MULHER, MÃE E PROFISSIONAL: UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O REFLEXO DESSAS ESCOLHAS NO MODO DE SER MULHER Juliana Nunes de Barros 1 Margarete Maria da Silva Rocha 2 Centro Universitário do Leste de Minas Gerais RESUMO: O presente artigo busca refletir sob a perspectiva da filosofia existencial o processo de escolhas atribuídas às mulheres em ser mãe e profissional e a influência destas escolhas na identidade do ser mulher. Através de argumentos bibliográficos, pode-se perceber algumas considerações sobre a condição da mulher e a compreensão dos processos vividos, visto que, o ser, em sua unidade totalizadora só se apresenta enquanto ser-com, relacionando-se no mundo consigo e com os outros, estabelecendo assim, o modo de ser mulher, mãe e profissional. PALAVRAS CHAVE: Ser. Mulher. Identidade. ABSTRACT: Under the existential philosophy perspective, the present article aims at reflecting on the process of choices given to women: being mother, professional, and the influences of these choices on the identity of being a woman. Through bibliographic arguments, it is possible to realize some considerations about the women’s condition and the comprehension of the living process, once that, the being, in its whole only presents itself as a “be-with”, connecting itself with the world and with the others, and establishing the way of being woman, mother and professional. KEWORDS: Being. Woman. Identity. 1 2 Professora do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTE-MG Graduanda do Curso de Psicologia do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais –UNILESTE-MG 1 Introdução O presente trabalho apresenta uma reflexão teórica, a luz dos pressupostos da fenomenologia existencial, sobre as escolhas existenciais vivenciadas por mulheres, na condição de ser mulher e se permitir estar como mãe e profissional, assim como reconhecer o reflexo destas escolhas no universo feminino na atualidade. O interesse em pesquisar sobre a mulher, mãe e profissional, surgiu inicialmente por uma questão singular, que se fortaleceu e persistiu a partir de atividades acadêmicas do Curso de Psicologia, realizadas junto a grupos organizados de mulheres em que estas, algumas vezes, durante a execução e socialização das atividades, ao falarem de si, anunciavam não se reconhecerem enquanto sujeito de suas escolhas e protagonistas de sua história, remetendo sempre a um outro: filho, marido e ou trabalho, a responsabilidade ou o mérito de suas escolhas. Na construção de uma reflexão sobre este tema, utilizou-se de argumentos anunciados por diversos autores, na tentativa de estabelecer uma breve discussão sócio-filosófica que perspassa a condição da mulher na atualidade. Nesta pesquisa priorizou-se as idéias de: Simone de Beauvoir (1980), filósofa, que em seu livro intitulado “O Segundo Sexo: a experiência vivida”, narra o percurso de aprendizado e condição em que a mulher se acha encerrada e as evasões que lhe são permitidas no cotidiano. Ela afirma ainda que ser mulher é uma construção social, que se estabelece nas relações com o outro, nas experiências e vivências ao longo dos processos de vida. Jeni Vaitsmam (1994), socióloga, autora do livro “Flexíveis e Plurais”, livro este, que é resultado de uma pesquisa realizada em dois momentos distintos com intervalo de dez anos, relata, em sua tese, as transformações na identidade, no casamento e na família pós–moderna e a busca por relações permeadas pelo respeito, a individualidade e crescimento pessoal. Martin Heidegger (2001), filósofo alemão, autor de diversos livros, entre eles “Ser e Tempo”, relata que só o ser humano é e se faz nas vivências e experiências de seu tempo. Gilles Lipovetsky (2007), filósofo, autor de “A Terceira Mulher”, retrata o percurso histórico vivenciado pelas mulheres no contexto social, cultural, político, econômico e religioso, relatando sobre a mulher reconhecida para procriar, perpassando pela mulher enaltecida, cantada em versos e prosa e por último a mulher moderna que tem o governo de si. Além destes utilizou-se, também, de outros artigos e 2 publicações que corroboraram para esta reflexão. Refletir sobre o modo de ser e de se perceber da mulher frente à condição de ser mãe e profissional restabelece a necessidade de investigação dos diferentes modos possíveis do ser da mulher que, por vezes, ocorre se perder no mundo, esquecer-se de si mesma, tornando-se mais uma, e que o seu querer, o seu pensar e o seu fazer está naquilo que o mundo determina que deve ser. Entendendo que estes não passariam por um processo dedutivo, mas por uma compreensão prévia do ser e da relação que este estabelece com o mundo, na condição que todo ser será sempre um ser-com, o presente trabalho abre possibilidades de um fazer psi, seja na psicologia, na psicanálise, psiquiatria ou no meio acadêmico no incentivo a pesquisas que busquem por compreender esse ser que é sempre um devir. Na primeira parte deste artigo pretende-se estabelecer uma consideração sobre os termos “ser” e “mulher” enquanto uma construção sócio-filosófica do reconhecimento de si frente às escolhas existenciais na condição de ser e se perceber mulher, mãe e profissional, não sendo o foco desse trabalho estabelecer uma discussão de gênero. Na segunda parte descreveremos alguns fatos e momentos na história que demarcaram as lutas, os conflitos e conquistas pessoais, culturais, sociais, políticas e religiosas das mulheres, nas últimas décadas. Na terceira, e última parte, buscarse-á identificar as influências dos papéis no modo de apresentar-se enquanto mãe e profissional na identidade do ser mulher. 1.1 Mulher: Que ser é esse? Quantas mulheres cabem dentro de uma mulher? Tantas quantas a imaginação e a fantasia permitirem... ou tantas quantas forem as possibilidades existenciais na construção desse ser que é sempre um devir. Segundo Beauvoir (1980, p.9). “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Ser mulher é uma construção social, consolidada a partir das relações interpessoais realizadas no tempo, espaço e contexto social no qual a mulher está inserida. 3 A construção dessas relações com o outro se dá por meio da compreensão de cada pessoa, com base na aceitação do outro tal qual ele é. De acordo com Heidegger (2002, p.32), “Ser está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado (Vorhandenheit), no teor e recurso, no valor e validade, na pré-sença, no ‘há’”, ou seja, é desdobrar-se em possibilidades, buscando sentido para as vivências e experiências em seu tempo enquanto sujeito de singularidade, único no jeito de ser, pensar, agir e estar no mundo. Ainda segundo Heidegger (2002, p.32), é preciso considerar que na tentativa de definir o ser, é necessário preservar a diferença entre ser e ente, senão acabaríamos entendendo o ser como permanência, como um único modo de se apresentar, e “A impossibilidade de se definir o ser não dispensa a questão de seu sentido, ao contrário, justamente por isso a exige” (Id., p.29). Desta forma o filósofo discute o ser através do seu sentido, enfatizando a ambigüidade “ser” e “ente”, acreditando que ambos devessem ser considerados como uma dualidade e não como duas instâncias, retirando o caráter universal do ser e propondo perceber o ente em sua realidade e concretude. Heidegger afirma que (Id., p.28): “Uma compreensão do ser já está sempre incluída em tudo que se apreende no ente”. A noção de sentido de ser, passa a ser considerada somente através do exame reflexivo do existente. Sua reflexão tem início com a análise do dasein (sein = presença; da = aí), também denominado de pre-sença. Com esta designação, Heidegger pretende substituir a palavra sujeito, que implica em um conceito que nos remete ao fechamento, e não sob um tempo que caracteriza o ser em relação, portanto abertura. Feijoo (2000) vem esclarecer esta condição de reconhecer o ser enquanto modo de se apresentar: ‘Ser-aí’ significa o ser lançado em um mundo, cuja mera presença implica na possibilidade completa e total da existência. Desta forma, cria a máxima do existencialismo, onde a existência tem prioridade sobre a essência. A essência do ser reside em sua existência, logo, 4 o ser não pode jamais distinguir-se do seu modo de ser. Suas propriedades nada mais são do que modos possíveis do existente. Existir, enquanto dasein ou pré-sença, implica em não ser passível de objetivação. ( p. 73). Desta forma, não poderíamos reconhecer a mulher em um único modo de se apresentar. Afinal, se insistirmos em falar da mulher como sujeito, estaríamos fechando as possibilidades desta se apresentar, determinando e fazendo com que esta perca a compreensão de sua essência fundamental, pois a pre-sença, ou o sermulher será constituído como algo que se sustenta no âmbito da abertura ao mundo. Ao tentar aprisioná-la, tal essência permanecerá oculta. Ou afirmaremos a condição de perceber a mulher como ente, ou seja, simplesmente rotular e anunciar uma condição sexista para identificá-la. 1.2 A mulher e o contexto histórico nas últimas décadas Resgatando as memórias de um contexto histórico, podemos reconhecer a mulher anunciada, como aquela responsável pela origem à vida, que cuida, protege e educa, ficando submetida à figura do outro e a este, era dado e permitido a condição de saber e decidir, sobre questões da ordem do individual e pessoal desta mulher. Esse outro detentor do poder e sabedor da vontade da mulher, culturalmente ficou remetido à figura do pai, irmão, marido como pode ser ilustrado pelos versos da cantiga de roda, do cancioneiro brasileiro, que inocentemente foi cantada e passada de geração em geração, e que diz: Terezinha de Jesus/ deu a queda foi ao chão,/ acudiram três cavaleiros,/ todos três chapéu na mão/. O primeiro foi seu pai,/ o segundo seu irmão/ e o terceiro foi aquele que a Tereza deu a mão.(Domínio público) Contextualizando os versos acima, Terezinha pertence a um homem “Jesus”, em seguida, há uma sucessão de “outros homens”, e cada um, com uma representação de poder explícito ou implícito que marcam a vida da “Terezinha de Jesus”, bem como a de tantas outras Terezinhas, Marias, Amélias, da nossa sociedade. 5 Essa cantiga de roda, bem como as fábulas e outras histórias contadas para meninas e meninos, desde a mais tenra idade, provocaram a introjeção de conceitos, que contribuíram para a construção dos processos de identidade, tornando natural a condição de submissão e a fragilidade da mulher e por outro lado reforçando a força, a coragem e o poder do homem anunciado socialmente. A mulher, esse ser que abre sua existência em possibilidades de construção e reconstrução de sua história, após conflitos culturais, sociais, políticos e religiosos, de forma consciente, busca sair do lugar de mulher reconhecida e nomeada apenas para procriar, cuidar, nutrir e educar, que mesmo cantada em versos e prosa pelos poetas e trovadores, ainda assim, se apresenta como uma mulher “indeterminada”. Tentativas de mudanças foram conflitivas e de acordo com Vaitsman (1994), apud Vasconcellos (1996), “ a lei criava obstáculos para o acesso das mulheres ao mundo público, reafirmando-se as funções e papéis tradicionais de cada sexo, presentes no imaginário social e, portanto, nas instituições como o Estado, a Igreja, a família e o casamento”. A mulher “indeterminada”, como descrito por Lipovetsky (2007), consciente de suas possibilidades, busca ser reconhecida enquanto mãe e profissional. No Brasil, pesquisas divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) demonstram os vários papéis desempenhados pela mulher ao longo da história, dentre eles o de mãe e profissional, cujos processos se passam nas instâncias da construção da identidade, nas mudanças culturais, religiosas e sociais. Após séculos de submissão, as mulheres buscam reconhecimento como quem participa diretamente do processo de crescimento de um novo ser, conquistando um espaço privado para o surgimento de uma nova história, na qual é inserida como protagonista, como um ser que abre sua existência em múltiplas possibilidades: a mulher - ser do sexo feminino; a mãe – a procriadora; a profissional – o ser intelectual, com talento e capacidade de produzir, além disso, permite-se manter integrada ao mundo, contribuindo com o seu potencial criativo, através do conhecimento que se amplia e se atualiza continuamente. O ser mulher concebendo o trabalho como sentido de sua existência, o transforma em essência e passa a compreender sua existência, ou seja, em vez da existência 6 preceder a essência, a artificialidade do trabalho (essência) definirá a existência humana. (CAMON, 2005). O percurso histórico do universo feminino, na modernidade, retrata um exercício constante da mulher em assumir responsabilidades por sua própria vida, cultuando a mulher-mãe e a mulher-profissional como opção, inclusive, de realização, mas não mais como imposição de forças externas à sua vontade. Com os avanços tecnológicos e científicos, que marcaram o século XX, houve mudanças de crenças e atitudes em relação à sexualidade - a liberdade sexual, à igualdade de direitos sociais, profissionais e conjugais. Às mulheres, por sua vez, coube o direito de votar e discutir questões enunciadas pelos movimentos feministas tais como: a condição da mulher, a virgindade, o aborto, o casamento. O primeiro contraceptivo oral eficaz foi desenvolvido no século XX. Em 1978, nasceu o primeiro bebê de proveta, com repercussão mundial. Discussões éticas e religiosas marcaram assim a desvinculação do sexo da procriação. O acesso aos meios de comunicação: rádio, televisão, revista, cinema, Internet, provocaram novas formas de pensar e agir, transformando a subjetividade das mulheres, modificando comportamentos e costumes, proporcionando uma maior liberdade sexual. No campo profissional, observa-se um crescimento da ordem de 56% da contribuição feminina na força de trabalho, porém, ainda se faz necessário reivindicar os mesmos direitos de ganhos financeiros que são destinados aos homens, apesar de ser um direito adquirido na Constituição Federal de 1988. Essas mulheres, para além de desempenharem uma atividade no meio público, cuidam da educação dos filhos e acumulam afazeres domésticos. Dados da pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2000, divulgaram os seguintes dados: Em 2000, o Brasil tinha 86,3 milhões de mulheres que, representavam boa parte da força de trabalho no país; acumulavam tarefas e passaram a chefiar um maior número de domicílios. O 7 aumento da chefia entre as mulheres refletiu diretamente no rendimento familiar, cuja contribuição feminina cresceu quase 56% no último Censo. Na comparação com os homens, as mulheres chefiavam domicílios com melhores condições de saneamento básico; eram mais escolarizadas; viviam mais e representavam a maior parcela entre a população idosa no país. A mulher, se reconhece e se faz reconhecida como um ser capaz, tanto social quanto profissional, e supostamente tende a favorecer a este propósito, quando este se constitui uma possibilidade de construção da identidade social do ser. O fato de transitar do meio privado (lar), para o meio público, propiciou a busca e ampliação de conhecimento, permitindo assim, o desenvolvimento do potencial criativo, agregando além de satisfação pessoal, uma forma de contribuir com a renda familiar, não ficando, portanto, limitada apenas aos papéis de esposa e mãe. A complexidade dos papéis, embora tendendo a fragmentar a experiência em vários mundos, também proporcionou à mulher escolhas, assim como responsabilizar-se pelas conseqüências advindas delas. “Tendo deixado de ser necessariamente mãe e dona de casa, a mulher pode até decidir ser apenas mãe e dona de casa” Vaitsman (1994, p.174).Esta afirmação pode ser complementada com a afirmação feita por Erthal: O aumento da conscientização dos dados de sua experiência passa a ampliar suas opções existenciais; sua experiência passa por um crivo de avaliação própria, fazendo com que o risco não mais seja bloqueado para dar lugar a um vir a ser mais espontâneo e realizador. É a tentativa atualizante, antes bloqueada pelo medo e insegurança, que passa a se exprimir com mais clareza na atuação do ser. Sendo aceito [...] sente-se livre para deixar de lutar desesperadamente pelo apreço do outro, e passa a se ocupar mais de si mesmo. Erthal (1991) apud CAMON (2005, p.135). Para Heidegger o ser se estabelece a partir da relação com o mundo, o ‘eu’ não se dá sem o mundo, sem o outro, nem sem sua estrutura. Sendo assim, a mulher se constitui na relação com o outro por estar no mundo. Logo, “o ser-em é ser-com os outros... na base desse ser-no-mundo determinado pelo com, o mundo é sempre o 8 mundo compartilhado com os outros. O mundo da pré-sença é mundo compartilhado” (HEIDEGGER, 2002). As relações estabelecidas com o outro, seja no meio privado ou público, propiciarão que a mulher, mãe e profissional, busque sua essência no modo de ser e estar no mundo, e na condição de um ser de singularidade que é sempre um devir, podendo transitar nos diversos papéis seja o de mãe, esposa, irmã, profissional, artista, amiga, amante dentre tantos outros papéis designados pela sociedade e consolidados pela cultura como descreve abaixo Lo Bianco (1985): O enfraquecimento da obrigatoriedade, que restringia a possibilidade de outros papéis serem desempenhados pelas mulheres, fez com que o papel de mãe perdesse a estabilidade que possuía. Contudo, hoje, embora os papéis disponíveis às mulheres não se limitem à maternidade, este papel continua com um lugar de destaque para elas. Isto significa que há uma ênfase simultânea na importância e obrigatoriedade da modernidade e na importância e possibilidade do desempenho de outros papéis não relacionados ao de ser mãe. (Lo Bianco (1985), apud. VAITSMAN (1994, p. 78). Desta forma, as escolhas atribuídas às mulheres em ser mãe e profissional, acarretam mudanças e transformações não apenas no modo de ser, pensar e agir nas relações estabelecidas com o outro, como também mudanças biopsicossociais, contribuindo para a construção, re-construção da identidade no contexto do qual está inserida em seu cotidiano. 1.3 O reflexo das escolhas no modo de se perceber mulher Ao refletir sobre o ser e o ente, Heidegger diz: ”O ser é sempre o ser de um ente” (2002, p.35). O ente representa a expressão do ser em todas as suas modalidades. O ser está no que é, no seu modo de ser. Entretanto, é o ente que vai possibilitar a tematização do ser. O processo de escolha frente às diversidades do mundo passa pela condição do ente, que se estabelece como simplesmente dado retratando a condição da intencionalidade na filosofia existencial, ou seja, o ato de escolher tem 9 implicação direta na responsabilidade pela escolha feita, determinando assim, o sentido desta mesma. Diz Heidegger: Sentido é a perspectiva em função da qual se estrutura o projeto pela posição prévia, visão prévia e concepção prévia. É a partir dela que algo se torna compreensível como algo. ( 2002, p.208). A partir do momento que a mulher escolhe ou se percebe na condição de ser mãe são muitas as responsabilidades atribuídas ao novo papel. Responsabilidades atribuídas pela sociedade, e também por si mesma, cobrando e se fazendo cobrar ser uma provedora das necessidades afetivas e materiais deste novo ser que se apresenta, responsabilizando-se assim, por cuidar, alimentar, educar, amar e formar um cidadão para a sociedade. Afinal, o ato de estabelecer escolhas frente aos processos de vida promove diretamente a idéia de ter que se responsabilizar por estas. Ao decidir estar no mundo enquanto profissional, a mulher tende a conceber o trabalho como um sentido em sua existência e o transforma em essência realizadora e prazerosa. Segundo Lipovetsky (2007), as exigências do mercado de trabalho impõem à mulher o exercício de auto superar-se, excedendo limites e muitas vezes se impondo modos rígidos consigo mesma, isto, na tentativa de ser reconhecida como um ser presente neste mercado. A partir dessa tomada de consciência do trabalho como essência, a mulher, passa a reconhecer a possibilidade de aplicar todo o seu potencial e habilidades criativas na atualização, visando assim um melhor desempenho na execução das tarefas que lhe são atribuídas. Todos esses papéis permitem à mulher construir e ser reconhecida como responsável pela sua história, onde “as referências para a construção de sua identidade não mais se limitaram aos papéis de esposa e mãe”. (Vaitsman, 1994, p.80). A citação acima sobre o processo de construção da identidade, está em consonância com a afirmação feita por Oliveira (1976), apud Coelho, (2006, p.166/167), que distingue duas dimensões da identidade: a pessoal e a social. 10 No momento que a mulher toma consciência de sua potencialidade enquanto ser, pre-sença e da possibilidade de transformar-se, pois é sempre um devir, com suas incertezas e fragilidades tal como qualquer ser, reconhecendo e demonstrando suas habilidades intrínsecas à sua essência de mulher e simplesmente sendo. De acordo com VAITSMAN (1994, p.130): O sentimento de fragmentação da identidade vinculada à maternidade foi marca distintiva das mulheres desta geração. Se a maternidade ao mesmo tempo, foi desejada e perseguida como realização pessoal, restringia outros projetos considerados importantes. LIPOVETSKY(2007) anuncia que a mulher, quando concebe a possibilidade de se perceber na condição de ser mãe, e em ser profissional, chama para si todas as responsabilidades que são peculiares a cada papel desempenhado, implicando diretamente nas consequências advindas desse processo das escolhas de vida. Enquanto a mulher-mãe tende a esmerar-se (e se cobra nesta condição) em dar o melhor de si, como tentativa de superar a condição de ter sido subjugada na comparação ao outro e ter se visto restrita ao lar. Na vida profissional a mulher também tende a buscar atividades se referenciando nos papéis de força atribuídos ao homem e da mesma maneira que estes buscam definir e inventar sua própria vida. As tarefas de casa, com efeito, são a oportunidade de constituir territórios identitários e pessoais, de impor seus critérios, personalizando a sua maneira de agir e pensar, de fazer valer sua concepção da organização doméstica, do limpo, do ordenado, da alimentação ou da decoração. (LIPOVETSKY, 2007, p.255). No momento em que as mulheres exercem cada vez mais uma atividade profissional e se permitem ter ou não filhos, as tarefas maternas são pensadas menos como um fardo e mais como um enriquecimento de si mesma; menos como uma “escravidão” e sim como fonte de sentido; menos como uma “injustiça” que atinge as mulheres, mas como uma realização identitária, não constituindo mais, como obstáculo à autonomia individual. 11 A constituição da identidade perpassa não apenas pelas escolhas, mas também pela responsabilidade assumida frente às escolhas, consistindo esta um fator preponderante para que as várias funções vivenciadas influenciem no modo de se perceber mulher, porém “a diversificação das situações de vida pessoal, embora fragmentando a experiência em vários mundos, paradoxalmente, também possibilita ao indivíduo maior possibilidade de escolha” (VAITSMAN, 1994, p. 160) Considerações finais Na tentativa de estabelecer uma conclusão sobre o tema, muitos autores não ousaram afirmar ou responder o que é ser mulher, afinal, esta é e sempre será uma construção social, consolidada nas relações estabelecidas com o outro no tempo, espaço e contexto social do cotidiano. Entretanto, há uma concordância entre os autores ao considerarem que os processos de escolhas vivenciadas e experienciadas pelas mulheres em ser mãe e profissional se estabelecem a partir das relações sociais com o outro, seja ele, filho, marido e ou trabalho. Esse outro - filho, marido e ou trabalho - parte do universo da mulher na modernidade, contribuindo para a construção e re-construção da identidade, na medida em que as relações são mediadas pela relação social onde há uma aprendizagem no modo de ser mulher frente aos papéis de mãe e profissional. Ao perceber-se responsável por seus processos de vida, a mulher é implicada diretamente em refletir sobre suas escolhas e as conseqüências advindas delas, reconhecendo-se enquanto única no jeito de ser, pensar e agir. Dessa forma como uma imagem no espelho percebe o outro não mais em uma postura de ter de submeter-se “a” mas o outro como um parceiro nas relações sociais. A mulher protagonista de sua história busca entender que ser mãe e profissional faz parte de um processo de vida. Abre sua existência para se inserir e estar no mundo como um ser de possibilidades que é sempre um devir, reconhecendo-se nesta construção, pois é sabido que o ser se estabelece na relação com, ou seja é e 12 sempre será um ser-com. Sendo assim, a mulher ao apresentar-se ao mundo, retirando-se do lar como condição única para sua existência, se projeta e se estabelece na relação com os outros e consigo, colocando-se na condição de ser um ser-no-mundo, podendo transitar entre o meio privado para o meio público, ou até mesmo permitir-se vivenciar qualquer outra possibilidade. Tornou-se portanto um tema relevante para o desenvolvimento de pesquisa e discussão no mundo acadêmico, uma vez que muitos foram os pensadores, filósofos e historiadores que escreveram sobre a mulher, porém há um vasto campo de pesquisa se considerarmos que, a mulher é parte fundamental nas relações estabelecidas ao longo da vida, pois é o primeiro elo de comunicação e de manutenção da vida e consequentemente no estabelecimento das relações com o mundo. Sendo necessário, portanto, que a mulher seja entendida como o ser que é, podendo ser capaz de criar e até mesmo enredar a compreensão de sua própria existência, partindo de sua condição de ser, um ser capaz de se perceber na relação com o outro e com o mundo. Referências AUN, Juliana; VASCONCELLOS, Maria e COELHO, Sônia. Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sociais. Belo Horizonte: Oficinas de Arte e Prosa, 2006. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: A experiência vivida. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980. CAMON, Valdemar Augusto Angerami – (Org). As várias faces da psicologia fenomenológico – existencial. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. FEIJOO, Ana Maria L. C. A escuta e a fala em psicoterapia. São Paulo: Vetor, 2000. FRANÇA, Júnia Lessa e VASCONCELLOS, Ana Cristina. Manual para Normalização de Publicações Técnico–Científicas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. 13 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Parte I. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. LIPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: permanência e revolução do feminino. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. VAITSMAN, Jeni. Flexíveis e plurais: identidade, casamento e família em circunstâncias pós-modernas. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1994. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em parceria Sistema Nacional de Informação de Gênero, 2000. Disponível em: http// www.presidencia.gov.br/spmulheres. Comunicação Social, 22/05/2006. Acesso em 29/03/2008. Cantiga de Roda: Terezinha de Jesus (Domínio Público). 14