirajá e
fomos para a Rua Prudente de Morais nº 1565, onde minhas irmãs trabalhavam.
Subimos até o décimo primeiro andar, apartamento 1101, fomos apresentados á
senhora Remos, a proprietária do imóvel e patroa de minhas manas.
Mãe conversou muito com a senhora Remos, por sinal, uma pessoa muito boa
e sem preconceitos. Almoçamos e conversamos muito sobre variados assuntos. O meu
maior problema, era o meu vício. Como fumar naquele local tão limpo e sem nenhum
fumante? Depois fiquei sabendo que o esposo da senhora Remos fumava cachimbo.
- Nelsina, vou lá embaixo fumar.
- Hélio, não saia pra rua, você pode se perder.
Dei uma boa gargalhada. Mãe disse:
- Cuidado meu filho, vá com Deus.
Desci, comecei a fumar um cigarro atrás do outro, para tirar o atraso,
conversei muito com o porteiro e com o jardineiro, que estava podando o jardim na
frente do prédio. Observava aquelas lotações passarem, sempre cheias de passageiros.
Deu vontade de andar pelas ruas, ir até a rua onde o bonde passava, porém não fui, sou
obediente e aceito conselhos como ensinamentos.
Já começava a escurecer quando subi, encontrei mãe conversando com as
manas. Como seria nossa vida dali pra frente? Falavam que dentro de dois dias, mãe e
eu, iríamos para Taubaté, cidade do estado de São Paulo, onde Abigail foi morar
quando mudou de Três Rios. Ela estava para ganhar uma menina, que se chamaria
Aparecida e mãe iria ajudar por umas duas semanas.
Jantamos e fomos para a área de serviço, que era bem espaçosa, com banheiro
e dois quartos para as empregadas, cada quarto com uma cama bem grande, um
armário e uma mesa com duas cadeiras.
Foi num destes quartos, que passamos três noites. No silêncio da noite,
comecei a escutar umas batidas muito fortes, subi na cama para ver o que estaria
fazendo aquilo acontecer, não foi possível ver nada, era um basculante pequeno , que
não dava abertura para ver.
Senti um vento diferente, com gosto de sal, deitei escutando aquelas batidas e
pensei:
- Amanhã, vou ver de onde vem tudo isto.
- São as ondas batendo na areia. Isto é constante --Nelsina explicou.
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Conversamos muito, adormeci embalado por aquelas pancadas no meu
primeiro dia, na Capital da República.
No segundo dia, acordei no canto de Maria, por sorte, não urinei na cama
nesta noite. Após tomarmos o café da manhã, voltamos para o quarto, já estava
impaciente para sair, não sou pássaro de ficar preso em gaiola, era como estava me
sentindo naquele quarto, então avisei:
- Vou dar umas voltas por ai.
- Cê besta menino! Esta pensando que aqui é Belo Horizonte, que conhecias
bem? Aqui você não conhece nada -- disse Nelsina.
- Vou só andar, dando volta nos quarteirões, sem perigo de me perder.
- Vá com Deus meu filho e tome muito cuidado -- mãe disse.
Era desse jeito que ela sempre me orientava.
Desci, acendi o meu continental, segui pela Rua Prudente de Morais, no
mesmo passeio do prédio, até chegar na Av. Henrique Dumont. Virei à esquerda e após
andar um pouco, vislumbrei uma linha no horizonte, o coração parecia quere r sair do
peito por tamanha emoção.
Segui em frente, foi quando tive aquela visão, era como se o céu tivesse descido
para a terra. Já muito emocionado, foi quando tive aquela maravilhosa emoção:
enxergar o mar todo azul da cor do céu.
A onda, embalada pela força da natureza, chocava-se contra a areia,
provocando aquelas pancadas intermitentes, que escutei a noite no quarto do edifício.
Fiquei ali sentado na areia por longo tempo, navegando em minhas imaginações.
Por um longo período, fumei acelerado pela emoção do conhecimento de
tamanha maravilha.
Resolvi retornar para não deixar Mãe e Nelsina preocupadas . Segui o
calçadão da praia até a Rua Aníbal de Mendonça, subi a rua até a Prudente de Morais,
chegando ao apartamento feliz da vida. Contei para mãe a minha façanha e minha
alegria em conhecer o mar, ela ficou feliz por meu retorno são e salvo.
No dia seguinte, sai do prédio na esquerda da Rua Prudente de Morais,
segui em frente até a Av. Henrique Dumont, a mesma visão do dia anterior.
Abismava de ver aquela imensidão de água azul, assim fui chegando bem de
mansinho, como quem não quer nada, como bom mineiro que sou e ao chegar à
calçada próxima da areia, parei. Estava vestido com calça comprida e calçado,
todas as pessoas que via estavam quase nuas, principalmente as mulheres.
Fiquei por longo tempo admirando o marzão e é lógico que as mulheres
também. Nunca tinha visto tanta mulher boa e quase nua em minha vida.
Dei marcha ré, pegando a calçada do quarteirão, no muro do clube de
golfe, avancei em meus objetivos de conhecimentos. Fui até a Rua Joana Angélica,
atravessei a Prudente de Morais, segui até a Rua Visconde de Pirajá, saí ao lado
da igreja Nossa Senhora da Paz, cheguei numa praça muito bonita, atravessei,
sentei num banco e fiquei a observar tudo o que acontecia naquele local tão
aplausível, a Rua Visconde de Pirajá, era onde o bonde trafegava.
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Retornei sempre na calçada ao lado esquerdo, fumando os meus
continentais e curtindo tudo o que via. Entrei na Rua Aníbal de Mendonça até a
Prudente de Morais, retornando ao prédio onde estávamos, chegando por volta
da hora do almoço, com todos apavorados por minha demora. Expliquei toda
minha andança, feliz da vida. Fiz outras investidas, indo até a Praça General
Ozório, em minhas conquista ao solo carioca.
No quarto dia, por volta das 9 horas, embarcamos na Central do Brasil
para a cidade de Taubaté, no estado de São Paulo. Maria ia ajudar por duas
semanas Abigail, que estava para dar a luz a uma menina, que foi batizada de
Aparecida. Por volta do meio dia, Maria começou a procurar o endereço da casa
de Abigail e não conseguia encontrar.
- Não se preocupe mãe, lá deve de ser um lugar pequeno e será fácil
encontrar a casa deles. E seguia como se fosse o dono do mundo, fumando um
continental atrás do outro, registrando tudo que os meus olhos enxergavam, tudo
era novidade para o meu aprendizado.
A viagem seguia normal, como gosto daquele sacolejar e do barulho que o
trem faz, galgando as duas paralelas sobre seus dormentes. Próximo da cidade de
Cruzeiro houve um descarrilamento de outro trem, o que atrasou nossa viagem
em duas horas. Estávamos já ansiosos para chegar a nosso destino.
Ao chegar a Taubaté, meu relógio Lincon, marcava 19,30 hs, foi grande a
minha surpresa, não se tratava de um lugarejo e sim de uma enorme cidade do
estado de São Paulo, quebrei a cara. Passado o susto fui à luta, perguntado as
pessoas sobre o Sebastião, todos diziam não conhecer.
Fumava desesperadamente. Na praça, tinham muitas charretes que
levavam e traziam as pessoas para a estação, perguntei a todos os charreteiro
que chegavam sobre o Tião, ninguém conhecia.
-Mãe, o jeito é voltarmos para o Rio no próximo trem. Não encontrei
ninguém que conheça o Tião.
Sentei no banco, próximo a entrada da estação, aguardando dar o horário
do trem de volta, que iria passar às 22 h.
Olhava para a praça, quando por volta das 21h30min, vi estacionar uma
charrete vermelhinha, com capota preta e um bonito cavalo baio. Expliquei ao
charreteiro sobre o Sebastião, o que ele fazia e o nosso problema, ele disse que já
tinha transportado o Tião por várias vezes, quando chegava de viagem. Informou
que ele morava no bairro de nome Estiva, fiquei super feliz, chamei mãe e
embarcamos.
Lá fomos nós, com uma luzinha de esperança. Perguntando aqui, batendo
ali, acabamos localizando a casa do Tião, que inclusive estava viajando. Paguei ao
charreteiro agradecendo pela atenção que nos dispensou, desejamos a ele muita
sorte e boas corridas.
Batemos na porta, foi àquela alegria. Meu relógio Lincon marcava 22h, o
Sebastião estava viajando para uma cidade próxima que estava em festa, ele foi
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vender seus firoletes. Fomos para ficarmos duas semanas, no entanto, acabamos
ficando mais de um ano e meio, não sei por qual razão. Dois dias após nossa
chegada, foi à vez do
Sebastião chegar trazia um saco de laranja, doces, queijo e outras novidades da
festa onde ele esteve.
Passávamos tempos de fartura e tempo de aperto, foi neste período que
passei a fazer uso de farinha, sou um mineiro, que não gosta muito de fubá.
Vamos aos fatos: nas vacas magras, Abigail servia os pratos e anunciava a comida:
- Esta pouco, vamos enterrar com farinha para encher a barriga.
No começo, minha vida era trocar figurinhas dos jogadores da seleção,
uma figurinha de Mazola, Beline, Vavá, Didi, Garrincha e Pele eram as mais
disputadas. Neste período, passei a fumar o cigarro da marca Filigrana, seu maço
era de papel fino de cor cinza prateado e como não tinha dinheiro para sustentar
o meu vício, quem me dava uns trocados era Maria.
Pedir cigarros para outras pessoas nunca gostei, tem pessoas que não
compram, mantêm o vicio só pedindo. Comecei a procurar trabalho, em pouco
tempo, consegui um de ajudante de pedreiro, com um rapaz de nome Pedro, que
era biscateiro e pegava muitos serviços de reparo em telhados. Assim, passei ter
um dinheirinho para comprar minhas figurinhas, ir ao cinema e sustentar meu
vício.
Certo dia, o Pedro me convidou para passar uma semana em São José dos
Campos, numa fazenda próxima da cidade, cujos caseiros, eram seus pais que
viviam com toda a família neste lugar e lá fomos nós.
Pegamos o trem da tarde no sábado, chegamos a São José dos Campos
próximo das 21hs, passeamos pela cidade que estava em grande reboliço, tinha
festa de São José, jantamos e a seguir, fomos dormir numa hospedaria. No dia
seguinte cedinho, seguimos para a fazenda.
Quando chegamos, a mãe do Pedro estava fazendo queijos: cozinhava o
leite,
em um tacho de cobre no fogão a lenha, no terreiro. Foi uma surpresa ver como
era feito e o quanto era gostoso aquele queijo caseiro e todo enrolado no formato
de uma bola, ela tinha outros já prontos.
O rancho onde moravam era muito acolhedor. De domingo para segunda,
dormi no canto do Pedro. Coitado! Amanheceu todo urinado, passei a maior
vergonha pela brincadeira de todos comigo. Pedro dizia:
- Mãe, a caixa d’água entornou a noite e nos molhou. O irmão dele falou:
- Não Pedro! Choveu muito esta noite e o telhado do rancho está vazando.
Assim me zoaram o domingo inteiro. Que vergonha! Já era bem crescidinho.
As desculpas foram tantas, mas quem pagou o pato foi o Pedro, que ficou
todo ensopado e a culpa, ficou por conta do frio que fez naquela noite, o que eu
tinha toda razão, nunca vi lugar para fazer tanto frio.
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Bem cedinho no domingo, pegamos dois canecões feitos de lata de óleo de
soja vazios, colocamos um pouco de açúcar, fomos para o curral beber leite
quentinho e fresquinho, direto da fonte produtora. Que delicia! Na minha
ganância bebi muito, foi outro vexame, não deu outra, foi caganeira o domingo
inteiro. Já imaginaram duas cagadas no mesmo dia? Foi demais, houve muita
gozação.
À tardinha, faltou cigarro. Arranjaram três montarias, fiquei com uma égua
castanha, Pedro e José seu irmão em dois lindos cavalos baios. Fomos para uma venda
que ficava bem distante da fazenda, quando lá chegamos, já estava escurecendo,
batemos muito papo, só jogando conversa fora. Pedro e José beberam muitas cervejas e
cachaça, provei da pinga, por sinal, muito gostosa e de boa qualidade. Comprei três
maços de Berveli, tinha só desta marca na vendinha ou de palha. Abri um maço e
comecei a degustá-lo, fumava um atrás do outro. Na hora de ir embora, o Pedro disse:
- Vá andando, que nós te pegamos no caminho, caso contrário, a égua te levará
até a fazenda, nós vamos tomar a saideira.
Montei na eguinha e peguei a estrada em direção a fazenda, que por sinal, só
tinha aquela. Seguia saboreando o meu cigarrinho cheio de veneno, pois não sou muito
chegado a cigarro de palha, já tinha fumado a tarde toda na fazenda, estava tirando a
maior onda.
Após andar um bom trecho, a eguinha empacou e não queria prosseguir a
caminhada. Sem experiência com animal, fiquei na minha, aguardando a boa vontade
dela em prosseguir e a chegada dos meus companheiros. A escuridão era total, não
enxergava um palmo além do nariz. Depois de uns 15 minutos de espera, escutei
aquele:
- Boa noite, moço?
- Boa noite! Quem vem lá?
- Empregado da fazenda, vou à venda tomar umas pingas, me acompanhas?
-Não! Obrigado, pois de lá já estou vindo. Meus companheiros lá ficaram
tomando a saideira, boa sorte.
Dei uma cutucada na eguinha e a danada começou a andar. Foi aí que percebi
o quanto podemos confiar nestes animais de sela e como eles enxergam longe. O Pedro
e o José me alcançaram, já bem próximo da fazenda.
Na segunda feira me levaram para conhecer a sede da fazenda, que beleza,
cômodos grandes e altos, boa ventilação, pisos de tábuas corridas e os móveis todos
rústicos, estilo colonial, muito bonito, todos trabalhados artesanalmente. Fiquei
admirado, em ver o quanto o vil metal tem poder.
Depois visitamos as criações, todas muito bem tratadas, os gados bem gordos,
dispondo de uma ótima produção de leite. A criação de porcos e ovelhas nem se fala,
cada um mais bonito que o outro. Fiquei deveras encantado com tudo o que via e um
cigarrinho atrás do outro. Pra’ mim, tudo era novidade.
Na terça feira, fomos buscar umas vacas que estavam amojadas, (com cria) em
uma área bem distante do local onde estávamos. Montei na eguinha, os dois nos baios,
18
viajamos umas quatro horas pelos campos. No trajeto, seguia deslumbrado com tanta
fartura de frutas, pés de laranja, tangerinas, mangas e pés de caqui. Coloquei em meus
bolsos tangerinas, chupava uma e fumava um cigarrinho, foi assim durante toda minha
viagem.
Chegando à casa do colono, tomamos café acompanhado de queijo e bolo de
fubá, batemos bastante e bons papo. Juntamos todas as vacas que es tavam para parir,
logo a seguir, seguimos em direção à fazenda.
O pior estava por vir, após meia hora de caminhada lenta, chegamos ao Rio
Paraíba, que estava lotado com suas águas barrentas e com forte correnteza, tínhamos
que atravessá-lo, pois o caminho era melhor e mais curto para o gado. Não podia fazer
feio, era um garotão, apesar de estar morrendo de medo, não podia demonstrar nada,
então, toquei a eguinha para o fim da fila, não sou bobo, só assim eu observaria como
os outros iriam fazer para atravessar o rio.
Quando vi o cavalo baio do Pedro, que foi o primeiro a iniciar a travessia,
grande como ele era, no atoleiro antes das águas, quase que suas pernas sumiam no
barro, tremi como vara de marmelo verde, embalada pelo vento, pensei:
- Se aqueles cavalos custaram a sair do outro lado, o que seria de mim nesta
eguinha.
A seguir, o José tocou o gado, que com muita destreza e determinação saíram
do outro lado, estava longe em meus pensamentos, quando escutei o Pedro gritar:
- É a sua vez garotão! Não irás querer ficar para traz.
- Mete a espora nessa bichinha, que ela ti trará até aqui.
Quem seria eu para esporar a minha eguinha, falei no ouvido dela:
-Vamos minha menina! Dei uma cutucada de leve nela e lá fomo-nos.
A eguinha deu uma empinada e partiu em direção do atoleiro, foi com tanta
determinação que em poucos segundos já estava nadando, atravessando aquele mundão
de águas barrentas. Minha eguinha só mantinha a cabeça fora d’água, que chegava a
mim até o começo do peito. Perdi todas as frutas que estavam no bolso da minha
jaqueta, levava meu maço de cigarros e o fosforo em uma da mão esticada para cima
evitando molhar.
Com muita raça, classe e determinação, a eguinha galgou a outra margem, deu
de dez a zero nos baios em sua travessia.
Passei admirá-la ainda mais. Desde a saída da fazenda, que percebi que era só
ameaçar a espora que ela saia em galope, alguém deve de ter causado este trauma nela.
Não cheguei esporá-la nem uma vez se quer e vez por outra eu a afagava acariciando o
seu pescoço. Senti neste momento que ela retribuía meus carinhos nesta travessia
usando toda sua destreza me levando em segurança. Ao entrarmos no rio tão
caudaloso, perdi o medo logo, pela capacidade da minha eguinha castanha.
Mais adiante do percurso, tinha uma vala a ser transposta, os dois cavalos baio
galoparam pulando com facilidade, ameacei esporá-la, a eguinha galopou e voou no
pulo sobre a vala, creio que não ajudei, por isso ela não conseguiu, suas patas traseiras
resvalou no barranco. Caí, ela ameaçou sair a galope, meu pé direito estava preso no
estribo, com muita sorte e destreza, consegui desvencilhar o meu pé do estribo, contudo
cheguei a ser arrastado por uns cinco metros.
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Dei muita sorte, senti um frio na barriga e nas pernas, fiquei assustado
pensando ter machucado, qual nada, era o caldo de quatro tangerinas que sobraram no
meu bolso após a travessia do rio, que se esbagaçaram, fique um melado só, de suco de
frutas misturado com lama. Minha jaqueta era de gabardine cinza claro com fecho nos
bolsos, na manga e na frente ficou toda decorada de lama e terra.
À tardinha chegamos à fazenda, tocando aquelas vacas bonitas e barrigudas,
que dentro em breve aumentariam o rebanho daquela propriedade.
Na sexta feira, voltamos para Taubaté, deixando boas recordações para traz.
Nestes eventos devemos curtir e aproveitar o máximo, dificilmente viveremos as
mesmas emoções, nos mesmos lugares e com as mesmas pessoas.
Fiquei muito admirado, quando passamos em Caçapava, em ver homens,
mulheres e crianças com enxadas nos ombros ou trabalhando em plantação de
hortaliças próximo a beira do Rio Paraíba, em sua maioria Nisei, descendente de
Japonês com Brasileiro.
Em São José dos Campos, o que me encantou foi à fonte luminosa no centro da
praça com suas águas coloridas, cheguei a contar vinte cores diferentes, naquela noite
que passamos por lá.
20
Capítulo III
D
ois meses após nosso passeio na fazenda, o Pedro se mudou para São José
dos Campos, perdi meu serviço. Comecei a trabalhar de boia fria, subia no caminhão
ainda no escuro da madrugada e só voltava à tardinha.
Íamos para os campos, nas plantações, colhíamos caqui o dia inteiro,
colocando em caixotes de madeira próprios para o transporte para serem enviados as
cidades. Colhíamos todos os tipos de frutas e legumes tais como; caqui, laranja, limão,
abacate, café, repolhos e outros.
Guardo melhores recordações da colheita do caqui, além de ser bonito ver
todos aqueles pés coloridos de vermelho, fome não sentia, podíamos comer a vontade. O
salário era pago por cada caixa cheia, cada caminhão tinha sua carga certa, que era em
torno de oitocentas caixas, com oito boias frias responsáveis pelo carregamento assim
trabalhávamos o dia inteiro até quando chegava o caminhão menor para nos
transportar de volta a cidade. Não assinavam a carteira e não tínhamos nenhum
vínculo empregatício, assim, ia levando a vida em Taubaté. Gostava de ir à praça do
mercado, esperava até o cinema abrir para assistir os filmes em cartaz.
Certas noites ao voltar para casa na Estiva, passando em frente à penitenciaria
de Taubaté, saindo do centro as ruas dos bairros eram de terra batida, contendo muita
areia solta. Comecei a sentir que alguém jogava areia em minhas costas, acendi um
cigarro para disfarçar o medo que passou a se apoderar de todo o meu ser. Apressei o
passo e a quantidade de areia nas costas aumentou, parei olhei de um lado ao outro,
não vi uma viva alma na rua, neste instante, parou a areia de ser jogada, iniciava a
caminhada a areia aparecia.
Comecei a imaginar um monte de coisas, nestes eventos nossa mente imagina
de tudo, menos a realidade estava com medo, só sentia arrepios. Comecei andar bem
devagarzinho, foi então que descobri que eram minhas sandálias que jogavam aquela
21
areia em minha costa, dei uma boa gargalhada ao matar a charada, segui cantarolando
até chegar a casa.
Próximo da casa de Abigail morava um menino magricelo com o qual eu
brincava muito. Quase todos os dias de folga, íamos para os campos pegar cavalo
alheio para andarmos. O tempo ia passando, era para ser só duas semanas, terminamos
ficando mais de um ano a nossa permanência em Taubaté, cidade muito bonita e limpa,
boa para se viver.
Maria e eu retornamos para o Rio de Janeiro.
Pouco tempo após nossa vinda, o Sebastião e família, mudaram para a cidade
de Duque de Caxias. Neste período, já estava fumando em média trinta malditos
cigarros por dia.
Quando chegamos ao Rio, no desembarque na central, lá estavam minhas
irmãs nos esperando e durante a viagem de retorno, fumava um cigarro atrás do outro,
acendia um novo com a ponta do que estava acabando de fumar.
Minhas irmãs já tinham alugado uma casa, no bairro do Vidigal para
morarmos. O proprietário chamava-se Valdemar e sua esposa dona Jovelina. Eles
tinham três filhos: o Valter, o Aroldo e o Ivo. Valter e o Ivo eram flamenguistas
doentes, o Sr Valdemar era conhecido como Valdemar açougueiro, o mesmo trabalhava
num açougue.
Passei a trabalhar com o Antônio, marido de minha irmã Nelsina. Eles
moravam na pedrinha, tinham como vizinhos o Sr Flavio e dona Maria. Ele tinha um
caminhão Chevrolet antigo, com o qual fazia mudanças e todos os tipos de transporte.
O Antônio e eu fazíamos todos os tipos de reparos em apartamentos, principalmente
reparos hidráulicos. Sua área de atuação era Copacabana e Botafogo.
Todas as tardes, ele ia para a Rua da passagem, sentava a mesa de um bar,
cujos donos eram portugueses, para tomar a cerveja Malsebier, que era preta e um
tanto amargosa, ele era botafoguense doente.
Trabalhamos durante muito tempo juntos, foi ele quem me levou ao Maracanã
no último jogo pela Copa Roca, entre Brasil e Argentina. Tive o privilégio de ver a
estreia do Pelé na seleção e me encantar com o futebol maravilhoso de Garrincha, com
seus dribles estonteantes nos Argentinos. O Brasil ganhou a partida por 2 x 0 e
consumi dois maços dos malditos cigarros neste jogo.
Em 1961, me alistei nas forças armadas, fiquei no aguardo da convocação .
Parei de trabalhar com o Antônio, ele era muito sistemático, fui trabalhar como
entregador de carne em um açougue, que era com entrega a domicílio, no Bairro do
Lido. Flertava com todas as empregadas dos apartamentos onde entregava os
embrulhos de carne.
Sai do açougue, fui trabalhar em uma padaria, também localizada no Lido.
Juntei umas economias e comprei uma bicicleta Monark de quadro duplo, de cor azul
22
claro. Quando saia de casa para o trabalho, soltava as mãos e descia toda a Estrada do
Tambá de mãos soltas. Maria só me abençoava, mas ficava apavorada a me ver descer.
Toda à tarde de sábado e aos domingos, o dia todo jogava bola. Nosso campo
era da casa de pedra até onde terminava o acinentado da Estrada do Tambá.
Às vezes ia á prainha. Num sábado eu e o Ericon jogamos bola com o ator
Buster Lancaster ou pescava nas pedras da Avenida Niemayer, em frente à entrada do
Vidigal, sempre com cigarros acesos.
Fiquei freguês do cine Pirajá, que se localizava próximo da igreja Nossa
Senhora da paz, na Rua do mesmo nome, a Visconde de Pirajá. Foi nele que conheci a
Lia, uma morena espigada e muito bonita, natural da Bahia, elegante, andar macio e de
fala mansa. Após assistir aos filmes, pegava uma lotação e íamos até a praia de
Botafogo, ficávamos na sacanagem no paredão junto ao mar, onde as ondas batiam,
embalando nosso namoro, que duraram alguns meses. Não me recordo porque
terminamos.
É naqueles tempos, era lotação muito parecidas com os furgões de hoje, s endo
um pouco maiores e com a frente parecida com um caminhão da Scania, onde ficava o
motor, tendo só uma porta que se abria para fora, próxima do motorista que fazia a
cobrança das passagens, com lotação máxima de vinte passageiros, e andar em pé era
um sacrifício, tínhamos de andar curvado, o que causava um grande incômodo.
Minha segunda conquista foi à Aparecida, uma morena baixinha e
bundudinha, era semelhante a uma formiga tanajura, aquela que algumas pessoas
arrancam a bunda para comer com farinha. Ela tinha enviuvado há seis meses, era
irmã de um colega do futebol de rua, eles moravam um pouco acima da nossa casa. Eu
a paquerava há bastante tempo, o seu marido ainda era vivo, engraçado é que ela
correspondia a minha paquera. Depois de viúva, passado a metade do luto ficou fácil.
Passamos a sair e ficamos enrabichados um com o outro, ficamos fregueses do bar do
Osvaldo, na Barra da Tijuca, era um bar na parte inferior e quartos de hotel de
rotatividade na parte superior. Era ali que rolava de tudo o que nos era permitido
fazer.
Todos os sábados tocava pandeiro num grupo de forro do Sr Dorvalino, que
era um baita dum negão, com um pezão de fazer inveja às barcas da travessia Rio
Niterói, é que ele tinha uma tremenda lancha. Deixava todos admirados com sua
destreza com a sanfona.
Assim era em quase todas as festas que aconteciam no Vidigal, Dorvalino 44
na sanfona e eu sempre com o meu pandeiro. Era sanfona, violão, bumbo, triangulo,
chocalho e pandeiro. Eu tocava no bumbo, triangulo e chocalho, no entanto era mais
afiado no pandeiro.
Nosso grupo era formado por sete integrantes, o numero da perfeição, sendo
seis nos instrumentos e um cantador. As musicas de sucesso naquela época era bolero,
samba canção, rumba, baião, maxixe e como não podia faltar, o forró.
Lá estava à sanfona falando mais alto, tocando vez por outra um gostoso forró.
Era um rela bucho danado, a poeira subia nos terreiros.
“Ô vida boa e divertida que não volta nunca mais”.
23
A paquera corria solta e com isto, a Aparecida enciumada, começou a criar
muito caso, chegamos ao fim de nossa relação. Acho que o neg ócio dela era arranjar
um segundo marido, no entanto foi muito bom enquanto durou.
Estava a paquerar uma morena que morava um pouco acima da nossa casa,
era separada. Com muito custo saímos numa noite quente de verão, foi uma tremenda
negação. A morena usava três calças intimas, depois de despojada das mesmas virou
um tremendo saco de batatas bem lotado e ainda por cima descobri que ela fumava
cachimbo. Ela acendeu o cachimbo dentro do quarto, o calor era infernal, era um hotel
de rotatividade na Rua São Salvador, não tinha boa ventilação, pedi para apagar o
cachimbo, foi aí que ela acabou com o maço de Hollywood que havia comprado para,
impressionar. O maço era vermelho, não gostava dele por me causar muito pigarro,
meu forte era o continental.
Só foi aquela noite, nunca fui chegado à mulher gorda, gosto mesmo e de
filezinhos:
- Deus me livre de gordura! Só de alcatra, contra filé ou cupim.
Passei a trabalhar com o namorado de minha irmã Aina, que se chamava
Carmo e seu irmão Carlos, fazendo serviços de pinturas em apartamentos. Não gostava
do serviço, tinha de retirar a pintura velha das portas aquecendo com lamparina,
abastecida com querosene, bombeava para dar pressão na chama em seu bico, para
aquecer a tinta raspando com espátula. Dava muito trabalho e tinha que ter muita
paciência e cuidado para não danificar a madeira da porta com a ferramenta usada na
tarefa.
Para fumar era bem ruim, devido a fumaça da tinta e do cheiro, apesar de não
sentir nenhum, uma deficiência que tenho de nascença. Quando acendia meu cigarro,
tossia muito, sendo obrigado apagar, o que me irritava muito em não poder curtir o
meu vício, que já tinha subjugado o meu ser.
Foi num destes serviços na Rua Constante Ramos, que conheci a Luzia , uma
escurinha baixinha.
Papo vai, papo vem. Arrocho daqui, arrocho dali. Fuma daqui, fuma dali.
Marcamos um encontro para irmos ao cinema na Rua Barata Ribeiro , na sessão das
19h. A Luzia saiu na portaria do edifício, vinha com um vestido azulão com bolas
brancas, como se não bastasse, calçava um tremendo sapato branco de salto alto e
pendurado no braço uma tremenda bolsa branca. Demos um beijo, joguei o braço no
seu ombro e seguimos andando em direção ao cinema, fumava meu cigarrinho tirando
onda.
Todos que passavam, não tiravam o olhar de nós. A indumentária da Luzia
chamava muita atenção, o que estava me incomodando muito.
Após o filme, voltamos para o prédio, continuamos em evidência dos olhares
alheios. Não deu para continuar saindo, o serviço terminou e o nosso namoro também.
Fui trabalhar em outro apartamento na Rua Djalma Urique, lá conheci a
Tereza, uma baiana bonita, espigada e falante. Fomos ao cinema, recordo-me bem,
fomos assistir ao filme “Quando Setembro chegar ”.
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O cinema era o Rox, muito luxuoso na Rua Barata Ribeiro. Estava lotado
devido ao sucesso do filme.
Numa das cenas de maior suspense e silêncio, dava para sentir até o pulsar dos
corações da plateia. Neste instante, a Tereza solta um tremendo arroto, a plateia toda
riu. Abaixei e disse:
- Vou ao banheiro. Saí de fininho, nunca mais vi a Tereza.
Voltei a assistir o filme em outro dia e em outro cinema, sorrindo
internamente pelo acontecido com a Tereza. Sempre que saía com uma nova conquista,
comprava um maço de Hollywood para impressionar, contudo, esta marca me causava
muito pigarro.
Fui pintar uma casa no catete, bem próxima ao distrito policial, onde morava
um casal muito simpático, a mulher muito bonita e um tanto assanhada. O marido
baixo, já de meia idade e com um jeitão de bichona, não tinham filhos.
Ela começou a me tratar de um modo todo especial, esquentava minha
marmita, trazia frutas e leite após meu almoço, quando estava misturando a tinta, ela
vinha, abaixava ao meu lado, colocava o braço em meu ombro e comentava a cor da
tinta, com tanta intimidade que fazia meu sangue fervilhar. Nem se importava por meu
cigarro, até dizia:
-Vá fumar sentado lá na varanda.
Terminei cantando a dona, foi a maior besteira que fiz. Levei o maior sabão
dela, ameaçou ir à delegacia bem próxima da casa. Quando a escutei falando com o
marido ao telefone, juntei meus paninhos de bunda e saí de fininho.
Meu patrão perdeu o serviço e eu perdi o emprego. Mas tudo bem! Vou à luta.
Não tenho sangue de barata e não poderia agir de outra maneira com aquela cantada.
25
Capítulo IV
Num domingo de sol de 1960, estava a jogar bola na Estrada do Tambá no
Vidigal, entre o final do cimentado e da casa de pedra. Após fazer um belíssimo gol,
olhei para a direção da pedra redonda, que ficava um pouco afastada da Avenida. Lá
estava ela, parecia uma índia, toda vestida de branco com um vestido de alça a me
olhar, sorrir e vibrando com o gol que eu acabara de fazer. Não deu outra, foi uma
tremenda vibração criada pelo campo magnético entre dois seres de espécies diferentes.
Fumava descontroladamente pela emoção.
Após a pelada, tomei banho, saí na captura da moreninha que estava
encostada no muro da casa de pedra, como estivesse me esperando. Batemos muito
papo. Tomei conhecimento que era carioca filha de capixabas e que tinha duas irmãs
legítimas e adultas de nome Vera e Sueli e uma com dois anos de idade, por parte de
mãe, que se chamava Joventina.
Ela morava atrás da casa de pedra, com a mãe e o padrasto Sérgio, namorava
com o João seu vizinho. Não desisti, com pouco tempo, ela terminou o namoro com o
vizinho e passamos a namorar firme.
Jamais pude imaginar que esta relação duraria cinco longos anos.
Ficamos noivos e num domingo fomos passear na minha Monark. Descemos a
Estrada do Tambá, passamos pela Niemeyer, pegamos a Viera Souto até chegarmos à
Avenida Atlântica. Fomos até ao Leme, na Praça do forte Duque de Caxias, me senti
um tanto constrangido em ver outros namorados desfilando em carrões rabo de peixe,
enquanto eu estava naquela Monark azul claro, contudo, era o veículo que eu tinha
adquirido com muito entusiasmo e orgulho por ser minha primeira compra.
Em 1960, fui servir o exército. Fiquei lotado no segundo batalhão de obuses e
costa, que se localizava no Bairro do Leme. Foi um período muito bom em minha vida,
aprendi e aumentei minhas experiências de vida, passei a entender os meus limites até
onde poderia ir sem avançar o limite dos outros, só não consegui deixar o meu vício de
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fumar, que a cada dia aumentava o meu consumo de tubinhos vestidos de branco.
Durante seis meses participei do curso para cabo. Fui reprovado em topografia,
durante o restante do tempo retirava um serviço por semana.
Servir o exército foi muito bom para mim. Prestei este serviço a minha pátria,
no período de 20 de junho de 1960 a 20 de abril de 1961, somando , nove meses e vinte e
quatro dias. Guardo boas recordações deste período de minha existência.
Namorava uma morena carioca, filha de uma capixaba, que morava no
Vidigal, próximo de minha casa, tudo estava perfeito.
Almira, minha irmã mais nova, casou com o José, que me levou para trabalhar
com o José Alves e Nicolau, dois empreiteiros que executavam serviços de bombeiro
hidráulico nas construções de prédios novos.
O primeiro serviço meu foi cavar uma vala bem funda e longa para passar
uma tubulação de esgoto num prédio que estava sendo concluído na Rua Barão de
Mesquita, no bairro da Tijuca.
Sempre ia de bicicleta para o trabalho, no percurso ia degustando meus
cigarros e curtindo a cidade maravilhosa. Foi neste serviço que me tornei um bombeiro
hidráulico por iniciativas próprias. Aprendi quase todas as manhas sobre a hidráulica,
desde a construção da fundação até entregar todos os aparelhos serem entregues em
perfeitas condições de funcionamento.
Dezessete de Dezembro de 1961, num domingo de sol escaldante e céu azul,
praias lotadas de seres. Jogávamos bola na Estrada do Tambá, no lugar costumeiro, na
curva do Valdemar, estávamos felizes e alegres.
Por volta das quatorze horas, o pai do Mucheba, o China, chegou à rua com
seu rádio anunciando:
- Tem um circo pegando fogo em Niterói!
Paramos o jogo e nos reunimos junto do radio escutando as notícias. Aquele
domingo tornou-se triste e cinzento em nossas mentes, pela tragédia que acontecia.
Foram mais de quinhentos mortos, em sua maioria crianças.
Segundo o noticiário, fora um maníaco que havia colocado fogo na lona pelo
lado de fora. Foi triste demais, acabou com o nosso domingo e com inúmeros lares
brasileiros, enlutados pela perda de seus entes queridos. Neste domingo consumi três
maços de cigarros continentais. Hoje tudo caiu no esquecimento, e tragédias
continuam acontecer, como em santa Maria.
Janeiro de 1962, chuva fina e muita neblina no Vidigal, é o momento mais
lindo de se ver e registrar.
Por volta das seis horas, o estrondo, que nos levou para fora de casa, ver o que
acontecia, tínhamos acabado de acordar para fazer os preparativos para irmos
trabalhar. O estrondo foi causado por um enorme bloco de pedra, que se aparto u dos
dois irmãos, descendo morro abaixo. Cortava na base do tronco, árvores que três
homens de braços abertos não conseguiriam abraçá-las.
Por sorte da família do Sergio, composta de mulher, três filhas adotivas e a
menor, fruto de relações de ambos, não foram esmagados pela pedra.
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Tudo ocorreu em decorrência, d’eu estar fazendo uma escavação atrás da casa
do Sergio, para fazer minha casa, onde iria morar com a Laisa, após o casamento, o
que graças a Deus não aconteceu. A pedra desceu a rampa que fiz, pegando a casa por
traz em sua base destruindo tudo que estava em seu caminho.
A única vitima que conseguiu fazer nesta moradia, foi à filha legítima e mais
nova de Sergio e Joventina.
Foi tudo muito triste, ao perceber, que a casa que estava sendo atingida, era a
da minha noiva, corri para ajudar. Todos que ali já estavam, começaram a cavar a
lama para retirar as pessoas presas. Neste turbilhão de lama, troncos e folhas, todos só
tinham um objetivo: salvar as pessoas.
Minha noiva já tinha sido levada para o hospital Miguel Couto, que depois de
medicada, levou cinco pontos no rosto, o que seria uma marca para o resto de sua vida,
registrando para sempre este evento.
Pela direita, passou uma enorme pedra quadrada de aproximadamente cinco
toneladas, que se estacionou próxima da parede de um barraco, onde dormiam seis
pessoas. Por sorte não foram esmagados. Graças ao poder da mão de Deus.
No segundo semestre de 1963, iniciamos a construção de um barraco no morro
do Alto Solar na Gávea. O Renato, que estava namorando minha irmã Ayla, a Gata
Seca. Os dois trabalhavam no laboratório Moura Brasil, ele conseguiu um espaço nesta
comunidade, juntos o Renato, eu o Ericon e o Edson, pegamos firmes na construção
deste barraco. Emendamos o de Maria com o de Almira, que terminou sendo o maior
barraco da comunidade. Tinha uma escada de madeira, da dava acesso ao barraco de
mãe e ao de Almira.
Terminei o meu noivado. Quase chego a casar com a filha da capixaba. Quem
gostava mesmo de mim para genro, era sua mãe, a Dona Joventina.
Fim com Laisa, Aila avisava.
Fiquei um tanto descalculado, mas superei ao iniciar um namoro com a
Lindalva, que trabalhava no laboratório da Sudamtex. Outro que não deu certo, com
os desentendimentos, ela propôs dar um tempo, o qual esta sendo dado até hoje .
Comecei a sair com a Dos Anjos, todos os fins de semana íamos para o bar do Osvaldo,
na Barra de Tijuca.
Meu vício corria solto, fumava um continental atrás do outro, principalmente
em novas emoções, aí o vício aumentava. Jogávamos bola todas as tardes, num
campinho que existia no inicio da comunidade do Alto Solar.
Numa tarde de Dezembro de 1963, ao abrir o portão do beco de nossa casa,
que nos conduzia ao meio da comunidade, dei de cara com aquela morena, que me
olhou um tanto admirada, foi amor à primeira vista. Muitos não acreditam que não
existe, mas, neste instante, conheci a que seria a minha outra metade...
- Nossa! Como fumei nesta tarde.
Ela subiu a comunidade, vez por outra olhando para traz para me ver, eu me
plantei no portão só para vê-la subir. Com poucos dias, já estávamos namorando.
Trabalhava na Sudamtex, e ela no Parque Davis, todas as tardes esperava pela saída
dela do serviço, subíamos a Marquês de São Vicente namorando.
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No carnaval de 64, fomos: eu, Joãozinho, Glorinha e a Toínha brincarmos o
carnaval no clube do flamengo, no bairro do Flamengo. A recomendação dos pais era
que o Joãozinho deveria entregar ela sã e salva em sua casa, o que não aconteceu.
Quando ao chegar ao rodo do bonde, no final da Rua Marquês, ele dizia:
- Leva você mesmo! Vou adiantar o meu lado com a Glorinha.
E assim, aconteceu ao chegar ao portão de sua casa, o sangue fervia e a
sacanagem acontecia. Já tinha comprado um barraco no Alto Solar, onde seria nosso
lar. Foi ali que passamos a carroça na frente dos burros e fabricamos nossa
primogênita: Adriana.
Em Março de 64, dia 31, estava no comício do nosso presidente João Goulart
de Oliveira, foi quando aconteceu a triste página de nossa história, que duraria por
longos anos vinte anos - o golpe militar.
Nosso casamento aconteceu no dia 28 de Novembro de 1964, na Igreja de
Nossa Senhora da Conceição, situada à Rua Marquês de São Vicente, nº 19 , cerimônia
oficializada pelo padre Arlindo Thiesen, às 18 h, e em 06 de Julho de 1965, nascia nossa
primogênita, em 21 de Maio de 1966, nascia o nosso saco roxo, o André e em 04 de
agosto de 1969, nascia a nossa raspa de taxo, a Heliane.
Deste jeito, ficou formada minha família direta e a média do vício atingia o seu
patamar de trinta cigarros por dia, um prenúncio de um triste Recorde.
Em Outubro de 1969, mudamos para Caxias. Estava no maior sufoco, fazia
turno na Sudamtex, saía às 24 h, chegando onde morava por volta das 04h30min,
saindo para o trabalho por volta das 13 hs, não estava participando do crescimento dos
meus filhos. Foi quando meu compadre José Adriano dos Santos propôs comprarmos
um barraco de parceria, na Vila Parque da Cidade na Gávea, no Rio de Janeiro, ele
ficou na parte inferior e eu na superior.
Em 1970, no segundo semestre, passei a morar nesta comunidade. Foi neste
ano que troquei o Continental por Minister Box, era um maço resistente que não
danificava os cigarros em seu interior, antes tentei fumar Malborro, contudo, não me
adaptei ao mesmo.
Em junho de 1976, apareceu em nossa escola técnica Resende Rammel, um
professor da escola técnica de Volta Redonda, da Companhia Siderúrgica Nacional,
procurando técnicos para trabalharem na empresa, que estava com deficiência de
técnicos em eletrônica, para dar suporte técnico ao estágio dois, que estava em pleno
vapor e a escola local, só formaria seus primeiros técnicos dentro de dois anos.
Aplicaram provas durante quatro dias, das dezenove horas, até às vinte e quatro horas.
No terceiro dia, saímos da escola às duas horas da madrugada.
72 alunos participaram das provas, somente quatro passaram aptos a serem
técnicos na empresa e um deles era eu.
Fumava feito um louco, naquela época podia fumar em qualquer local. Fiz as
provas só para ver como se prestava um concurso, não passava por minha cabeça
29
deixar meu emprego na Sudamtex, tinha três filhos pra’ criar e quatorze anos de
empresa.
Na entrevista com os quatro que passaram, informei ao professor que era
casado, ele disse que isto não era problema, perguntei se eles ofereciam casa para
morar, ele informou que casa disponível não tinha todas disponíveis já estavam
ocupadas. Os técnicos seriam alojados em hotéis na Rua 33, uma das principais de
Volta Redonda e bem próxima da usina, deu-me um prazo de quinze dias para decidir
minha ida ou não. Foi um Deus nos acuda, perdi noites de sono, fumava um Minister
após outro, consumi cinco maços nestes três dias. Estava totalmente indeciso, era muita
responsabilidade sobre mim, como abandonar quatorze anos na empresa...
Minha esposa vendo meu sofrimento e minha indecisão disse-me:
- Você estudou tanto tempo, com tanta dificuldade e estais prestes a se formar.
Já me falaste que na Sudamtex não tem campo pra’ você evoluir na eletrônica.
- É! Realmente nunca pensei ter me casado com um covarde! Tome logo uma
decisão: ou vai ou desista!
Machucou suas últimas palavras, fiquei fula da vida, por ser comparado a um
covarde. Tomei café e fumei até o dia clarear. Ao chegar à Sudamtex, procurei o
engenheiro Maurício, meu superintendente e chefe geral da manutenção, expus meu
dilema para ele e o mesmo falou:
- Se você estudou para técnico em eletrônica e passou neste teste, você tem
mais é que ir, não perca esta oportunidade de aprimoramento. Não se preocupe darei a
você a sua dispensa, como se estivesse sendo mandado embora.
Assim aconteceu em julho de 1976, iniciava minha vida profissional na CSN.
Creio que ele sabia que a Sudamtex iria encerrar suas atividades na Gávea , pois em
agosto de 1977, ela fechou suas portas, indenizando todos os empregados, mudando
suas atividades para a nova fábrica erguida na cidade de Teresópolis, no Estado do Rio
de Janeiro. Tenho até hoje, tenho muito orgulho em ter trabalhado 14 anos na
Sudamtex, uma grande empresa de refinada organização. Consumia um cigarro após
outro pela agitação das ocorrências neste período.
Em Volta Redonda fomos acomodados num hotel na Rua 33. Quando entrei
na usina na primeira vez, fiquei impressionado ao ver tamanha grandiosidade da
siderúrgica e a importância dela na economia do nosso país.
Fui deslocado para trabalhar na aciaria LD. A simplicidade de todos os
engenheiros me admirava, todos nós estávamos imbuídos em acompanhar e fiscalizar
todos os trabalhos das novas instalações na usina. Fui indicado para auxiliar o
engenheiro Carlos, muito simples e prestativo, gostava de ser chamado de Carlinhos
que me incumbiu de organizar rotinas de trabalho e distribuição de tarefas , para serem
executadas pelos técnicos.Tudo era novidade para mim, estava todo empolgado na
execução de minhas tarefas, totalmente diferente do que fazia no Rio.
Em 1977, os maços de Minister, desapareceram do comércio, só passei a
encontrá-los no camelódromo da Rua Uruguaiana, creio que vinham do Paraguai.
30
Como minha família tinha ficado no Rio, todas as sextas feira, por volta das 16 h, descia
para o Rio: eu, o Marto que morava no Méier, o Francisco que morava em Botafogo e o
Rubens morador do Catete, os quatros técnicos do Rio que foram para Volta Redonda.
Outros técnicos foram recrutados de outros estados. Até junho de 1977, todo sábado ia
ao camelódromo, comprar entre um a dois pacotes de Minister, para suprir meu vício
na semana seguinte.
Com a indenização da Sudamtex, comprei um táxi TL, colocando aos cuidados
do Severino, para que ele cuidasse como se dele fosse, para ajudá-lo. Ele trabalhava
com um Corcel de uma empresa, que vivia quebrando a cruzeta, causando-lhe muito
prejuízo, queria ajudá-lo, por sua filha Vanda, deficiente e vivia numa cadeira de
rodas. Nos sábados e domingos, pegava o táxi para dar uns rolés no Rio, coloquei
minha esposa para rodar um dia nele. Nos final de julho de 1977, retirei o táxi do
Severino, ele não deu valor a minha ajuda.
Em Agosto de 1977, levei minha família para Volta Redonda. Aluguei uma
casa na Rua 8, no bairro Brasilândia. Paguei aluguel durante 6 meses, foi quando o
proprietário de uma casa na Rua 7, n 80 resolveu vender e com a venda do táxi e da
nossa casa no Parque da Cidade na Gávea, paguei a parte do proprietário e repassei o
financiamento junto ao BNH para meu nome. Com a sobra, reformei e ampliei a casa.
Definitivamente, o Minister Box desapareceu para venda.
Experimentei várias marcas, por fim, passei a fumar o Derby azul, com o
passar dos tempos, fui acostumando com a nova marca. Meu fraco é tomar café e
fumar, faço pouca ingestão de água, tenho dó dos meus rins, que acredito serem muito
especiais em depurar tanta cafeína.
Por vários 31 de Dezembro, próximo da virada do ano, jogava o maço de
cigarros e a caixa de fósforos bem longe no lixo. Pouco depois da virada, ficava feito um
louco procurando o cigarro e o fósforo, quando achava, fumava um após o outro, feliz
da vida.
Certa vez, fiz dentro da usina, uma tabela com o objetivo de reduzir meu
consumo nos tubinhos branco. Consumia 30 por dia, com a tabela pronta, comecei a
reduzir dois por dia. Cheguei à marca histórica de 07 cigarros por dia, não aguentei
por muito tempo, aos pouco fui voltando a minha triste marca de 30 por dia, com o
passar dos tempos, me estabeleci em 20 por dia.
Quando estou ansioso, fumo um pouco mais, principalmente quando tomo
uma sangria de vinho e passo a escrever.
31
Capítulo V
No carnaval de 1981, após 40 anos, conversando com minha irmã Nelsina ,
numa barraca que montamos próxima do Pão de Santo Antônio em Diamantina, ela
comentou:
-Gostaria de voltar em Milho Verde, onde tomei um tombo no chafariz
quando menina.
Neste momento, estávamos indo para Minas Novas, rever e conhecer parentes
que por lá moravam, porém, mudamos nosso rumo e fomos para Milho Verde.
Encantei-me com a simplicidade da vila, o acolhimento de seus moradores, na maioria,
parentes. Era o local onde brotaram nossas raízes, que com o passar dos tempos,
enraizaram Brasil a fora.
Fiquei tão apaixonado pelo local que decidi:
- Aqui vou viver até os meus dias finais. Quem nos é, para determinarmos o
nosso futuro.
Em Abril de 1990, fiz uma cirurgia no estomago, na clinica São Camilo em
Volta Redonda, os médicos só cortaram os vasos que levavam ácido para o estomago,
então, os sintomas permaneceram e em 15 de Agosto, voltei a ser operado só que desta
vez foi pra’ valer, retirei a metade do estomago.
Segundo o Dr Jetro, que me operou no hospital São Lucas, meus problemas
estavam solucionados.
Parei de fumar. Estava indo muito bem, foi quando chegou o dia 22 de
outubro de 1990, dia este que ficaria marcado pelo resto de minha vida, pela grandeza
da fantástica experiência pela qual passaríamos.
Foi neste dia que meu filho André Luiz, veio a falecer às 22h22min, em
decorrência de um acidente de moto, acontecido ás 13 h no bairro Santo Agostinho.
32
Voltei a fumar desesperadamente após 67 dias sem fumar, era um Derby atrás do
outro.
No dia 02 de Janeiro de 1991 me aposentei. Em Julho deste mesmo ano,
mudamos para o bairro do Vidigal no Rio de Janeiro, meu sobrinho Nelson cedeu sua
casa para ficarmos até que a nossa desse condições para morar.
A depressão tomava conta de todo meu ser, com muito custo e muita ajuda dos
parentes e amigos, consegui deixar a casa em condições de morar. Permanecemos nela
por três anos.
Com a venda da casa de Volta Redonda e do telefone 424359, compramos e
reformamos a casa adquirida do Sr Romero, na Alameda das Camélias 204 A, no
Parque da Cidade na Gávea, Rio de Janeiro. Em 1994 fomos morar nesta casa,
deixando a casa do Vidigal fechada.
Em Março de 1994, continuava no fundo do poço, em meados deste mês, eu e
minha esposa, viajamos em nossa Variant amarela para Milho Verde. Estava decidido
a vender tudo o que já havia construído na vila. Lá chegando, fui convencido por
parentes e amigos, a permanecer com meus investimentos no local.
Na segunda quinzena de Abril, iniciamos a viagem de volta para o Rio de
Janeiro e pouco após a Polícia Rodoviária Federal, dentro do distrito de Juiz de Fora,
aconteceu um acidente terrível: um caminhoneiro, que dirigia uma Mercedes 1113,
dormiu numa curva longa, vindo reto em direção a minha Variant.
Após capotar por várias vezes e ter sido arrastado com as quatro rodas para
cima, por uns trintas metros, paramos com o carro de lado, a centímetros de um
precipício. Eu já estava fora do carro, não sei explicar como saí, minha esposa gritava:
- Me tira daqui que vai pegar fogo!
Retirei-a pelo espaço do vidro da porta. Por sorte, o mesmo estava recolhido.
Abraçamos numa descontrolada tremedeira e choramos. Neste momento, senti
que Deus me transmitia uma mensagem:
- “Levei o seu filho, por achar que não era mais necessário ele permanecer na
terra, senão ... levaria vocês dois agora”.
Naquele instante, vi uma luzinha lá encima na boca do túnel, no qual me
encontrava, percebi que não havia chegado nossa hora, que tínhamos missões ainda a
serem cumpridas.
Iniciei uma caminhada em direção à saída, da profunda depressão na qual
estava. Não sofremos nada grave, só pequenos arranhões, nem prejuízo s materiais
tivemos.
Fumava em demasia devido à emoção dos acontecimentos.
Em 1995, minha sogra veio a falecer, cuidamos dela em nossa casa até bem
próximo do seu final de vida. Em Agosto de 1997, mudamos eu e minha esposa,
definitivamente para Milho Verde. Minhas duas filhas e meus netos ficaram no Rio.
Vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Milho Verde, este é o nome completo da vila
onde fomos morar, berço natal da escrava mais famosa do Brasil: a Chica da Silva e
das raízes de toda minha família.
33
A vila está localizada entre duas cidades históricas, do período colonial,
Diamantina e Serro, da qual a vila é distrito. Localizada nas vertentes do Rio
Jequitinhonha na serra do Espinhaço.
Na vila, passei a fazer brotar minhas ideias em construções, isto me ajudava a
superar minha depressão. Em julho de 2005, mudei minha marca de cigarro do Derby
para Dunhill Carlton Blend, um maço chique com embalagem dura, tipo a que gostava
no inicio do meu vício, o Libert Ovais. Quem me abastecia com pacotes de cigarros da
marca Derby na vila, era o Adelmo, que os trazia de Diamantina.
Com o passar dos anos, minha esposa passou a ter sérios problemas de saúde.
Os recursos na vila e nas duas cidades mais próximas, não eram adequados ao seu
tratamento, pois passou a fazer viagens frequentes ao Rio de Janeiro e com sua saúde
só piorando, tomamos a decisão de retornarmos ao Rio. Na primeira quinzena de
Agosto, voltamos a morar no Rio de Janeiro, no Parque da Cidade, na Gávea.
Minha esposa passou a fazer tratamentos especializados, passamos dar
assistência ao pai dela, passei a levar o Manoel nas consultas e tratamentos na ABBR,
demos nosso apoio e assistência ao mesmo, até próximo do seu falecimento ocorrido em
junho de 2010.
Tivemos boa qualidade de vida na vila, na qual moramos por onze anos.
Permaneci viajando para Milho Verde, de dois em dois meses, para cuidar do s nossos
patrimônios, que por lá ficaram.
Na minha última ida, retornei em 07 de Janeiro de 2012, dois dias após o
falecimento de minha irmã Ayla.
Ao meu ponto de vista, a vila perdeu grande parte de seu encantamento e
tradições, por motivo de várias perdas de pessoas que por lá existiram. Já se vai um
ano e meio sem voltar na vila.
Em nove de janeiro de dois mil e treze, por volta das 10 h, fumei os dois
últimos cigarros de um maço, que comprara à tardinha do dia anterior. A falta de ar
nos pulmões era tanta que não conseguia inalar a fumaça dos meus desejos, estava a
ponto de não aguentar falar, então decidi:
- Vou parar de fumar!
Por volta das 13 h, minha tontinha pediu dinheiro, pra’ dar a menina que nos
ajudava ir à padaria fazer compras. Dei uma nota de R$ 50,00, ela disse:
- Menina compre um leite desnatado, dois reais de pão, um adoçante zero cal e
meio quilo de café pilão... Foi quando eu emendei:
- E um maço de cigarros Carlton.
Estava tão ansioso por estar sem fumar, que não aguentava mais. Às
13h15min, já estava com um cigarro aceso na mão direita, dando boas tragadas lá na
varanda, feliz da vida com toda minha burrice.
De que adiantou tanta determinação intencionada às 10 h, só consegui ficar,
três horas e 16 minutos sem fumar.
No dia dez de janeiro de dois mil e treze, achei um absurdo não conseguir
parar de fumar, por volta das 13h50min, estava fumando o último cigarro, do maço
comprado pela nossa ajudante e novamente decidi:
34
- Vou parar de fumar! Desta vez será pra’ valer!
Amassei o maço e joguei no lixo, peguei uma tesoura e fiz picadinho de um
maço de cigarros de palha, que pela primeira vez havia comprado. Não gosto deste
tipo, pois queima meus lábios. No mesmo continha mais ou menos uns onze cigarros.
Guardei meu isqueiro Bic amarelo na estante da sala, pensando:
- “Logo estarei fumando novamente”.
Eram 14 h do dia dez de Janeiro de dois mil e treze, no dia seguinte seria o
meu aniversário, no qual faria 71 anos de existência, neste planeta batizado de terra.
Onze de Janeiro de dois mil e doze, acordei ansioso, irritado, a vontade de
fumar era intensa, segurei a barra e os ímpetos.
Estava vivenciando meu aniversário, que evento incrível!
Jamais passou por minha mente superar esta meta de idade. A vida é tão curta
e às vezes passa tão depressa, que não dá para pensar nestes objetivos. No meu modo de
pensar, já está pra’ lá de bom, assim o dia foi passando.
À tardinha, minhas duas filhas, minhas duas netas, minha bisneta, Dica e a
minha tontinha nos reunimos na sala da nossa casa localizada no Parque da Cidade, no
bairro da Gávea. Heliane, minha filha mais nova, me deu uma almofada com uma
bandeja para eu usar como mesa, colocada sobre as pernas, para fazer minhas
refeições. Minha neta Stéphanie, leu uma mensagem escrita por ela, ao ler em voz alta,
chorei embalado pela emoção.
Engraçado é que não cantaram o tradicional “Parabéns pra’ você”. Neste
encontro familiar percebi a grandeza do significado família.
Após todos irem embora, minha angústia pelo maldito cigarro aumentou.
Mantive-me firme na minha decisão, assim consegui passar as minhas primeiras vinte e
quatro horas sem fazer uso desta maldita droga liberada, mantia firme o meu
propósito, com relação ao meu vício.
No dia 12 de Março, fui acompanhar minha filha primogênita em um exame
de endoscopia. Na sala de espera, três fumantes, um tentando parar e um ex-fumante,
iniciaram um papo sobre o vício. Uma pessoa do sexo feminino aparentando te r uns 41
anos, síndica e dona de um bar, falava que não conseguia parar, achava que diminuiu a
sua ingestão de alcatrão, nicotina e tudo mais. Exibia com muito entusiasmo, um maço
azul que indicava ter 0,4 mg de alcatrão. Ela informou que chegou ao disparate em
cheirar canos de descargas dos veículos que estacionavam próximo ao seu bar.
Um moreno, aparentando ter uns 32 anos, que aguardava para fazer um
cateter e colocar um balão na horta, informou que fuma quatro maços por dia. Disse
ter chegado acender palitos de fósforo, que depois de apagados cheirava a fumaça
desprendida pelos mesmos. Mostrou um maço azul mais escuro, com menos índices de
tóxicos 0,5 mg de alcatrão e outros. Ficou admirado, com o maço da síndica que
continha só 0,4 mg de alcatrão.
35
O papo rolava solto, sobre o tóxico dos tubinhos brancos com filtro, cada um
queria dar seu depoimento. Uma paciente espigada, um pouco mais nova que os dois
depoentes anteriores, foi relatando que se conseguisse ficar dois dias sem fumar,
conseguiria parar, contudo nem tentava, só conseguia ficar sem fumar por 30 min.
Foi minha vez de entrar no papo, informei que estava tentando parar, já
estava completando, sem fazer uso dos tubinhos brancos, por mais de dois meses, após
63 anos, contudo, não cometi as loucuras relatadas anteriormente: cheirar canos de
descargas e cheirar fumaça de palitos de fósforos apagados . O que sempre fiz, foi
trocar de marca, quando a que fumava ou faltava no mercado não atendia aos meus
propósitos.
Entrou no papo, um senhor com idade avançada, deveria ter mais de 78 anos,
anunciando:
-Estou gostando do papo de vocês. Vou relatar o que aconteceu comigo.
Certo dia entrei numa banca de jornal:
- Tem Hollywood? Vê-me um maço, por favor.
Era minha marca preferida. Arrependi-me ter comprado, vi um coletor de lixo
joguei ali o maço vermelho recém adquirido.
Já se passaram 15 anos, que não uso tal droga, no lugar dos tubinhos brancos,
passei a usar um conjunto branco e uma raquete, jogo tênis duas vezes por dia. O
cidadão era bem espigado e bem eletrizado em seus gestos e fala. Pensei:
- “Este com sua determinação, tomou o comprimido”. (vergonha)
Não tenho explicação para o que ocorre em meu ser, desci com minha
primogênita, que ainda estava um tanto zonza e disse:
- Sente neste banco! Espere-me, que vou comprar um jornal.
Na banca, fui logo pedindo um maço de DUNHILL Carlton Blend e um
isqueiro Bic, grande marrom. Quebrei meu jejum de mais de 60 dias sem fazer uso dos
tubinhos branco. Aquele papo, das pessoas na sala de espera , foi como uma atração
fatal para minha dependência.
No ano de 2012, consegui fazer duas tentativas para abandonar o vício. Mais
de 60 dias e outra de cinco dias, foi tudo em vão, para largar de vez esta maldita droga
liberada. Permaneci o restante dos dias do ano degustando um Carlton após outro.
Na virada para 2013, gravava a queima de fogos, na laje da casa da Karine no
Vidigal, fumava um tubinho após outro. Pelo estado emocional da expectativa do que
estava por vir: novas ilusões, esperança, as novidades, o avanço tecnológico, os
problemas a serem contornados...
Neste instante, meus pensamentos se voltaram para todos os seres que convivi
e se foram. Bateu uma saudade indescritível, ao pensar não ter meu passado mais
presente, para retirar minhas dúvidas, esclarecer a história de nossas raízes neste
planeta.
Completei meus 72 anos, fumando.
36
Capítulo VI
Na madrugada do dia 15 de Abril de 2013, passei muito mal, com uma
queimação no estomago e na garganta, era como se uma bola de fogo subia e descia,
pensei:
- Deve ser por tanto uso de café e cigarro. Havia feito uso exagerado destes
dois componentes. Quando o dia clareou, me aprontei e fui procurar uma consulta com
um Gastroenterologista na Rocinha, no Rio de Janeiro. O medico após me examinar,
concluiu:
- Sua pressão esta dentro da normalidade, além de sua queimação o Sr
apresenta um probleminha no abdômen. Como estou vendo o Sr pela primeira vez, vou
pedir alguns exames para confirmarmos seu estado de saúde. Foi solicitado:
endoscopia, sangue, eletro, chapa do pulmão e uma ressonância magnética abdominal,
a qual ele me indicou fazer na Santa Casa de Misericórdia, onde seria o local mais
barato para fazer. Paguei R$ 50,00 pela consulta e teria 15 dias para apres entar os
exames sem pagar nova consulta. Tive um gasto na clinica de R$ 590,00 com os exames
ali realizados, restando fazer a ressonância, que na Santa Casa, custaria R$ 500,00.
Fiquei na duvida, faço ou não faço esta ressonância? Cheguei a comentar com
um amigo se deveria fazer ou não. Tinha minhas dúvidas com o pedido de tantos
exames. Como nos meus 72 anos, nunca tinha feito um exame desta magnitude, resolvi
fazer.
Foi realizado no dia 22 de Abril de 2013 e no dia 30 de Abril, fui pegar o
resultado. O dia 31 de Abril seria o último dia para retornar a consulta e apresentar os
exames. O laudo da ressonância informava: aneurisma na horta abdominal, medindo
37
11 cm de comprimento e 4,8 cm de diâmetro, não dei muita importância por ser leigo
no assunto, retornei a consulta.
Após analisar os exames, o médico falou:
- O Sr terá que fazer outra endoscopia, para retirar um pequeno pólipo no
duodeno.
Observei que o médico estava um tanto apreensivo, foi quando ele disse:
- O Sr está com um aneurisma, é necessário procurar um cirurgião vascular
com urgência e me deu o encaminhamento.
Saí do consultório apavorado. O chão sumiu dos meus pés, era como se
estivesse no meio das nuvens. Nunca imaginamos que este tipo de problema poderia
acontecer com o nosso ser.
Fui para casa descalculado, liguei o computador com o objetivo de pesquisar
sobre o assunto. Fumava feito um louco, consumi uns 40 cigarros neste dia. Acessei
uma página que trazia muitas informações e esclarecimentos sobre o assunto.
Lá estavam as principais causas: tabagismo, idade, sexo, histórico familiar,
doenças pulmonares, colesterol, pressão alta e outros fatores. Esta pesquisa me deixou
mais consciente do meu problema e me deixando mais tranquilo, com relação ao risco
de rompimento do aneurisma, o que seria desastroso, conforme alerta do médico na
consulta.
Meu risco de rompimento gira em torno de 10%, listado numa tabela desta
pesquisa, não tenho conhecimento da credibilidade desta pesquisa na internete .
Consultado por um cirurgião vascular, chefe de equipe de um hospital, me
esclareceu que existem normas que direcionam para o momento de executar a cirurgia.
As normas giram em torno de 5 a 6 cm de diâmetro, informou que existem
dois tipos de cirurgia, sendo uma delas de alto risco pelo tempo de execução. Teria de
parar de fumar e procurá-lo para novos exames dentro de 6 meses, ou seja, em
Novembro, para verificar o crescimento e a necessidade da operação, o qual deveria ser
pesquisado a cada seis meses. Confirmando as informações das pesquisas que fiz no
mundo virtual.
Permanecia fumando muito e tomando sangria de vinho. No dia 30 de Maio,
tomei a decisão de efetuar uma mudança de hábito em minha vida. Dia 30 parei de
tomar sangria de vinho, dia 31 sexta feira às 17h30min, fumei o último cigarro antes do
pôr do sol, logo seria a tarde de sábado, dia de descanso do meu criador. Sobraram 11
cigarros no maço, coloquei o isqueiro dentro do maço, entreguei para minha sobrinha
Érica para que ela entregasse ao Márcio, iniciando mais uma pretensão em parar de
fumar.
Não fiz nenhuma promessa para não ofender o meu criador, caso fracassa-se.
Não tenho medo da morte, sei que um dia ela virá, já nascemos marcados em
nossas duas palmas da mão, mas esta decisão não é com medo do meu aneurisma
entrar em ruptura, me levando para o andar de baixo. Gostaria de assistir a copa do
mundo, estar aqui no Vidigal em 28 de Novembro de 2014, data esta que completo 50
anos de matrimônio com a minha Tontinha, nossa boda de ouro. Queria fazer um
38
festão para comemorar no Vidigal, até música para minha Tontinha compus, já está
tudo mais ou menos organizado.
Porque no Vidigal, por ser muito semelhante à Vila de Nossa Senhora dos
Prazeres de Milho Verde, berço natal da mais famosa escrava brasileira, a Chica da
Silva. Nesta vila, local do surgimento de todas as minhas raízes, tinha a pretensão de
viver meus dias finais, como não será possível, opto pelo Vidigal.
Amo escutar um galo cantar, aqui tem muitos. Gosto de criar e alimentar
pássaros soltos, para ouvir o seu canto. Aqui tem de montão. Para me alegrar mais
ainda, tem os saguins, que alimentamos com bananas prata. Um deles pega a banana
em minha mão.
Gosto de ter espaço para andar e aqui tenho várias opções. Não sou canário
Belga para viver engaiolado. Sinto-me feliz executando várias tarefas. Meu hobby é
trabalho, amo estar em casa executando criatividades.
Esta casa tem história a ser preservada, a laje do meu quarto e 2000 tijolos
encravados em suas paredes, foram carregados por meu filho André Luiz, que também
fez a laje do quarto ajudado por meu cunhado Sebastião.
Por minha vontade, esta casa deverá ficar para minhas gerações futuras,
sendo utilizada como usos e frutos. Jamais ser vendida! Dinheiro é consumido
rapidamente, patrimônio, permanece.
Se fosse mais novo, faria desta casa um receptivo com o nome de Recanto
André Luiz, para receber turistas estrangeiros.
Não deu outra, foram quatro dias, que consegui ficar sem usar os malditos
tubinhos brancos, voltei a fumar descontroladamente.
Hoje, 09 de Junho de 2013 e nos dias anteriores, fumei tanto que estou
sentindo uma dor muito forte na veia próxima da virilha, é como se ela estivesse
entupindo. Pinta o medo de uma trombose e ter de cortar a perna.
Fumo tanto, que acabei esquecendo que estou com um aneurisma e após sua
descoberta, tenho valorizado o ar que continuo respirando, minha visão , minhas
pernas, meus braços e todos os órgãos do meu ser. Sinto-me privilegiado por meu
criador, por tudo que ele me concede muita das vezes, sem que merreca.
Quero viver intensamente cada segundo que me resta, fazendo o que gosto,
tudo que vier daqui para frente é lucro. Tomar minha pinga pura de alambique, minha
sangria de vinho de preferencia, o sultão em sua ausência vai a Cantina da Serra
mesmo, fazer brotar na terra minhas ideias e criações pela zonzeira, nos momentos de
felicidade. Fico no aguardo da fantástica expectativa da chegada da minha hora para
deixar este mundo físico. Ser homenageado por todos os que me amam, enquanto eles
estarão chorando e lamentando, estarei eu sorrindo pela minha liberdade plena e tão
sonhada em tempos passados.
39
Capítulo VII
M
ATABURRO, normalmente utilizado nos acessos às propriedades
rurais, objetivando impedir a transposição de um animal, de uma propriedade para
outra. Construído de ferro, no formato de um retângulo, com uma barra central na
vertical, formando dois quadrados, nos quadrados existem cortes na horizontal, com
aberturas adequadas para evitar a passagem do animal ou aprisioná-lo.
Foi no ano de 1948, que me aprisionei neste Mataburro, por obra do que
deveria transpor durante minha existência neste planeta.
Quem é o culpado ou será responsabilizado?
- Eu, por enveredar aos oito anos, nesta estrada larga, onde achava que
poderia andar de um lado para o outro, fazendo de quase tudo o que dava na telha
para praticar, assim iniciando o meu lento suicídio, ao catar aquelas sobras de tubinhos
brancos, colocando nos papéis de embrulhar pão, iniciando o meu vício?
- As indústrias, na ânsia de sua produção, em tempos idos, com propagandas
chamativas para aumentar o consumo e seus lucros? Hoje, obrigadas a estamparem nos
40
maços propagandas horripilantes para freiar, enganosamente o consumo, que a cada
dia aumenta o lucro e os estragos no corpo de seus usuários. Quais responsabilidades
deveriam ser imputadas as mesmas?
-As autoridades governantes, que dão incentivos as indústrias, visando a
grande mordida na maior fatia do imposto sobre esta droga liberada. Há pouco tempo
passado, tudo era liberado, fumava-se em todos os lugares sem haver nenhuma
descriminação. Hoje, não se pode fumar em qualquer lugar, principalmente em
ambientes fechados. Por que durou tanto tempo para tomarem tais medidas? Somos
descriminados de várias maneiras, principalmente nas estampas dos maços hoje
comercializados com algumas até enganosas.
Não acho correta a falta de educação de nós fumantes, ao observar nas ruas a
enorme quantidade de pontas sujando a natureza, já tão sacrificada.
O governo deveria obrigar as indústrias, fazerem campanhas educativas e a
recolherem as sobras de seus produtos em locais seguros, mantendo as ruas livre s das
pontas poluentes a natureza. O governo alega ter altíssimas despesas nos tratamentos
de doenças causadas por esta droga, seria bom dividir os gastos com as empres as
produtoras, aplicando nas melhorias dos hospitais.
Creio que um dia deixarei de fumar. Quando este dia chegar, estarei feliz,
sorrindo por ter chegado ao meu objetivo: “Minha sonhada liberdade” deste mau
costume,
que
carreguei
por
quase
toda
minha
existência.
41
S
e você não fuma, não experimente.
Se experimentar, faça de tudo para não continuar.
Se continuar, utilize de todos os recursos possíveis que exis tem, para se
libertar desta maldita droga liberada.
ESTOU AGUARDANDO O MEU FUTURO
MIACHE CONFUSO
22/ 10/ 2013
42
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