Universidade de Lisboa
Faculdade de Medicina de Lisboa
ACUIDADE PROGNÓSTICA EM FIM DE VIDA –
VALOR PREDITIVO DE QUATRO MÉTODOS
NA ESTIMATIVA DE SOBREVIVÊNCIA
DE DOENTES ONCOLÓGICOS
DE UM HOSPITAL CENTRAL E UNIVERSITÁRIO
PORTUGUÊS
Filipa Alexandra Gonçalves Tavares
IV Mestrado em Cuidados Paliativos
2010
1
A impressão desta dissertação foi aprovada pela Comissão Coordenadora do Conselho
Científico da Faculdade de Medicina de Lisboa em reunião de 13 de Abril de 2010.
Universidade de Lisboa
Faculdade de Medicina de Lisboa
ACUIDADE PROGNÓSTICA EM FIM DE VIDA –
VALOR PREDITIVO DE QUATRO MÉTODOS
NA ESTIMATIVA DE SOBREVIVÊNCIA
DE DOENTES ONCOLÓGICOS
DE UM HOSPITAL CENTRAL E UNIVERSITÁRIO
PORTUGUÊS
Filipa Alexandra Gonçalves Tavares
IV Mestrado em Cuidados Paliativos
Dissertação orientada pelo Prof. Doutor António Barbosa
Todas as afirmações efectuadas no presente documento são da exclusiva responsabilidade do seu autor, não
cabendo qualquer responsabilidade à Faculdade de Medicina de Lisboa pelos conteúdos apresentados.
Coisas, Pequenas Coisas
Fazer das coisas fracas um poema.
Uma árvore está quieta,
murcha, desprezada.
Mas se o poeta a levanta pelos cabelos
e lhe sopra os dedos,
ela volta a empertigar-se, renovada.
E tu, que não sabias o segredo,
perdes a vaidade.
Fora de ti há o mundo
e nele há tudo
que em ti não cabe.
Homem, até o barro tem poesia!
Olha as coisas com humildade.
Fernando Namora, in "Mar de Sargaços"
AGRADECIMENTO
A todos os mestres da caminhada - doentes, famílias, colegas, amigos e centenas
de ilustres desconhecidos.
Ao Professor Doutor António Barbosa pelo seu sempre incondicional apoio.
À Drª Isabel Neto e ao Dr. Carlos Centeno que apadrinharam a minha incursão na
Medicina Paliativa.
À minha família, ao Sérgio e à Madalena pelas horas em que me emprestaram à
Ciência.
Ao Marco pela janela que abriu no meu mundo.
1
Resumo
É inevitável que qualquer médico, perante um diagnóstico potencialmente fatal,
venha a ser confrontado, por doentes e familiares, com a necessidade de prever o
tempo de vida restante.
Objectivo: comparar a acuidade e a aplicabilidade de quatro instrumentos preditivos
de sobrevivência - a estimativa do clínico (ECS), a Palliative Performance Scale
(PPS), o Palliative Prognostic Index (PPI) e o Palliative Prognostic Score (PaP), na
doença oncológica (não-hematológica) avançada.
Metodologia: estudo de coorte, prospectivo e observacional. Durante 18 meses
recrutaram-se todos os doentes com neoplasias sólidas, em fase avançada,
avaliados por uma equipa de cuidados paliativos dum hospital terciário e
universitário português. Na consulta inicial formulou-se, para cada doente, a ECS e
colheram-se dados demográficos e clinicos necessários para calcular as pontuações
dos restantes instrumentos. Analisou-se a sobrevivência e comparou-se a eficiência
das 4 ferramentas considerando ainda o respectivo grau de adequação clínica.
Resultados: os instrumentos foram aplicados a 341 doentes [58% homens, idade
(mediana) 67 anos, 46% tumores digestivos, 51% internados, sobrevivência
(mediana) 26 dias]. Todos os instrumentos demonstraram ser bons discriminadores
quanto ao tempo de vida restante. A ECS foi a ferramenta que mais forte correlação
apresentou com a sobrevivência, mas apenas 2 em cada 5 previsões coincidiram
com a semana do óbito. As estimativas do PaP e do PPI mostraram forte correlação
mas ambas se correlacionaram ainda melhor com a ECS
2
Os modelos estatísticos não obviaram os erros prognósticos, que tal como com a
ECS foram predominantemente pessimistas. Independentemente da ferramenta,
estimativas clinicamente inadequadas foram mais frequentes para prognósticos
intermédios. O PaP mostrou ligeira vantagem sobre o PPI quanto à acuidade mas
ambos revelaram potencial utilidade, quando considerados conjuntamente com a
ECS. A elevada falibilidade da informação extraída da PPS recomenda prudência,
ao utilizá-la como modelo prognóstico.
Palavras chave:
prognosticar, acuidade, estimativa clínica, Palliative Prognostic Score, Palliative
Prognostic Index, Palliative Prognostic Scale
3
Abstract
Physicians cannot avoid facing requests from patients and relatives for individual
prediction of residual lifetime after the diagnosis of a potentially terminal condition.
Objective: to compare the accuracy and applicability to advanced solid cancer
patients of four prognostic tools - the clinician’s prediction of survival (CPS) , the
Palliative Performance Scale (PPS), the Palliative Prognostic Index (PPI) and the
Palliative Prognostic Score (PaP).
Methods: observational, prospective, cohort study. All advanced solid cancer
patients admitted during an 18-month period by a hospital-based palliative care team
at a Portuguese tertiary, university centre were recruited. On first visit CPS,
demographic and clinical data concerning other predictive tools were collected.
Survival analysis was performed to compare the accuracy of the tools. The clinical
appropriateness of estimatations was also considered.
Results: 341 patients were included for analysis (58% male, median age 67 years,
46% digestive tumours, 51% hospitalized, median survival 26 days). All tools showed
good survival discrimination. CPS had the strongest correlation with survival but only
2 out of 5 estimates were correct about the week of death.
PaP and PPI correlated highly in their prognostication but both correlated even better
with CPS. Methods of actuarial estimation of survival failed to prevent prognostic
errors, particularly pessimistic ones. Overpessimistic estimates were also the most
frequent error with CPS. Regardless of the tools, clinically inadequate estimations,
were more frequent for intermediate prognosis. PaP was slightly more accurate than
PPI but both are potentially useful in association with CPS. Too frequently PPS
4
provided unreliable predictive information so it should be used with caution as a sole
prognostic model.
Key words: prognostication, accuracy, clinician’ prediction, Palliative Prognostic
Score, Palliative Prognostic Index, Palliative Prognostic Scale
5
ÍNDICE
A. INTRODUÇÃO......................................................................................................14
1. A arte e a ciência de prognosticar .....................................................................14
2. A formulação de um prognóstico.......................................................................16
2.1 - A estimativa clínica de sobrevivência .......................................................17
2.2 - A análise estatística da sobrevivência ......................................................20
2.2.1 A Palliative Performance Scale (PPS) ................................................ 23
2.2.2 O Palliative Prognostic Score (PaP) ................................................... 26
2.2.3 O Palliative Prognostic Index (PPI) ..................................................... 28
3. A acuidade das estimativas de sobrevivência ...................................................30
B. METODOLOGIA...................................................................................................32
1. Participantes......................................................................................................32
2. Instrumentos......................................................................................................33
2.1 Estimativa clínica de sobrevivência (ECS) ..................................................34
2.2 Palliative Performance Scale (PPS)............................................................34
2.3 Palliative Prognostic Scale (PaP)................................................................35
2.4 Palliative Prognostic Index (PPI) .................................................................35
3. Análise estatística .............................................................................................37
6
3.1 Participantes ...............................................................................................37
3.2 Sobrevivência..............................................................................................37
3.3 Instrumentos ...............................................................................................38
3.3.1 ECS .................................................................................................... 39
3.3.2 PPS..................................................................................................... 41
3.3.3 PaP e PPI ........................................................................................... 41
C. RESULTADOS .....................................................................................................43
1. Características dos participantes ......................................................................43
2. Sobrevivência observada ..................................................................................48
3. ECS...................................................................................................................54
4. PPS ...................................................................................................................62
5. PaP ...................................................................................................................66
6. PPI ....................................................................................................................71
7. Relação entre instrumentos...............................................................................74
D. DISCUSSÃO.........................................................................................................79
1. Aspectos gerais.................................................................................................79
2. Aspectos particulares da aplicação de cada instrumento..................................82
2.1 ECS.............................................................................................................82
7
2.2 PPS.............................................................................................................85
2.3 PaP .............................................................................................................89
2.4 PPI ..............................................................................................................92
3. Limitações .........................................................................................................96
E. EM CONCLUSÃO.................................................................................................97
F. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................99
8
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Factores preditivos do prognóstico .........................................................21
Tabela 2 - Comparação de 3 instrumentos de análise estatística da sobrevivência .23
Tabela 3 - Escala PPS versão 2 e seus níveis..........................................................26
Tabela 4 - Itens da pontuação PaP e grupos de risco ..............................................27
Tabela 5 - Itens da pontuação PPI e grupos de risco ...............................................30
Tabela 6 - Parâmetros demográficos, clínicos e biológicos avaliados ......................36
Tabela 7 - Características demográficas e clínicas dos 341 doentes .......................44
Tabela 8 - Mediana, intervalos interquartil e de variação da idade, KPS, duração da
doença, estadia em internamento, seguimento e sobrevivência .............45
Tabela 9 - Localizações secundárias de doença ......................................................45
Tabela 10 - Comorbilidade à data de inclusão ..........................................................46
Tabela 11 - Motivo de referenciação à Unidade de Medicina Paliativa .....................47
Tabela 12 - Sobrevivência segundo diversas variáveis demográficas e clínicas ......49
Tabela 13 - Factores associados à sobrevivência observada (análise univariada de
Cox) ..........................................................................................................51
Tabela 14 - Modelo de regressão multivariado de Cox mostrando os efeitos do
estadio da doença, dispneia, delirium,% de linfócitos e estimativa clínica
sobre a sobrevivência...............................................................................52
Tabela 15 - Acuidade das estimativas clínicas de sobrevivência..............................55
Tabela 16 - Comparação, por categorias, entre a estimativa clínica de sobrevivência
e a sobrevivência observada ....................................................................58
Tabela 17 - Sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo / negativo e
acuidade, por categorias da ECS .............................................................58
9
Tabela 18 - Modelo de regressão logística - relação entre insuficiência cardíaca,
doença hepática crónica, estimativa clínica de sobrevivência e a
inacuidade do prognóstico estimado pelo clínico .....................................60
Tabela 19 - Erros pessimistas: comparação de 2 subgrupos de doentes e seu nível
de significância (teste χ2)..........................................................................62
Tabela 20 - Sobrevivência por nível PPS à admissão ..............................................63
Tabela 21 - Ratios de risco de óbito em função do estadio, terapêutica específica em
curso, presença de dispneia, PPS e taxa de linfócitos à admissão (modelo
de riscos proporcionais de Cox) ...............................................................65
Tabela 22 -Taxa de sobrevivência (dias) segundo o nível de PPS à admissão........66
Tabela 23 - Itens da pontuação PaP dos participantes.............................................67
Tabela 24 - Modelo de regressão logística avaliando a relação entre as
características do doente e a presença de leucocitose (> 11x10-3)..........67
Tabela 25 - Modelo de regressão logística avaliando a relação entre factores
individuais dos participantes e a ocorrência de linfocitopenia (< 12%).....68
Tabela 26 - Sobrevivência aos 30 dias e mediana da sobrevivência / grupo PaP ....69
Tabela 27 - Itens do PPI nos participantes................................................................71
Tabela 28 - Características dos 3 grupos definidos pelo PPI....................................72
Tabela 29 - Acuidade das estimativas de sobrevivência usando o PaP e o PPI.......73
Tabela 30 - Correlações de ordem de Spearman entre os vários instrumentos de
prognóstico (PaP, PPI, PPS, ECS) e a sobrevivência observada ............74
Tabela 31 - Frequência absoluta e relativa de erros graves associados à aplicação
dos 4 instrumentos ...................................................................................76
10
Tabela 32 - Associação entre estimativas clínicas e sobrevivência em 13 estudos,
incluindo o actual ......................................................................................83
Tabela 33 - Resumo de alguns dos trabalhos publicados explorando a PPS como
factor de prognóstico ................................................................................87
Tabela 34 - Estudos usando o PaP como instrumento preditor de prognóstico........90
Tabela 35 - Estudos usando o PPI como instrumento preditor de prognóstico.........93
Tabela 36 - Comparação da acuidade do PPI em trabalhos prévios com o estudo
actual ........................................................................................................95
11
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 - Modelo conceptual da formulação do prognóstico na doença oncológica
avançada .................................................................................................17
Figura 2 - Proveniência dos 341 doentes referenciados à Unidade de Medicina
Paliativa ....................................................................................................47
Figura 3 - Curva de sobrevivência de Kaplan-Meier dos 341 participantes..............48
Figura 4 - Curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier segundo o estadio da doença,
e a presença / ausência de dispneia e delirium ........................................53
Figura 5 - Diferença entre a estimativa clínica de sobrevivência e a sobrevivência
observada.................................................................................................54
Figura 6 - Quociente entre a sobrevivência observada e a estimada .......................56
Figura 7 - Relação entre o grau de inacuidade e a sobrevivência observada ..........59
Figura 8 - Efeito da terapêutica oncológica em curso sobre o grau de acuidade da
ECS ..........................................................................................................60
Figura 9 - Curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier por nível PPS à admissão .....63
Figura 10 - Curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier por grupo PaP .....................70
Figura 11 - Curvas de Kaplan-Meier por grupo PPI .................................................73
Figura 12 - Grau de adequação clínica das estimativas por grupo prognóstico PaP e
PPI............................................................................................................75
Figura 13 - Grau de adequação clínica das estimativas usando a PPS ...................76
Figura 14 - Relação entre a adequação clínica das estimativas usando os 4
instrumentos e o tipo de tratamento oncológico em curso durante o
seguimento ...............................................................................................77
12
Figura 15 - Estimativas adequadas por instrumento preditor, em função do número
de instrumentos também adequados, quando a estimativa clínica não teve
acuidade ...................................................................................................78
Figura 16 - Frequência de estimativas inadequadas face a uma estimativa clínica
adequada..................................................................................................79
Figura 17 - Curvas de Kaplan-Meier por nível PPS – efeito cauda para PPS20% ...89
13
A Medicina é uma ciência de incerteza e uma arte de probabilidade.
Sir William Osler 114
A. INTRODUÇÃO
1. A arte e a ciência de prognosticar
Saber formular e transmitir um prognóstico são competências clínicas milenarmente
reconhecidas como básicas na actividade assistencial
forma
consciente
ou
subconsciente,
mais
ou
14,19,48,103
menos
. Na realidade, de
implícita,
estamos
constantemente a prognosticar. Fazêmo-lo quando optamos por determinada
intervenção ao invés de outra que sabemos não nos oferecer tantas garantias
futuras, quando informamos que as náuseas durarão 4 ou 5 dias se iniciarmos
medicação opioide sem recurso a um antiemético, quando comentamos na visita
que a lesão não deixará o Sr. X voltar a andar, quando antecipamos custos mais
elevados para os cuidados a prestar a uma vítima de um acidente vascular cerebral
embólico comparativamente com um evento de origem isquémica.
Nos últimos cento e cinquenta anos os avanços tecnológicos e a consequente
capacidade de interferir sobre o curso de muitas doenças têm vindo a esbater e a
negligenciar o papel do prognóstico na ciência do cuidar 33,47,51,96.
Do
ponto
de
vista
epidemiológico,
prognosticar consiste em
estimar as
probabilidades relativas de ocorrência de diferentes eventos na história natural de
uma doença.
Em doença oncológica avançada, prognosticar implica frequentemente estimar o
tempo restante de vida mas não se reduz a essa dimensão. Fries e Ehrlich, na sua
14
obra
“Prognóstico
na
Medicina
Contemporânea”,
identificaram
os
eventos
decorrentes da história natural da maioria das doenças, designando-os como “os 5
Ds
do
prognosticar”
–
“disease
progression
/
recorrence”,
“death”,
“disability/disconfort”, “drug toxicity” e “dollars (custos para o sistema de saúde)”
Não podemos contudo deixar de concordar com Glare e Christakis
48
53
.
quando juntam
um sexto D, de “derivatives”, referindo-se à repercussão (morbilidade/ mortalidade)
que a doença exerce sobre as pessoas que rodeiam o doente.
A incerteza do futuro, a complexidade e a dinâmica inerentes ao ser humano bem
como a multidimensionalidade subjacente ao acto de prognosticar não nos devem
20,21,47,128
abster de fazê-lo
. Devem servir sim como motivação para adquirirmos
competências específicas melhorando a acuidade das nossas estimativas,
permitindo, sobretudo em situação de fim de vida, que doentes e famílias tenham a
oportunidade de focalizar as suas energias naquilo que realmente lhes é significativo
13,60,71,84,174
.
Uma discussão franca do prognóstico pode alterar um plano de cuidados
74,77,144,149,169,170,172
. A clarificação do prognóstico é vital para assegurar que o doente
está a decidir de uma forma autónoma e totalmente informada, consciente do
previsível curso da doença (sintomas, estado funcional, repercussão familiar/
económica) e do impacto dos potenciais tratamentos / intervenções modificadoras
(incluindo toxicidade)
91,94,125,171
. Informar do prognóstico é oferecer a doentes e
famílias expectativas realistas, permitindo reorganizar e priorizar a gestão de
questões de índole emocional, financeira e logística 31,77,86,118,141,142,167.
15
Para além dos motivos clínicos e éticos, do ponto de vista organizacional o
prognóstico
formulado
vai
condicionar
o
acesso
28,42-44,47,154
e
nalgumas
circunstâncias (como acontece nos EUA), a comparticipação nos custos de
estruturas especializadas na prestação de cuidados de suporte / cuidados paliativos
48,52,78
.
Também para a planificação de políticas de saúde e para a investigação é essencial
a noção de prognóstico, permitindo no primeiro caso uma criação e gestão racionais
de infra-estruturas e recursos humanos 164,166 e no segundo caso, adequar o desenho
e análise dos resultados de ensaios clínicos às características da população alvo
35,36,48
.
2. A formulação de um prognóstico
Apesar do prognóstico de uma doença ser um conceito estático, o prognóstico do
doente é algo de dinâmico e provisório, dependendo em cada momento de vários
factores 93 (figura 1) e por isso exigindo revisão subsequente 47,48,51,131.
O objectivo do médico será formular um prognóstico individualizado
de dados genéricos e do conhecimento da trajectória da doença
em
função
2,4,52,58,63
34,39,56,62,65,81,82,105,109,113
da
observação
, sintomas
clínica
59,130,132,158
,
12,32,38,41,70,107,124,157
91
134,147
, partindo
e modificando-o
estado
, comorbilidades
funcional
123,155,156
e
vontade de viver do doente 13,15,27,45,57,79,86,117,120,135,140,148,168.
16
Figura 1.
Modelo conceptual da formulação do prognóstico na doença oncológica avançada (adaptado de
Mackillop 93)
Existem duas formas de formular o prognóstico de um determinado indivíduo
29
. A
primeira será aquela em que o clínico se socorre da sua experiência assistencial e
elabora um juízo totalmente subjectivo – estimativa clínica de sobrevivência (ECS).
2.1 - A estimativa clínica de sobrevivência
A ECS pode ser definida como o julgamento prognóstico do médico e é classificada
como um factor prognóstico ambiental
47
, externo ao doente, podendo influenciar as
intervenções subsequentes.
Na prática clínica a ECS é usada frequentemente para formular prognósticos. A sua
aplicabilidade imediata a qualquer situação (à cabeceira, dispensando exames
complementares) e a apresentação do resultado no formato que mais se ajusta às
necessidades
do
doente
e/ou
família
são
as
suas
maiores
vantagens,
comparativamente com os outros instrumentos de prognóstico validados.
17
Trata-se de um processo subjectivo, dependente de uma avaliação clínica,
individualizada, num determinado momento
72
. Para formular uma previsão o médico
baseia-se na sua experiência, o que implica que tenha acompanhado muitos casos
similares. Contudo a ECS está sujeita a vários vieses cognitivos
47,48,51,52
: o “efeito
estrutural” (a selecção de um prognóstico diferente consoante a forma como a
informação é obtida); o “efeito de ancoragem” (a atribuição de um peso excessivo a
uma parte da informação); o “vies de confirmação” (procurar informação que só
venha reforçar a ideia inicial) e a “memória selectiva” (lembrar apenas as situações
extremas). A acuidade da estimativa parece estar ainda fortemente associada a
outros
factores
pessoais
do
médico
18,19,22,53,55,139,162
(área
profissional
–
oncologia/medicina paliativa vs outras) e ao tipo de relação médico-doente
estabelecida (familiaridade vs superficialidade).
Uma opção pode ser o recurso a uma segunda opinião, preferencialmente de um
“perito”, o que contudo nem sempre é viável e claro não obvia os vieses do segundo
avaliador 47,51,53.
Também na maioria dos livros de texto actuais são escassas a quantidade e a
especificidade da informação quanto a como formular um prognóstico. Se são
disponibilizados dados estes referem-se geralmente a tempos livres de doença ou a
medianas de sobrevivência (20% dos doentes oncológicos terminais sobrevivem <¼
51
ou >3x que este valor
) em populações específicas pondo em causa a validade e
aplicabilidade a casos individuais.
O recurso à medicina baseada na evidência
33,35,64,80,97,122,151
e à pesquisa
electrónica de revisões sistemáticas ou ensaios clínicos válidos não têm sido até
aqui muito frutuosos
48
, não estando a área do prognóstico (número de publicações,
18
consenso quanto aos critérios de análise dos dados) tão robustamente sustentada
quanto as áreas de intervenção.
Todas as revisões sistemáticas da literatura
18,33,51,55,97,162
versando a formulação de
prognósticos, em doença oncológica avançada, consideram importante a ECS
independentemente das limitações da sua utilização e da sua inerente não
reprodutibilidade.
Muitos trabalhos têm sugerido que as ECS em doentes integrados em programas de
cuidados paliativos carecem habitualmente de acuidade e são sistematicamente
optimistas
22,42,68,89,98,119,134,161
colegas publicaram
. O mesmo se conclui da revisão que em 2003 Glare e
55
, englobando mais de 1500 ECS, feitas ao longo de 30 anos
em países como o Reino Unido, a Itália e os Estados Unidos da América. Perante
situações de doença oncológica terminal e com uma mediana de sobrevivência
próxima das 4 semanas, apenas 1 em cada 4 previsões identificava correctamente a
semana do óbito. Na mesma proporção (25% dos casos) o erro do médico
ultrapassava as 4 semanas. Em 7 dos 8 estudos revistos o clínico sobrestimava o
tempo de vida restante. Apesar desse optimismo, a ECS e a SO estavam
correlacionadas (no global R de Pearson=0,60), sendo essa relação linear até aos 6
meses. Ou seja, os médicos parecem não estar bem calibrados para estimar a
sobrevivência mas têm um bom poder discriminatório – são capazes de categorizar
doentes em termos da gravidade da situação e do tempo de vida restante.
Apesar do reduzido número de trabalhos publicados sob esta forma, a apresentação
da ECS sob um formato probabilístico (e não temporal como é usualmente utilizada)
parece aumentar a acuidade da previsão 51,53.
19
O recurso à ECS deve implicar pois que o clínico esteja consciente de que as suas
previsões serão mais frequentemente optimistas que pessimistas (2:1) e que a SO
pode ser apenas 1/5 a 1/3 da esperada 48,52,55.
A ECS está ainda sujeita a um fenómeno denominado “efeito do horizonte”,
designação importada da metereologia, que postula que previsões a curto prazo têm
maior acuidade que as feitas em momentos temporalmente distantes. Também este
aspecto foi evidente na revisão de Glare e colegas
55
demonstrando-se que as ECS
inferiores a 4 semanas foram as mais precisas.
O julgamento médico tem-se afirmado como um factor preditor independente,
medindo e quantificando aspectos relevantes mas ainda não mensuráveis ou
capturáveis pelos restantes modelos (provavelmente comorbilidades e factores
psicossociais). É uma fonte informativa útil, mas não exclusiva. Tal como foi
sugerido por um grupo de peritos da European Association for Palliative Care
97
, os
clínicos devem utilizá-lo em combinação com outros factores ou instrumentos de
prognóstico, no sentido de maximizar o seu poder preditivo.
2.2 - A análise estatística da sobrevivência
A segunda forma de elaborar um prognóstico – análise estatística de sobrevivência
consiste na aplicação de modelos estatísticos preditivos, calculados a partir de
grandes bases de dados de sobrevivência, integrando factores que demonstraram
significância em análises multivariadas
populações em que foram estudados
137
e correlação com o tempo de vida nas
25,66,127,138
. A tabela 1 apresenta alguns desses
factores 97.
20
Tabela 1.
Factores preditivos do prognóstico (adaptado de Maltoni e col 97).
•
•
•
•
•
ECS
estado functional
delirium
dispneia
•
sinais e sintomas do síndrome de
anorexia/caquexia (anorexia, perda de
peso, disfagia e xerostomia)
factores biológicos (leucocitose,
linfocitopenia e proteína C reactiva)
ECS – estimativa clínica de sobrevivência
A análise estatística é habitualmente preferível 66,67. Contudo, em doença oncológica
avançada, a ECS tem demonstrado, de forma consistente, ser um forte preditor
independente contribuindo para cerca de metade da variância da sobrevivência
Comparativamente,
o
peso
na
variância
dos
factores
prognósticos
51
.
que
habitualmente integram os modelos estatísticos (estado funcional, sintomas e dados
laboratoriais) vai pouco além de um terço. A associação de ambos consegue
maximizar ligeiramente o contributo da ECS sozinha, mas não ultrapassa os 54% de
explicação da variância do tempo de vida, o que vem reforçar que outros factores
independentes permanecem por identificar e considerar nos juízos clínicos
Marcadores
séricos
46,73,100,126
(nomeadamente
citocinas
37,85,92,104,111,129,132
) e parâmetros auto-avaliados pelos doentes
127
.
pro-inflamatórias
15,90
- estado
funcional, sintomas, sensações subjectivas relacionadas com o bem-estar e outros
factores psicossociais têm sido sugeridos como potenciais candidatos a maximizar a
acuidade dos instrumentos actualmente disponíveis 97,129.
Apesar de nas últimas duas décadas terem sido desenvolvidos vários instrumentos
de análise estatística 1,5,6,8,16,17,23,46,56,66,71,75,87,102,106,110,121,138,146,175,177 com o propósito
de ajudar na formulação individual do prognóstico muitos deles estão por validar.
21
Nenhum conseguiu até agora demonstrar uma utilidade universal quer pela falta de
consistência do peso dos factores prognósticos incluídos nas diferentes populações,
quer pela variação na acuidade da ECS (factor integrante de um alguns modelos).
Numa revisão sistemática recente
80
os autores concluiam que, mesmo para os
instrumentos com que estamos familiarizados, mais estudos (prospectivos, com
amostras maiores e em contextos assistenciais diversificados) são necessários para
reforçar a evidência da sua validade e fidedignidade.
A Palliative Performance Scale (PPS) 5, o Palliative Prognostic Score (PaP)
Palliative Prognostic Index (PPI)
internacionalmente
106
validados como
99
eo
são três dos instrumentos mais utilizados,
preditores
do prognóstico
em
doentes
oncológicos com tumores sólidos e sobrevivências antecipadas inferiores a 3 meses.
Na tabela 2 resumem-se os contextos em que têm sido estudados, aspectos
positivos, limitações e valor de cada instrumento.
22
Tabela 2.
Comparação de 3 instrumentos de análise estatística da sobrevivência
Instrumento
contexto
aspectos positivos
limitações
valor
Palliative
Performance
Scale (PPS)
comunidade,
UCP, lar, EIH
usado em diferentes
contextos / doença
oncológica ou não; um PPS
baixo está associado a
sobrevivências de < 1
semana a < 6 meses
sem estudos
multicêntricos;
ambiguidade no intervalo
PPS 40-60%; 3 bandas
nalguns trabalhos
instrumento de comunicação
útil, forte preditor de
sobrevivência em doença
oncológica ou não, em
distintos contextos;
precaução no poder
discriminatório dos valores
intermédios
Palliative
Prognostic
Score (PaP)
UCP, EIH,
internamento
de oncologia
usado em diferentes
contextos / doença
oncológica ou não; PaP
fortemente preditor da
sobrevivência aos 30 dias;
combina estado funcional,
sintomas e alterações
laboratoriais
documentados como
preditores
não validado em tumores
hematológicos e renais;
necessita de hemograma;
os intervalos da ECS são
arbitrários; os grupos KPS
são questionáveis; predição
apenas até 30 dias; a
necessitar de mais
validação na doença não
oncológica
simples de utilizar em
diferentes contextos, na
doença oncológica ou não;
necessita de mais estudos de
validação
simples, prático sem
aplicado sobretudo em
usado para todos os tipos
necessidade de exames
UCP; avaliação dos
de neoplasia; inclui a PPS e
complementares; não
sintomas potencialmente
sintomas conhecidos como
validado na doença não
subjectiva; as bandas PPS
preditores; fortemente
oncológica a carecer de
podem ser questionáveis;
preditor de sobrevivência
validação mais extensa em
estimativas até 6 semanas
< 3 semanas e < 6
contexto não asiático.
semanas
UCP – unidade de internamento de cuidados paliativos; EIH – equipa intrahospitalar de suporte em cuidados paliativos
Palliative
Prognostic
Index (PPI)
UCP, EIH,
comunidade
2.2.1 A Palliative Performance Scale (PPS) 165
A escala PPS foi desenvolvida no Canadá, pelo grupo de Anderson
5
e apresentada
em 1996 como um novo instrumento de medida do estado funcional, para doentes
em contexto de cuidados paliativos. Trata-se de uma modificação da escala de
performance de Karnofsky, avaliando 5 dimensões funcionais: a capacidade de
deambular, o nível de actividade e evidência exterior de doença, o auto-cuidado, a
ingesta oral e o estado de consciência. A PPS subdivide-se em 11 níveis, de 0 % a
100%, em aumentos seriados de 10% (tabela 3) correspondendo o 0% a um
23
indivíduo morto e o 100% a alguém independente do ponto de vista ambulatório e
saudável.
Desde que foi publicada, vários trabalhos
34,62,65,81-83,109,113,153,163,171
têm avaliado a
sua utilização na previsão do tempo de sobrevivência de doentes oncológicos e não
oncológicos em fim de vida.
Comparativamente com a KPS, o poder preditivo da PPS é reforçado pela inclusão
de 2 factores de prognóstico independentes – a ingesta oral e a alteração do estado
de consciência. Estando ambas as escalas dependentes do estado funcional, em
situações de doença agressiva em que o doente ainda não iniciou a fase de rapido
declínio, as previsões usando qualquer das escalas podem não reflectir a evolução
esperada.
Apesar de ser unanimemente reconhecido o seu valor preditivo, a forma como tem
sido utilizada e reportados os resultados não tem sido consensual. Nem Virik e Glare
163
nem o grupos de Lau
81-83
e Downing 34 (este último numa meta-análise, reunindo
1808 doentes de 4 estudos independentes) confirmaram a existência de 3 grupos de
sobrevivência PPS como fora proposto por autores como Morita e col.
col.
65
109
e Head e
Embora as 3 bandas não fossem coincidentes nos 2 trabalhos (Morita - PPS
10-20%, PPS 30-50%, PPS≥ 60; Head - PPS 10-20%, PPS 30-40% e PPS 50-70%),
chamava-se a atenção para dificuldades no poder discriminatório de alguns níveis
PPS. Nos trabalhos recentemente publicados por Lau e col.
81,83
(incluindo uma
análise retrospectiva da utilização da PPS em mais de 6000 doentes) volta a ser
sugerido que os níveis PPS representam decis de sobrevivência distintos.
Na meta-análise de Downing e col.
34
atrás citada, para além do nível PPS, o sexo e
o diagnóstico apareciam também associados ao tempo de vida (as mulheres viviam
24
mais, sobretudo se não tivessem diagnosticada uma neoplasia). Contudo, o local de
cuidados não mostrou, nessa amostra alargada, a significância estatística que tinha
sido sugerida por Harrold e col. 62
Também a apresentação das estimativas de sobrevivência tem sido muito díspar, o
que dificulta a comparação dos dados. Grupos como o de Head
65
optaram por
apresentar as medianas das sobrevivências de 5 categorias PPS (PPS 10 e 20%,
PPS 30%, PPS 40%, PPS 50% e PPS 60 e 70%) e de 5 grupos diagnóstico
(neoplasia, doença pulmonar, fragilidade/demência, doença cardíaca e outras). Já
Harrold e col.
62
optaram por mostrar as taxas de mortalidade aos 7, 30, 90 e 180
dias por grupos PPS (PPS 10 e 20%, PPS 30 e 40% e PPS 50 a 70%), por local de
cuidados (instituição/ na comunidade) e diagnóstico (oncológico/não oncológico).
Lau e col.
82
usaram as taxas de mortalidade por cada nível de PPS para intervalos
temporais sucessivos (1, 3, 5, 7, 14, 30 ... 365 dias) e exploram numa publicação
recente
81
um nomograma de sobrevivência baseado num modelo de regressão de
Cox, ajustando as estimativas para além do PPS à admissão, em função da idade,
género, diagnóstico e local de cuidados do doente. Os diferentes formatos em que
tem sido reportado o valor preditivo da PPS são contudo uma ajuda para os clínicos,
permitindo escolher a que melhor se adapta às questões levantadas por doentes e
famílias.
25
Tabela 3.
Escala PPS versão 2 165 e seus níveis (tradução para a língua portuguesa)
Nível
PPS (%)
capacidade de
deambular
100
total
90
total
80
total
70
reduzida
60
reduzida
50
40
sobretudo sentado /
deitado
sobretudo na cama
30
totalmente acamado
20
totalmente acamado
10
totalmente acamado
0
morto
actividade e evidência de
doença
autocuidados
actividade e trabalho normais
totais
sem evidência de doença
actividade e trabalho normais
totais
alguma evidência de doença
actividade normal com esforço
totais
sem evidência de doença
incapaz de trabalho normal
totais
doença significativa
incapaz de hobbies/actividade
ajuda
doméstica; doença significativa
ocasional
incapaz de qualquer trabalho
ajuda parcial
doença muito marcada
incapaz da maioria das actividades com ajuda
doença muito marcada
incapaz de qualquer actividade
ajuda total
doença muito marcada
incapaz de qualquer actividade
ajuda total
doença muito marcada
incapaz de qualquer actividade
ajuda total
doença muito marcada
-
ingestão oral
nível de
consciência
normal
total
normal
total
normal ou
reduzida
normal ou
reduzida
normal ou
reduzida
normal ou
reduzida
normal ou
reduzida
normal ou
reduzida
mínima
/pequenos golos
apenas cuidados à
boca
-
total
total
total ou confusão
total ou sonolento
+/- confusão
total ou sonolento
+/- confusão
total ou sonolento
+/- confusão
total ou sonolento
+/- confusão
sonolento ou coma
+/- confusão
-
Instruções: o nível PPS é determinado da esquerda para a direita no sentido de se encontrar a linha horizontal que melhor
descreva a situação. Começando na coluna mais à esquerda vai-se descendo até ser encontrado o nível que se adequa à
capacidade de deambular. Seguidamente, e partindo da mesma linha, toma-se em consideração a coluna “actividade e
evidência de doença”, descendo-se se necessário ao longo dessa coluna até ser encontrada a melhor descrição para o grau
de actividade mantida e sinais de doença e assim sucessivamente.
2.2.2 O Palliative Prognostic Score (PaP) 99
O PaP foi construído em Itália, a partir de um estudo multicêntrico pelo grupo de
Pirovano
121
pelo KPS
, no final dos anos noventa. O modelo reúne o estado funcional avaliado
105
, sintomas como a anorexia e a dispneia, a estimativa clínica de
sobrevivência e parâmetros hematológicos como a contagem leucocitária e a
percentagem de linfócitos no sangue periférico (tabela 4). Cada um destes factores
recebe uma pontuação que uma vez somada origina a pontuação PaP.
26
No processo de validação
99
(em doentes oncológicos, tendo já interrompido
terapêutica específica e com uma mediana de sobrevivência de 32 dias) os autores
mostraram tratar-se de um instrumento fortemente preditivo da sobrevivência a curto
prazo, definindo a pontuação PaP (0-5,5, 6-11 e 11,5-17,5) 3 grupos com
prognósticos homogéneos, respectivamente com uma probabilidade elevada (≥
70%), intermédia (entre 30 e 70%) e baixa (< 30%) de estar vivo aos 30 dias.
Tabela 4.
Itens da pontuação PaP 99 e grupos de risco (tradução para a língua portuguesa)
Item
pontuação parcial
anorexia
não
sim
0
1
dispneia
não
sim
0
1,5
pontuação na escala de performance de Karnofsky (%)
≥30
10-20
0
2,5
estimativa clínica de sobrevivência (semanas)
>12
11-12
7-10
5-6
3-4
1-2
0
2
2,5
4,5
6
8,5
-3
contagem leucocitária (x10 /L)
≤8,5
8,6-11
>11
0
0,5
1,5
linfócitos (%)
≥20
12-19,9
<12
0
1
2,5
Grupos de risco
A (probabilidade de sobrevivência aos 30 dias > 70%)
B (probabilidade de sobrevivência aos 30 dias entre 30 e 70%)
C (probabilidade de sobrevivência aos 30 dias < 30%)
pontuação total
0-5,5
5,6-11
11,5-17,5
27
A robustez do PaP tem sido demonstrada pela sua validação noutras populações e
contextos
143
- em hospital de agudos (doentes acompanhados por equipas intra-
hospitalares de cuidados paliativos
30, 54
ou internados num serviço de Oncologia
49
)
ou seguidos na comunidade 111.
Mais recentemente foi testada a sua acuidade prognóstica em doentes com
neoplasias do tubo digestivo ou do pulmão, candidatos a quimioterapia paliativa
152
.
Apesar das características da amostra terem determinado apenas 2 grupos
prognósticos (nenhum doente com PaP >11), o instrumento foi discriminativo
indiciando a possibilidade de diferenciar os doentes que poderão beneficiar de
tratamento dos que beneficiarão mais com cuidados de suporte.
Mais estudos são necessários neste campo bem como para aumentar o nível de
evidência do poder preditivo do PaP na doença não oncológica, onde também está
validado 50.
Apontam-se como limitações importantes à sua utilização: 1) o peso conferido à
ECS (quase 50% da pontuação final); 2) a exclusão de doentes com tumores renais
e hematológicos do estudo que lhe deu origem
121
; e 3) o facto do seu algoritmo não
contemplar um sinal de reconhecido valor prognóstico independente - o
delirium/alteração do estado de consciência 12.
2.2.3 O Palliative Prognostic Index (PPI) 106
O PPI representa uma extensão do PPS, concebida e validada como instrumento
prognóstico por Morita e colegas em indivíduos com doença oncológica avançada,
internados em unidades de cuidados paliativos japonesas. Para além do estado
28
funcional, o PPI é definido em função da ingesta oral e da presença ou ausência de
dispneia, edema e delirium 107 (tabela 5).
A necessidade dos clínicos decidirem se o delirium é ou não iatrogénico (única
situação potencialmente reversível em que não deve ser pontuado) cria algumas
limitações na sua aplicação. O não implicar a realização de exames laboratoriais
nem incorporar estimativas de sobrevivência feitas pelo médico são apontados como
vantagens do PPI.
De acordo com a pontuação obtida (de 0 a 15) em função dos diferentes itens, os
doentes são divididos em 3 grupos preditores: um PPI >6 estima uma sobrevivência
inferior a 3 semanas, um PPI >4 aponta para menos de 6 semanas de vida e um PPI
≤4 para uma sobrevivência maior que 6 semanas.
O mesmo grupo que o desenvolveu mostrou que o PPI, ainda no contexto de
doença oncológica, pode contribuir para melhorar a acuidade das estimativas de
sobrevivência feitas pelos clínicos (de 62 para 74% de estimativas adequadas)
108
.
Outros autores têm vindo a validar o PPI em populações geograficamente e
culturalmente distintas
30,143,145,176
sob terapêutica antineoplásica activa, em
contextos assistenciais diversificados (ambulatório e em ambiente hospitalar). O seu
valor preditivo negativo relativamente baixo (0,5-0,87) tem-se confirmado pelo que
tal deve ser tido em conta aquando da sua utilização.
Mais recentemente foi também descrita a sua potencial utilidade em doentes não
oncológicos 176, aguardando-se trabalhos que o validem nesse subgrupo.
29
Tabela 5.
Itens da pontuação PPI 106 e grupos de risco (tradução para a língua portuguesa)
Item
pontuação parcial
Palliative Performance Scale (%)
10-20
30-50
≥60
4
2,5
0
ingesta oral
muito reduzida
reduzida
normal
2,5
1,0
0
edema
presente
ausente
1,0
0
dispneia em repouso
presente
ausente
3,5
0
delirium
presente
ausente
4,0
0
Grupos de risco
A
B
C
pontuação total
0,0-2,0
2,5-4,0
4,5-15,0
PPI > 4 - 20% sobrevivência às 6 semanas
PPI > 6 - 20% sobrevivência às 3 semanas
PPI ≤ 4 - > 20% sobrevivência às 6 semanas
3. A acuidade das estimativas de sobrevivência
Na formulação do prognóstico a decisão quanto ao(s) método(s) - ECS / análise
estatística e ao modelo a utilizar deve ser fundamentada na comparação das
respectivas acuidades 29.
A acuidade de um método prognóstico avalia o grau de concordância entre a
probabilidade (ou taxa) estimada e a proporção de indivíduos em que determinado
evento vem a ocorrer.
30
A probabilidade estimada pode ser muito mais alta ou muito mais baixa que a
observada (método não calibrado) e/ou pode não distinguir bem os elementos em
quem o evento vem a ocorrer ou não (método não discriminatório). A calibragem é
avaliada comparando a taxa estimada com a taxa observada numa população
referência.
O poder discriminatório para eventos binários é habitualmente avaliado recorrendo à
análise da área sob a curva, variando entre 0,5 (não discriminatório) e 1
(discriminatório na perfeição). Tratando-se do tempo de vida restante a
discriminação entre curvas de sobrevivência para grupos distintos, definidos por
exemplo pelos modelos estatísticos, é avaliada pela variabilidade das taxas de
sobrevivência em momentos pré-definidos.
A precisão de um método define o grau de proximidade entre as estimativas em
aplicações sucessivas do mesmo. O grau acuidade e precisão definem pois o poder
discriminatório de um modelo estatístico bem como a calibragem das estimativas
temporais dos médicos.
De uma forma geral, a acuidade de estimativas probabilísticas, como aquelas que
habitualmente resultam da aplicação dos modelos estatísticos, é superior (50-75%) à
acuidade das estimativas temporais (25%), formato em que comummente se
apresentam as ECS 3,10,24,40,48,61,69,76.88,94,116,159-161.
Comparar a acuidade prognóstica dos três instrumentos de análise estatística da
sobrevivência atrás apresentados (PPS, PaP e PPI), tendo como referência a ECS e
avaliar a sua aplicabilidade ao contexto assistencial de uma Unidade de Medicina
31
Paliativa de um hospital terciário e universitário português foram os objectivos
principais do presente trabalho.
B. METODOLOGIA
Realizou-se um estudo de coorte, prospectivo e observacional.
1. Participantes
Durante 18 meses (entre 1 de Março de 2008 e 31 de Agosto de 2009) e aquando
da avaliação inicial pela equipa da Unidade de Medicina Paliativa do Centro
Hospitalar Lisboa Norte, EPE – Hospital de Santa Maria, foram convidados a
participar no estudo todos os doentes com doença oncológica, não hematológica,
avançada (localmente avançada ou metastizada).
Perante a incapacidade do doente em compreender ou assentir em participar o
convite foi dirigido ao cuidador principal ou ao familiar presente, preenchendo este o
formulário de consentimento informado.
Considerou-se que o período de seguimento culminaria com o óbito, estendendo-se
por 90 dias após a inclusão do último doente. O estudo foi aprovado pela Comissão
de Ética da instituição.
A Unidade de Medicina Paliativa do CHLN, EPE a funcionar desde Janeiro de 2007,
assegura um programa de cuidados paliativos que inclui a valência de consultadoria
em internamento (doentes internados sob a responsabilidade das diferentes
32
especialidades), consulta externa e atendimento telefónico doze horas por dia, nos
dias úteis. Acompanha doentes maiores de 16 anos, referenciados quer
internamente pelos médicos assistentes, quer do exterior, mediante a detecção de
necessidade por qualquer profissional de saúde. Do ponto de vista clínico conta com
um elemento médico - a investigadora, especialista em Medicina Interna e com
cerca de 1,5 anos de treino em Cuidados Paliativos, à data de início do estudo.
2. Instrumentos
Foi criada uma folha individual de colheita de dados, preenchida pelo médico, de
acordo com um algoritmo. Numa primeira secção era anotada aquando da avaliação
inicial a informação demográfica (género, idade, etnia e estado civil), proveniência,
motivo da referenciação, local de observação inicial e alguns dados clínicos
(diagnóstico, duração da doença (em meses), estadio, localização de doença
metastática, terapêutica antineoplásica em curso e comorbilidades, incluindo a
presença de uma intercorrência infecciosa activa).
Numa segunda secção, também preenchida na avaliação inicial, eram registados os
itens relativos aos 4 instrumentos de predição de sobrevivência em apreciação
(ECS, PPS, PaP e PPI), como abaixo se descreve. A terceira secção era preenchida
no decurso do período de seguimento, registando datas e motivos de internamento
hospitalar ou em unidade de cuidados paliativos, data e motivo de saída do estudo
(óbito / interrupção do seguimento).
Manteve-se contacto telefónico periódico com as famílias e/ou os profissionais que
cuidaram dos doentes transferidos para outros programas de cuidados paliativos,
33
obtendo-se desse modo informação relativa à data e local do óbito. Nos doentes que
mantiveram seguimento na Unidade a data do óbito foi validada na base de dados
administrativos do CHLN, EPE, se o óbito ocorreu aí e junto da família, se o doente
faleceu na comunidade. Definiu-se como sobrevivência o intervalo de tempo que
mediou entre a data de admissão e a do óbito (para os doentes falecidos) ou entre a
admissão e o dia 30 de Novembro de 2009 (fim do estudo) para os doentes ainda
em seguimento.
2.1 Estimativa clínica de sobrevivência (ECS)
Não tendo sido possível obter a colaboração dos médicos assistentes como fora
inicialmente programado, optou-se por solicitar ao médico da equipa que, com base
na sua experiência clínica, estimasse, no final de cada avaliação inicial, quanto
tempo de vida, em semanas, restaria ao doente, registando-o na folha de colheita de
dados, criada para o efeito.
2.2 Palliative Performance Scale (PPS)
O nível PPS é um item avaliado por rotina na unidade, de acordo com as instruções
disponibilizadas pelos autores
165
, sendo parte integrante do processo clínico
individual. Estabeleceram-se como momentos de aplicação todas as observações
em consulta e a primeira observação por cada internamento bem como o dia de alta.
É o médico o responsável por esta avaliação. A utilidade da PPS enquanto preditora
do prognóstico já foi alvo de investigação num trabalho recentemente apresentado
153
. Para o estudo actual considerou-se apenas o nível PPS na observação inicial,
que se pediu ao médico para ser registado na folha já citada.
34
2.3 Palliative Prognostic Scale (PaP)
No sentido de avaliar a presença de anorexia e dispneia os participantes foram
questionados quanto à existência de falta de apetite e de sensação de falta de ar
nas 24 horas que antecederam a observação inicial. O estado funcional avaliado
pela escala de performance de Karnofsky obteve-se conjugando dados de
observação com as respostas dos doentes / familiares ou outros cuidadores a
questões relativas ao tipo de actividades que o doente conseguia completar.
Utilizou-se como estimativa de sobrevivência o valor já anteriormente solicitado ao
clínico, num formato em semanas. Quanto aos parâmetros hematológicos
consultaram-se no registo informatizado do laboratório do CHLN os resultados do
último hemograma disponível. Não existindo nenhum nos 7 dias antecedentes, era
requisitada uma colheita no mesmo laboratório. O cálculo da pontuação PaP só foi
efectuado após a conclusão do estudo (90 dias após a inclusão do último doente) na
perspectiva de minimizar o eventual impacto do seu conhecimento sobre o médico.
2.4 Palliative Prognostic Index (PPI)
O nível PPS foi avaliado como acima se descreve. Usaram-se os dados fornecidos
pelos doentes (ou na sua impossibilidade pelos familiares/outros cuidadores) para
pontuar os itens ingestão oral e dispneia em repouso. Tal como nos estudos original
107
e de validação
106
considerou-se que os doentes sob nutrição parentérica total ou
entérica por PEG ou jejunostomia tinham uma ingestão oral “normal”.
Para o diagnóstico de delirium usaram-se os critérios da 4ª edição do Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders. Também à semelhança dos outros estudos
35
que validaram o PPI não se considerou estar presente delirium se sua causa
presumível fosse iatrogénica e associada a um único fármaco.
Tabela 6
Parâmetros demográficos, clínicos e biológicos avaliados
parâmetros
demográficos
parâmetros clínicos
parâmetros biológicos
idade
género
estado civil
etnia
estado funcional
Karnofsky
PPS
contagem leucocitária
% de linfocitos
referenciação
mês
proveniência
motivo
local de avaliação inicial
internamento
data
admissão em UCP
data
óbito
local
data
doença
localização primária
estadio
localização secundária
terapêutica em curso
tempo de evolução (meses)
sintomas
anorexia
delirium
dispneia
edema periférico
ascite
ingesta oral
comorbilidade
insuficiência cardíaca
DPOC
doença hepática crónica
insuficiência renal crónica
diabetes mellitus
infecção VIH
sindroma demencial
doença cerebrovascular
doença coronária Infecção
activa
estimativa de sobrevivência
(semanas)
36
3. Análise estatística
O tratamento estatístico dos dados foi feito com o software Statistical Psychologic
and Society Science, versão 13.0, para Windows (SPSS Inc., Chicago, EUA).
3.1 Participantes
Na caracterização dos participantes usaram-se técnicas de estatística descritiva.
Foram aplicados testes de avaliação da normalidade e investigada a distribuição das
variáveis contínuas. Recorreu-se a uma metodologia não paramétrica pela
distribuição não normal das variáveis em estudo (teste de Kolmogorov-Smirnov). Os
testes U de Mann-Whitney e Kruskall-Wallis foram usados, respectivamente para 2
ou mais grupos independentes, na comparação de ordens médias (variáveis
contínuas e ordinais). O teste Chi-quadrado ou o teste exacto de Fischer exploram
associações entre variáveis qualitativas nos participantes.
3.2 Sobrevivência
Na análise de sobrevivência foi usado o método de Kaplan-Meier
7,9,26,48
. Testes de
log-rank compararam as distribuições de sobrevivência em função das variáveis
idade, género, etnia, estado civil, motivo de referenciação, proveniência, mês de
referenciação, local da avaliação inicial, localização primitiva da doença, focalização
secundária, terapêutica antineoplásica em curso, comorbilidade (doença pulmonar
obstrutiva crónica, insuficiência renal crónica, insuficiência cardíaca, doença
hepática crónica, diabetes mellitus, demência, doença cerebrovascular sintomática,
doença coronária isquémica sintomática, infecção pelo vírus da imunodeficiência,
intercorrência infecciosa activa), anorexia, delirium, edema periférico, ascite,
37
dispneia,
número
de
admissões
hospitalares
no
período
de
seguimento,
internamento em unidade de cuidados paliativos, local do óbito, estado funcional
pela escala KPS, nível PPS, contagem leucocitária, percentagem de linfócitos no
sangue periférico, pontuação PaP e pontuação PPI.
A potencial influência de factores demográficos e clínicos sobre a sobrevivência foi
explorada recorrendo à análise de regressão de Cox (univariada e multivariada),
apresentando-se os ratios de risco de morte para as covariáveis com significado
estatístico.
3.3 Instrumentos
Por não ser linear a sua comparação (informação de diferente teor e formato), a
utilidade de cada instrumento foi apreciada em função de dois conceitos
relacionados mas distintos – a acuidade e a adequação.
A acuidade mede a relação entre o resultado de um teste e o valor real do parâmetro
estudado, ou seja o quão próximo um valor estimado está do valor real. Assim, a
acuidade de um instrumento será a proporção de resultados verdadeiramente
positivos e verdadeiramente negativos em relação à totalidade dos resultados
obtidos. Optou-se por excluir a PPS da análise de acuidade considerando o formato
clássico da informação prognóstica dela decorrente (medianas de sobrevivência).
O conceito de adequação associado ao acto de prever parte do pressuposto de que,
ao confrontar uma previsão com o seu valor real, podemos tomar como adequada
uma estimativa que não coincida com o valor real mas que dele se aproxime, se daí
não advier prejuízo de maior.
38
Do ponto de vista clínico, tendo em conta a tipologia de doentes por nós
acompanhados (mediana da sobrevivência de 4 semanas, um terço ainda sob
terapêutica antineoplásica e com uma mediana de 40% para a pontuação Karnofsky
à admissão) considerámos que estimativas que se afastassem por mais de 1
semana da semana do óbito (antecedendo-o ou sucedendo-lhe) não seriam
clinicamente adequadas.
3.3.1 ECS
Para comparar a acuidade da ECS com a sobrevivência observada (SO) utilizaramse os seguintes métodos:
a) foram calculadas para cada doente a diferença entre a ECS e a SO bem como
o quociente entre a SO e a ECS, de acordo com as diferentes definições de
acuidade encontradas na literatura. Para determinar se os erros de predicção
estavam associados a características demográficas ou clínicas recorreu-se a
uma análise de regressão logística. A variável dependente dicotómica
escolhida foi “acuidade” (erro inferior ou igual a 2 semanas) versus
“inacuidade” (erro superior a 2 semanas). As variáveis independentes foram a
idade, género, etnia, estado civil, localização primitiva, focalização secundária
da doença, tratamento antineoplásico à data de inclusão, estado funcional pela
KPS, comorbilidade, motivo de referenciação, proveniência e mês da
referenciação,
local
da
observação
inicial,
sinais/sintomas,
contagem
leucocitária e percentagem de linfócitos.
b) considerou-se um erro optimista a situação da SO ter sido inferior à ECS e um
erro pessimista a SO ter ultrapassado a ECS. Como erro clinicamente
39
significativo usou-se a definição de Morita e colegas
108
que consideraram que
uma SO ultrapassando em pelo menos 28 dias e pelo menos dupla da ECS
configura um erro grave pessimista e que uma SO inferior em pelo 28 dias e
menor que metade da ECS perfigura um erro grave optimista. Pretendendo
identificar as variáveis associadas à ocorrência de erros graves pessimistas
usou-se um modelo de regressão logística.
c) a ECS e a SO foram categorizadas em 5 intervalos: a) 0 a 7 dias (1 semana);
b) 8 a 21 dias (2 -3 semanas); c) 22 a 42 dias (4-6 semanas); d) 43 a 84 dias
(7-12 semanas) e e) mais de 84 dias (>12 semanas). Calculou-se a
sensibilidade (percentagem de doentes numa determinada categoria de
sobrevivência correctamente incluídos nessa categoria), ou seja, o ratio
número de estimativas correctas na categoria / número total de doentes cuja
sobrevivência observada caiu na mesma categoria. A especificidade foi
calculada dividindo o número de doentes correctamente classificados como
não pertencendo a uma determinada categoria de sobrevivência pelo
resultado da soma do número de doentes incorrectamente classificados nessa
categoria e o número de doentes correctamente classificados como não
pertencendo a essa categoria. O valor preditivo positivo representa a
percentagem de doentes correctamente categorizada pelo médico num
determinado intervalo (ou seja o número de doentes cuja sobrevivência
observada coincidiu com o intervalo estimado a dividir pelo número total de
doentes incluídos pela previsão nessa categoria). Obteve-se o valor preditivo
negativo dividindo o número de doentes correctamente identificados como não
pertencendo a determinada categoria pelo número total de doentes que a
40
previsão
reuniu
nessa
categoria.
Como
acuidade
considerou-se
a
percentagem de doentes correctamente classificados pelo médico nas
diversas categorias. Usou-se a estatística kappa para determinar o grau de
concordância entre a ECS e SO, ajustado em função do acaso, quando
consideradas as categorias acima discriminadas.
3.3.2 PPS
As estimativas de sobrevivência decorrentes da aplicação do PPS foram
calculadas para apresentação sob dois formatos: 1) médias, medianas e
intervalos de variação por nível PPS e 2) numa tabela de expectativa de vida com
taxas de sobrevivência cumulativa, por dias, para cada nível PPS, construída a
partir das curvas de Kaplan-Meier.
Definiram-se como estimativas adequadas da aplicação do PPS aquelas em que
o diferencial entre a SO e a mediana de sobrevivência para o nível em questão
não ultrapassou 1 semana (-1≤ SO-mediana ≤1). Ocorreu um erro grave
pessimista se SO-mediana ≥ 4 semanas e SO/mediana ≥2 e um erro grave
optimista se mediana-SO ≥ 4 semanas e SO/mediana ≤ 0,5.
3.3.3 PaP e PPI
A aplicação de pontos cutoff (para o PaP 5,5 e 11,5, para o PPI 4 e 6) dividiu os
participantes em grupos iso-prognósticos. Para cada grupo foram calculados
sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo.
Para o PaP definiu-se como adequada a alocação de doentes no grupo A (>70%
de probabilidade de sobrevivência aos 30 dias) se SO foi ≥3 semanas, no grupo B
41
(30-70% de probabilidade de sobrevivência aos 30 dias) se SO foi ≥3 e ≤5
semanas e no grupo C (<30% de probabilidade de sobrevivência aos 30 dias) se
SO foi ≤ 5 semanas. Para o PPI foi considerada adequada a alocação de doentes
no grupo 1 (> 20% de sobrevivência às 6 semanas) se SO foi ≥5 semanas, no
grupo 2 (20% sobrevivência às 6 semanas) se SO foi ≥4 e ≤7 semanas e no
grupo 3 (20% de sobrevivência às 3 semanas) se SO foi ≤4 semanas.
Para o PaP considerou-se um erro grave pessimista uma SO ≥ 60 dias em
doentes no grupo C e um erro grave optimista uma SO ≤ 2 dias em doentes no
grupo A.
Para o PPI considerou-se um erro grave pessimista uma SO ≥ 12 semanas em
doentes do grupo 2 (PPI >4) ou uma SO ≥7 semanas em participantes do grupo 3
(PPI >6). Um erro grave optimista acontece se SO ≤2 semanas e o PPI ≤4 (grupo
1).
Investigou-se o grau de associação entre PPS. PaP, PPI, ECS e a SO calculando
os respectivos coeficientes de correlação de Spearman.
Foi fixado um valor de p<0,05 como nível de significância nos testes utilizados.
42
C. RESULTADOS
1. Características dos participantes
Dos 369 doentes que cumpriam critérios de inclusão, 28 (7,6%) não foram
considerados para análise, após terem voluntariamente interrompido o seu
seguimento na Unidade.
As tabelas 7 a 10 caracterizam do ponto de vista demográfico e clínico os 341
doentes incluídos. A mediana de idade dos participantes (58% homens) foi de 67
anos (intervalo interquartil 19).
Os tumores do tubo digestivo, da cabeça e pescoço e do pulmão foram os mais
prevalentes (respectivamente 45,5%, 8,8% e 7,9%). A mediana da duração da
doença à data de inclusão era de oito meses. Mais de metade tinham metastização
hepática documentada, sendo o peritoneu a segunda localização mais frequente de
focalização secundária. Trinta e dois por cento estiveram sob terapêutica
antineoplásica (quimioterapia em 76% dos casos) no período de seguimento.
Metade das avaliações iniciais decorreram em internamento. O motivo mais
frequente de referenciação foi o descontrolo sintomático. Quarenta e dois (12%)
doentes estavam em fase agónica na altura da admissão (tabela 11).
Na figura 2 sintetiza-se a proveniência das referenciações por área de
especialização do clínico que detectou necessidades específicas em Cuidados
Paliativos.
43
Tabela 7.
Características demográficas e clínicas dos 341 doentes
frequência
%
homens
198
58,1
Etnia
caucasianos
africanos
outros
314
24
3
7,0
0,9
Estado civil
casados ou em união de facto
solteiros
divorciados ou separados
viúvos
221
23
31
66
64,8
6,7
9,1
19,4
Local de avaliação inicial
internamento
consulta externa
171
170
51,1
Localização primitiva da neoplasia
olho / sistema nervoso central
cabeça / pescoço
pulmão
mama
tubo digestivo
esófago
estômago
pâncreas
fígado
colon/recto
outros
rim / tracto urinário
aparelho ginecológico
próstata
origem indeterminada
outros
16
30
27
21
155
7
38
32
7
58
12
16
26
18
12
20
4,7
8,8
7,9
6,2
45,5
2,1
11,1
9,4
2,1
17,0
3,5
4,7
7,6
5,3
3,5
5,9
Extensão da doença
metastática
localmente avançada
desconhecida
280
60
1
82,1
17,6
0,3
83
25
24,3
7,3
Terapêutica específica
em curso
iniciada após a admissão
44
Tabela 8.
Mediana, intervalos interquartil e de variação da idade, KPS duração da doença, estadia em
internamento, seguimento e sobrevivência
Percentis
intervalo
de variação
mediana
25
75
67
57
76
20-95
8
4
16
<1-148
40
30
50
10-90
7
2
14
<1-191
Duração do seguimento (dias)
16
4
47
<1-582
Sobrevivência (dias)
doentes falecidos (n=325)
24
7
66
<1-582
210
144
238
91-511
Idade (anos)
Duração da doença (meses)
Pontuação na escala de Karnofsky (%)
Referenciação em internamento - duração da
estadia (dias)
doentes vivos no final do follow-up (n=16)
Tabela 9.
Localizações secundárias de doença (n=341)
Locais de metastização
frequência
%
Fígado
181
53,1
Pulmão
120
35,3
83
24,3
144
42,2
35
10,3
131
38,4
Partes moles
21
6,1
Pele
18
5,3
Outra
45
13,2
Osso
Peritoneu
Sistema nervoso
Ganglionar
45
Um em cada 5 doentes era diabético e 1 em cada 10 apresentava sinais de infecção
no momento de inclusão.
A mediana da duração de seguimento na Unidade foi de 16 dias (< 1-582). No final
do estudo 325 (95,3%) doentes tinham falecido, estando os restantes 16 (4,7%)
vivos.
Tabela 10.
Comorbilidade à data de inclusão (n=341)
Comorbilidades
frequência
%
Insuficiência cardíaca
40
11,7
Insuficiência renal crónica
28
8,2
Doença pulmonar obstrutiva crónica
35
10,3
Doença hepática crónica
30
8,8
1
0,3
Demência
18
5,3
Diabetes mellitus tipo 2
67
19,6
Doença cerebro vascular
38
11,1
Doença coronária isquémica
45
13,2
Intercorrência infecciosa
34
10,0
Duas ou mais co-morbilidades
19
5,6
Infecção VIH*
* VIH - vírus da imunodeficiência humana
46
Tabela 11.
Motivo de referenciação à Unidade de Medicina Paliativa (n=341)
Motivo de referenciação
frequência
%
Descontrolo sintomático
160
46,9
Seguimento em consulta externa
97
28,4
Fase agónica
42
12,3
Ajuda na preparação da alta
21
6,2
Avaliação global de necessidades
11
3,2
Problemas psico-emocionais
4
1,2
Dificuldades de comunicação
4
1,2
Outros
2
0,6
Figura 2.
Proveniência dos 341 doentes referenciados à Unidade de Medicina Paliativa (UMP)
oncologia
medicina
gastro-hepatologia
ORL
urgencia
cirurgia
radioterapia
unidade de dor
outros cirurgia
outros medicina
medicina geral e familiar
triagem na UMP
0
20
40
60
nº de doentes
80
100
120
__
47
2. Sobrevivência observada
A mediana de sobrevivência foi de 26 dias; 162 (47,5%) doentes estam vivos aos 30
dias, 71 (20,8%) estavam vivos aos 90 dias e 27 (7,9%) viveram mais de 180 dias
após a avaliação inicial (figura 3).
Figura 3.
Curva de sobrevivência de Kaplan-Meier (n=341)
função de
sobrevivencia
1,0
sobrevivencia cumulativa
casos censurados
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
tempo (semanas)
A média, mediana e o intervalo de variação da sobrevivência em função da idade,
género, etnia, estado civil, motivo de referenciação, local da avaliação inicial,
localização primitiva da doença, tipo de focalização secundária, terapêutica em
curso, comorbilidade, sintomas, estado funcional, número de internamentos durante
o período de seguimento e local do óbito são apresentadas na tabela 12.
48
Tabela 12.
Sobrevivência em função de diversas variáveis demográficas e clínicas
Variáveis
Global
Idade (anos)
<45
45-64
65-74
75-84
85+
média
(IC 95%)
Sobrevivência (semanas)
mediana
Intervalo
(IC 95%)
9,6 (8,0-11,3)
nº de
doentes
log rank
P
%
4,0 (3,2-4,8)
1-84
341
100
3,0 (2,0-4,0)
6,0 (3,8-8,2)
3,0 (1,7-4,2)
4,0 (2,5-5,4)
4,0 (3,0-5,0)
1-33
1-84
1-47
1-40
1-26
18
130
95
79
19
5,3
38,1
27,9
23,2
5,6
0,11
11,4 (6,2-16,6)
10,8 (7,9-13,7)
7,7 (5,6-9,7)
8,9 (6,4-11,3)
5,9 (2,6-9,3)
Sexo
masculino
feminino
8,8 (6,8-10,9)
10,7 (8,0-13,4)
4,0 (2,9-5,0)
5,0 (3,3-6,7)
1-84
1-79
198
143
58,1
41,9
0,19
Etnia
caucasiana
africana
outra
9,4 (7,7-11,1)
11,5 (6,7-16,3)
15,3 (0,3-30,3)
4,0 (3,2-4,8)
6,0 (0,0-12,0)
12,0 (0,0-29,6)
1-84
1-38
1-33
314
24
3
92,1
7,0
0,9
0,28
Estado civil
casado ou união de facto
solteiro
divorciado ou separado
viúvo
8,5 (7,0-10,1)
9,4 (5,8-12,9)
14,3 (7,2-21,4)
8,8 (5,7-11,9)
4,0 (2,9-5,1)
6,0 (2,9-9,1)
6,0 (0,0-12,4)
3,0 (1,9-4,1)
1-73
1-32
1-84
1-47
221
23
31
66
64,8
6,7
9,1
19,4
0,37
Motivo de referenciação
descontrolo sintomático
avaliação global
ajuda no processo de alta
fase agónica
problemas psico-emocionais
dificuldades de comunicação
seguimento em consulta
outro
9,6 (8,0-11,3)
11,6 (5,0-18,3)
8,5 (0,5-16,2)
1 (1,0-1,0)
14,7 (0,1-29,4)
6,2 (0,0-15,2)
12,2 (8,6-15,8)
8,0 (0,0-17,8)
6,0 (4,9-7,1)
5,0 (2,9-7,1)
3,0 (2,1-3,9)
1,0 6,0 (0-16,8)
2,0 (1,1-2,8)
5,0 (3,2-6,8)
3,0 -
1-41
1-29
1-84
1
3-36
1-20
1-79
3-13
160
11
21
42
4
4
97
2
46,9
3,2
6,1
12,3
1,2
1,2
28,4
0,6
Avaliação inicial
internamento
em consulta
8,6 (6,2-11,1)
10,5 (8,5-12,4)
3,0 (2,4-3,6)
6,0 (4,7-7,3)
1-84
1-73
171
170
50,1
49,9
Localização primária
sist. nervoso central
cabeça / pescoço
pulmão
mama
tubo digestivo
tracto urinário
ginecológica
próstata
indeterminada
outras
16,4 (5,2-27,5)
10,9 (7,2-14,5)
5,3 (3,4-7,3)
9,8 (5,1-14,6)
8,4 (5,8-11,1)
10,1 (3,9-16,3)
12,6 (8,7-16,5)
15,2 (9,0-21,4)
6,7 (3,1-10,3)
7,4 (3,0-11,8)
5,0 (1,1-8,9)
7,0 (0,0-14,5)
4,0 (1,4-6,5)
5,0 (0,0-12,5)
3,0 (2,3-3,7)
3,0 (0,0-8,5)
12,0 (9,5-14,5)
11,0 (0,0-23,5)
5,0 (1,6-8,3)
2,0 (0,6-3,4)
1-73
1-36
1-26
1-36
1-84
1-38
1-33
1-39
1-21
1-40
16
30
27
21
155
16
26
18
12
20
4,7
8,8
7,9
6,2
45,4
4,7
7,6
5,3
3,5
5,9
Metastização hepática
sim
não
4,9 (4,0-5,9)
14,8 (11,8-17,9)
2 (1,5-2,5)
8 (5,2-10,7)
1-35
1-84
181
160
53,1
46,9
<0,001
0,01
0,62
<0,001
49
0,002
Metastização pulmonar
sim
não
6,2 (4,8-7,6)
11,8 (9,3-14,2)
3,0 (1,7-4,3)
5,0 (3,7-6,2)
1-40
1-84
120
221
35,2
64,8
Carcinomatose peritoneal
sim
não
8,1 (5,7-10,6)
10,8 (8,6.13,0)
3,0 (1,8-4,2)
5,0 (3,7-6,2)
1-79
1-84
144
197
42,2
57,9
Terapêutica específica em curso
sim
não
16,7 (12,9-20,5)
5,9 (4,9-7,0)
10,0 (7,6-12,4)
3,0 (2,5-3,5)
1-84
1-40
108
233
31,7
68,3
% linfócitos
≤ 11
> 11
5,7 (4,4-7,0)
13,1 (10,4-15,9)
3,0 (2,45-3,55)
6,0 (4,06-7,93)
1-73
1-84
163
178
47,8
52,2
DPOC
sim
não
13,1 (8,8-17,5)
9,2 (7,5-10,9)
9,0 (6,7-11,3)
4,0 (3,6-4,8)
1-40
1-84
35
306
10,3
89,7
Insuficiência renal crónica
sim
não
5,3 (2,2-8,4)
10,0 (8,3-11,8)
2,0 (0,7-3,3)
5,0 (4,9-6,0)
1-33
1-84
28
313
8,2
91,8
Delirium
sim
não
3,1 (2,2-4,1)
12,9 (10,6-15,2)
1,0 7,0 (5,4-8,6)
1-32
1-84
115
226
33,7
66,3
Dispneia
sim
não
3,6 (2,2-5,0)
11,5 (9,5-13,6)
1,0 6 (5,1-6,9)
1-39
1-84
78
263
22,9
77,2
Edema periférico
sim
não
6,5 (5,2-7,8)
13,5 (10,4-16,7)
3,0 (4,0-7,9)
6,0 (2,5-3,5)
1-40
1-84
182
159
53,4
46,6
Ascite
sim
não
6,5 (4,2-8,8)
11,2 (9,0-13,3)
3,0 (2,3-3,7)
5,0 (3,9-6,1)
1-79
1-84
112
229
32,8
67,2
Anorexia
sim
não
8,2 (6,7-9,8)
20,2 (13,1-27,2)
3,0 (2,2-3,8)
15,0 (10,1-19,9)
1-84
1-79
302
39
88,6
11,4
Nível KPS
< 50
>= 50
5,2 (4,2-6,1)
20,2 (15,5-24,9)
2,0 (1,6-2,4)
12,0 (9,9-14,0)
1-40
1-84
232
109
68,0
32,0
Nº de internamentos
0
1
2
3+
8,9 (5,8-12,0)
7,2 (5,4-9,0)
22,2 (15,1-29,3)
24,3 (14,1-34,5)
4,0 (1,6-6,4)
3,0 (2,4-3,5)
15,0 (8,0-21,9)
14,0 (11,8-16,2)
1-41
1-79
3-73
9-84
55
237
35
14
16,1
69,5
10,3
4,1
Local do óbito
hospital
domicílio
unid. de Cuidados Paliativos
outra instituição
6,7 (5,4-8,0)
7,3 (5,1-9,4)
14,0 (10,3-17,8)
14,3 (3,8-24,7)
3,0 (2,2-3,8)
4,0 (2,1-5,8)
10,0 (4,8-15,2)
10,0 (0,0-20,3)
1-84
1-38
2-36
1-39
233
57
28
7
68,3
16,7
8,2
2,0
Média
(IC 95%)
mediana
(IC 95%)
Variáveis
0,01
<0,001
<0,001
0,03
0,02
<0,001
<0,001
Intervalo
nº de
doentes
%
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
P
Log rank
sobrevivência (semanas)
50
Tabela 13.
Factores associados à sobrevivência observada (análise univariada de Cox)
Variáveis
ratio de risco
IC95%
P
Estadio do tumor
metastização à distância
2,24
1,64-3,06
<0,001
Terapêutica em curso
interrompida ou não iniciada
2,27
1,77-2,91
<0,001
Metastização hepática
sim
2,27
1,80-2,87
<0,001
Metastização peritoneal
sim
1,30
1,04-1,62
0,02
Metastização pulmonar
sim
1,46
1,16-1,84
0,001
Insuficiência renal crónica
sim
1,55
1,04-2,30
0,03
Estado funcional (KPS)
<50%
2,96
2,30-3,82
<0,001
% linfócitos
cada 1% de aumento
0,95
0,94-0,97
<0,001
Delirium
sim
3,04
2,38-3,89
<0,001
Dispneia
sim
2,37
1,81-3,10
<0,001
Edema
sim
1,61
1,29-2,03
<0,001
Nº de admissões hospitalares
por cada internamento
0,62
0,54-0,71
<0,001
Local do óbito
hospital
1,91
1,49-2,44
<0,001
ECS
cada aumento de 1 semana
0,80
0,77-0,82
<0,001
Local da avaliação inicial – “internamento=0”, “consulta=1”; Estadio do tumor - “doença localmente avançada=0”, “doença
metastizada=1”; Terapêutica em curso – “sim ou iniciada à posteriori =0”, “interrompida ou não iniciada=1”; metastização
hepática – “não=0”. “sim=1”; metastização peritoneal – “não=0”. “sim=1”; metastização pulmonar - “não=0”. “sim=1”;
Doença pulmonar obstrutiva crónica “não=0”, “sim=1”; Estado funcional – “KPS≥50 =0” “KPS<50=1”; Delirium – “não=0”,
“sim=1”; Dispneia - – “não=0”. “sim=1”; Edema - “não=0”. “sim=1”; Local do óbito – “não hospital=0”, “hospital=1”.
51
O efeito do local de observação inicial na sobrevivência sofreu a interferência de
outras variáveis (idade, estadio da doença e presença de comorbilidade).
A tabela 13 mostra o ratio de risco de morte para as variáveis que demonstraram
estar significativamente associadas à SO nas análises de regressão univariada de
Cox.
O estadio da doença, sintomas como a dispneia e o delirium, a taxa de linfócitos no
sangue periférico e a estimativa clínica de sobrevivência mantiveram significado
estatístico quando transpostos para um modelo de regressão multivariado (tabela
14).
Tabela 14.
Modelo de regressão multivariado de Cox mostrando os efeitos do estadio da doença, dispneia,
delirium, % de linfócitos e da estimativa clínica sobre a sobrevivência
coeficiente
β
erro
standard
Doença metastizada
0,45
0,17
7,2
0,01
1,57
1,13-2,18
Dispneia
0,40
0,14
7,6
0,01
1,49
1,12-1,97
Delirium
0,39
0,14
8,3
0,004
1,48
1,13-1,93
1% de aumento na % linfócitos
-0,04
0,01
35,6
<0,001
0,96
0,95-0,97
+ 1 semana na estimativa médica
-0,23
0,02
134,3
<0,001
0,80
0,76-0,82
Variáveis
Wald
χ2
P
ratio
de
risco
IC95%
A presença de delirium, dispneia ou de metástases aumentaram em cerca de 50% o
risco de morte em relação aos participantes que não apresentavam essas
52
alterações. Pelo contrário um aumento de 10% na percentagem de linfócitos na
fórmula leucocitária ou mais 2 semanas numa previsão clínica de sobrevivência
reduziram o risco de morte em 40%.
Figura 4.
Curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier segundo o estadio da doença e a presença /ausência de
dispneia e delirium (p< 0,001)
sobrevivencia
cumulativa
1,0
estadio
1,0
0,8
dça
localmente
avançada
0,8
0,6
metastização
a distância
0,6
0,4
0,4
0,2
0,2
0,0
0,0
0
20
40
60
80
100
dispnea
não
sim
nãocensurados
simcensurados
0
sobrevivencia (semanas)
delirium
não
0,8
sim
nãocensurados
0,6
simcensurados
0,4
80
100
sobrevivencia (semanas)
% linfócitos
<=11
> 11
<=11 censurados
> 11 censurados
0,4
0,0
60
100
0,6
0,0
40
80
0,8
0,2
20
60
1,0
0,2
0
40
sobrevivencia /semanas)
cumulativa
sobrevivencia
cumulativa
1,0
20
0
20
40
60
80
100
sobrevivencia (semanas)
53
3. ECS
As medianas da sobrevivência estimada pelo médico (ECS) e da SO coincidiram 4,0 semanas (IC 95% respectivamente 3,5-4,5 semanas e 3,2-4,8 semanas). A ECS
variou entre 1 e 52 semanas e a SO entre 1 e 84 semanas. O coeficiente de
correlação de Spearman entre ECS e SO foi de 0,93 (p<0,001).
Na figura 5 está representada a acuidade da ECS considerando-a como a diferença
entre a ECS e a SO (ECS-SO). Em 133 doentes (39%) o clínico identificou
correctamente a semana do óbito. Das 208 previsões incorrectas 2 em cada 3 foram
pessimistas. Em média, o médico subestimou a sobrevivência por um factor de 1,3
(DP=1,15; intervalo de variação 0,25-20,0).
Figura 5.
Diferença entre a estimativa clínicade sobrevivência e a sobrevivência observada
140
120
nº de doentes
100
80
60
40
20
0
< = -11 -10 -9
-12
-8
-7
-6
-5
-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
4
5
6
8
9
10 > =
12
sobrevivencia estimada - observada
54
Alargando a definição de acuidade para 2 semanas (-1 ≤ ECS-SO ≤ 1) ou 4
semanas (-2 ≤ ECS-SO ≤ 2), a percentagem de estimativas correctas subiu,
respectivamente, para 60,4% ou 72.7% (tabela 15).
Tabela 15.
Acuidade das estimativas clínicas de sobrevivência (n=341)
Definição de acuidade
n
%
Diferença entre ECS e SO
a) pessimista (<0)
correcta (=0)
optimista (>0)
156
133
52
45,7
39,0
15,3
b) pessimista (<-1)
correcta (≥-1 e ≤1)
optimista (>1)
103
206
32
30,2
60,4
9,4
c) pessimista (<-2)
correcta (≥-2 e ≤2)
optimista (>2)
75
248
18
22,0
72,7
5,3
a) Morita e col. 108
pessimista (≥2,0)
correcta (>0,5 e <2,0)
optimista (≤0,5)
35
287
19
10,3
84,2
5,5
b) Christakis e col. 22
pessimista (>1,33)
correcta (≥0,67 e ≤1,33)
optimista (<0,67)
95
224
22
27,9
65,7
6,4
Intervalos de ECS do PaP 121
pessimista (SO > intervalo)
correcta (coincide com o intervalo)
optimista (SO < intervalo)
109
204
28
32,0
59,8
8,2
Quociente entre SO e ECS
ECS – estimativa clínica de sobrevivência; SO – sobrevivência observada; PaP – Palliative Prognostic Score
A distribuição dos quocientes entre SO e ECS é apresentada na figura 6.
55
Figura 6.
Quociente entre a sobrevivência observada e a estimada
140
120
nº doentes
100
80
60
40
20
0
,25
,50
,67
,75
,83
1,00
1,08
1,13
1,17
1,20
1,25
1,33
1,38
1,50
1,67
1,75
2,00
3,00 outros
sobrevivencia observada / sobrevivencia estimada
A creme assinalam-se as ECS consideradas adequadas segundo Christakis e col. (0,67≤ SO/ECS ≤1,33). A cinza claro
as ECS que Morita e col. consideram (para além das anteriores) serem ainda adequadas (0,5< SO/ECS <2). A cinza
escuro assinalam-se as estimativas consensualmente consideradas sem acuidade por ambos.
Analisando a acuidade da ECS à luz da definição de Morita e colegas que
consideraram adequadas previsões condicionando quocientes > 0,5 e < 2, 84,2%
das previsões foram correctas, 5,5% optimistas e 10,3% pessimistas.
Se a definição de acuidade for a usada pelo grupo de Christakis (correctas previsões
com quocientes ≥ 0,67 e ≤ 1,33), 60,7% das previsões foram adequadas, 8,2%
optimistas e 31,1% pessimistas (tabela 15).
56
Considerando agora os intervalos de ECS usados no PaP (1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9-10,
11-12 e mais de 12 semanas) 59,8% das previsões estiveram correctas, 8,2% foram
optimistas e 32% pessimistas.
Usando um outro sistema de categorização por intervalos (tabela 16) constata-se
que, nos últimos 3 meses de vida, o número de ECS incorrectas cresceu em função
do tempo de vida estimado.
A sensibilidade da ECS foi particularmente baixa nos doentes que se estimou
sobreviverem mais de 6 semanas (tabela 17). A especificidade e o valor preditivo
negativo da ECS foram elevados independentemente do tempo de vida estimado.
Reflectindo o valor preditivo positivo (VPP) a acuidade da ECS verificou-se, que
quando o clínico previu períodos de sobrevivência intermédios (entre 4 e 6 semanas
ou entre 7 e 12 semanas) fê-lo de forma pouco correcta (VPP, respectivamente, de
55% e 36%), subestimando-os em respectivamente em 28% e 54% dos casos.
Considerando esta categorização a concordância entre a ECS e a SO, calculada
pela estatística kappa, foi de 0,59. A acuidade global das estimativas (número de
indivíduos correctamente identificados em cada categoria / número total de doentes)
foi de 67%.
57
Tabela 16.
Comparação, por categorias, entre a estimativa clínica de sobrevivência e a sobrevivência observada
Sobrevivência observada (semanas)
2a3
4a6
7 a 12
+ 12
Categorias
Previsão de sobrevivência
1
1 semana (n=84)
72
11
1
0
0
2 a 3 semanas (n=77)
8
55
13
0
1
4 a 6 semanas (n=67)
3
8
37
19
0
7 a 12 semanas (n=72)
0
2
5
26
39
+ de 12 semanas (n=41)
0
0
0
3
38
83
76
56
48
78
total
Previsão de sobrevivência
optimista*
correcta
pessimista**
mediana
(%)
(%)
(%)
(dias / IC 95%)
-
85,7
14,3
3 (2,3-3,7)
Morte entre 2 e 3 semanas (n=77)
10,4
71,4
18,2
14 (11,4-16,6)
Morte entre 4 e 6 semanas (n=67)
16,4
55,2
28,4
36 (33,0-39,0)
Morte entre 7 e 12 semanas (n=72)
9,7
36,2
54,1
87 (79,6-94,4)
Morte após as 12 semanas (n=41)
7,3
92,7
-
193 (162,6-223,4)
Morte em 1 semana (n=84)
*previsão optimista - morte mais precoce que o previsto; ** pessimista – morte mais tardia que o previsto
Tabela 17.
Sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo e acuidade por categorias de ECS
Estimativa clínica
de sobrevivência
sensibilidade
especificidade
valor
preditivo
positivo
valor
preditivo
negativo
acuidade
1 semana
87%
95%
88%
97%
93%
2 a 3 semanas
72%
92%
71%
92%
87%
4 a 6 semanas
66%
89%
55%
93%
86%
7 a 12 semanas
54%
84%
36%
92%
80%
+ de 12 semanas
49%
99%
93%
87%
87%
58
Observou-se uma tendência para uma maior disparidade entre a ECS e a SO
quando os tempos de vida (estimados e observados) foram mais prolongados.
Contudo o efeito da sobrevivência sobre o grau de inacuidade variou de forma
não linear (figura 7).
Figura 7.
Relação entre o grau de inacuidade e a sobrevivência observada - curva ajustada a um modelo cúbico.
60
valor absoluto de ECS-SO
50
40
30
20
10
R quadrado modelo cúbico =0,76
0
0
20
40
60
80
100
sobrevivencia observada (semanas)
Verificou-se ainda que o tipo de intervenção antineoplásica em curso influenciou a
acuidade da ECS. Diferenças de pelo menos 4 semanas entre a ECS e a SO foram
observadas mais frequentemente em doentes que ou ainda estavam sob terapêutica
antineoplásica ou vieram a iniciá-la no decurso do seguimento.
59
Figura 8.
Efeito da terapêutica oncológica em curso sobre o grau de acuidade da ECS
120
tratamento oncológico em curso na
1ª avaliação
interrompido
nº de doentes
100
a iniciar
em curso
80
60
40
20
0
0
1
2
3
>=4
valor absoluto da ECS - SO (semanas)
Na tabela 18 apresenta-se o modelo de regressão logística com os factores que
mostraram associação estatisticamente significativa com a inacuidade das previsões
médicas (-1≤ ECS – SO ≤1).
Tabela 18.
Modelo de regressão logística - relação entre insuficiência cardíaca, doença hepática crónica,
estimativa clínica de sobrevivência e inacuidade do prognóstico estimado pelo clínico
Variáveis
coeficiente
β
erro
standard
constante
-3,0
0,31
doença hepática crónicaa
1,67
0,44
9,87
0,002
5,26
1,87-14,81
insuficiência cardíacaa
1,15
0,44
6,82
0,01
3,16
1,33-7,50
+ 1 semana de ECS
0,39
0,04
79,37
<0,001
1,47
1,35-1,60
a
Wald
χ2
P
Odds
ratio
IC95%
nos antecedentes pessoais ou estigmas à data de observação
60
Estigmas (ou antecedentes) de insuficiência cardíaca e doença hepática crónica
triplicaram e quintuplicaram, respectivamente, o risco de inacuidade.
Para uma estimativa mais optimista, com uma 1 semana de diferencial em relação a
outra, a probabilidade de erro aumentou em cerca de 50%.
Nem a idade, o género, o local ou o mês da observação inicial, o motivo ou a
proveniência da referenciação, a localização primitiva ou secundária do tumor, o seu
tempo de evolução, o tratamento em curso, o estado funcional avaliado pela KPS,
outras co-morbilidades (insuficiência renal, doença pulmonar obstrutiva crónica,
doença coronária isquémica, doença cerebrovascular, diabetes, síndroma demencial
e intercorrência infecciosa), os sinais / sintomas avaliados (anorexia, dispneia,
edemas e delirium) nem os parâmetros laboratoriais (contagem leucocitária e % de
linfócitos no sangue periférico) mostraram associação significativa com a acuidade
das ECS.
Entre as 341 estimativas cometeram-se 5 (1,5%) erros graves optimistas e 19 (5,6%)
erros graves pessimistas.
Em 4 das 5 situações em que o tempo de vida observado foi significativamente
inferior ao estimado, a causa de morte foi atribuída a intercorrências agudas
(oclusão intestinal, endocardite por Staphyloccocus aureus meticilina-resistente,
enfarte agudo do miocárdio e pneumonia nosocomial sem agente isolado).
O subgrupo de doentes vítima de um erro grave pessimista teve uma mediana de
sobrevivência significativamente superior à dos restantes doentes também vítimas
61
de erros pessimistas (32 vs 13 semanas, teste log rank χ2=5,4. p=0,02). Tendo como
referência estes últimos, os erros graves foram mais frequentes em doentes com
história de doença cerebro-vascular sintomática (7/19), sem metastização hepática
(17/19) e sem anorexia (7/19) à data de inclusão (tabela 18). Não foram encontradas
outras diferenças de significado estatístico entre os dois grupos.
Tabela 19.
Erros pessimistas: comparação de 2 subgrupos de doentes e seu nível de significância (teste χ2)
erro grave
pessimista
(n=19)
N
5
10
8
11
2
11
7
12
Variáveis
Idade > 75 anos
Homens
1ª avaliação em internamento
Doença metastizada
Metastização hepática
KPS < 50%
Doença cerebro-vascular
Anorexia
outro erro
pessimista
(n=84)
N
25
51
52
59
37
37
5
72
P
1
0,52
0,11
0,3
0,01
0,270
0,03
0,02
4. PPS
A média, a mediana e os intervalos de variação da sobrevivência por nível de PPS à
admissão são apresentados na tabela 20.
62
Tabela 20.
Sobrevivência por nível de PPS à admissão
Sobrevivência (semanas)
média
Mediana
intervalo
Global
PPS à admissão
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Log rank
P
nº de
doentes
(IC 95%)
(IC 95%)
9,6 (8,0-11,3)
4,0 (3,2-4,8)
1-84
341
100
1,0 (1,0-1,0)
2,5 (0,8-4,2)
6,5 (4,7-8,4)
7,3 (5,5-9,0)
21,2 (13,9-28,5)
18,8 (10,9-26,7)
22,9 (14,4-31,4)
20,0 (8,2-31,8)
16,0 (16,0-16,0)
1,0 (-)
1,0 (-)
4,0 (3,0-5,0)
4,0 (2,9-5,1)
9,0 (6,7-11,3)
12,0 (10,4-13,6)
15,0 (8,1-21,8)
14,0 (-)
16,0 (-)
1
1-40
1-38
1-39
1-73
1-79
3-84
14-26
16
27
53
72
82
49
31
24
2
1
7,9
15,5
21,1
24,0
12,0
9,0
7,0
0,6
0,3
%
<0,001
Na figura 9 mostram-se as curvas de Kaplan-Meier estratificadas por nível de PPS.
Figura 9.
Curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier por nível PPS à admissão
1,0
sobrevivencia cumulativa
PPS (%)
10
0,8
20
30
40
50
0,6
60
70
80
0,4
90
Log Rank X2=218,6 p<0,001
40-censurados
50-censurados
60-censurados
0,2
70-censurados
0,0
0
20
40
60
80
100
sobrevivencia observada (semanas)
63
O teste log-rank para a igualdade das curvas de sobrevivência foi fortemente
significativo para p<0,001, sugerindo a existência de diferenças significativas entre
elas.
Os testes log-rank “dois a dois” para curvas adjacentes mostraram diferenças
significativas (p<0,001) para PPS 10-20%, PPS 20-30% e PPS 40-50%. O mesmo
não se verificou para as curvas adjacentes PPS 30-40%, PPS 50-60%, PPS 6070%, PPS 70-80% e PPS 80-90% (testes log-rank, respectivamente, p=0,51, p=0,99,
p=0,13, p=0,87 e p=0,81).
Recorreu-se a um modelo de riscos proporcionados de Cox para avaliar a relação
entre o ratio de risco de morte e o PPS à admissão, ajustado em função do estadio,
terapêutica específica em curso, existência de dispneia e % de linfócitos no sangue
periférico.
Os resultados, apresentados na tabela 21, mostram que o nível de PPS ajustado em
função de todas essas variáveis está significativamente relacionado com o risco de
morte. Os doentes com PPS à admissão acima de 10% tiveram ratios de risco de
óbito significativamente menores.
Apesar da redução do risco parecer variar directamente com o PPS (riscos relativos
mais baixos para PPS mais altos) os respectivos IC 95% mostraram alguma
sobreposição, limitando o valor desta constatação.
A partir das respectivas curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier construiu-se uma
tabela de esperança de vida em função do nível de PPS inicial (tabela 22). Nessa
tabela as taxas de sobrevivência são expressas como a probabilidade de em cada
64
subgrupo os doentes sobreviverem períodos definidos de tempo. Assim, dos
doentes com um PPS 10% espera-se que apenas 4% sobrevivam 7 ou mais dias,
mas que nenhum estava vivo aos 30 dias. Já dos doentes com PPS 30% 90%
poderão estar vivos 7 ou mais dias, 69% 14 ou mais dias e 40% 30 ou mais dias.
Para categorias PPS mais elevadas as taxas de sobrevivência relativas a um
mesmo período são também mais elevadas.
Tabela 21.
Ratios de risco de óbito em função do estadio, terapêutica específica em curso, presença de dispneia,
PPS e taxa de linfócitos à admissão (modelo de riscos proporcionais de Cox).
Variáveis
ratio de risco
IC 95%
P
Estadio da doença
localmente avançada
metastizada
1,0
1,9
1,42-2,67
<0,001
Terapêutica antineoplásica
em curso ou a iniciar
interrompida
1,0
1,6
1,24-2,16
<0,001
PPS à admissão
10
20
30
40
50
≥60
1,0
0,52
0,22
0,21
0,12
0,11
0,31-0,87
0,13-0,37
0,13-0,36
0,07-0,22
0,06-0,20
0,01
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
Dispneia
ausente
presente
1,0
1,5
1,14-2.06
0,01
% linfócitos (sangue periférico)
por cada 1% de aumento
0,98
0,97-0,99
<0,001
65
Tabela 22.
Taxa de sobrevivência em dias segundo o nível PPS à admissão
PPS (%)
10
20
30
40
50
≥60
1
3
5
93
94
100
100
100
100
44
62
99
99
100
100
15
36
93
95
98
100
taxa de sobrevivência (%)
dias
7
14
21 30 45
60
4
30
90
94
96
100
0
15
69
68
94
98
0
6
51
56
92
95
0
4
40
49
77
91
0
4
26
30
61
81
0
4
19
26
53
76
nº de
casos
90 180 365
N
0
4
10
16
41
50
0
2
4
4
16
21
0
0
0
0
2
2
27
53
72
82
49
58
A negrito apresentam-se os números que correspondem a taxas de sobrevivência próximas de 50% para cada categoria de
PPS.
5. PaP
Na tabela 23 apresenta-se a prevalência dos diferentes itens contribuindo para a
pontuação PaP. Oito em cada 9 doentes referiram anorexia, 2 em cada 9 relataram
dispneia. A mediana da pontuação KPS foi de 40%. Pouco mais de 8% tinham uma
pontuação KPS superior a 60%.
Mais de 40% tinham leucocitose (contagens > 11000/ul) e 54% tinham linfocitopenia
(linfocitos <12%).
A presença de leucocitose apareceu fortemente associada num modelo de
regressão logística binária a antecedentes de insuficiência renal (tabela 24). História
de demência, focalização secundária no sistema nervoso central e sobrevivências
mais prolongadas estiveram pelo contrário a um menor risco de leucocitose.
66
Tabela 23.
Itens da pontuação PaP dos participantes
Item
frequência
%
Sintomas
anorexia
dispneia
302
78
88,6
22,9
Pontuação KPS (%)
≥50
30-40
10-20
109
152
80
31,9
44,6
23,5
Estimativa clínica de sobrevivência (semanas)
>12
11-12
7-10
5-6
3-4
1-2
41
40
32
27
73
128
12,0
11,7
9,4
7,9
21,4
37,5
Contagem leucocitária (x10-3/L)
≤8,5
8,6-11
>11
141
62
138
41,4
18,2
40,5
Linfócitos (%)
≥20
12-19,9
<12
69
89
183
20,2
26,1
53,7
Tabela 24.
Modelo de regressão logística avaliando a relação entre características do doente e a presença de
leucocitose (> 11x10-3/L)
coeficiente
β
erro
standard
Metastização cerebral
-1,18
0,45
6,83
0,01
0,31
0,13-0,74
Insuficiência renal crónica
1,31
0,48
7,50
0,006
3,72
1,45-9,52
Demencia
-2,03
0,80
6,48
0,01
0,13
0,03-0,63
+1 semana de sobrevivência
-0,07
0,02
17,28
<0,001
0,94
0,91-0,97
Variáveis
Wald
χ2
p
ratio
de risco
IC95%
67
A ocorrência de linfocitopenia (tabela 25) esteve estatisticamente associada não só
à evidência de intercorrência infecciosa à data de admissão como também ao
diagnóstico de um tumor pulmonar ou do tubo digestivo alto. Sobrevivências mais
prolongadas determinaram uma redução do ratio de risco de linfocitopenia.
Tabela 25.
Modelo de regressão logistica avaliando a relação entre factores individuais dos participantes e a
ocorrência de linfocitopenia (< 12%)
coeficiente
β
erro
standard
Tumor do pulmão ou da porção
alta do tubo digestivo
0,67
0,26
6,72
0,01
1,95
1,18-3,22
Intercorrência infecciosa
0,99
0,43
5,43
0,02
2,70
1,17-6,22
+1 semana de sobrevivência
-0,02
0,01
23,71
0,001
0,94
0,91-0,96
Variáveis
Wald
χ2
p
ratio
de risco
IC95%
Nos doentes que tinham interrompido o tratamento antineoplásico à data de inclusão
as contagens leucocitárias foram significativamente mais altas (mediana 10,5x10-3/L
vs 7,6x10-3/L, teste U Mann-Whitney, z=-4,5 p<0,001) e taxas de linfócitos
significativamente mais baixas (mediana 9% vs 15%, teste U Mann-Whitney, z=-4,6,
p<0,001) que nos doentes sob terapêutica específica.
A estimativa médica apontou para que 41 doentes sobrevivessem mais de 3 meses
e que 211 não ultrapassassem as primeiras 4 semanas. A mediana da ECS caíu na
categoria 3-4 semanas.
68
Assim, 94 (27,6%) doentes ficaram na categoria de melhor prognóstico (grupo A PaP entre 0 e 5,5), 96 (28,2%) na categoria intermédia (grupo B – PaP entre 6 e 11)
e 151 (44,3%) na categoria de pior prognóstico (grupo C – PaP entre 11,5 e 17,5).
Observaram-se diferenças significativas entre os 3 grupos quanto à idade (mediana
62,5 anos grupo A, 69 anos grupo B, 68 anos grupo C, teste de Kruskal Wallis,
χ2=10,1 p=0,01), estadio da doença (doença localmente avançada 33% grupo A,
15% grupo B, 10% grupo C, teste χ222,1 p<0,001), local da avaliação inicial
(internamento 33% grupo A, 48% grupo B e 62% grupo C, teste χ2 20,1 p<0,001) e
ao tipo de neoplasias [tumores gastrointestinais (29% grupo A, 51% grupo B, 52%
grupo C, teste χ214,2 p=0,001); tumores da próstata e ginecológicos (27% grupo A,
10% grupo B, 6% grupo C, teste χ244,6 p<0,001)].
As medianas da sobrevivência foram respectivamente 20, 5 e 1 semanas para os
grupos A, B e C. Na tabela 26 apresenta-se a sobrevivência aos 30 dias e a sua
mediana para as 3 categorias PaP.
Tabela 26.
Sobrevivência aos 30 dias e mediana da sobrevivência por grupo PaP (n=341)
grupos PaP
(probabilidade de
sobrevivência aos 30 dias)
n
sem eventos
aos 30 dias
n (%)
mediana de
sobrevivência
estimada (semanas)
A (PaP 0-5,5; > 70%)
94
92 (97,9)
20
16,5-23,5
B (PaP 6-11; 30-70%)
96
56 (58,3)
5
4,2-6,0
C (PaP 11,5-17,5; <30%)
151
14 (9,3)
1
-
IC
95%
69
As curvas de Kaplan-Meier relativas aos 3 grupos PaP mostram-se na figura 10
tendo sido fortemente significativa a diferença entre elas (log-rank χ2=281,8
p<0,001).
Utilizando o PaP, o VPP de uma estimativa muito forte (superior a 70%) em estar
vivo aos 30 dias foi de 98% e o VPN de 72%. O mesmo instrumento estimou uma
fraca (inferior a 30%) probabilidade em atingir os 30 dias com um VPP de 91% e um
VPN de 78%.
A utilidade do PaP não ficou comprometida no subgrupo de doentes com neoplasias
frequentemente associadas a síndroma de anorexia-caquexia (pulmão / tubo
digestivo alto)11. Nesse subgrupo de doentes o VPP e o VPN foram,
respectivamente 95% (20 em 21) e 71% (60 em 85) para o grupo A, 86% (48 em 56)
e 74% (37 em 50) para o grupo C.
Figura 10.
Curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier por grupo PaP
pontuação PaP
1,0
0 .5,5
6,0-11,0
sobrevivencia cumulativa
11,5-17,5
0-5,5 censurados
0,8
0,6
0,4
Log rank X2=281,8 p<0,001
0,2
0,0
0
20
40
60
80
100
sobrevivencia observada (semanas)
70
6. PPI
A prevalência de alterações nos itens do PPI está descrita na tabela 27.
Cerca de 1/4 dos doentes tinham um PPS ≤20. Mais de 40% mantinham à data de
admissão uma ingesta muito reduzida. Na avaliação inicial a maioria (63,3%) dos
participantes tinha edemas periféricos, um terço reunia critérios de síndroma
confusional e mais de ¼ referiam dificuldade em respirar em repouso.
Tabela 27.
Itens do PPI nos participantes (n=341)
Item
Frequência
%
PPS (%)
10-20
30-50
≥60
80
203
58
23,5
59,5
17,0
Ingesta oral
muito reduzida
reduzida
normal
142
161
38
41,6
47,3
11,1
Edema
presente
ausente
216
125
63,3
36,7
Dispneia em repouso
presente
ausente
78
263
22,9
77,1
Delirium
presente
ausente
115
226
33,7
66,3
Usando as categorias prognósticas validadas pelos autores os doentes foram
divididos em 3 grupos: grupo 1 (> 20% de sobrevivência às 6 semanas - PPI ≤4) 108
71
(31,7%) participantes; grupo 2 (20% de sobrevivência às 6 semanas – PPI > 4 e ≤6)
77 (22,6%) participantes e grupo 3 (20% de sobrevivência às 3 semanas – PPI >6)
156 (45,7%) participantes.
As medianas de sobrevivência dos grupos 1, 2 e 3 foram, respectivamente, 13, 5 e 1
semanas (tabela 28).
Tabela 28.
Características dos 3 grupos definidos pelo PPI
grupos PPI
n
sem
eventos
n (%)
sobrevivência
mediana
(semanas)
IC 95%
1 (PPI ≤4; >20% de sobrevivência às 6 semanas)
108
86 (79,6)*
13
11,2-14,8
2 (4< PPI ≤6; 20% de sobrevivência às 6 semanas)
77
33 (42,7)*
5
3,6-6,4
3 (PPI >6; 20% de sobrevivência às 3 semanas)
156
54 (34,6)**
1
-
*
às 6 semanas,
**
às 3 semanas
Mostram-se na figura 11 as curvas de sobrevivência para os 3 grupos. Do ponto de
vista estatístico mostraram diferença significativa entre si (teste log-rank χ2 = 116,7
p<0,001).
Oitenta por cento dos indivíduos do grupo 1 e 43% dos do grupo 2 estavam vivos às
6 semanas. Trinta e cinco por cento dos indivíduos do grupo 3 estavam vivos às 3
semanas.
72
Figura 11.
Curvas de Kaplan-Meier por grupo PPI
grupos PPI
1,0
PPI <= 4
4< PPI <=6
sobrevivencia cumulativa
PPI >6
PPI <=4 censurados
0,8
PPI 4-6 censurados
PPI >6 censurados
0,6
0,4
Log rank X2=116,7, p<0,001
0,2
0,0
0
20
40
60
80
100
sobrevivencia observada (semanas)
Tabela 29.
Acuidade das estimativas de sobrevivência usando o PaP e o PPI
PaP ≤5,5
n
sensibilidade
%
especificidade
%
VPP*
%
VPN**
%
acuidade
%
94
57
99
98
72
79
151
77
91
91
78
84
233
89
59
75
80
76
156
80
75
65
86
76
(> 70% vivo aos 30 dias)
PaP ≥11,5
(<30% vivos aos 30 dias)
PPI > 4
(20% vivos às 6 semanas)
PPI > 6
(20% vivos às 3 semanas)
* VPP - valor preditivo positivo; **VPN - valor preditivo negativo
73
Usando o PPI, uma sobrevivência inferior a 3 semanas foi estimada com um VPP de
65% e um VPN de 86%. Para uma sobrevivência inferior a 6 semanas o VPP foi de
75% e o VPN de 80%. (tabela 29).
7. Relação entre instrumentos
O PaP e o PPI apresentaram uma alta correlação (ρ=0,78) – tabela 30. A PPS foi o
único instrumento com uma correlação moderada com a sobrevivência observada.
Quer o PaP quer o PPI apresentaram correlações altas com a SO (ρ PaP;SO = -0,86, ρ
PPI;SO=
- 0,73). A estimativa clínica mostrou uma muito alta correlação com a SO
(ρ=0.93). Como esperado o ρ
ECS;PaP
foi superior ao ρ
ECS;PPI
eoρ
PPI;PPS
superior ao
ρ PaP;PPS.
Tabela 30.
Correlações de ordem de Spearman entre os vários instrumentos de prognóstico (PaP, PPI, PPS, ECS)
e a sobrevivência observada (SO)
PaP
PPI
SO
ECS
PPS
-0,76
-0,81
0,69
0,77
PaP
-
0,78
-0,86
-0,92
-
-0,73
-0,79
PPI
SO
-
0,93
(p < 0.001)
Comparando a SO com os intervalos definidos como adequados para alocar doentes
aos grupos de risco definidos pelo PaP e PPI constatou-se que o número de doentes
74
correctamente alocados foi de 267 (78,3%) no caso do PaP e 234 (68,6%) no caso
do PPI. Em qualquer dos casos houve equilíbrio na proporção de previsões
pessimistas e optimistas.
Para o PaP e PPI a maior proporção de estimativas inadequadas verificou-se no
grupo de prognóstico intermédio (grupo B) – figura 12.
Figura 12.
Grau de adequação clínica das estimativas por grupo prognóstico PaP e PPI
80%
grupos PaP
<= 5,5
6-11
80%
11,5-17,5
60%
40%
20%
0%
percentagem de casos
percentagem de casos
100%
grupos PPI
<=4
>4 e <=6
60%
>6
40%
20%
0%
não
sim
previsão PaP adequada
não
sim
previsão PPI adequada
Apenas 144 (42,5%) participantes apresentaram uma SO não diferindo em mais de
uma semana da mediana de sobrevivência estimada para o seu nível PPS. A
proporção de estimativas inadequadas foi mínima para níveis PPS baixos (PPS 1020%).
75
Figura 13.
Grau de adequação clínica das estimativas usando a PPS
100
nº doentes
80
60
40
20
estimativa
PPS
0
10
20
30
40
50
>=60
nível PPS
não
adequada
adequada
Uma em cada 3 estimativas baseadas na PPS foram pessimistas.
A tabela 31 apresenta a taxa de erros graves cometidos ao usar cada um dos
instrumentos na estimativa de sobrevivência dos participantes.
Tabela 31.
Frequência absoluta e relativa de erros graves associados à aplicação dos 4 instrumentos preditivos
de sobrevivência
erro grave
pessimista
N
19
3
46
69
Instrumento
%
5,6
0,9
13,5
20,2
Estimativa clínica (ECS)*
Palliative Prognostic Score (PaP)†
Palliative Prognostic Index (PPI) ‡
Palliative Performance Scale (PPS)§
erro grave
optimista
n
%
5
0
6
22
1,5
1,7
6,4
*erro grave pessimista: SO-ECS≥28 dias e SO/ECS≥2; erro grave optimista: ECS-SO≥28 dias e SO/ECS ≤0,5
†erro grave pessimista: SO ≥60 dias em doentes do grupo C; erro grave optimista: SO ≤2 dias em doentes do grupo A.
‡ erro grave pessimista: SO ≥ 12 semanas em doentes do grupo 2 ou SO ≥7 semanas em participantes do grupo 3;
erro grave optimista: SO ≤2 semanas em doentes do grupo 1.
§ erro grave pessimista: SO-mediana (de sobrevivência para o nível PPS) ≥28 dias e SO/mediana≥2; erro grave optimista:
Mediana - SO≥28 dias e SO/mediana ≤0,5
76
Para 22 (6,5%) participantes nenhum dos instrumentos forneceu uma previsão
considerada adequada. Em 27,3% das situações qualquer dos 4 permitiu uma
estimativa adequada.
O número de estimativas inadequadas aplicando a ECS ou a PPS foi
significativamente superior nos doentes sob terapêutica antineoplásica durante o
seguimento (χ2 = 36,1, p<0,001 e χ2 = 8,8 p=0,003), aspecto que não se demonstrou
com o PaP ou o PPI (figura 14).
Figura 14.
Relação entre a adequação das estimativas com os 4 instrumentos e o tipo de tratamento oncológico
em curso durante o seguimento (teste χ2).
200
200
p <0,001
p =0,003
150
nº doentes
nº doentes
150
100
50
50
0
não
sim
ECS adequada
tratamento
antineoplásico
0
não
nenhum
200
200
150
150
100
50
sim
previsão PPS adequada
em curso
nº doentes
nº doentes
100
100
50
0
0
não
sim
previsão PaP adequada
não
sim
previsão PPI adequada
77
Na maioria das vezes em que o médico não conseguiu formular um prognóstico com
acuidade o PaP (em 69% dos casos) ou o PPI (em 63% dos casos) poderiam ter
ajudado a estabelecer estimativas clinicamente adequadas (figura 15).
Figura 15.
Estimativas adequadas por instrumento preditor, em função do número de instrumentos também
adequados, quando a estimativa clínica não teve acuidade (n=135)
100
nº de
estimativas
adequadas
90
80
70
3 instrumentos
adequados
60
50
2 instrumentos
adequados
40
30
1 instrumento
adequado
20
10
0
PaP
PPI
PPS
Nos participantes em que a data do óbito foi estimada de forma adequada pelo
médico o PaP foi também o instrumento de maior acuidade (figura 16). Oito em cada
nove estimativas seriam potencialmente adequadas se as previsões derivadas do
PaP fossem conjugadas com a ECS ou o PPI.
78
Figura 16.
Frequência de estimativas inadequadas face a uma estimativa clínica adequada (n=206)
Das 62 situações incluídas no grupo B do PaP em que essa estimativa foi
inadequada em 18, 30 e 33 respectivamente a PPS, o PPI e o médico estimaram de
forma adequada.
De igual modo, das 48 situações em que a estimativa grupo B PPI foi inadequada
em 10, 30 e 37, respectivamente a PPS, o médico e o PaP estimaram
adequadamente.
D. DISCUSSÃO
1. Aspectos gerais
Vários trabalhos, documentando a inacuidade da ECS, apelam à utilização
concomitante de outros instrumentos na formulação do prognóstico - modelos
79
estatísticos como os que aqui utilizámos e factores prognósticos independentes,
como os sintomas associados à síndroma de anorexia/caquexia, a dispneia, o
delirium ou parâmetros biológicos (leucocitose, linfocitopenia e proteína C reactiva)
48,51,52,97,147
. Importa contudo lembrar que, tal como concluiram Lau e col. numa
revisão sistemática recente
80
, muitos destes instrumentos (incluindo PPS, PaP e
PPI, considerados na literatura como ferramentas “referência”) não foram ainda
submetidos a suficiente validação independente em populações e contextos
assistenciais distintos dos originais.
Este estudo de coorte, prospectivo, com uma amostra de dimensão ajustada ao
número de factores prognósticos em análise
48, 147
, vem disponibilizar evidência (até
agora inexistente) quanto à acuidade e aplicabilidade desses instrumentos à
população com doença oncológica avançada, que diariamente acompanhamos.
Assim, e de uma forma ao que julgamos saber inédita, colocámos “lado a lado” e
aplicámos, a uma mesma amostra, 4 instrumentos de predicção – ECS, PPS, PaP e
PPI.
Todos mostraram bons desempenhos do ponto de vista discriminatório, como o
confirmam os seus coeficientes de correlação com a sobrevivência.
Por não ser linear a sua comparação, a utilidade de cada um foi apreciada em
função de dois conceitos relacionados mas distintos – a acuidade e a adequação.
A acuidade global da ECS foi francamente inferior às dos dois outros instrumentos
(40%). Contudo, a análise detalhada mostrou que o clínico consegue identificar com
acuidades elevadas (> 85%) doentes com menos de 5 ou mais de 12 semanas de
vida restante.
80
Para os grupos de pior prognóstico a acuidade do PaP foi ligeiramente superior à do
PPI (84% para PaP ≥11,5 e 76% para PPI >6). Para os doentes com melhor
prognóstico a acuidade foi grosseiramente similar (79% para PaP ≤5,5 e 76% para
PPI ≤4).
O grau de adequação das previsões (proporção de previsões consideradas
adequadas do ponto de vista clínico) variou entre 42,5% (para a PPS) e 78,3% (para
o PaP), com valores intermédios para a ECS (60,4%) e PPI (68,6%).
Tal como Stiel e col.143 que publicaram recentemente a primeira análise comparando
PaP e PPI quanto à sua eficiência enquanto preditores de sobrevivência,
detectámos que foi no grupo de prognóstico intermédio dos 2 instrumentos que
ocorreu o maior número de estimativas inadequadas.
Este facto alerta-nos para as limitações decorrentes da utilização destas
ferramentas, já que reconhecidamente são as situações de prognóstico intermédio
as que mais dificuldades criam ao clínico, as que mais se associam à inacuidade
das ECS e as que mais beneficiariam com a existência de indicadores prognósticos
fiáveis.
Os resultados por nós obtidos sugerem contudo que neste contexto assistencial, a
conjugação e confrontação de estimativas pode maximizar a formulação de
previsões clinicamente adequadas, incluindo as situações de prognóstico intermédio.
81
2. Aspectos particulares da aplicação de cada instrumento
2.1 ECS
Encontrámos uma taxa de acertos na semana do óbito (40% contra os 25% da
metanálise de Glare e col.
55
) e um coeficiente de correlação com a sobrevivência
mais elevados (0,93 contra 0,2 a 0,65) que o descrito na literatura 48, 51-3,147,162.
Também não confirmámos o carácter tendencialmente optimista das previsões
formuladas pelo médico como relatado pela maioria dos autores. De acordo com o
que tivermos convencionado ser a acuidade 10 a 46% foram juízos clínicos
pessimistas (tabela 31).
O falhar de uma estimativa (por optimismo ou pessimismo) é uma situação
potencialmente geradora de sofrimento adicional para doentes e famílias
74,130,172
.
Como constatámos, o uso de instrumentos preditivos construídos a partir de
modelos estatísticos não obviou a ocorrência de erros clinicamente relevantes
(15,2% com o PPI e 26,6% com a PPS). Comparativamente com estas 2
ferramentas, e em relação ao descrito noutros estudos
108,143
, os erros graves de
previsão cometidos pelo médico foram pouco frequentes (7,1%) e os associados à
PaP muito raros (<1%).
Com os modelos estatísticos os erros foram, à semelhança dos juízos do médico,
predominantemente no sentido pessimista, salientando-se pela negativa a
performance da PPS (33% de previsões pessimistas). Admite-se que a taxa de
13,5% de erros graves pessimistas com o PPI (pontuação independente da
estimativa do médico) possa pois decorrer da integração do nível PPS na
ponderação final.
82
Este desempenho deverá merecer apreciação complementar noutras populações.
Tabela 32.
Associação entre estimativas clínicas e sobrevivência em 13 estudos, incluindo o actual
ano
quem
prognostica
tipo de
previsão
n
mediana da
ECS
(semanas)
mediana
da SO
(semanas)
%
previsões
correctas
%
previsões
optimistas
coeficiente
de
correlação
1972
médicos de
UCP
SO
(semanas)
74
45
3
8
66
0,28
1972
oncologistas
SO
(meses)
178
NE
NE
NE
52
NE
Evans , RU
1985
equipa
multidisciplinar
de suporte
limite
inferior e
superior
(dias)
45
NA
~7
54
37
0,44
(previsão
inicial)
HeyseMoore
RU
1987
médico
referenciador
SO
(semanas)
50
8
2
4
88
0,26
101
NA
3,5
NE
1*
0,41
Autor, país
Parkes
RU
119
Scotto
EUA
134
,
,
39
68
,
Forster ,
EUA
1988
oncologista
universitário
Intervalo
provável
de morte
(semanasmeses)
Addington1
Hall , RU
1990
médicos e
enfermeiros
Viver > ou
< 1 ano
1128
NA
17,5
75-83
12
NA
1992
médicos de
UCP
viver > ou
<4
semanas
47
NA
4 (média)
60
26-34
NA
1994
médicos de
Medicina
Paliativa
SO
(semanas)
100
6
5
15
63
0,51
1997
médicos
assistentes
SO
(meses)
39
~52
75
NE
NA
1998
médicos no
Internato de
Medicina
Paliativa
Data de
morte
30
NE
2,5
NE
NE
0,72
1999
oncologistas
SO
(semanasmeses)
233
15,3
14,5
52
NE
0,47
2000
médicos de
família,
internistas,
oncologistas
SO
(semanasmeses)
468
18
3,5
20
63
0,28
42
10
Bruera ,
Canadá
98
Maltoni ,
Itália
94
MacKillop ,
Canadá
116
Oxenham
RU
Vigano
Canadá
,
161
,
22
Christakis ,
EUA
83
Llobera ,
Espanha
2000
médicos de
família,
oncologistas
NE
200
NE
7,5
22-27
55-63
0,18-0,54
Tavares,
Portugal
2010
1 médico de
equipa suporte
intrahospitalar
SO
(semanas)
341
4
4
39-60
9-15
0,93
89
RU – Reino Unido; EUA – Estados Unidos da América; SO – sobrevivência; NA-não aplicável; NE- não especificado UCP –
unidade de cuidados paliativos; * erro gravemente optimista
O pessimismo associado às ECS pode estar também relacionado com o facto de o
clínico formular a sua previsão considerando o nível funcional do doente, aspecto
sugerido pelos elevados coeficientes de correlação entre ECS e a PPS ou a KPS
(ρ=0,77).
Tal como outros108, também constatámos que os erros graves optimistas associados
à ECS corresponderam a situações em que o óbito esteve directamente relacionado
com uma intercorrência aguda inesperada.
A identificação de factores de risco para a ocorrência de falhas graves nas
estimativas (clínicas ou associadas aos modelos) parece-nos justificar mais
investigação.
O impacto da comorbilidade (no nosso caso da insuficiência cardíaca, doença
hepática crónica e doença cerebrovascular) na acuidade prognóstica será um
aspecto a explorar em trabalhos futuros. Alguns grupos
113,123,155,156
têm descrito,
para alguns tipos de tumor, a interferência negativa de outras patologias sobre o
prognóstico e sobrevivência, contudo não há para já consenso a esse respeito.
84
A acuidade das estimativas não variou ao longo do estudo, admitindo-se que
intervalos curtos não condicionem de forma significativa a experiência do médico,
outro dos aspectos apontados na literatura
22,48,52
como influindo na calibragem da
ECS.
O efeito do tratamento antineoplásico (paliativo)
136,152
será outro dos factores que
este estudo aponta como merecedor de ponderação quando se formulam ECS. De
facto, a proporção de erros por um diferencial de pelo menos 4 semanas foi
significativamente maior nos participantes que estiveram sob terapêutica específica
durante o período de seguimento. Apesar de na nossa amostra este factor não ter
condicionado a adequação das estimativas decorrentes do PaP ou do PPI, mais
trabalhos são necessários para o infirmar, já que a maioria dos estudos de validação
não incluiu doentes sob terapêutica oncológica.
Dois aspectos da investigação vêm reforçar a existência do já descrito “efeito do
horizonte”
48,52,55
em relação à ECS: 1) o facto do grau de inacuidade ter variado em
função da extensão quer da ECS, quer da sobrevivência e 2) a constatação de que
nos últimos 3 meses a acuidade da ECS aumentou à medida que se aproximava o
evento final (93% para estimativas até 1 semana, 87% para estimativas entre 2 e 3
semanas).
2.2 PPS
Num trabalho retrospectivo, recentemente publicado, Lau e colegas reafirmaram o
valor do estado funcional, avaliado pela PPS (versão original de 1996 5) como factor
85
prognóstico independente numa população constituída por mais de 6000 indivíduos
82
.
Tal como estes autores, e à semelhança do que vem sendo publicado
34,81,83,171
,
encontrámos na nossa amostra tempos de vida mais longos associados a níveis de
PPS mais elevados na avaliação inicial (tabela 33).
A definição de bandas PPS (PPS 30-40% e PPS≥ 50%) perante a ausência de
diferença entre as respectivas curvas de sobrevivência é um aspecto já relatado
noutros trabalhos
109,113
. Este fenómeno tem sido atribuído à dimensão da amostra
(não constatado no estudo retrospectivo de Lau com mais de 6000 doentes acima
citado) e/ou à dificuldade de alocação dos doentes nos níveis intermédios do
instrumento perante a subjectividade da apreciação de alguns parâmetros,
sobretudo em relação à versão original 83. Tentámos minimizar essa fonte de viés ao
usar a versão modificada (PPSv2, de 2001) e seguindo as instruções fornecidas em
anexo pelos autores 165.
Na apresentação das estimativas resultantes da aplicação da PPS optámos pelos
formatos tradicionais - medianas, intervalos e tabelas de esperança de vida por nível
PPS no sentido de facilitar a comparação com outras séries. Concordamos contudo
com Lau acerca da vantagem dos nomogramas de sobrevivência, construídos a
partir de modelos de regresssão de Cox e ajustados para as variáveis relevantes.
O mesmo formato poderá ser aplicado aos dados por nós colhidos, atribuindo-se a
cada doente uma pontuação que representará o seu tempo de vida (em dias ou
semanas), ajustado em função do estadio da doença, terapêutica específica em
curso, presença ou ausência de dispneia, % de linfócitos no hemograma e PPS
86
Tabela 33.
Resumo dos trabalhos publicados explorando a PPS como factor de prognóstico
Autor, país,
(ano)
Morita
Japão
(1999)
109
,
163
Virik ,
Australia
(2002)
tipo de
estudo
prospectivo
contexto
assistencial
UCP
n
neoplasia
(%)
média
idade
(anos)
quem
regista PPS
245
100
67
médico
doentes por nível
(%)
PPS 10%
PPS 20%
PPS 30%
PPS 40%
PPS 50%
PPS 60%
PPS 70%
PPS 80%
PPS 90%
7,1
14
19
25
16
7,8
9,4
0,85
0,85
mediana / IC 95%
sobrevivência
(dias)
PPS 10-20%
6 (5-8)
PPS 30-50%
41 (35-47)
PPS >=60%
108 (85-131)
prospectivo
UCP
153*
NE
NE
médico
PPS 10%
PPS 20%
PPS 30%
PPS 40%
PPS 50%
PPS 60%
PPS 70%
7
12
32
25
15
7
1,3
1 (NE)
4 (NE)
8 (NE)
18 (NE)
30 (NE)
29 (NE)
145 (NE)
prospectivo
“hospice” na
comunidade
466
46
78
enfermeira
PPS 10%
PPS 20%
PPS 30%
PPS 40%
PPS 50%
PPS 60%
PPS 70%
5,2
11,6
23,7
27,6
22,2
7,8
1,9
2 (1-3)
5 (3-7)
14 (11-17)
31 (19-43)
40 (30-50)
89 (56-122)
78 (43-113)
65
retrospectivo
“hospice” na
comunidade
396
66
72
enfermeira
PPS 10%
PPS 20%
PPS 30%
PPS 40%
PPS 50%
PPS 60%
PPS 70%
1,0
6,4
28,1
37,8
22,4
3,6
0,8
12 (0-36)
8 (6-10)
19 (14-24)
27 (19-35)
46 (33-59)
32 (12-52)
-
Lau ,
Canadá
(2006)
retrospectivo
UCP
733
88
70
enfermeira
PPS 10%
PPS 20%
PPS 30%
PPS 40%
PPS 50%
PPS 60%
PPS 70%
9,0
12,1
29,7
30,7
16,1
2,3
0
1 (1-1)
2 (2-2)
9 (7-11)
17 (13-21)
27 (18-36)
40 (20-60)
-
prospectivo
equipa
intrahospitalar
261
60
64
enfermeira
PPS 10%
PPS 20%
PPS 30%
PPS 40%
PPS 50%
PPS 60%
PPS 70%
26,0
29,7
25,6
12,8
4,1
0,9
0,9
3 (2-4)
5 (4-8)
21 (14-28)
24 (7-41)
71 (0-212)
-
62
Harrold ,
EUA
(2005)
Head ,
EUA (2005)
82
Olajide
EUA
(2007)
113
,
87
Autor, país,
(ano)
tipo de
estudo
contexto
assistencial
n
neoplasia
(%)
média
idade
(anos)
quem
regista PPS
doentes por nível
(%)
mediana / IC 95%
sobrevivência
(dias)
81
retrospectivo
UCP
comunidade
6066
84
71,5
médicos e
enfermeiras
PPS 10%
PPS 20%
PPS 30%
PPS 40%
PPS 50%
PPS 60%
PPS 70%
9,4
12,1
23,4
27,2
17,4
8,0
2,5
1 (1-1)
2 (2-2)
5 (5-5)
13 (12-14)
28 (25-38)
43 (38-48)
63 (48-78)
Lau ,
Canadá
(2009)
83
prospectivo
comunidade
UCP
consulta
hospitalar
513
68
75
membros
da equipa
PPS 10%
PPS 20%
PPS 30%
PPS 40%
PPS 50%
PPS 60%
PPS 70%
PPS 80%
5,3
13,8
23,0
10,9
17,2
10,9
15,8
3,1
2 (1-3)
6 (4-8)
12 (9-15)
31 (15-47)
35 (29-41)
50 (33-67)
110 (77-143)
71 (0-196)
Tavares,
Portugal
(2010)
prospectivo
equipa
intrahospitalar /
consulta
hospitalar
341
100
66
médico
PPS 10%
PPS 20%
PPS 30%
PPS 40%
PPS 50%
PPS 60%
PPS 70%
PPS 80%
PPS 90%
7,9
15,5
21,1
24, 0
12, 0
9,0
7,0
0,6
0,3
2 (1-3)
3 (2-4)
22 (14-30)
28 (18-38)
62 (48-76)
80 (64-96)
105 (48-162)
93 (93-93)
106 (106-106)
Lau ,
Canadá
(2009)
* nº de admissões; NE – não especificado; UCP – unidade de cuidados paliativos
inicial, factores que mostrámos estar fortemente associados à sobrevivência dos
participantes.
Até que ponto esse formato pode melhorar a forma como é discutido, com doentes e
famílias, o prognóstico, é uma área de investigação em aberto.
Vários trabalhos usando a PPS para estimar a sobrevivência têm documentado um
aspecto gráfico das curvas de Kaplan-Meier, designado por efeito “nariz-cauda”
81
,
que traduz a ocorrência de óbitos em momentos não esperados.
O “nariz” descreve uma morfologia com quedas iniciais abruptas em doentes com
PPS intermédios (geralmente 30-40%), correspondendo a situações de óbito
88
“antecipado”. A “cauda” é o aspecto morfológico observado nas mesmas curvas
perante sobrevivências mais longas que o esperado, geralmente evidente em
doentes
com
PPS
baixas
(10-20%).
Ambas
as
situações
se
associam
potencialmente a stress e sofrimento para doentes, familías e profissionais pelo que
tentar identificar factores que categorizem esses doentes tem sido objecto de várias
análises.
Na nossa série o efeito “cauda” foi o mais saliente. Dez por cento dos doentes com
um PPS inicial de 20% (figura 17) sobreviveram períodos ultrapassando 6 vezes a
mediana.
Figura 17.
Curvas de Kaplan-Meier por nível PPS – efeito cauda para PPS20%
sobrevivencia cumulativa
1,0
PPS na
admissão
10
0,8
20
30
40
0,6
50
60
70
0,4
80
90
40censura
dos
50censura
dos
60censura
dos
70censura
dos
0,2
0,0
0
.
20
40
60
80
100 120 140 160 180
sobrevivencia (dias)
2.3 PaP
Apesar de ser o instrumento até agora mais vezes aplicado e validado em
populações distintas das originais (tabela 34), esta foi a primeira vez, ao que
julgamos saber, que se demonstrou numa população heterogénea de doentes
89
Tabela 34
Estudos usando o PaP como instrumento preditor de prognóstico – resumo comparativo.
Autor, país
(ano)
contexto assistencial
n
mediana
idade
(anos)
121
Pirovano
Itália
(1999)
99
Maltoni ,
Itália
(1999)
54
Glare ,
Australia
(2001)
49
Glare ,
Australia
(2004)
Tassinari
152
, Itália
(2007)
111
Naylor ,
Brasil
(2010)
Tavares,
Portugal
(2010)
UCP / comunidade,
multicêntrico
519
67
UCP / comunidade,
multicêntrico
451
70
equipa intrahospitalar,
1 centro
100
66,5
internamento em
serviço de oncologia,
1 centro
98
66
consulta de oncologia,
multicêntrico
173
63
238
†
55
341
67
comunidade / consulta
/ internamento,
1 centro oncológico
equipa intrahospitalar /
consulta,
1 centro
neoplasias
+ frequentes
(%)
pulmão (19)
colon/recto (16)
pâncreas, figado, vesícula (13)
pulmão (19)
colon/recto (15)
estômago (12)
pulmão (14)
hematológicas (10)
ginecológicas (9)
colon/recto (17)
pulmão (12)
melanoma (11)
colon/recto (54)
pulmão* (33)
estômago (7)
ginecológicas (34)
cabeça e pescoço (20)
mama (18)
colon/recto (17)
estômago (11)
cabeça/pescoço (9)
terapêutica
anti
neoplásica
mediana
(IC 95%)
sobrevivência
doentes por grupo
(%)
mediana
(IC 95%) sobrevivência
(dias)
A
B
C
A
B
C
0-5,5
6-11
11,5-17,5
0-5,5
6-11
11,5-17,5
32 dias
NE
34,3
39,5
26,2
64
(55-73)
32
(28-36)
11
(7-14)
33 dias
NE
28,2
45,7
26,1
76
(67-87)
32
(28-39)
14
(11-18)
30 dias
(24-40)
42
37
21
60
(41-89)
34
(25-40)
8
(2-11)
12 semanas
(P25-75: 7-25)
64
32
4
17 sem
(12-26)
7 sem
(4-12)
<1 sem
(<1-3)
26 semanas
NE
87
13
0
32 sem
NE
8 sem
NE
-
NE
95 dias
(74-107)
64,8
33,6
1,6
142
(118-172)
39
(28-52)
9
(1-24)
32%
sob QT, RT ou
HT paliativa
26 dias
(20-32)
27,6
28,2
44,3
134
(112-155)
35
(30-40)
7
(5-9)
RT paliativa /
HT anabólica
permitida
RT paliativa /
HT anabólica
permitida
NE
73%
sob QT, RT ou
HT paliativa
100%
sob QT
paliativa
* tumor não pequenas células do pulmão ; † sexo feminino
NE – não especificado; RT – radioterapia; HT – hormonoterapia; QT – quimioterapia
90
oncológicos portugueses a capacidade do PaP identificar 3 grupos de risco
homogéneo, diferindo significativamente entre si do ponto de vista da sobrevivência.
A mediana de sobrevivência no nosso estudo (26 dias) aproximou-se da dos estudos
originais (32 e 33 dias) 99,121. Similar (30 dias), foi também a sobrevivência na análise
de
validação
independente
na
Austrália
54
,
em
contexto
hospitalar,
de
acompanhamento por uma equipa de suporte. Os nossos resultados divergem
contudo dos acima citados pela mediana de sobrevivência bastante superior (134
dias vs 60-76 dias) apresentada pelo grupo A (PaP 0-5,5).
Tempos de vida semelhantes foram recentemente descritos em mulheres brasileiras,
seguidas numa consulta de Cuidados Paliativos de um centro oncológico
111
. Nessa
série a mediana da sobrevivência global foi contudo consideravelmente superior (95
dias) à nossa. Os autores explicaram a invulgar sobrevivência do grupo A
considerando que as doentes tinham, comparativamente com trabalhos anteriores,
uma melhor condição física (mais jovens, todas seguidas em regime ambulatório,
KPS mais elevados e dispneia menos prevalente).
No nosso caso, o grupo A reunia os doentes mais jovens e 2/3 estavam em
ambulatório à data de inclusão. Admitimos que o tempo de vida observado possa
estar também relacionado com o tipo de neoplasia mais frequente neste grupo
(menos tumores gastrointestinais e mais neoplasias da próstata e ginecológicas).
A dispneia foi menos prevalente entre nós, ultrapassando apenas a descrita por
Naylor
111
. Pelo contrário, a anorexia foi mais frequente que em todas as outras
séries.
91
As alterações hematológicas foram igualmente muito comuns, aproximando-se dos
valores descritos por Glare
54
. Recorde-se que em ambos os casos se tratava de
doentes sob seguimento hospitalar.
Ao contrário do descrito também por Glare, num trabalho posterior
49
, integrando
doentes sob terapêutica antineoplásica paliativa, notámos diferenças significativas
quanto à contagem leucocitária e taxa de linfocitos nos doentes sob tratamento
específico comparativamente com os que o tinham interrompido (contagens mais
baixas e taxas de linfocitos mais elevadas).
Relativamente à linfocitopenia, o facto de ela se ter mostrado fortemente associada,
na nossa amostra, aos tumores do pulmão e do tubo digestivo alto - neoplasias que
frequentemente cursam com síndroma de anorexia/caquexia (SAC) vem apoiar a
convicção de vários autores, que atribuem a sua patogénese a esta síndroma 11,49.
Apesar de a sua utilidade estar circunscrita a previsões por um período de 30 dias o
PaP mostrou ser um instrumento simples de aplicar e válido com uma acuidade
rondando os 80%.
À semelhança de outros
49
não detectámos diferença significativa da acuidade
perante neoplasias potencialmente associadas a SAC.
2.4 PPI
A tabela 35 resume alguns dos trabalhos em que o PPI foi utilizado.
92
Tabela 35
Estudos usando o PPI como instrumento preditor de prognóstico – resumo comparativo.
Autor, país
(ano)
contexto assistencial
n
média
idade
(anos)
106
Morita ,
Japão
(1999)
145
Stone ,
Irelanda
(2008)
Tavares,
Portugal
(2010)
UCP,
1 centro
comunidade / equipa
intrahospitalar / UCP
1 centro
equipa intrahospitalar /
consulta,
1 centro
95
66
194
70
341
66
neoplasias
+ frequentes
(%)
pulmão (19)
estômago/esófago (17)
colon/recto (15)
pulmão (27)
colon/recto (14)
mama (10)
colon/recto (17)
estômago (11)
cabeça/pescoço (9)
terapêutica
anti
neoplásica
mediana
(IC 95%)
sobrevivência
0%
43%
sob QT ou RT
paliativa
32%
sob QT, RT ou
HT paliativa
doentes por grupo
(%)
mediana
(IC 95%) sobrevivência
(dias)
A
≤4
B
4,5-6
C
6,5-15
A
≤4
B
4,5-6
C
6,5-15
26 dias
NE
17
33
49
134*
(113-155)
89*
(76-103)
23*
(17-29)
NE
60,3
13,9
25,8
68
(52-115)
21
(13-33)
5
(3-11)
26 dias
(20-32)
31,7
22,6
45,7
87
(76-98)†
30
(19-40)†
7
(4-10)†
*média; NE – não especificada.
† média / IC95% - grupo A: 135 (105-165); grupo B: 49 (37-61); grupo C: 25 (17-32).
93
Tal como Stone e col.
145
, confirmámos a sua validade enquanto factor prognóstico
independente, numa população e contexto assistencial distintos dos originais.
Relativamente à validação japonesa
106
, encontrámos diferenças nas amostras
quanto ao local de cuidados (100% doentes internados em UCP no Japão), à
prevalência de edema (63% vs 36%) e de ingestão oral mínima (42% vs 33%). As
médias de sobrevivência dos grupos extremos (A e C) foram contudo semelhantes
nos 2 estudos. Admite-se que tal possa reflectir prevalências de delirium (34% vs
30%) e dispneia (23% vs 17%) na mesma ordem de grandeza bem como um mesmo
perfil de localização primária das neoplasias nas 2 séries.
Comparativamente com o trabalho de Stone, na Irlanda, notámos que o edema foi
cerca de 2 vezes mais frequente e que o nível funcional dos nossos doentes foi mais
baixo (PPS ≥60% - 17% vs 43%), reflectindo uma maior prevalência de delirium
(34% vs 9%) e de ingestão oral mínima (42% vs 17%). Apesar destas diferenças as
medianas de sobrevivências aproximaram-se, sobretudo nos grupos B e C.
O grupo A teve uma mediana de sobrevivência ligeiramente superior à do seu
homólogo irlandês. Diferenças quanto ao tipo de neoplasia (mais tumores do pulmão
nos irlandeses) e à idade (mediana no nosso estudo 61,5 anos vs média global no
trabalho de Stone 70 anos) poderão contribuir para explicar a dissonância.
A tabela 36 resume a acuidade do PPI nas diferentes circunstâncias em que tem
sido testado.
94
Tabela 36.
Comparação da acuidade do PPI em trabalhos prévios com o estudo actual
PPI > 4
Stiel
Morita
Stone
106
145
143
176
VPP
83
91
95
VPN
71
64
Sensibilidade
79
Especificidade
77
(%)
PPI > 6
Stiel
estudo
actual
Morita
Stone
106
145
-
75
80
86
92
-
65
50
-
80
87
76
61
-
86
63
67
81
89
83
56
51
85
80
92
90
71
59
85
94
94
75
75
Yoong
143
Yoong
176
Nos nossos participantes o PPI foi mais sensível para estimativas às 6 semanas que
às 3 semanas.
Comparativamente com aplicações prévias obtivémos uma taxa de falsos positivos
muito elevada nas estimativas às 6 semanas - 41% (25% às 3 semanas). Daí que,
para estimativas às 6 semanas as razões de verossimilhança encontradas foram as
mais baixas de sempre (probabilidade de PPI > 4 e não estar vivo = 2,2 vezes a de
estar vivo; probabilidade de PPI ≤4 e não estar vivo = 0,2 vezes a de estar vivo). As
razões de verossimilhança para estimativas às 3 semanas foram semelhantes às
doutras séries.
.
O PPI mostrou ser um instrumento simples e de aplicação rápida, não dependendo
nem dos resultados de exames complementares nem do juízo clínico. Sugere-se
contudo alguma prudência na sua aplicação perante a evidência de sensibilidades e
valores preditivos negativos baixos nas restantes 2 populações europeias
143,145
onde foi validado.
95
estudo
actual
3. Limitações
Apontam-se várias limitações ao presente trabalho.
Em teoria a primeira intervenção de uma equipa de intrahospitalar de suporte em
Cuidados Paliativos não corresponde a um ponto comum na evolução da doença
oncológica, aspecto essencial nos estudos prognósticos (inception cohort)
48
.
Contudo, a realidade em que trabalhamos permite-nos afirmar que o momento da
referenciação acaba por, na prática, homogenizar os indivíduos quanto ao seu risco
prognóstico já que coincide, habitualmente, com o início da fase de rápido declínio
do nível funcional destes doentes. Apesar de alguns autores sugerirem momentos
de inclusão metodologicamente mais adequados (ex. evidência de progressão sob
uma primeira linha de quimioterapia paliativa) não há para já consenso quanto a este
ponto.
Outra dificuldade metodológica decorreu do facto do médico que formulou o
prognóstico vir a estar directamente implicado nos cuidados subsequentes. Do ponto
de vista ético é inadmissível que alguém altere uma intervenção para melhorar a
acuidade da sua estimativa. Contudo, não podemos, em rigor, excluir que, alguém
ciente de um prognóstico possa, pelo menos subconscientemente, alterar decisões
por exemplo quanto ao tipo de tratamento a instituir.
Não se tendo conseguido a colaboração dos médicos referenciadores e sendo a
investigadora a única médica da equipa, tentou-se minimizar o viés associado ao
potencial impacto da informação fornecida pelo PaP e PPI, calculando as
respectivas pontuações após o final do estudo.
Outra limitação decorre do carácter arbitrário com que foram definidos os intervalos
de adequação clínica. Perante a tipologia de doentes seguidos e na ausência de
96
dados concretos quanto ao impacto de um prognóstico incorrecto sobre o estado
emocional e a qualidade de vida de doentes e familiares
45,48,52,60,74,131,141,142
considerámos intuitivamente que estimativas que se afastassem por mais de 1
semana da semana do óbito (antecedendo-o ou sucedendo-lhe) não seriam
clinicamente adequadas (i.e. inaceitáveis para os profissionais e correndo o risco de
causar marcado sofrimento a doentes e famílias).
Finalmente, a análise contempla apenas participantes de um único centro e um
contexto assistencial particular - acompanhamento por uma equipa interdisciplinar
de cuidados paliativos (em consulta ou em regime de consultadoria em
internamento), instalada num hospital de nível terciário e universitário. Estes
aspectos e o facto de a nossa amostra não representar do ponto de vista do
diagnóstico a população portuguesa com doença oncológica avançada vêm limitar a
generalização dos resultados a outras populações.
E. EM CONCLUSÃO
A complexidade do acto de prever é um dos aspectos centrais desta análise.
Em consonância com a literatura mostrou-se a dificuldade do médico, trabalhando
em cuidados paliativos, em estabelecer previsões adequadas sobretudo em
situações de prognóstico intermédio (1 a 3 meses de vida). O pessimismo da maioria
das estimativas incorrectas é um achado pouco frequente em trabalhos nesta área.
Os dados apresentados validaram a utilidade do PaP e do PPI enquanto
instrumentos orientadores do médico na formulação do prognóstico, sugerindo
algum cuidado na sua aplicação sobretudo nas circunstâncias em que se
97
documentaram sensibilidades baixas. A elevada falibilidade da informação
tradicionalmente extraída da PPS, aqui bem documentada, leva-nos a ser bastante
prudentes ao utilizá-la como modelo prognóstico.
Sendo a discussão do prognóstico e a planificação de cuidados tarefas centrais das
equipas de cuidados paliativos, importa clarificar qual o real impacto na prática
clínica duma estratégia que combina o juízo clínico com os resultados de modelos
preditivos na formulação de um prognóstico, considerando o indivíduo concreto.
98
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Universidade de Lisboa Faculdade de Medicina de Lisboa