DANIEL CARLOMAGNO | SUPER QUEM?
Cada uma das 10 canções de “Super Quem?” tem como pano de fundo as
nossas “invenções”, ou seja, o homem e sua tentativa de dar algum sentido à
transitória existência, aqui no disco “poetizadas” nas coisas simples do dia-a-dia.
Seja numa afetuosa conversa entre pai e filha adolescente:“Viver não é fácil,
mas pode ser uma bela aventura...” (de “Pai e Filha” ), seja indagando: “Quem
vai nos salvar?” (de “Super Quem?), ou na constatação da plena falta de um
sentido: “(...)o que fazer quando a ilusão desaba?” (“Invenções”). O mesmo
tema permeia as canções, ora sutilmente, ora de forma direta, porém sem lhes
tirar a poesia e a simplicidade do cotidiano, passando por “invenções” tão destrutivas quanto a guerra ou tão belas quanto a música.
Bom lembrar que Daniel vem de longa e frutífera trajetória no cenário musical.
É multi-instrumentista, já foi arranjador de meio mundo no cenário artístico, teve
composições gravadas por Ney Matogrosso, Ed Motta, Gilberto Gil, Thiaguinho,
entre outros, tem parcerias com Marcos Valle, Renato Teixeira fez trilhas para TV,
cinema...e por aí vai.
Ao sentar para compor a obra que é lançada agora, teria todos os caminhos
para optar. Como arranjador, poderia usar as camadas infinitas que conhece
para chegar ao resultado almejado. Como compositor, poderia tomar o rumo
musical que melhor lhe conviesse mercadologicamente. Mas a opção foi orgânica – como o trabalho trata da existência humana, da finitude, a proposta foi
de gravar canções. Daquelas compostas em violão. Arranjá-las com a melhor
e mais simples roupa de domingo. No esquema mais belo que a simplicidade
pode trazer.
A gravura da capa numa primeira vista, antes mesmo de se conhecer o mito que
a inspirou, não deixa claro se é um homem em queda livre quando aponta para a
Terra ou em ascenção quando aponta para o céu, ou simplesmente flutua no espaço. Foi esta dúvida (ou falta de sentido) que levou o autor a emprestá-la como
representação do tema do disco. Melhor ainda quando finalmente tomamos conhecimento de que a gravura trata do mito de Phaëton, filho do deus Sol (Hélio).
Phaëton , um “pobre mortal”, é “retratado” no momento em que é fulminado por
Zeus por conduzir a carruagem do pai (Sol) de forma imprecisa e inconstante (ou
humana?) criando um perigoso desequilíbrio na órbita dos planetas.
Daniel abre o disco com um prelúdio em arranjo de cordas suave e tem o primeiro questionamento em “Pai e Filha”, onde interpela a difícil adolescência de
cara com “Viver, eu sei, não é fácil/Mas pode ser uma bela aventura(...)”, numa
canção de acordes otimistas de violão.
“Super Quem?”, que batiza o trabalho, segue a toada do “quem então vai nos
salvar? O homem, esse pobre coitado?” em clima quase oitentista no reforço
de sintetizador às palmas de acompanhamento. Já “Éramos Todos Tão Jovens”
inicia um belo relacionamento da obra com o piano, em balada suave e questiona a pergunta eterna: “e se eu soubesse naquele tempo o que sei hoje?”.
“O Novo de Novo”, com violões suingados, flerta com a MPB e o com Folk, enquanto “Invenções” traz um repertório de texturas em que cita a Suíte n.1 em
Cello, de Bach, na alma que anoitece quando a ilusão desaba.
A relação do disco com o piano fica obviamente mais forte em “O Piano”, em
clima mezzo Secos & Molhados e a lembrança de que “nem sempre o piano é
só um móvel esquecido no canto da sala”.
Tem guitarra e bateria e coro rock´n´roll com direito a falsetes a la Beach Boys
em “Canção Tirada de um Retrato de Jornal”, inspirada em foto de uma criança
morta na guerra do Iraque. Muito por isso, também, referência musicais norte-americanas nos arranjos. E voltamos para o piano belamente tocado, num flerte
com início dos 70, um quê de Arnaldo Baptista, em “A Menina da Bicicleta”, em
que a existência plena é metaforicamente associada às curvas que ensinam o
quanto é frágil o equilíbrio. O tema é inspirado na sonata para piano no. 8 op.13
de Beethoven .
Na roda final, que começa com vinheta – “Interlúdio” -, partimos para o inglês
no texto de “Life´s Generous”, otimista no compasso de piano com citações
de versos de W.B.Yeats, e fechamos com o instrumento em “Piano parte II”. Fechamos é modo de dizer, pois nesse ciclo todo a obra nos lembra que a cobra
da existência morde o próprio rabo e podemos e devemos começar de novo.
Sempre com novos olhos. E ouvidos.
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