Sobre a queda recente na desigualdade de renda no Brasil Ricardo Paes de Barros (IPEA) Mirela de Carvalho (IPEA) Samuel Franco (IPEA) Rosane Mendonça (UFF) Brasília, agosto de 2006 Entre 2001 e 2004 a desigualdade de renda no Brasil declinou de forma contínua e acentuada Evolução recente da desigualdade de renda familiar per capita no Brasil 0.62 Coeficiente de Gini 0.61 0.60 0.599 0.600 0.600 0.598 0.592 0.593 0.587 0.59 0.581 0.58 0.569 0.57 0.56 0.55 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Entre 2001 e 2004, o grau de desigualdade de renda passa de próximo a média dos últimos trinta anos para atingir seu nível mais baixo no período 0.650 Evolução temporal da desigualdade de renda familiar per capita no Brasil (1977-2004) 0.640 0.634 0.630 Coeficiente de Gini 0.620 0.610 0.623 0.615 0.604 0.596 0.600 0.590 0.593 0.589 0.570 0.582 0.602 0.599 0.599 0.600 0.600 0.598 0.593 0.592 0.594 0.588 0.580 0.612 0.587 0.587 0.581 0.580 0.569 0.560 0.550 1977 1978 1979 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Entre 2001 e 2004 o coeficiente de Gini declinou 4%. Quão importante e significativa foi esta queda? Em função da queda na desigualdade, a renda per capita dos 20% mais pobres cresceu 5% ao ano, apesar da média nacional ter declinado 1% ao ano. Taxa de crescimento anual da renda per capita dos décimos acumulada pelos mais pobres entre 2001 e 2004 9 7.2 7 4.9 Taxa de crescimento (%) 5 3.8 3.1 3 2.4 2.0 1.6 1.1 1 0.5 -1 -0.9 Renda Média -3 -5 Primeiro Segundo Terceiro Quarto Quinto Sexto Sétimo Oitavo Nono Décimo Potencialmente tanto o crescimento balanceado como reduções no grau de desigualdade são importantes para reduzir a pobreza. Entretanto, a queda recente na desigualdade foi tão acentuada que os pobres não a trocariam por um crescimento balanceado menor que 5,8% ao ano! Enquanto isso, a renda per capita dos 20% mais ricos declinava 2% ao ano, levando a que a taxa anual de crescimento da renda dos pobres fosse 7 pontos percentuais acima da dos ricos, uma conseqüência inevitável da queda na desigualdade Taxa de crescimento anual na renda per capita dos décimos acumulada pelos mais ricos entre 2001 e 2004 0.0 Taxa de crescimento (%) -0.5 -1.0 -0.9 -0.9 -1.0 -1.1 Renda Média -1.5 -1.2 -1.4 -1.5 -1.8 -2.0 -2.0 -2.4 -2.5 -3.0 Décimo Nono Oitavo Sétimo Sexto Quinto Quarto Terceiro Segundo Primeiro Enquanto os pobres vivem em um dos países que mais cresce no mundo, os ricos se sentem estagnados. Distribuição dos países segundo a taxa anual de crescimento da renda per capita 10 China 8 Taxa de crescimento da renda per capita dos 10% mais pobres brasileiros Taxa de crescimento (%) 6 4 2 0 -2 Hait Taxa de crescimento da renda per capita dos 10% mais ricos brasileiros -4 -6 -8 -10 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 Porcentagem de países Fonte: Estimativas produzidas com base no Human Development Report PNUD (2005) e PNADs de 2001 e 2004. Nota: Estão sendo considerados 170 países para os quais existem informações sobre a taxa anual de crescimento do PIB per capita entre 1990 e 2003. 70 75 80 85 90 95 100 A acentuada queda recente na desigualdade trouxe uma importante conseqüência de longo prazo: o impacto do crescimento sobre a pobreza é agora 10% maior! Esta acentuada queda recente não é o resultado de apenas alguns poucos fatores ou de uma única política específica. A base desta redução na desigualdade é ampla e variada, o que lhe pode dar sustentabilidade. Dada suas contribuições particularmente mais elevadas, três fatores merecem especial destaque: 1. Programa Bolsa Família 2. Expansão educacional 3. Interiorização da economia Cerca de 1/3 da queda recente na desigualdade de renda deveu-se a mudanças nas transferências governamentais, em particular, à criação do Programa Bolsa Família Contribuição de mudanças nos componentes na distribuição de renda por adulto para explicar a queda na desigualdade de renda (Coeficiente de Gini) (%) Variação Simulações 2001 2004 (em pontos percentuais) Contribuição Original 59.3 56.9 -2.47 - Bolsa Família 59.3 57.2 -2.11 14 Pensões e aposentadorias do Instituto de Previdência ou Governo Federal 59.3 57.1 -2.24 9 BPC 59.3 57.1 -2.26 9 Bolsa Família mais BPC mais aposentadorias e pensões do Instituto de Previdência ou Governo Federal 59.3 57.6 -1.71 31 Todas as tranferências 59.3 57.7 -1.63 34 Fonte: Estimantivas produzidas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001 e 2004. Nota: Sem ajuste na renda per capita. O Programa Bolsa Família expandiu sua cobertura consideravelmente e manteve um excelente grau de focalização Porcentagem de pessoas em famílias que recebem Bolsa Família por centésimos da distribuição de renda per capita 70 Porcentagem de pessoas 60 2004 2003 2001 1999 2002 50 40 30 20 10 0 0 10 20 30 40 50 60 70 Centésimos da distribuição de renda familiar per capita 80 90 100 No caso do Bolsa Família, tanto o primeiro como o último Real transferido encontram-se bem focalizados Porcentagem de pessoas em famílias que recebem Bolsa Família por centésimos da distribuição de renda per capita* 70 60 *Incluindo o benefício Porcentagem de pessoas *Excluindo o benefício 50 40 30 20 10 0 0 10 20 30 40 50 60 70 Centésimos da distribuição de renda familiar per capita 80 90 100 No caso da previdência pública, o primeiro Real transferido encontra-se bem focalizado, mas o último encontra-se mal focalizado Porcentagem de pessoas em famílias que recebem aposentadorias de Instituto de Previdência e Governo Federal por centésimos da distribuição de renda per capita* 80 *Incluindo o benefício 70 *Ecluindo o benefício Porcentagem de pessoas 60 50 40 30 20 10 0 0 10 20 30 40 50 60 70 Centésimos da distribuição de renda familiar per capita Fonte: Estimantivas produzidas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1999 a 2004, porém no ano de 2000 a PNAD não foi a campo. 80 90 100 A desigualdade em remuneração entre trabalhadores vem declinando desde o Plano Real, com uma pequena aceleração recente Evolução da desigualdade em remuneração do trabalho entre trabalhadores 0.65 Coeficiente de Gini 0.64 0.63 0.62 queda histórica (69%) 0.61 queda total (100%) 0.6 0.59 1994 1995 1996 1997 Fonte: BARROS, R; CARVALHO, M.; FRANCO,S.; MENDONÇA R. (2006e) 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Cerca de 40% da queda na desigualdade entre famílias resultou da queda na desigualdade de remuneração entre trabalhadores. Apenas 5% da queda recente na desigualdade de renda no país deve-se a reduções na desigualdade educacional da força de trabalho Evolução temporal do desvio padrão da escolaridade dos ocupados 4.60 4.58 Desvio padrão (em anos) 4.56 4.54 4.52 4.50 4.48 4.46 4.44 4.42 4.40 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Os diferenciais em remuneração por nível educacional vêm declinando desde o Plano Real, com uma pequena aceleração recente. Esta queda explica 10% da recente queda na desigualdade de renda no país Evolução do impacto médio da escolaridade sobre a remuneração do trabalho 15.0 14.5 14.0 13.5 13.0 queda histórica (74%) 12.5 queda total (100%) 12.0 11.5 11.0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Entre 2001 e 2004, os diferenciais de remuneração entre cidades pequenas, médias e grandes declinaram acentuadamente, explicando cerca de 15% da queda na desigualdade de renda Evolução do diferencial em remuneração por porte de município 40 Diferencial entre regiões metropolitanas e grandes municípios do interor 35 Diferencial entre regiões metropolitanas e pequenos municípios do interior Diferencial (%) 30 25 20 15 10 5 0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Essa acentuada queda foi suficiente para alinhar a desigualdade brasileira com a dos demais países? Não. O Brasil continua entre os 5% dos países mais desiguais. Mesmo à velocidade com que vem declinando, ainda serão necessárias cerca de duas décadas para que o Brasil atinja o nível de desigualdade dos países com seu grau de desenvolvimento Distribuição dos países no mundo segundo a renda per capita e a renda média dos 20% mais pobres 25000 Renda média dos 20% mais pobres Renda per capita em US$ PPP 20000 Renda per capita 15000 Brasil (64,7790) 10000 5000 Tunisia (64,2148) Brasil (43, 934) 0 0 10 20 30 40 50 60 Porcentagem de países 70 80 90 100 A evidência é de que a queda na desigualdade continuou ao longo de 2005, embora, possivelmente, a uma velocidade mais lenta Evolução recente da desigualdade de renda do trabalho per capita Brasil metropolitano - PME 0.665 0.660 0.655 Coeficiente de Gini 0.650 0.645 0.640 0.635 0.630 0.625 0.620 0.615 0.610 2001 2002 2003 2004 Ano/mês 2005 2006 2007 O que fazer para garantir a necessária continuidade na queda da desigualdade de renda? 1. Melhores oportunidades para se adquirir capacidades (educação) 2. Melhores oportunidades para se utilizar as capacidades adquiridas (trabalho) 3. Melhorar as condições para que os mais pobres possam aproveitar as oportunidades disponíveis (rede de proteção efetiva, focalizada e com porta de saída). Importância da adequação, integração e pró-atividade O impacto de aumentos na remuneração dos funcionários públicos sobre a desigualdade Sensibilidade da desigualdade na renda a aumentos no benefício do Bolsa Família ou na remuneração dos empregados públicos estatutários 0.10 Impacto sobre a desigualdade (%) 0.09 Bolsa Família 0.08 Funcionários públicos 0.07 Redução na desigualdade 0.06 0.05 0.04 0.03 0.02 Aumento na desigualdade 0.01 0.00 0.00 0.05 0.10 0.15 0.20 0.25 0.30 Custo anual do programa (em bilhões de reais) 0.35 0.40 0.45 0.50 No combate à desigualdade, o Bolsa Família é um instrumento com uma relação custo-efetividade pelo menos 70% maior que a do Salário Mínimo Sensibilidade da desigualdade (Gini) a mudanças no salário mínimo e no benefício do Programa Bolsa Família Simulações O impacto sobre Coeficiente de Renda total das a renda total das Gini famílias famílias Impacto (%) Situação atual (2004) 829.0 --- 0.570 --- Impacto de 10% de aumento no rendimento de empregados com carteira e funcionários públicos próximos ao mínimo 830.3 1.3 0.569 0.2 Impacto de 10% de aumento no rendimento de empregados sem carteira próximos ao mínimo 830.2 1.2 0.569 0.2 Impacto de 10% de aumento nos benefícios previdenciários próximos ao mínimo 832.3 3.3 0.568 0.3 Impacto de 10% de aumento no rendimento dos empregados sem carteira, empregados com carteira e funcionários públicos e nos benefícios previdenciários próximos ao mínimo 834.8 5.8 0.566 0.7 Impacto de um aumento de 80% no benefício do programa bolsa família por família ao mês 832.5 3.5 0.566 0.7