Querida Mãe-Tigre,
Você tem sido muito criticada desde a publicação de suas memórias, Grito de guerra da mãe tigre.
Um dos problemas é que as pessoas não entendem o seu senso de humor. Eles pensam que você está
falando sério sobre tudo, e que Lulu e eu fomos oprimidas por nossa mãe má. Isso é tão falso. A
cada quinze dias, nas quintas-feiras, você nos desacorrentava e nos deixava brincar com jogos de
matemática no porão.
Mas, sério, não é culpa deles. Nenhuma pessoa de fora pode saber como é nossa família na verdade.
Eles não nos ouvem rindo das piadas uns dos outros. Eles não nos veem comendo nossos hambúrgueres
com arroz frito. Eles não sabem quanto nós seis nos divertimos – os cães incluídos – ao nos apertarmos
em cima da cama para debater que filme baixar para assistir.
Eu admito: tê-la como mãe não é bolinho. Gostaria de ter ido brincar com meus amigos em algumas
ocasiões e gostaria de ter pulado algumas das lições de piano. Mas agora que tenho 18 anos e estou quase
deixando a caverna do tigre, sou grata pela maneira como você e papai me educaram. E explico por quê.
Muitas pessoas acusaram você de produzir crianças-robô incapazes de pensar por si próprias. Bem,
é engraçado, porque eu penso que essas pessoas são… bom, não importa. De qualquer forma, estava
pensando sobre isso, e cheguei à conclusão oposta: acho que seu jeito rígido me forçou a ser mais
independente. Desde cedo eu decidi ser uma criança fácil de ser educada. Talvez eu tenha puxado
isso de papai – ele me ensinou a não levar em conta o que as outras pessoas pensavam e tomar minhas
próprias decisões –, mas eu também decidi o que queria ser. Não me rebelei, mas também não sofri com
todas as pedras e flechas de uma mãe-tigre. Hoje faço minhas próprias coisas – como construir estufas
no centro da cidade, ouvir Daft Punk no último volume com Lulu no carro e forçar meu namorado a
assistir O Senhor dos Anéis comigo de novo e de novo – desde que eu já tenha estudado piano.
Todo mundo está comentando sobre os cartões de aniversário que nós fizemos para você, e você
rejeitou dizendo que eles não eram suficientemente bons. Engraçado como algumas pessoas estão
convencidas que isso nos marcou por toda a vida. Talvez eu ficasse triste se tivesse colocado meu
coração naquele cartão. Mas vamos encarar a realidade: o cartão era fraco, e você havia me pegado.
Fiz em 30 segundos sem sequer apontar o lápis. Por isso, quando você rejeitou o cartão, não senti que
você estava me rejeitando. Se eu realmente tivesse dado o melhor de mim em alguma coisa, você nunca
jogaria de volta na minha cara.
Lembro-me de caminhar para o palco para uma competição de piano. Eu estava muito nervosa, e você
sussurrou: ‘Soso, você trabalhou o mais duro que pôde. Não importa como vai ser sua apresentação.’
Todo mundo parece acreditar que a arte é espontânea. Mas, Mãe-Tigre, você me ensinou que
precisamos de esforços até para a criatividade. Acho que eu era um pouco diferente das outras crianças
na escola, mas quem disse que isso é ruim? Talvez eu apenas tenha tido sorte de ter ótimos amigos. Eles
costumavam grudar bilhetes na minha mochila dizendo ‘boa sorte na competição amanhã! Você vai se
sair bem!’ Eles iam me ver nos recitais de piano – geralmente por causa dos bolinhos que fazíamos para
depois – e comecei a chorar quando os ouvi gritando ‘bravo!’ no Carnegie Hall.
Quando cheguei ao Ensino Médio, você sentiu que era o momento de me deixar crescer um pouco.
Todas as meninas começaram a usar maquiagem na nona série [equivalente ao nono ano para nós no
Brasil]. Fui até a loja para comprar e aprendi a usar. Não era nada de mais. Você ficou surpresa
quando me viu descendo para o jantar usando delineador, mas não ligou. Você me deixou ter esse rito
de passagem.
Outra crítica que continuo ouvindo é que você está de certa forma promovendo o foco no resultado, mas
você e papai me ensinaram a perseguir o conhecimento pelo conhecimento em si. No penúltimo ano do
Ensino Médio, me inscrevi para estudar história militar, uma disciplina optativa (sim, você me deixou
estudar muitos outros assuntos além de matemática e física). Uma de nossas tarefas era entrevistar
alguém que tinha vivenciado a guerra. Sabia que poderia tirar uma boa nota entrevistando meus avós,
cujas histórias de infância durante a Segunda Guerra Mundial eu já tinha ouvido milhares de vezes.
Quando contei a você, você disse: ‘Sophia, esta é uma oportunidade para aprender algo novo. Você
está indo pela saída mais fácil.’ Você estava certa, Mãe-Tigre. No fim, entrevistei um paraquedista
israelense cuja história mudou a forma como eu enxergava a vida. Devo essa experiência a você.
Mais uma coisa: acho que o desejo de viver uma vida significativa é universal. Para algumas pessoas,
é trabalhar para atingir um objetivo. Para outros, é aproveitar todos os minutos de cada dia. Então,
o que realmente significa viver plenamente? Talvez lutar para ganhar um prêmio Nobel e praticar
skydiving sejam apenas dois lados da mesma moeda. Para mim, não, viver plenamente não tem a ver
com conquista e recompensa. Tem a ver com saber que você tentou atingir, com o corpo e a mente, os
limites de seu potencial. Você sente quando está correndo, e quando a música que você praticou durante
horas finalmente ganha vida sob os seus dedos no piano. Você sente isso quando encontra uma ideia que
muda sua vida, e quando faz, por conta própria, algo que você nunca se julgou capaz de fazer. Se eu
morresse amanhã, morreria com o sentimento que vivi toda a minha vida em 110%.
E, por isso, Mãe-Tigre, eu agradeço.
Sophia.
*Carta escrita por Sophia, filha mais velha de Amy Chua, em defesa da Mãe-Tigre, publicada no New York Post em 18 de janeiro de 2011.
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