, • Questão de ordem \, Existirmos, a que será que se destina? Sem uma identidade, país marca nova data para tentar mais uma vez chegar à terra prometida Francisco de Morais Mendes a Chico é Jornalista do DCS Em 1889, quando se proclamou a República, as elites (eilas, novamente) queriam mostrar para a Europa que éramos Uma anedota diz que os judeus não sabem quanto tempo cosmopolitas. Naquele momento, negava-se o projeto de ficaram longe da terra prometida porque ainda não identidade de 1822, para se afrrmar a semelhança com o terminaram de contar os anos de espera. Coube à ONU, em europeu. Uma reforma urbana no Rio de Janeiro, no princípio 1947, destinar ao povo judeu uma parcela de terra no do século da vida republicana, expulsava do centro da cidade Oriente Médio. A anedota acrescenta que, para complicar a população mestiça e negra, e proibia as manifestações da as contas, a data foi marcada pelo calendário cristão, não cultura popular, transformadas em caso de polícia. O Rio de pelo judaico. Diz outra anedota que em poucas horas os Janeiro importava de Paris não somente a moda e o traçado das judeus transformaram aquilo num país. praças, como os próprios pardais que atormentavam os Sem profecia que nos proporcione algo como um amparo parisienses. político do céu, há quinhentos anos tentamos saber quantas Tudo isto poderia ser história e, entre outros assuntos, tema horas são necessárias para se construir um país. Dois de debate na campanha para o plebiscito, mas preferem nos traços que caracterizaram o sonho do povo judeu durante mostrar pela televisão que monarquista bebe chope e republicano os milênios de espera - a crença numa origem e a gosta de cerveja. Tentam nos vender sistemas e formas de identidade - nos faltam. Sem saber ao certo quem somos governo como quem vende o sabão o censo só diz quantos e o que somos, que lava mais branco a alma nãoquem, seguimos marcando datas nacional. Agem assim talvez porque "Tentam nos vender para a redenção do Brasil. O 21 de abril hoje se entenda que a questão da é uma delas, e teremos outubro e depois sistemas e formas de origem é irrelevante e que isso de as eleições gerais em 94, sem considerar governo como quem vende identidade é bastante discutível. a data do possível adiamento de N o entanto, tentamos traduzir o o sabão que lava mais quaísquer desses eventos; e se nenhuma Brasil. Um economista construiu a destas resolver, outras virão: é quase branco a alma nacional" metáfora da Belíndia. O Brasil seria uma questão de destino errar pelas datas. uma mistura daBélgicacom a Índia, A origem é a mesma história. Somos com a concentração da riqueza de uma e a distribuição da uma mistura de europeus, índios e miséria de outra. Pelo duvidoso caminho das metáforas, o paísafricanos. Parece fácil reconhecer os prqcura encontrar o próprio rosto, outra metáfora. traços de raça que formaram o povo Pelo caminho de uma história repleta de incidentes de brasileiro. Mais complexo é o uso que scontinuidades (como ade qual quer outro povo), mas sempre um discurso pode fazer desses traços. com promessas quanto aos rumos do país, podemos ver o fio Em 1822, porque se tratava da contínuo de um eterno jogo de interesses em que incluir ou Independência, de cortar os laços com a excluir o povo é sempre uma regra de conveniência. E hoje, parte da Europa representada por uando sabemos que povo é um conceito etéreo, amplo e vago Portugal, afirmava-se a identidade com ais, melhor é negociar com os segmentos. o índio e o mestiço, reconhecimento E enquanto não decidimos se o imposto provisório será muito interessante e progressista, permanente, e se rompemos laços políticos com o português da partindo das elites brancas. Afirmavapadaria num acerto de contas com nossa origem, fazemos se uma identidade construída pelas diferenças em relação ao anedota com a história de outros povos paIo desejo secreto de colonizador. Mas, e se tudo não tiver passado de um que - por artes da cabala - a anedota que vivemos possa ser discurso da elite branca e européia em crise com a própria transformada em história. identidade? A dúvida sempre nos enriquece.