1 A DISCRIMINAÇÃO DO TRABALHO DA MULHER NO BRASIL1 Grazielle de Matos Quadros RESUMO O estudo em tela tem o intuito de analisar, por meio de argumentos doutrinários e normativos, as principais formas de discriminação do trabalho da mulher no Brasil. A eleição de tal tema se deu pela importância jurídica e social que traz à tona, que pode ser percebida facilmente em nosso cotidiano. Destarte, o escopo inicial é explanar a evolução constitucional do trabalho da mulher, abordando a questão da igualdade entre os sexos e do direito ao trabalho como um direito fundamental, para assim chegar às normas especiais de proteção ao trabalho da mulher tuteladas pela Consolidação das Leis do Trabalho. Por fim, depois de formada a base do estudo, explora-se a finalidade principal desta pesquisa, de demonstrar a discriminação atuando de fato no universo laboral feminino, a partir de questões acerca da maternidade e do assédio sexual. INTRODUÇÃO A presente monografia possui como objetivo demonstrar a discriminação contra a mulher no mercado de trabalho, uma vez que, apesar de algumas mudanças que ocorreram no nosso Ordenamento Jurídico ao longo dos últimos anos, é fato incontroverso que a mulher continua sendo vista como um ser humano com capacidades reduzidas. Primeiramente, faz-se necessária uma análise do Direito do Trabalho como Direito Fundamental, bem como dos Fundamentos Constitucionais de Proteção ao Trabalho da mulher, que servirão de base para compreensão e desenvolvimento desta pesquisa. O Direito do Trabalho encontra-se abarcado pelos Direitos Sociais, sendo esses Direitos definidos como Direitos Fundamentais de Segunda Geração, uma vez que possuem caráter individual e insuscetível de violações, dado ao fato de terem sido elevados ao grau de cláusula pétrea e serem absolutamente necessários para que o indivíduo alcance a sua dignidade, essa entendida como qualidade intrínseca e irrenunciável do ser humano. Destarte, outro ponto, de relevância indiscutível, que será estudado no primeiro capítulo do estudo em tela, é a questão da evolução do trabalho da mulher no âmbito constitucional. No Brasil a primeira Constituição que versou sobre o tema foi a promulgada em 1937, todavia, somente com a Carta Magna de 1988 foi proclamado o Princípio da Igualdade, que declarou o caráter isonômico que deverá existir entre homens e mulheres, assim como os demais dispositivos de cunho protecionista, como proteção à maternidade, proteção ao mercado de trabalho da mulher, entre outros que serão melhores observados no decorrer do capítulo. 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do Grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo, pela banca examinadora composta pela orientadora Prof.ª Me. Mariângela Guerreiro Milhoranza, Prof.ª Dra. Denise Pires Fincato e Prof.ª Me. Márcia Andrea Bühring, em 09 de novembro de 2011. 2 O segundo capítulo aborda tópicos como a contratação do trabalho da mulher e considerações acerca do tratamento destinado às mulheres na Consolidação das Leis do Trabalho. No que se refere à contratação do trabalho da mulher, veremos que esse tema passou por diversas modificações e, como resultado, temos que trabalhos antes proibidos ou determinadas limitações ao labor feminino hoje não mais prosperam, com exceção daquelas que se referem apenas às limitações de natureza física, podendo-se afirmar que não mais se configuram grandes disparidades entre o contrato de trabalho do homem e da mulher. A Consolidação da Lei do Trabalho conjuga diversos dispositivos relativos às mulheres, que se justificam pela necessidade de tratamento igualitário de gêneros no meio trabalhista. Essas normas visam equalizar o exercício laboral da mulher comparado ao do homem, trazendo variados pontos de proibição de diferenças e tutelando diversos direitos devidos à mulher, figurando entre eles a proteção à maternidade, igualdade salarial, dentre outros. Finalmente, no terceiro capítulo, será analisada a finalidade essencial desta pesquisa, qual seja demonstrar a discriminação do trabalho da mulher ainda existente em pleno curso do Século XXI. Para tanto, serão abordadas as principais formas de discriminação no mercado de trabalho feminino, assim definidas como sendo as questões ligadas à maternidade e ao assédio sexual praticado contra a mulher. Veremos que, não obstante a CLT possuir diversos dispositivos de cunho protetivo à maternidade, essa ainda é responsável — dada a ausência de uma tutela mais efetiva — por grandes problemas de natureza laboral, uma vez que, apesar da existência da licença-maternidade, o período em que a mulher está afastada do seu emprego ainda é um fato oneroso para o empregador — como será demonstrado no decorrer do capítulo — que acaba por gerar razões para discriminação contra a mulher. Serão analisados, também, outros assuntos pertinentes à maternidade, dentre eles a promulgação da Lei 11.770/08, a Lei Empresa Cidadã, que trouxe a possibilidade da ampliação da licença-maternidade em 60 (sessenta dias) à cargo do empregador, sendo que, como será evidenciado, essa norma possui diversos pontos de desigualdades, devido às limitações que impõe. Em última abordagem, será apontado o tópico a respeito do assédio sexual tendo como vítima a mulher, uma vez que essa doença social, que possui ―berço‖ nos tempos feudais, ainda resulta em diversas ações perante a justiça do trabalho. Serão também demonstradas as formas de assédio sexual, assim entendidas pela doutrina como chantagem e intimidação, bem como as conseqüências desses atos na vida pessoal e profissional da mulher. EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO DA MULHER NO BRASIL 1.1 DIREITO AO TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL A Carta Magna de 1988 trouxe a lume, em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos, sendo que, modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de Direitos Fundamentais de Primeira, Segunda e 3 Terceira Geração, com base na ordem histórica cronológica que passaram a ser reconhecidos.2 A Primeira Geração, datada da metade do século XIX, diz respeito aos direitos naturais, poucos e essenciais, como o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à sobrevivência, tendo como foco a proteção do indivíduo contra a atuação arbitrária do Estado, ao passo que o os Direitos Fundamentais de Segunda Geração tratam dos direitos coletivos, visando estabelecer ordem entre governantes e governados, sendo a Revolução Francesa o marco inicial do seu surgimento, dado ao fato da aprovação da Primeira Declaração dos Direitos do Homem.3 Nesta mesma linha, os Direitos Fundamentais de Terceira Geração, referem-se à relações no âmbito social, econômico e cultural, havendo uma maior preocupação em fornecer garantias válidas e eficácia para os Direitos Fundamentais, visto que emergem do amadurecimento de novas exigências, como bem estar e equidade, ultrapassando as fronteiras das relações puramente com o Estado. Nesta seara fala-se ainda em Direitos Fundamentais de Quarta Geração, que seriam os vinculados aos progressos científicos e tecnológicos ou relativos ao espaço físico e ao meio ambiente.4 Ingo Wolfgang Sarlet defende que somente é possível conceituar-se os Direitos Fundamentais de maneira genérica e universal, de modo a permitir a sua permanente adaptação à luz do Direito Constitucional Positivo, deste modo inspirou-se no conceito de Robert Alexy para propor a seguinte definição, que não deixa de considerar a abertura material consagrada expressamente pelo direito constitucional positivo pátrio: Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento 5 na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo). Cumpre-se trazer à baila o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que atua como o ―alfa e ômega‖ do sistema das liberdades constitucionais e, portanto, dos Direitos Fundamentais. Conforme Ingo Wolfgang Sarlet: (...) a noção de dignidade repousa – ainda que não de forma exclusiva (tal como parece sugerir o pensamento de inspiração kantiana) – na autonomia pessoal, isto é, na liberdade (no sentido de capacidade para a liberdade) – que o ser humano possui de, ao menos potencialmente, formatar a sua própria existência e ser, portanto, sujeito de direitos, já não mais se questiona que a liberdade e os direitos fundamentais inerentes à sua proteção constituem simultaneamente pressupostos e concretização direta da dignidade da pessoa, de tal sorte que nos parece difícil – ao menos se pretendermos manter alguma coerência com a noção de dignidade apresentada ao longo do texto – questionar o entendimento de acordo com 2 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 31. FARIA, Josiane Petry; LUCENA, Ângela Adelaide. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. In: Revista do Direito, v.4, n.4, Uruguaiana: PUCRS Uruguaiana, 2005, p. 9. 4 FARIA, Josiane Petry; LUCENA, Ângela Adelaide. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. In: Revista do Direito, v.4, n.4, Uruguaiana: PUCRS Uruguaiana, 2005, p. 9. 5 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 77. 3 4 o qual sem liberdade (negativa e positiva) não haverá dignidade, ou, pelo 6 menos, esta não estará sendo reconhecida e assegurada. O Princípio da Dignidade da Pessoa está intimamente ligado ao Princípio da Valorização do Trabalho Humano, pois a dignidade da pessoa humana é inalcançável quando o trabalho humano não merecer a valorização adequada. Neste sentido, temos o Direito ao Trabalho como um Direito Fundamental de Segunda Geração, no que pese tratarse de um Direito Social.7 Consoante Uadi Lammêgo Bulos, os direitos trabalhistas interligam-se com os direitos sociais, sendo que as normas assecuratórias de direitos sociais e trabalhistas são de ordem pública, imperativas e invioláveis.8 Quanto à relevante importância dos direitos sociais, anota Paulo Bonavides: (...) os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justiciáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade 9 de argumentação arrimada no caráter programático da norma. Os Direitos Fundamentais de segunda dimensão englobam, além dos ditos direitos de cunho positivo, as ―liberdades sociais‖, como por exemplo, da liberdade de sindicalização, do direito de greve e dos direitos fundamentais dos trabalhadores, assim entendidos como direito a férias, repouso semanal remunerado, limitação da jornada de trabalho, entre outros. Abrange, portanto, uma dimensão muito maior do que os direitos de cunho prestacional, não obstante o cunho ―positivo‖ ainda seja o marco dessa nova fase na evolução dos direitos fundamentais.10 A tutela e efetividade dos direitos sociais do trabalho abrigam a própria democracia e o cumprimento das normas constitucionais, sendo exigida a intervenção estatal com o intuito de garantir a dignidade do trabalhador nas relações de trabalho. Não obstante, a própria empresa destinatária dos direitos fundamentais, tem a função de garantir condições laborativas dignas ao empregado, bem como de ser o instrumento para obtenção da implementação da função social dessa dignidade.11 A ordem comunitária em concurso com a ordem jurídica que não toma a sério a dignidade da pessoa, esta, reconhecida como qualidade atribuída ao ser humano e ainda valor e princípio jurídico-constitucional fundamental, não trata com seriedade os direitos fundamentais e, portanto, não valoriza a humanidade que habita em cada ser humano e o faz merecedor de respeito e considerações recíprocas.12 No que concerne a eficácia dos Direitos Fundamentais, dentre eles o direito ao trabalho, cumpre-se ressaltar o cunho eminentemente principiológico da norma contida no 6 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, pp. 91-102. 7 LEDUR, José Felipe. A Realização do Direito ao Trabalho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 95. 8 BULUS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 626. 9 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 565. 10 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 48. 11 MUNARO, Franciel. Dignidade da Pessoa Humana e Direito do Trabalho, à luz da Constituição Federal de 1988. In: Revista do Processo do Trabalho e Sindicalismo n. 1, Porto Alegre: HS, 2010, p. 92. 12 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, pp.174. 5 art. 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988 — que consagra a aplicação imediata das normas fundamentais — a qual acaba por impor aos órgãos estatais e aos particulares que concedam a máxima eficácia e efetividade aos direitos fundamentais, em favor dos quais milita uma presunção de imediata aplicabilidade e plenitude eficacial.13 Para Leandro Antonio Pamplona o Poder Judiciário tem papel fundamental na efetivação dos direitos estabelecidos como fundamentais, demonstrando que a nossa Carta Constitucional pode ser considerada uma Constituição dirigente — um bloco de normas constitucionais em que se definem fins e tarefas do Estado, se estabelecem diretivas e estatuem imposições — sendo que esta noção diretiva está intimamente ligada à idéia de constituição programática, uma vez que a concretização destes direitos depende do cumprimento de tarefas por parte do Estado, essa anteriormente planejadas pelo legislador.14 Infelizmente as normas jurídicas e sociais, independentemente da sua origem, não têm sido respeitadas e observadas por aqueles que gerenciam a economia nesses níveis, devendo o Estado garantir e realizar os Direitos Fundamentais, o que certamente não se concretizará se sua atuação estiver condicionada pelas forças econômicas privadas, pois a garantia dos direitos fundamentais está estreitamente arraigada à capacidade de o Estado influir na conformação da realidade econômica e social.15 O direito ao trabalho e a atividade econômica compartilha de uma estreita conexão, visto que o Estado brasileiro, pela atuação conjunta dos Poderes Legislativo e Executivo, tem o real dever de estabelecer as diretrizes da atividade econômica, de modo que ela seja concebida a partir de um raciocínio plenamente desenvolvido. Esse planejamento da atividade econômica, previsto no art. 174 da Carta Magna, emerge da previsão constitucional que converge para o sentido da necessidade que a Sociedade tem do acesso a um trabalhado dignamente remunerado.16 1.2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DE PROTEÇÃO AO TRABALHO DA MULHER Em um breve retrospecto da evolução social da mulher, podemos observar que esta percorreu um árduo caminho até atingir a sua atual posição na sociedade. Na antiguidade, a mulher era vista tão somente como procriadora e devia total obediência aos homens, tinha que se submeter unicamente à vida doméstica, criando e cuidando dos filhos. Logo após, na Idade Média, a mulher passou a ser considerada como uma ―aprendiz‖, no entanto, mesmo sendo vista como um ser inferior começa a exercer com exclusividade determinados ofícios, como fiandeira e tecedeira de seda.17 13 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 459. 14 PAMPLONA, Leandro Antonio. Efetivação de Direitos Fundamentais Sociais. In: Revista de Processo do Trabalho e Sindicalismo, Ano 1, n.1, Porto Alegre: HS, 2010, p. 147. 15 LEDUR, José Felipe. A Realização do Direito ao Trabalho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, pp. 145-148. 16 LEDUR, José Felipe. A Realização do Direito ao Trabalho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 157. 17 PANUZZIO, Danielle; NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. Proteção ao Trabalho da Mulher no Limiar do Século XXI – O Direito e a Ética na Sociedade Contemporânea. Campinas: Alínea, 2006, pp. 163 - 164. 6 A introdução ao trabalho assalariado se dá, contudo, na Idade Moderna, quando do processo de industrialização na fabricação de tecidos, no qual a mulher passa a colaborar. Com a Revolução Industrial, todavia, a mão-de-obra feminina, sem qualquer espécie de proteção, estava sujeita a toda sorte de exploração. A mulher cumpria longas jornadas de trabalho e recebia baixa remuneração. É nesta seara que começam a surgir na Inglaterra, França e Alemanha, as primeiras legislações protecionistas em relação ao trabalho da mulher.18 No Brasil, a primeira Constituição Federal que versou sobre o tema, foi a promulgada em 1937, que proibia o trabalho da mulher em indústrias insalubres (art. 137, k), além de assegurar assistência médica e higiênica à gestante, prevendo um repouso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário (art. 137, l). Data vênia, a Carta Constitucional de 1946, além dos elementos já dispostos na Constituição anterior, veio a acrescentar a proibição da diferença salarial por motivo de sexo (art. 157, II), vedado o trabalho da mulher em indústrias insalubres (art. 157, IX); ao direito da gestante, foi acrescentado o descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego, além do já estabelecido em relação ao salário (art. 157, X). Previa ainda a previdência em favor da maternidade (art. 157, XVI).19 A Constituição Federal de 1967, no entanto, proibia a diferença de salários, bem como de critérios de admissão por motivo de sexo (art. 158, III), mantinha vedado o trabalho da mulher em indústrias insalubres (art. 158, X), assegurava o descanso remunerado à gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário (art. 158, XI). Continuava a assegurar a previdência social, visando a proteção à maternidade (art. 158, XVI). Esta nova Constituição, contudo, acrescentou a mulher o direito de aposentadoria aos 30 anos de trabalho, com salário integral (art. 158, XX).20 Segundo Maria Sbalqueiro Lopes: Após a promulgação da Constituição de 1988, iniciou-se um processo de adaptação das regras jurídicas aos novos princípios: proibição de discriminação em relação a sexo e abolição da ―chefia‖ da sociedade conjugal. O primeiro passo foi a eliminação das normas pseudoprotetoras 21 mediante revogação expressa da legislação incompatível. A Carta Magna de 1988 abarca, portanto, diversos princípios, normas e Direitos Fundamentais de proteção à mulher, como o disposto no Art. 5º, mais especificamente inciso I: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. 18 PANUZZIO, Danielle; NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. Proteção ao Trabalho da Mulher no Limiar do Século XXI – O Direito e a Ética na Sociedade Contemporânea. Campinas: Alínea, 2006, pp. 163 - 164. 19 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 575 - 576. 20 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 575 - 576. 21 LOPES, Maria Sbalqueiro Lopes. Reforma Trabalhista e Previdenciária e Direitos da Mulher - As Perspectivas da Relação de Trabalho no Brasil: As Reformas Sindical e Trabalhista. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2006, p. 55. 7 Como bem expressa José Afonso da Silva, ―A igualdade constitui signo fundamental da democracia‖.22 O que se veda com tal princípio, são diferenças arbitrárias e absurdas, visto ser exigência tradicional do conceito de Justiça o tratamento desigual aos casos desiguais, na medida em que se desigualam. Contudo, o que se protege são certas finalidades, de modo que este princípio constitucional só será lesado quando o elemento discriminador não se encontrar a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.23 Para Alexandre de Moraes: A igualdade se configura como uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como norma suprema 24 proclama. Amauri Mascaro Nascimento defende que ―a igualdade não é um conceito acabado, muito menos exato.‖ O Autor narra que a discussão acerca da igualdade teria iniciado na Grécia, há 2.3000 anos, sendo que hoje tal princípio nos coloca diante das diferenças mais primitivas dos seres humanos, sem as quais torna-se impossível verificar desigualdades e a multiplicidade de variáveis ou fatores de comparação.25 A igualdade é um exercício de comparação. Mede-se algum aspecto específico de uma pessoa com o mesmo aspecto de outra pessoa. Duas pessoas podem ser desiguais em algum aspecto, mas iguais, se é que isso é possível, em outro. Assim, também, as sociedades, as normas éticas e o direito positivo. Vê-se, logo, que o estudo da igualdade é a verificação das desigualdades. (...) O Direito do trabalho trata desigualmente situações desiguais e igualmente situações iguais, com tendência maior para realização da 26 igualdade material. Para Walber de Moura Agra ―O fim do preconceito em relação às mulheres foi o principal objetivo tentado pelo princípio da isonomia de sexo.‖ Este princípio renegou certas situações que existiam anteriormente, trazendo para o ordenamento jurídico novos conceitos, como é o caso da proibição de admissão por motivo de sexo, que tem caráter absoluto, não permitindo nenhum tipo de exceção, sendo que qualquer ato ou norma contrário ao princípio deve ser, de imediato, considerado inconstitucional.27 O constituinte, ao igualar homens e mulheres, acatou uma solicitação há muito reclamada. Expressou em termos constitucionais positivos as longas lutas travadas contra a discriminação do sexo feminino. Ao fazê-lo garantiu muito mais que a igualdade ―perante a lei‖; assegurou a igualdade material de direitos e obrigações entre os sexos. 22 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 211. 23 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 36. 24 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 37. 25 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, pp. 73-74. 26 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 74. 27 AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 119-200. 8 Logo, homens e mulheres, que estiverem em situação idêntica, não poderão, seja qual for o argumento, sofrer qualquer cerceamento em suas 28 prerrogativas e nos seus deveres, sob pena de infringir a Carta de 1988. Nas relações laborativas em geral, devido a questões de cunho econômico, são sempre os trabalhadores que estão em condições inferiores, motivo pelo qual é papel da ordem jurídica constitucional modificar esta realidade fática e estabelecer uma igualdade jurídica, oferecendo garantias para os desfavorecidos na relação de trabalho. A estipulação dos direitos trabalhista no âmbito Constitucional surgiu com o intuito de resguardar os direitos dos cidadãos e protegê-los contra as intempéries do legislador infraconstitucional.29 A Carta Magna de 1988 consagra diversos dispositivos, além dos já demonstrados, que tratam da proteção do trabalho da mulher. O art. 7º, XX, da CF, trata da igualdade salarial entre os gêneros, o advento da norma resulta da discriminação sofrida pelas mulheres que, quase sempre, recebem salários inferiores aos dos homens, sendo que a sua edição visa à proteção do mercado de trabalho da mulher através de políticas de incentivos fiscais para sua contratação, não possuindo, contudo, desrespeito ao princípio da igualdade, por tratar-se de uma ação afirmativa, uma garantia advinda da sua condição fisiológica.30 O art. 7º, XVIII da Constituição Federal traz à baila a questão da licença a gestante, a qual não resultará em prejuízo salarial para empregada e terá duração de cento e vinte dias, bem como, a licença-paternidade, fixada no inciso XIX do mesmo artigo, que, conforme Uadi Lammêgo Bulos: (...) sem similar no Direito estrangeiro, a licença-paternidade constitui uma forma de proteger a maternidade. Funciona, portanto, como direito-meio, com vistas a alcançar o direito-fim, qual seja, o de permitir que o pai do nascido se afaste do serviço por alguns dias, para ajudar a mulher nos cuidados com o novo filho e nas tarefas do lar, cuja normalidade sofre 31 alterações com o nascimento da criança. Outra questão pertinente abarcada pelo Constituinte no art. 7º, XXV, da CF/88, foi a assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os cinco anos de idade em creches e pré-escolas. Para Mozart Victor Russomano: Trata-se de um estímulo, de efeitos e significados relativos, no sentido de despertar a consciência do empregador nacional para o problema da infância, que constitui questão muito funda da vida de povos como o nosso, isto é, dos povos jovens, em franco e rápido desenvolvimento 32 demográfico. Cumpre-se ressaltar outros dispositivos alencados na nossa Carta Constitucional, quais sejam os artigos 39, § 3º e 201, inciso II, respectivamente. Segundo o § 3º do art. 39 as normas relativas à proteção do trabalho da mulher, dispostas no art. 7º, aplicam-se da mesma forma aos ocupantes de cargos públicos. E ainda, o art. 201, inciso II, dispõe que a Previdência Social atenderá a proteção à maternidade, especialmente à gestante. 28 BULUS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 424. AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 195. 30 AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 195. 31 BULUS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 637. 32 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 444. 29 9 A Previdência Social é organizada em função do trabalho.Os cidadãos contribuem para o INSS quando trabalham e recebem benefícios quando não podem trabalhar. Assim, porque o Direito Previdenciário tutela o não – trabalho involuntário, parece evidente que a legislação trabalhista não pode prescindir do estudo da correlata legislação previdenciária. Para realização do objetivo de igualdade entre homens e mulheres e compatibilização dos interesses familiares com o trabalho, ademais, o Direito Previdenciário assume relevante papel. Isso porque o Direito da Seguridade Social é a expressão por excelência do princípio da solidariedade, que implica por si só a correção de desigualdades sociais.33 Não há que falar em preceitos Constitucionais sem mencionar o art. 7º, XX da CF/88, o qual trata da ―proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos que, segundo José Afonso da Silva, ―tem por fim dar condições de competitividade no mercado de trabalho, sem discriminação‖.34 Nessa mesma esteira, Uadi Lammêgo Bulos defende que: (...) com esse inciso, de eficácia contida, o constituinte de 1988 pretendeu vincular o legislador infraconstitucional, compelindo-o a emitir comandos normativos para regular as formas de proteção ao mercado de trabalho da mulher, através, v. g., de incentivos fiscais, facilitando o acesso e a garantia 35 de emprego. A totalidade destas normas constitucionais visa, portanto, combater a discriminação do trabalho da mulher, fato que se encontra inserido no princípio constitucional da isonomia, todavia, os preceitos de igualdade previstos nos textos legais não são o suficiente para que o esse ideal penetre também na realidade, pois se a discriminação é banida dos textos legais, ela continua a perpertuar-se em vários segmentos sociais e toma novas feições.36 Deste modo, podemos constatar que a Carta Magna possui um caráter fortemente protetivo em relação ao trabalho da mulher, contudo, a eficácia destas normas ainda não ocorre de maneira plena no cotidiano trabalhista brasileiro. 2 2.1 TRATAMENTO DESTINADO À MULHER NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO A CONTRATAÇÃO DO TRABALHO DA MULHER Consoante o art. 3º da CLT ―considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário‖. 33 LOPES, Maria Sbalqueiro Lopes. Reforma Trabalhista e Previdenciária e Direitos da Mulher - As Perspectivas da Relação de Trabalho no Brasil: As Reformas Sindical e Trabalhista. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2006, p. 64. 34 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 295. 35 BULUS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 637. 36 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, pp. 1057-1058. 10 Para Alice Monteiro de Barros ―Empregado pode ser conceituado como a pessoa física que presta serviço de natureza não-eventual a empregador mediante salário e subordinação jurídica.‖ Tais serviços podem ser de natureza diversa, como intelectual, manual ou técnico, integrantes das mais diversas categorias profissionais ou diferenciadas.37 Existem, portanto, alguns requisitos para se chegar à definição de empregado. Em primeiro lugar deve se atentar para o fato de que o empregado deve ser uma pessoa física, visto que não é possível o empregado ser pessoa jurídica ou animal, além do que, a pessoa jurídica é tutelada pelo Direito Civil e não pelo Direito do Trabalho, como é o caso do trabalhador enquanto pessoa física.38 O segundo requisito necessário para se chegar a definição de empregado é o da não eventualidade na prestação de serviços. ―O serviço prestado pelo empregado deve ser de caráter não eventual, e o trabalho deve ser de natureza contínua, não podendo ser episódico‖.39 Quanto à subordinação, que é o terceiro e principal requisito de definição de empregado, tem-se que: Subordinação é uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que 40 desempenhará. Como quarto requisito, temos a necessidade de haver o pagamento de salário, visto que é da natureza do contrato de trabalho a sua onerosidade, não existindo contrato de trabalho gratuito. ―Assim, o empregador recebe a prestação de serviços por parte do empregado. Em contrapartida, deve pagar um valor pelos serviços que recebeu daquela pessoa.‖ 41 No que tange a pessoalidade, essa considerada como quinto requisito para definição de empregador, há que se ter presente que está intimamente relacionada com o contrato intuito personae, uma vez que o sujeito do contrato é aquele que se comprometeu, sendo vedada, no caso, a fungibilidade do trabalho. Pode ser definida, ainda, como indissociabilidade entre o trabalhador e o trabalho que presta, o que será determinante na proteção legal de quem presta o trabalho.42 A respeito do empregador, reza o art. 2º, § 1º da CLT: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. 37 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 237. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 128. 39 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 128. 40 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 105. 41 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 132. 42 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, pp. 103-104. 38 11 Amauri Mascaro Nascimento conclui que ―empregador é o ente, dotado ou não de personalidade jurídica, com ou sem fim lucrativo, que tiver empregado.‖ 43 Podem, portanto considerar-se empregador a União, Estados-membros, Municípios, autarquias, fundações, massa falida, espólio, microempresa, bem como a pessoa física, chamada de empresa individual, que explora individualmente o comércio. Ou seja, é empregador aquele que tem empregado.44 Por conseguinte, é mister ressaltar que a principal característica que distingue o empregado do empregador é a subordinação, que é o poder diretivo do empregador, visto do ângulo do empregado. Este poder diretivo não implica somente o poder de dirigir a prestação de serviços do empregado, mas abarca também a possibilidade de fiscalização de tais serviços, assim como a disciplina dos trabalhadores, através da aplicação de penalidades, sendo esse último o poder disciplinar do empregador, que se encontra inserido no poder diretivo.45 Quanto à distinção entre relação de trabalho e relação de emprego, tem-se que a primeira é mais genérica, envolve todas as relações jurídicas que têm como cerne a obrigação de fazer consubstanciada em labor humano modernamente admissível. A relação de trabalho inclui, portanto, a relação de emprego e todas as outras formas de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual.46 Há relação de trabalho toda vez em que houver vínculo jurídico mediante o qual uma pessoa física (não pessoa jurídica) execute, para outrem, obra ou serviços, e receba, em contrapartida, determinado pagamento. Por outro lado, há relação de emprego quando uma pessoa física ou natural, pessoalmente e de forma não eventual, por pagamento de salário e sob 47 subordinação executa seus serviços ao empregador. Mariângela Guerreiro Milhoranza e Maurício de Carvalho Góes concluem que: ―(...) relação de trabalho é o gênero do qual a relação de emprego é uma espécie, vale dizer, toda a relação de emprego é relação de trabalho, mas a contrário sensu, nem toda relação de trabalho é relação de emprego‖.48 Relativamente ao contrato de trabalho, tem-se que se encontra dividido em dois hemisférios: o hemisfério das relações contratuais individuais e o hemisfério das relações contratuais coletivas. ―Os contratos individuais de trabalho não se contrapõem aos acordos ou convenções coletivas; distinguem-se dos mesmos, mas existe, entre ambos, uma vinculação estreita e notória‖.49 Cumpre-se ressaltar que contrato de trabalho é gênero no qual está inserido o contrato de emprego, visto que contrato de trabalho poderia envolver qualquer trabalho, como o eventual, autônomo, avulso, do empresário e etc. Todavia, o contrato de emprego diz respeito à relação de empregado e empregador, e somente a estes. O contrato de 43 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 137. 44 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 176. 45 CUNHA, Maria Inês Moura S. A. da. Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2004 pp. 56-57. 46 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 286. 47 MILHORANZA, Mariângela Guerreiro; GÓES, Maurício de Carvalho. Notas sobre a distinção entre Relação de Trabalho e Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 25, n. 290, Porto Alegre: HS, 2008, p. 61. 48 MILHORANZA, Mariângela Guerreiro; GÓES, Maurício de Carvalho. Notas sobre a distinção entre Relação de Trabalho e Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 25, n. 290, Porto Alegre: HS, 2008, p. 65. 49 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 117. 12 emprego seria, portanto, a espécie do contrato de trabalho, apesar da denominação corrente ser ―contrato de trabalho‖, sendo esta denominação usada inclusive pela CLT.50 No que concerne às características do contrato de trabalho, estas se dividem em três aspectos: pessoal, patrimonial e misto. A relação pessoal parte do pressuposto de que o trabalho não é mais destinado aos escravos, não podendo, portanto, ser tratado como mercadoria. Deve haver um dever recíproco de fidelidade. Quanto à característica patrimonial, temos que o trabalho tem como objetivo alcançar fins econômicos, pois o empregado presta serviços em troca de uma valor pecuniário. Deste modo, temos que no contrato misto existe, concomitantemente, a relação pessoal e a relação patrimonial, sendo essa combinação indissolúvel. É pessoal porque envolve duas pessoas, o empregado e o empregador, e patrimonial porque o trabalhador labora em troca de um salário, sendo que o empregador tem o direito de receber a prestação de serviço para pagar o salário.51 Os requisitos essenciais do contrato de trabalho, de acordo com Sergio Pinto Martins são continuidade, subordinação, onerosidade, pessoalidade e alteridade. A continuidade é da relação jurídica, da prestação, uma vez que aquele que presta serviços eventuais não é empregado, ao passo que a subordinação é o exercício da atividade do empregado com dependência do empregador, por quem é dirigido. Nesta esteira, tem-se que a pessoalidade, anteriormente mencionada, é a realização do contrato intuitu personae, ou seja, realizado entre pessoas certas e determinadas, não sendo permitida fungibilidade nesta relação.52 No que diz respeito à contratação do trabalho da mulher, cumpre-se ressaltar que não mais vigora o art. 446 da CLT quanto à presunção de autorização do trabalho da mulher casada, pois com dezoito anos a mulher, assim como o homem, adquire capacidade plena para fins trabalhistas. Importa ainda destacar que tal dispositivo da CLT já havia sido revogado indiretamente pelo estatuto da mulher casada.53 Quanto à jornada de trabalho, Amauri Mascaro Nascimento denota que esta diferencia-se da duração de trabalho e do horário de trabalho, na medida que a sua ideia é a dos parâmetros máximos autorizados em lei para que o trabalhador fique à disposição do empregador. Porquanto duração de trabalho é o quantitativo de tempo somado e destinado pelo trabalhador ao cumprimento das obrigações pelo qual foi contratado, e o horário de trabalho é determinação do início e fim das suas atividades laborais diárias.54 Apesar da existência de jornadas de trabalho diferenciadas, a regra disposta no art. 7º, XIII, CF, prevê que a jornada de trabalho deverá ser de oito horas diárias e 44 horas semanais.55 No caso das mulheres, a duração do trabalho é igual à de qualquer outro trabalhador, sujeita, portanto, ao disposto no art. 7º, XIII, da Constituição Federal.56 Em relação ao salário e remuneração, temos que a remuneração hora é conceituada como gênero que compreende o salário e hora é conceituada como sinônimo de salário e, ainda, consoante Amauri Mascaro Nascimento: ―Outra forma de relacionar os dois vocábulos é considerar salário a remuneração do trabalho. Remuneração é o ato pelo 50 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 78. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 90. 52 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 91. 53 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 577. 54 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 165. 55 ALMEIDA, André Luiz Paes de. Direito do Trabalho: Material, Processual e Legislação Especial. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009, p. 132. 56 JORGE, Francisco Ferreira Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Manual de Direito do Trabalho - Tomo II. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 941. 51 13 qual o empregado recebe pelo seu trabalho, e salário é a forma pela qual a remuneração se faz.‖57 Na atualidade não mais se justifica a diferença de salário entre o homem e a mulher, conforme disposto no art. 7º, XXX da Constituição Federal, bem como no art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho. Da mesma forma, as questões relativas à equiparação salarial são reguladas pelo art. 461 da CLT, e não possuem nenhuma diferença quanto ao contrato de trabalho do gênero masculino.58 O trabalho noturno da mulher é permitido em qualquer local, desde que observadas as peculiaridades do meio urbano e rural, e se for o caso de trabalho urbano, deve-se aplicar a jornada de 52 minutos e 30 segundos e o adicional de 20%, e se o trabalho noturno for realizado no meio rural deve-se utilizar o adicional à base de 25%.59 Relativamente aos períodos de descanso, têm-se o repouso semanal durante um período de 24 horas consecutivas prefixadas na semana sem prejuízo do salário. O repouso deverá ser concedido preferencialmente aos domingos, como também em feriados civis e religiosos.60 Conforme Sergio Pinto Martins: ―Intervalos para descanso são períodos na jornada de trabalho, ou entre uma e outra, em que o empregado não presta serviços, seja para se alimentar ou para descansar.‖ 61 Da mesma forma, os empregados têm direitos às férias remuneradas, desde que cumpra um período denominado de aquisitivo, sendo que a cada 12 meses de vigência do contrato de trabalho do empregado haverá o direito a 30 dias de férias. As férias deverão ser concedidas ao empregado nos 12 meses subseqüentes à data em que aquele haja adquirido o direito, chamado período concessivo ou de fruição.62 Não há diferenças entre os intervalos quanto ao homem e à mulher. Ambos têm direito ao intervalo de 11 horas interjornadas, conforme o art. 382 da CLT, e ao intervalo de até duas horas para refeição, consoante dispõe o art. 383 da Consolidação das Leis do Trabalho. No caso de jornada extra, deverá ser observado o intervalo mínimo de 15 minutos, disposto no art. 384 da CLT, bem como o descanso semanal remunerado de 24 horas (art. 385, caput da CLT), e a preferência de descanso aos domingos e feriados, segundo ordena a CLT nos artigos 385, § único e 386, sucessivamente.63 Como demonstrado, o contrato de trabalho da mulher não possui diferenças quanto ao contrato de trabalho do homem, todavia, a Consolidação das Leis do Trabalho possui um rol de artigos responsáveis por proteger a atividade laborativa feminina levando em conta as condições físicas da mulher e principalmente a proteção à maternidade. 57 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 185. 58 JORGE, Francisco Ferreira Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Manual de Direito do Trabalho - Tomo II. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 941. 59 JORGE, Francisco Ferreira Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Manual de Direito do Trabalho - Tomo II. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 941. 60 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, pp. 694-695. 61 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 524. 62 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 553-554. 63 JORGE, Francisco Ferreira Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Manual de Direito do Trabalho - Tomo II. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 941. 14 2.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO TRATAMENTO ESPECIAL DESTINADO À MULHER NA CLT A Consolidação das Leis do Trabalho abarca em seu conteúdo, dispositivos responsáveis pela proteção do trabalho da mulher. O legislador constatou a necessidade de se adotar um sistema efetivo de proteção à mulher, não apenas pela sua situação pessoal, física, moral e econômica, mas também pela preservação e defesa da dignidade do trabalho.64 Para Orlando Gomes e Elson Gottschalk: A maturidade física e a constituição fisiológica ou anatômica do trabalhador são fatores relevantes, que não podem ser desdenhados do ponto de vista da disciplina jurídica da regulamentação das condições de trabalho no 65 mundo moderno. Neste sentido, defendem os Autores que o sexo, assim como a idade, influenciam na disciplina das condições de trabalho, uma vez que inspiram limitações à capacidade, no entanto, essas limitações não representam restrição de direitos, devendo a mulher possuir os mesmos direitos e igualdade de trabalho que os homens. ―Em relação à mulher, o legislador, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento demográfico, cuida de preservar a sua função fundamental da maternidade.‖ 66 Segundo alguns biólogos e fisiologistas, a mulher, em relação ao homem, possui menor resistência a trabalhos pesados, o que justificaria esta cautela especial do ponto de vista físico e espiritual. Todavia, a doutrina opõe embargos a tais conceitos, alegando que esta situação de cautela especial não decorre de fatores naturais e biológicos, mas sim de fatores históricos, políticos e até mesmo sociológicos e psicológicos. ―Em outras palavras, inexiste a ‗inferioridade‘ da mulher e a desigualdade existente, há tantos milênios, decorre de superestruturas ideológicas e culturais‖.67 Cumpre ressaltar a questão dos trabalhos, até pouco tempo proibidos às mulheres, visto que desde a Constituição e 1934 até a Carta Constituinte de 1967, o exercício do labor em indústrias insalubres era terminantemente proibido às mulheres. Não diferente era o art. 387 da CLT, que sob a influência do Decreto nº 21.417-A de 1932, proibia que as mulheres trabalhassem em subterrâneos, minerações em subsolo, pedreiras e obras de construção, e nos serviços perigosos e insalubres. Salienta-se, no entanto, que a nossa Carta Magna atual não estabelece restrições ao trabalho insalubre das mulheres, como assim fizeram as anteriores.68 Através da Lei nº 7.855/89 foi revogado o art. 387 da CLT, agora, portanto, todos aqueles trabalhos antes proibidos, como labor em subterrâneos, minerações em subsolo, 64 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 430. GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elton. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 421. 66 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elton. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 421-422. 67 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elton. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 422. 68 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, pp. 1026 - 1027. 65 15 pedreiras e obras de construção, já podem ser exercidos por mulheres, bem como trabalhar em locais perigosos, insalubres ou penosos, mesmo em postos de gasolina.69 Para Alice Monteiro de Barros: Os riscos reprodutivos ocupacionais devem ser eliminados, reduzidos ou distribuídos dentro de um sistema racional de trabalho, de acordo com as particularidades de cada sexo. Ademais, são poucas as profissões, se realmente existem, nas quais o trabalho insalubre ou perigoso é mais prejudicial às mulheres do que aos homens, se uns ou outros agirem com prudência necessária, exceção feita, evidentemente, à mulher no ciclo 70 gravídico-puerperal. Não obstante, ainda existem trabalhos não permitidos às mulheres devido à existência de limites de força muscular, onde o limite máximo é de 20 quilos para trabalhos contínuos, e 25 quilos para trabalhos ocasionais, conforme o art. 39 da CLT, limites estes que podem ser alterados no caso de atividade por impulsão ou outra força.71 No que concerne ao acesso da mulher ao mercado de trabalho, o art. 373-A da CLT estabeleceu algumas vedações com o intuito de corrigir as desigualdades existentes em razão de gênero. É vedado, e tipificado como ato discriminatório, a publicação de anúncio de emprego no qual haja referência a sexo, salvo quando necessário, devido à natureza da função.72 Do mesmo modo, consoante o artigo supracitado, não é permitido recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, cor, idade, situação familiar, salvo para atividade notoriamente e publicamente incompatível. Estas razões também não podem ser utilizadas para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional, estas últimas antes não previstas na legislação.73 Outra disposição relevante encontrada no art. 373–A da Consolidação das Leis do Trabalho é proibição da exigência de atestado ou exame de qualquer natureza, com objetivo de comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego. Consoante Sergio Pinto Martins: Nada impede, contudo, à empresa solicitar exame médico na dispensa da empregada, visando verificar se ela está grávida, justamente por ter objetivo manter a relação de emprego, caso o resultado seja positivo. O empregador não poderá saber se a empregada está ou não grávida se não proceder ao exame. A pratica do empregador de solicitar o exame médico para dispensa da empregada é um ato de segurança para as próprias partes da condição de garantia de emprego da obreira, para efeito da manutenção da relação de emprego no caso de estar ela grávida, não representando crime, infração administrativa ou outra qualquer. Inexistirá, também qualquer procedimento incorreto se a empregada, espontaneamente, fizer o teste de gravidez, até mesmo para provar a sua 74 condição, pois aí a exigência não será do empregador. 69 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 579. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 1027. 71 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, p.114. 72 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, p.114. 73 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 587. 74 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 587. 70 16 O artigo supra também contempla a proibição de critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concurso em empresa privada, por motivo de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, bem como determina que o empregador ou preposto não poderá proceder à revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.75 Outro dispositivo com caráter de extrema relevância é a proibição de redução do salário da mulher, proibição esta disposta no art. 377 da CLT. Tal dispositivo também refere que a adoção de medidas de proteção ao trabalho da mulher é de ordem pública, valendo mencionar o art. 461 da CLT que também se aplica à mulher ao tratar de questões relativas à equiparação salarial, e o art. 5º do mesmo catálogo, que veda a distinção salarial por motivo de sexo. Cumpre-se ressaltar que tais preceitos encontram fundamento no art. 7º, XXX da Carta Magna.76 O art. 389 da Consolidação das Leis do Trabalho traz à baila o dever das empresas concernente aos métodos e locais de trabalho. É dever da empresa, portanto, a higienização dos métodos e locais de trabalho, tais como iluminação e ventilação, bem como outros necessários ao conforto da mulher. Devem também utilizar meios suficientes que poupem à mulher do esgotamento de esforço físico, tais como bebedouros, lavatórios, aparelhos sanitários, dispor de cadeiras e bancos, entre outros meios que se façam necessários.77 A norma supracitada determina ainda que, se for necessário à atividade exercida, a empresa deve instalar vestiários e armários individuais privativos das mulheres, sendo que se admite como suficiente, no caso de não ser exigida a troca de roupas ou afins, gavetas ou escaninhos onde as empregadas possam guardar seus pertences.78 Conforme o art. 390-E da Consolidação das Leis do Trabalho, a pessoa jurídica poderá associar-se a entidade de formação profissional, sociedades civis, cooperativas, órgão e entidades públicas ou sindicais, bem como firmar convênios com a finalidade de incentivar o trabalho da mulher. Este dispositivo, todavia, é meramente programático, uma vez que emprega o verbo ―poderá‖ e não ―deverá‖, deixando facultada à empresa a opção de associar-se com outras pessoas, e em razão de ser uma faculdade e não uma obrigação, a empresa não poderá ser multada pela fiscalização caso descumpra o art. 390-E da CLT.79 É mister ressaltar um dos principais objetivos da tutela especial dedica à mulher na norma celetista, qual seja a proteção à maternidade. Primeiramente, o art. 391 da CLT proíbe como justo motivo a rescisão do contrato de trabalho da mulher pelo fato de ter contraído matrimônio ou encontrar-se em estado de gravidez, não permitindo nenhuma exceção a esta norma. Terá a gestante, consoante determina o art. 392 da Convenção Coletiva de Trabalho, direito à licença-maternidade de 120 dias, podendo iniciar no 28º dia antes do parto mediante apresentação de atestado médico.80 Salienta-se que também na hipótese de parto antecipado é assegurada à empregada a licença remunerada, bem como é destinado à empregada gestante a dispensa do horário de trabalho, sem prejuízo do salário, para realização de, no mínimo, seis 75 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 587-588. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 578. 77 JORGE, Francisco Ferreira Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Manual de Direito do Trabalho - Tomo II. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 942. 78 JORGE, Francisco Ferreira Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Manual de Direito do Trabalho - Tomo II. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 942. 79 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 588. 80 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, p. 115. 76 17 consultas médicas e exames complementares.81 Da mesma forma, Amauri Mascaro Nascimento lembra que: Há outras normas de proteção à maternidade, como o direito de mudar de função (CLT, art. 392, § 4º), de rescindir o contrato, se prejudicial à gestação (CLT, art. 394), de dois intervalos especiais de meia hora cada um para amamentação do filho até que complete 6 meses (CLT, art. 396), de contar com creche no estabelecimento, desde que nele trabalhem mais de 30 empregadas com mais de 16 anos (CLT, art. 389, §1º) e, no caso de aborto não criminoso, o direito de licença de duas semanas (CLT, art. 82 395). Deve-se observar também o art. 392-A na norma celetista, que em 2002, com a edição da Lei nº 10.421/02, estendeu a licença maternidade à empregada que adotar ou obtiver a guarda judicial de uma criança.83 Diante do exposto, observa-se que a Consolidação das Leis do Trabalho vem evoluindo na questão da proteção do trabalho da mulher, todavia, ainda há um grande caminho a ser percorrido para que a mulher alcance a tão sonhada igualdade entre os gêneros não apenas formalmente, mas de maneira efetiva na sociedade. 3 3.1 PRINCIPAIS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO ASPECTOS DA MATERNIDADE À LUZ DO DIREITO DO TRABALHO O vocábulo ―discriminação‖ possui origem anglo-americana e, etimologicamente significa o caráter infundado de uma distinção. A discriminação na questão trabalhista pode ocorrer em diversos momentos, como na admissão, no curso do contrato e na dissolução do pacto laboral, independente do setor, inclusive no emprego público e principalmente quando o processo seletivo realizado não se dá através de concurso.84 No que se refere à discriminação quanto às mulheres, Maria Alice Barros assevera que: Essa situação poder-se-ia reverter se a mulher estivesse mais preparada para uma maternidade responsável, por meio do planejamento familiar e se os países contassem com uma infra-estrutura social capaz de proporcionarlhe maior disponibilidade de berçários e creches, gratuitas ou com mensalidades acessíveis e próximas aos locais de trabalho, além de préescolas com longa duração da jornada escolar. Também um horário mais flexível e maior número de cursos de reciclagem permitiriam às mulheres 85 readquirirem a experiência e a eficiência, quando retornassem ao serviço. 81 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 1037. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, p. 114. 83 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 1034. 84 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, pp. 1064 - 1065. 85 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 1085. 82 18 É mister anotar que a licença-maternidade, em si, é um instituto trabalhista com previsão no art. 7º, XVIII da Constituição Federativa do Brasil e artigos 392 e 392-A da Consolidação das Leis do Trabalho, de modo que, diversamente a este, o saláriomaternidade possui natureza previdenciária e não se restringe à empregada, uma vez que é um direito da ―segurada da Previdência Social‖, sendo estendido também à empregada doméstica, contribuinte individual, trabalhadora avulsa, segurada especial e segurada facultativa.86 Historicamente o empregador era responsável pelos encargos trabalhistas no período em que a empregada gestante se afastava do trabalho para dar à luz, contudo, a partir da promulgação dos Decretos nº 51.627 de 1962 e nº 58.020 de 1966, ficou estabelecido que tais encargos deveriam ser pagos pelo Estado e em caso algum o empregador deveria arcar com estas prestações, bem como estas deveriam ser patrocinadas por um sistema de seguro social ou fundo público, inclusive com o objetivo de se evitar a discriminação do trabalho da mulher.87 Segundo Sergio Pinto Martins: Somente com a edição da Lei nº 6.136, 7-11-74, é que o saláriomaternidade passou a ser uma prestação previdenciária, não mais tendo o empregador pagar o salário da empregada que vai dar à luz. O custeio do salário-maternidade era de 0,3% (art. 4º da Lei nº 6.136/74), que foi extinta pela Lei nº 7.787/89, pois ficou englobado no porcentual de 20% que a empresa deve recolher sobre a folha de pagamento (§ 1º do art. 3º da Lei nº 7.787/89). Essa orientação foi repetida no inciso I do art. 22 da Lei nº 88 8.212/91. Quanto ao período de licença-gestante, há que se relatar que esse consiste em 120 dias que a empregada terá direito quando da realização do parto, sem qualquer prejuízo do emprego e salário, conforme reza o art. 7º, XVIII da Constituição Federal. Ainda, segundo a Lei nº 8.213/91, a empregada terá direito à licença de 28 dias antes e 92 dias antes do parto, totalizando os 120 dias Constitucionais.89 Faz-se oportuno definir que o salário maternidade, conforme expressam Panuzzio e Nascimento: ―consiste na remuneração que a segurada gestante tem direito durante seu afastamento, de acordo com o período estabelecido por lei e mediante comprovação médica.‖ 90 Há que se ter presente, que a Constituição Brasileira de 1988 estendeu a licença gestante e o salário-maternidade às trabalhadoras rurais, à empregada doméstica, à trabalhadora avulsa. Logo após a segurada especial foi também contemplada com a prestação, quando da promulgação da Lei nº 8.861 de 1994, seguida da Lei 8.213/91 e de nova redação com a Lei nº 8.861. No final de 1999, a trabalhadora autônoma passou a fazer 86 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Repercussões da Lei nº 12.010/2009 no Salário-Maternidade em Caso de Adoção. In: Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, v. 21, n. 248, Porto Alegre: Síntese, 2010, p. 8. 87 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 580. 88 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 580. 89 PANUZZIO, Danielle; NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. Proteção ao Trabalho da Mulher no Limiar do Século XXI – O Direito e a Ética na Sociedade Contemporânea. Campinas: Alínea, 2006, p. 164. 90 PANUZZIO, Danielle; NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. Proteção ao Trabalho da Mulher no Limiar do Século XXI – O Direito e a Ética na Sociedade Contemporânea. Campinas: Alínea, 2006, p. 164. 19 parte do rol das beneficiárias da referida licença, a partir do Decreto nº 3.048 de 1999, ficando á margem do benefício somente a estagiária.91 O início do afastamento será determinado por atestado médico e, dependendo da sua necessidade, poderá mudar de função e após retornar para função anteriormente exercida.92 O afastamento após o parto é obrigatório, sendo que o direito a licençamaternidade não fica condicionado ao nascimento do filho com vida, visto que a licença tem como fato gerador não apenas o nascimento do filho, mas também a gestação, que acarreta significativas mudanças na mulher, como transtornos físicos naturais e até psíquicos.93 Como relata Sergio Pinto Martins: ―Havendo aborto não criminoso, comprovado por atestado médico, a mulher terá direito a um repouso remunerado de duas semanas, podendo retornar a função que ocupava antes do seu afastamento‖.94 A nossa Carta Magna, mais especificamente no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais provisórias, determinou a vedação da dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante desde a confirmação da gravidez até os cinco meses após a realização do parto.95 O problema situa-se na discussão sobre o que caracterizaria a confirmação da gravidez. Existem duas correntes que tentam explicar tal situação. A primeira alega ser necessária a comunicação da empregada ao empregador em relação ao seu estado gravídico, no entanto a segunda corrente defende ser dispensável tal comunicação, uma vez que o Ato das Disposições Transitórias não diz nada a respeito.96 Com relação à licença-maternidade e salário-maternidade da mãe adotante, temos que a Carta Magna assegura esses direitos à adotante como uma forma de alcançar a melhora de sua condição social, bem como assegurar aos filhos havidos por adoção os mesmos direitos e qualificações, sendo vedada qualquer designação discriminatória relativa à filiação.97 Anteriormente, antes de os §§ 1º e 3º do artigo 392-A da CLT serem revogados pela Lei nº 12.010/2009, a licença da mãe adotiva era restrita a períodos determinados de acordo com a idade da criança, de modo que para crianças com até um ano de idade eram concedidos cento e vinte dias de licença-maternidade, para crianças a partir de um ano até quatro anos, era concedida licença-maternidade no período de sessenta dias e crianças de quatro anos até oito anos de idade, restava concedida licença-maternidade no período de trinta dias.98 91 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 1032. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 580. 93 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 1038. 94 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 581. 95 PANUZZIO, Danielle; NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. Proteção ao Trabalho da Mulher no Limiar do Século XXI – O Direito e a Ética na Sociedade Contemporânea. Campinas: Alínea, 2006, p. 166. 96 PANUZZIO, Danielle; NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. Proteção ao Trabalho da Mulher no Limiar do Século XXI – O Direito e a Ética na Sociedade Contemporânea. Campinas: Alínea, 2006, pp. 166 -168. 97 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Repercussões da Lei nº 12.010/2009 no Salário-Maternidade em Caso de Adoção. In: Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, v. 21, n. 248, Porto Alegre: Síntese, 2010, p. 9. 98 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 582. 92 20 Tal dispositivo, anteriormente aplicado, gerava diversas controvérsias por parte da Doutrina. Para Yone Frediane: A propósito do tratamento escalonado estabelecido pela Lei n. 10.421/02, em virtude da idade do adotado, duas outras colocações ainda merecem ser expostas; a primeira, no sentido de constituir fato público e notório que quanto maior a idade da criança adotada, maior será possivelmente sua dificuldade de adaptação no novo lar, daí porque os prazos previstos nos referidos diplomas legais inferiores aos 120 (cento e vinte) dias se afiguram insignificantes ao propósito a que se destinam, posto que discriminam a criança adotada em categorias em razão da respectiva idade. Outro aspecto que merece ser lembrado é o de que as categorias profissionais e patronais já vinham estendendo a licença-maternidade à mãe adotante anteriormente à vigência da Lei n. 10.421/02, sem estabelecer qualquer discriminação, o que lamentavelmente foi praticado 99 pelo citado diploma legal. Hoje, com o advento da Lei nº 12.010/2009, tanto a licença-maternidade como o salário maternidade da mãe adotante passaram a ser de 120 dias independentemente da idade da criança. A licença-maternidade e o salário-maternidade são, portanto, devidos não apenas à gestante, mas também à mãe que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança.100 A Lei nº 9.029/95 estabeleceu normas relativas à proibição de exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. Segundo essa lei, é vedada a prática de ato discriminatório e limitativo para efeito do ingresso na relação de emprego ou para sua manutenção. Tais atos discriminatórios estão ligados à exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez, bem como à adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem: indução ou instigamento à esterilização genética e promoção de controle de natalidade, salvo os serviços realizados por instituições públicas ou privadas submetidas às normas do SUS.101 Nada impede, contudo, que o empregador solicite exame médico na dispensa da empregada, dado ao fato de esta ser uma garantia para as próprias partes da condição de estabilidade da obreira, para efeito da manutenção da relação de emprego no caso dela estar grávida, não representando crime, infração administrativa, ou outra qualquer.102 Como já visto, a mulher tem o direito de mudar de função e de rescindir o contrato se este for prejudicial à gestação, e ainda de dois intervalos especiais para amamentação do filho até que este complete seis meses de idade, sendo que cada intervalo deve ser de meia hora, bem como direito à creche no local de trabalho, desde que nele laborem mais de 30 empregadas com mais de 16 anos.103 99 FREDIANE, Yone. Licença maternidade à mãe adotante. São Paulo: LTr, 2004, p. 70, apud PANUZZIO, Danielle. Nascimento, Grasiele Augusta Ferreira. Proteção ao Trabalho da Mulher no Limiar do Século XXI – O Direito e a Ética na Sociedade Contemporânea. Campinas: Editora Alínea, 2006, pp. 169-170. 100 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Repercussões da Lei nº 12.010/2009 no Salário-Maternidade em Caso de Adoção. In: Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, v. 21, n. 248, Porto Alegre: Síntese, 2010, p. 13. 101 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 583. 102 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.583. 103 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 114. 21 Em uma análise estritamente jurídica chega-se ao entendimento de que a falta de recursos para o custeio de creches não pode continuar sendo usada para justificar a insistente situação de desigualdade da mulher no mercado de trabalho, ao passo que, se o Estado não cumpre seus deveres como tal, deve ao menos exigir a colaboração mútua dos pais para com os filhos, para que assim possa haver a chance da ascensão profissional da mulher no mercado de trabalho, evitando a disparidade, hoje tão evidente, entre homens e mulheres.104 Outro ponto de relevante exame é o fato de que a maternidade não deve onerar o empregador. O combate efetivo da discriminação do trabalho da mulher deveria iniciar pela diminuição do ônus que empregador continua a ter mesmo quando a empregada está afastada do trabalho por motivo de licença-maternidade. Dentre tantas prestações, vale destacar os 20% sobre a folha de pagamento pagos pelo empregador à título de contribuição previdenciária.105 O § 2º do art. 22 da Lei nº 8.212/91 dispõe que ―o salário maternidade é considerado salário de contribuição‖, portando não há lógica alguma na obrigatoriedade de contribuição previdenciária do empregador ao INSS, visto não ter se verificado hipótese de incidência, uma vez que durante o período de licença maternidade a empregada não recebe remuneração do empregador. Desta forma, há entendimento que tal dispositivo fere a norma constitucional, dado ao fato que, segundo a nossa Carta Magna, tal contribuição previdenciária incide apenas sobre folhas de salário e demais rendimentos do trabalho.106 Sob o ponto de vista de Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes: O ideal, no entanto, é que a Previdência Social se responsabilizasse pelos depósitos fundiários e duodécimos de férias e 13º salário do período correspondente à licença maternidade, mesmo que, para fazer frente aos encargos correspondentes, fosse necessário aumentar o valor da 107 contribuição devida por todos os trabalhadores (homens e mulheres). Quanto à Lei 11.770/08 (Lei Empresa Cidadã), cumpre-se ressaltar que a mesma não aumentou a licença-maternidade, nem o salário-maternidade, que continua a ser de 120 (cento e vinte) dias. O que ocorreu foi a possibilidade de o empregador ampliar a licença em 60 (sessenta) dias, pagando ele mesmo a remuneração como se fosse um salário-maternidade, sendo tais valores deduzidos do seu imposto de renda, sendo que por ser uma adesão facultativa, a empresa deve fazer o requerimento junto à Receita Federal do Brasil, bem como a empregada deverá fazer o requerimento ao empregador que aderiu ao programa até o final do primeiro mês após o parto.108 Contudo tal lei possui diversos pontos de desigualdades, devido às limitações por ela impostas, como a necessidade do empregador ter seu imposto tributado com base 104 LOPES, Maria Sbalqueiro Lopes. Reforma Trabalhista e Previdenciária e Direitos da Mulher - As Perspectivas da Relação de Trabalho no Brasil: As Reformas Sindical e Trabalhista. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2006, pp. 69-70. 105 LOPES, Maria Sbalqueiro Lopes. Reforma Trabalhista e Previdenciária e Direitos da Mulher - As Perspectivas da Relação de Trabalho no Brasil: As Reformas Sindical e Trabalhista. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2006, pp. 72-73. 106 LOPES, Maria Sbalqueiro Lopes. Reforma Trabalhista e Previdenciária e Direitos da Mulher - As Perspectivas da Relação de Trabalho no Brasil: As Reformas Sindical e Trabalhista. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2006, p. 73. 107 LOPES, Maria Sbalqueiro Lopes. Reforma Trabalhista e Previdenciária e Direitos da Mulher - As Perspectivas da Relação de Trabalho no Brasil: As Reformas Sindical e Trabalhista. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2006, p. 74. 108 SILVA, Alessandro da; KROST, Oscar. Comentários sobre a Licença-Maternidade e as inovações da Lei nº 11.770/08. In: Justiça do Trabalho, Ano 25, n. 299, Porto Alegre: HS, 2008, pp. 22-25. 22 em seu lucro real. Ainda, se a empregada prestar serviço a uma Microempresa ou Empresa de pequeno porte, optante do Simples Nacional, ela não terá direito à prorrogação de sua licença-maternidade. Portanto, as micro e pequenas empresas que são responsáveis por 50,8% da mão-de-obra formal no Brasil, empregando cerca de 13,2 milhões de pessoas, não terão nenhum incentivo para conceder a licença-maternidade à sua empregada, uma vez que não poderão deduzir a remuneração do imposto à pagar, sob a justificativa de se criar ―sério complicador para segregar a parcela relativa ao imposto de renda, para dele subtrair o salário pago no período de ampliação da empresa‖.109 Alessandro da Silva e Oscar Krost afirmam que: (...) por meio de uma análise detida da norma, possível constatar que apresenta diversas contradições com a finalidade ―prometida‖, se tratando, na realidade, de disposição de cunho fiscal, em benefício de empregadores de maior porte, não constituindo, pela ausência de exigibilidade e coerção, direito subjetivo da trabalhadora. Além disso, caso haja anuência do empregador, impõe à gestante o dever de pronunciamento expresso pelo interesse na prorrogação da licença, sob a presunção de renúncia, contrariando a lógica tutelar do Direito do Trabalho, exatamente em momento de vulnerabilidade acentuada do sujeito subordinado. Traduz, enfim, verdadeira inversão de prioridades dos valores estabelecidos nos arts. 1º, 170 e 227, todos da Constituição, pela primazia ao econômico em detrimento do social, o que pode ser revisto, por meio de adequações pontuais da regra, pela conformação da prorrogação em tempo obrigatório da licença, devido a todas as trabalhadoras, indistintamente, tratando no campo tributário, de igual forma, todos os empregadores. Todavia, apesar do grande progresso alcançado ao longo dos anos, a busca pelo direito de exercício profissional pleno da mulher não deve ser cessada, uma vez que as Leis existentes ainda não são suficientes para que as mulheres tenham sua capacidade profissional respeitada e admirada. 3.2 ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE LABORAL A faculdade de livre agir não deve ser interpretada de forma extrema. Desde crianças somos direcionados ao entendimento de que há limites para o exercício da liberdade, sendo que, conforme Rodolfo Pamplona Filho: (...) se é certo que a liberdade é algo inerente à capacidade volitiva do homem, escolhendo a prática deste ou daquele tipo de ação, muito mais evidente é que haverá certos tipos de atos que serão reprimidos pela Ordem Jurídica, como verdadeiras limitações ao exercício absoluto da 110 liberdade. 109 SILVA, Alessandro da; KROST, Oscar. Comentários sobre a Licença-Maternidade e as inovações da Lei nº 11.770/08. In: Justiça do Trabalho, Ano 25, n. 299, Porto Alegre: HS, 2008, pp. 24-25. 110 PAMPLONA, Rodolfo Filho. O Assédio Sexual na Relação de Emprego. São Paulo: LTr, 2001, pp. 23-24. 23 Os limites ao exercício absoluto da liberdade do ser humano encontram respaldo no sistema jurídico, uma vez que há possibilidade de fazer tudo aquilo que não é proibido pelo ordenamento jurídico.111 Inserido no contexto de liberdade, está liberdade sexual. Consoante afirma o Autor supracitado: A noção jurídica de liberdade sexual está ligada, portanto, à idéia de livre disposição do próprio corpo, concepção esta que se relaciona a uma visão individualista do ser humano, que pode ser sintetizada na frase, tão ouvida entre os apologistas da legalização das drogas, de que ―cada um faz com 112 seu corpo o que quiser.‖ A questão do assédio sexual, contudo, muito antes de ser abordada pelos Tribunais e tipifica como crime pelo Código Penal, sempre esteve presente na realidade social, trata-se, portanto, de um problema deveras antigo. A sociedade era patriarcal e ―machista‖, a mulher não possuía os mesmos direitos que o homem, eram tidas como objetos, não apenas sexual, mas também de direito. O fato é que ainda hoje vigora a ideia de que somente as mulheres podem ser sujeitos, como vítima, do assédio sexual.113 A doutrina, todavia, atribui a origem do assédio sexual aos tempos feudais, em que os Senhores dos feudos possuíam o jus primae noctis, que significava que a primeira noite das mulheres recém-casadas lhes pertencia. Na Idade Média este cenário também não era muito distinto, mesmo que a sexualidade humana tenha passado a ocupar uma posição privilegiada entre as questões sociais e religiosas, a mulher ainda tinha sua capacidade limitada à condição de sexo frágil, e era vista como mão-de-obra secundária e ligada à vida doméstica.114 Seguindo esta linha histórica da humanidade, temos que no Renascentismo a mulher começa a conquistar espaço nas artes, todavia, ainda se encontrava presa às questões domésticas. Pode-se afirmar que foi a partir da Revolução Industrial com a implementação das máquinas no mercado de trabalho, que a mulher passou a dividir os postos de trabalho com o homem, uma vez que a força física já não era mais o essencial para o exercício da função laboral, e a força de trabalho feminina era mais barata do que a masculina.115 Já no século XX, através da ―Revolução Feminista‖, as mulheres conquistaram, pelo menos no plano legal e teórico, o reconhecimento da igualdade entre os gêneros. No Brasil, propriamente dito, está igualdade foi consagrada, como já visto, pela Constituição Federal de 1988.116 Rodolfo Pamplona Filho ressalta que: 111 PAMPLONA, Rodolfo Filho. O Assédio Sexual na Relação de Emprego. São Paulo: LTr, 2001, p. 27. 112 PAMPLONA, Rodolfo Filho. O Assédio Sexual na Relação de Emprego. São Paulo: LTr, 2001, p. 30. 113 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 64. 114 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, pp. 64-65. 115 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 65. 116 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 65. 24 Todavia, o simples reconhecimento jurídico da imperatividade do tratamento isonômico entre os sexos não é suficiente para garantir, na prática, a efetividade do exercício responsável da liberdade sexual. A agressividade (decorrente, talvez, da permissividade deste final de século) com que as condutas de natureza sexual são praticadas na sociedade moderna tem gerado novos enfoques de discussão sobre os limites do comportamento social aceitável. Ao conquistar o reconhecimento jurídico da liberdade sexual, homens e mulheres passaram a conviver com uma nova onda de problemas, antes não encarados de forma séria, dentre os quais se destaca o assédio sexual 117 (...) A Lei nº 10.224/200 introduziu no Código de Penal o crime de assédio sexual no art. 216-A, assim definido como: ―Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício em emprego, cargo ou função.‖ 118 Aloysio Santos afirma que: Tudo leva a crer que o assédio sexual seja mesmo uma nova versão do que se convencionou chamar coerção masculina, que se caracterizou pelo comportamento eminentemente discriminatório do homem que se considerava superior à mulher e que a molestava, como se ela estivesse sempre disponível, por pertencer a classes sociais mais baixas. O assédio sexual,como disse, é hoje uma preocupação generalizada e a tendência é agravar-se, com a revelação de novos casos, porque a discussão aberta do assunto estimula as vítimas a denunciarem os 119 assediadores. O que caracteriza o assédio sexual é o pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico acompanhado por promessas de tratamento diferenciado, caso o pedido seja aceito, bem como de represálias e ameaças, caso o pedido venha a ser negado. É fundamental para que seja caracterizado o assédio sexual, a superioridade hierárquica do assediante, como um chefe, um funcionário superior ao assediado, ou o sócio da empresa, uma vez que há necessidade que o assediado tenha o poder de influenciar no seu futuro profissional, nas condições de trabalho do assediado, que pode passar a ser ameaçada com a dispensa, transferência, perda de oportunidades, e etc.120 O assédio pode ser também praticado contra quem presta serviços de sem carteira assinada, caso em que o assediado restará mais vulnerável, pois basta que haja uma tentativa não correspondida para que deixe de ser convocado para prestação de serviços. Em regra as profissões que estão mais sujeitas ao assédio sexual são aquelas que nas quais geralmente o homem é o superior, como ocorre com as enfermeiras, secretárias, etc.121 Geralmente a forma mais praticada é um convite realizado de maneira persistente, mas pode também ser proveniente de comentários ousados sobre a beleza, atributos físicos, ou ainda ser caracterizado por toques indesejados, abraços prolongados. O 117 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 64. 118 JESUS, Damásio E. de. Assédio Sexual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 45. 119 SANTOS, Aloysio. Assédio sexual nas relações trabalhistas e estatutárias. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 24. 120 LIPPMANN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho: danos morais e materiais nos tribunais após a Lei n. 10.224. São Paulo: LTr, 2001, p. 16. 121 LIPPMANN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho: danos morais e materiais nos tribunais após a Lei n. 10.224. São Paulo: LTr, 2001, p. 16. 25 assédio se caracteriza também por atos inadequados no ambiente de trabalho, como mostrar fotos pornográficas para o subordinado, conversas com conotações sexuais e perguntas embaraçosas sobre a vida privada do subordinado, atos que acabam por constranger o assediado.122 Outra maneira de assédio é aquela em que um cliente importante para a empresa, insinue, ou exija que uma venda ou qualquer outra transação comercial que irá trazer proveitos econômicos para a empresa, seja condicionada à aceitação de uma proposta sexual. Ernesto Lippman define que: (...) o assédio se caracteriza por ter conotação sexual, pela falta de receptividade, por uma ameaça concreta contra o empregado, e, ―que seja repetitiva em se tratando de assédio verbal e não necessariamente quando o assédio é físico — a chamada apalpadela no bumbum, entre pessoas que não dividem intimidade e com intenção sexual, é suficiente para configurar o assédio sexual, sem necessidade de repetição —, de sorte a causar um ambiente desagradável no trabalho, colocando em risco o próprio emprego, além de atentar contra a integridade e dignidade da pessoa, possibilitando 123 pedido de indenização por danos físicos e morais‖. Como regra geral, para que seja configurado o assédio sexual é necessário que a conduta do assediante seja reiterada, uma vez que, segundo a doutrina, um ato isolado geralmente não tem o condão de caracterizar tal doença social.124 Ressalta-se que boa parte da doutrina subdivide o assédio sexual em duas espécies: assédio sexual por chantagem e assédio sexual por intimidação. O assédio sexual por chantagem encontra lugar, muitas vezes, na esfera trabalhista, dado ao fato de ser um assédio em que normalmente o agente exige da vítima um ato não desejado, de natureza sexual, para que conserve ou adquira algum benefício de natureza trabalhista.125 Esta forma de assédio é também conhecida na doutrina como quid pro quo, ou seja, ―isto por aquilo‖, sendo verificado em situações de poder em que haja ―hierarquia funcional‖ entre os sujeitos, o que se dá principalmente em relações trabalhista.126 Quanto ao assédio sexual por intimidação, temos que é aquele se caracteriza por incitações sexuais inoportunas, solicitações sexuais ou outras manifestações de mesmo caráter, podendo ser verbais ou físicas, com a finalidade de prejudicar a atuação profissional do assediado, bem como criar uma situação ofensiva e hostil de intimidação e abuso no ambiente em que é praticado.127 É desta espécie de assédio que surge a expressão ―assédio sexual ambiental‖, pois é uma forma de intimidação na maioria das vezes difusa, que acaba por violar o direito a um ambiente de trabalho sexualmente sadio. Ressalta-se que nesta espécie o ―poder‖ é irrelevante, uma vez que o ato pode ser praticado por colega de trabalho que detenha a 122 LIPPMANN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho: danos morais e materiais nos tribunais após a Lei n. 10.224. São Paulo: LTr, 2001, p. 17. 123 LIPPMANN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho: danos morais e materiais nos tribunais após a Lei n. 10.224. São Paulo: LTr, 2001, p. 17. 124 PAMPLONA, Rodolfo Filho. Assédio sexual: questões conceituais. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 120. 125 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 69. 126 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 69. 127 PAMPLONA, Rodolfo Filho. O Assédio Sexual na Relação de Emprego. São Paulo: LTr, 2001, p. 47. 26 mesma posição hierárquica que o assediado na empresa. Como observado, o aspecto principal não é a existência de ameaça, mas sim de violação ao ―direito de dizer não‖.128 O assédio sexual, por conseguinte, manifesta-se em diversos ambientes e é estudado por diversas áreas do conhecimento. Todavia, quando praticado no ambiente laboral gera graves conseqüências sociais, além daquelas de cunho íntimo da vítima. Pelo fato da relação de emprego ser caracterizada pela dependência econômica de subordinação do empregado, e sendo esse a vítima mais freqüente do assédio sexual, o ambiente de trabalho constitui um ―campo fértil‖ para a ocorrência de lesões ao patrimônio jurídico dos seus contratantes.129 O assédio sexual é um ato ilícito, punível tanto na esfera penal quanto na civil, gera, também, diversas conseqüências, tanto no âmbito do contrato de trabalho, como no foro íntimo da vítima.130 Dentre as conseqüências do assédio que afeta diretamente a relação de emprego está a rescisão contratual, que pode ser verificada de duas maneiras, pela despedida indireta fundamentada na alínea ―c‖ do art. 483 da CLT, quando o assédio é praticado pelo empregador, ou pela justa causa, quanto o agente do assédio sexual é um empregado.131 Rodolfo Pamplona Filho observa que: (...) a despedida indireta é sempre uma situação de extrema delicadeza, pois significa, em última análise, que a relação laboral se deteriorou de tal forma que o trabalhador prefere abrir mão de seu posto de trabalho — fonte normalmente única de subsistência — a continuar submetido às condutas 132 que lhe são impostas pelo empregador ou seus prepostos. No caso de assédio sexual praticado por empregado contra colega, encontra-se a hipótese de justa causa caucada na alínea ―b‖ do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho, que coloca entre os motivos para rescisão do contrato de trabalho a incontinência de conduta ou mau comportamento. A idéia de incontinência de conduta, analisada como um tipo peculiar de comportamento e, portanto, espécie de um gênero, costuma ser associada aos desvios de comportamento sexual, desde que praticados no âmbito da empresa, inserindo no seu conceito a pornografia, libertinagem, bem como o assédio sexual, quando praticado entre colegas de trabalho.133 No que concerne à Responsabilidade Civil, temos que do ato ilícito surge a obrigação de indenizar, desde que presente três requisitos objetivos, quais sejam, a ilicitude do ato praticado, seu resultado danoso e a relação de causalidade entre a prática do ato e seu efeito danoso. Os casos de assédio sexual praticados no ambiente laboral são, por 128 PAMPLONA, Rodolfo Filho. O Assédio Sexual na Relação de Emprego. São Paulo: LTr, 2001, p. 48 129 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p.74. 130 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 76. 131 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 76. 132 PAMPLONA, Rodolfo Filho. O Assédio Sexual na Relação de Emprego. São Paulo: LTr, 2001, p. 109. 133 PAMPLONA, Rodolfo Filho. O Assédio Sexual na Relação de Emprego. São Paulo: LTr, 2001, p. 112. 27 conseguinte, de responsabilidade do empregador por força da lei, a partir da combinação dos artigos 927, 932 e 933, do Código Civil. 134 Portanto, a vítima de assédio sexual poderá pleitear a devida reparação pelos danos sofridos de seu empregador, ainda que o ato ilícito tenha sido cometido por colega de trabalho ou outro funcionário hierarquicamente superior. Neste caso, a empresa responsabilizada poderá ajuizar Ação de 135 Regresso contra o agente do assédio. É mister observar que além de todas as conseqüências na esfera do contrato de trabalho e da responsabilidade civil, o agente do assédio sexual poderá responder a um processo criminal, com fundamento legal no artigo 216-A do Código Penal.136 Quanto à reparação civil dos danos causados pelo assédio sexual, cabe anotar que será de responsabilidade do empregador, sendo esta responsabilidade objetiva e subsidiária, ou seja, mesmo que assédio seja cometido por outro empregado colega da vítima ou mesmo por um cliente do estabelecimento, a responsabilidade pela reparação dos danos será do empregador, sendo que a justiça do trabalho é competente para julgar ações que versem sobre assédio sexual na relação de emprego, inclusive nas que dizem respeito, exclusivamente, à reparação por danos morais.137 Apesar de o assédio sexual estar sendo apontado como um dos fatores responsáveis pela discriminação de que são vítimas as mulheres no seu ambiente laboral, o fato é que, como regra, elas não denunciam o assédio, deixando esta tarefa para associações ou sindicatos, não apenas por pudor e pelo constrangimento que a denúncia poderá acarretar, mas principalmente pelo temor da perda do emprego.138 O assédio sexual, enquanto ato ilícito que viola direitos fundamentais, como a liberdade, a dignidade, a intimidade e a honra, garantidos constitucionalmente, geram direito para a vítima à indenização por danos 139 morais, também assegurado na Constituição Federal. Infelizmente, o próprio cotidiano nos mostra a falta de maturidade e principalmente de respeito entre os seres humanos, que utilizam sua posição privilegiada dentro de uma empresa, ou instituição qualquer que mantenha empregados, para satisfazer seus desejos ínfimos à custa de outras pessoas, que na maioria das vezes são do sexo feminino e necessitam do emprego para manterem a si próprias e às suas famílias. 134 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 82. 135 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 82. 136 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 83. 137 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, pp. 84-101. 138 CUNHA, Maria Inês Moura S. A. da. Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 200. 139 FELKER, Waleska Kurtz. Assédio Sexual na Relação de Emprego. In: Justiça do Trabalho, Ano 24, n. 286, Porto Alegre: HS, 2007, p. 101. 28 CONCLUSÃO Ao término desta pesquisa conclui-se que o direito trabalho, assim definido como um Direito Fundamental, é uma condição essencial para realização total do ser humano, uma vez que o labor possibilita o exercício da dignidade de cada pessoa, pois é a partir desse que é alcançado o meio de sustento próprio e dos demais entes da família. Ainda, no que pese a Carta Magna de 1988 ter consagrado em seu artigo 5º a Igualdade entre homens e mulheres e demais dispositivos que visam evitar as diferenças entre os gêneros, ainda não são o suficiente para que seja extinta de uma vez por todas a discriminação entre os sexos. A Consolidação das Leis do Trabalho, por seu turno, ainda possui diversos dispositivos que não mais se justificam diante de uma sociedade que prega a igualdade, bem como de uma Carta Constitucional que possui como cerne a isonomia entre todos os cidadãos. Conclui-se ainda que um dos pontos que mais precisam ser modificados, não só na legislação, mas na sociedade como um todo, é a questão da maternidade, que a despeito de pertencer à natureza feminina a geração de uma criança, o ônus pela criação dos filhos deve ser compartilhado com os pais, desde a igualdade no que diz respeito à licença-maternidade até outras questões que se refiram ao desenvolvimento infantil, pois, sem sombra de dúvidas, os encargos pela criação de um filho, muitas vezes destinados exclusivamente à mulher, é uma das principais razões pela preferência da contratação de mão-de-obra masculina ao invés da feminina, o que acaba por gerar a discriminação, aqui intensamente discutida. A partir do estudo de outra causa bem freqüente no âmbito de trabalho da mulher, qual seja o assédio sexual, deduz-se que é inadmissível a existência de um ato totalmente em desacordo com os valores atuais, que remonta de tempos muito antigos em que a sociedade ainda vivia de maneira primitiva e a mulher era tratada apenas como um objeto insuscetível de direitos. O assédio sexual, apesar de ser um ato ilícito com conseqüências civis e penais, ainda é praticado de maneira exacerbada, e infelizmente possui como principais vítimas as mulheres. O fato é que não por falta de normatização, mas sim por ausência de uma maior efetividade na conscientização tanto dos empregadores, quanto dos empregados, esse ato acaba sendo responsável por diversas rescisões contratuais, seja por despedida indireta ou por justa causa, o que dificulta cada vez mais a permanência da mulher no mercado de trabalho e conseqüentemente outra forma de discriminação contra a mulher. O estudo do tema proporcionou o reconhecimento da imensa relevância social do assunto, que é objeto das mais diversas campanhas veiculadas por instituições e órgão públicos e privados, como é o Caso do Ministério Público do Trabalho, que se empenham em trazer a público a questão da discriminação, da desigualdade de tratamento em relação ao trabalho da mulher. 29 Observou-se, também, que esta desigualdade que pode ser facilmente constatada, continua a perpetuar-se em nossa sociedade, e apesar das diversas normas existentes em nosso ordenamento jurídico que foram conquistadas ao longo da evolução político-social da mulher, faz-se necessário a criação de outras mais, bem como a conscientização dos cidadãos no que diz respeito ao tratamento de todos, tanto pessoal como profissional, independentemente de sexo, como bem explicita a Carta Constitucional de 1988. Assim, é possível concluir que o tema da presente pesquisa com o passar dos anos permanece atual, haja vista a necessidade de um grande trabalho a ser realizado para que se alcance, de forma completa, o reconhecimento igualitário do trabalho da mulher. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. ALMEIDA, André Luiz Paes de. Direito do Trabalho: Material, Processual e Legislação Especial. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2009. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. BULUS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4 ed. Porto Alegre: Síntese, 2004. COUTINHO, Aldacy Rachid. 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