UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA SUELEN FRANCEZ MACHADO INTERPRETAÇÃO TEXTUAL DE FILME PUBLICITÁRIO: ESTUDO DE CASO COM ESTUDANTES DA 8ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA Tubarão 2012 SUELEN FRANCEZ MACHADO INTERPRETAÇÃO TEXTUAL DE FILME PUBLICITÁRIO: ESTUDO DE CASO COM ESTUDANTES DA 8ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Gramática de Texto da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Gramática de Texto. Orientador: Prof. Dr. Fábio José Rauen. Tubarão 2012 SUELEN FRANCEZ MACHADO INTERPRETAÇÃO TEXTUAL DE FILME PUBLICITÁRIO: ESTUDO DE CASO COM ESTUDANTES DA 8ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL COM BASE NA TEORIA DA RELEVÂNCIA Esta monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Especialista em Gramática de Texto e aprovada em sua forma final pelo Curso de Especialização em Gramática de Texto da Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, 30 de março de 2012. ______________________________________________________ Professor e orientador Fábio José Rauen, Dr. Universidade do Sul de Santa Catarina Dedico aos meus pais, ao meu irmão e ao meu marido. AGRADECIMENTOS A Deus, por tudo que tem me oportunizado. Ao meu pai, a minha mãe e ao meu irmão por terem me ensinado que a família é a base de tudo e por terem entendido a minha ausência em alguns momentos. Ao meu marido, pelo companheirismo, pelas noites em claro, pelas palavras de motivação, pela dedicação, pelo amor, enfim, por estar ao meu lado em todas as ocasiões. Ao amigo, orientador e mestre, Prof. Dr. Fábio José Rauen, por dividir comigo um pouco de seu conhecimento, por confiar em minha competência e pelos ensinamentos que vão além da academia. Aos professores do curso de Especialização em Gramática de Texto, por compartilharem sua sabedoria e por fazerem parte desta caminhada. Aos colegas do curso de Especialização em Gramática de Texto. Em especial, a Vaniele e a Bárbara, amigas de longa data, ao Pietro e ao Paulo, amigos que fiz no curso. A Ligiane Pessoa dos Santos Bonifácio, pela contribuição que sua dissertação de Mestrado deu ao meu trabalho. Ao Colégio Dehon. Em especial, a professora Janete e aos estudantes da 8ª série 02 que aceitaram fazer parte desta pesquisa. Ao Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior, por confiarem no potencial desta pesquisa. “O segredo da capacidade de convencimento é valer-se de conhecimentos da biologia, da psicologia e da neurociência reunidos em um ‘modelo de influência’ organizados no acrônimo SPICE: simplicidade, percepção do interesse alheio, incongruência, confiança e empatia” (Kevin Dutton). RESUMO Com base na Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (2001 [1995]), esta pesquisa analisou a influência de uma intervenção didática sobre as implicaturas do filme publicitário Closet em textos produzidos em situação pós-teste por estudantes da 8ª série do ensino fundamental do Colégio Dehon de Tubarão (SC) em agosto de 2011. Para tanto, essa pesquisa foi composta por três etapas. Primeiro, solicitou-se aos estudantes uma primeira produção textual com base apenas na audiência do filme publicitário Closet. Segundo, executou-se a intervenção didática cujo objetivo era possibilitar aos estudantes perceber as estratégias utilizadas pelos publicitários para tornar o produto objeto de desejo do telespectador. Após a intervenção didática, os estudantes produziram um segundo texto que, por hipótese, incluiria as questões discutidas na aula anterior. As produções textuais foram analisadas encaixando-se os enunciados dentro de sua forma lógica, preenchendo-se as explicaturas, quando necessário, e derivando implicaturas, quando pertinente. Os resultados, dentre outros, além de confirmar a pertinência descritiva e explanatória da Teoria da Relevância, sugerem, que a intervenção possibilitou o alargamento do ambiente cognitivo dos estudantes, gerando novos efeitos textuais, especialmente técnicos, o que revelou o papel fundamental do professor como formador de opinião. Palavras-chave: Teoria da Relevância. Intervenção Didática. Produção Textual. ABSTRACT Based on Sperber and Wilson’s (2001 [1995]) Relevance Theory, this research has analyzed the influence of a didactic intervention on the implicatures of the advertisement film Closet in post-test texts written by 8th graders at Dehon School, in Tubarão (SC), in August 2011. In order to achieve such a goal, this research consisted in three steps. First, students were asked to write a first textual production based only on hearing the advertisement film Closet. Second, a didactic intervention was made aiming to enable students to understand the strategies used by advertisers to make of the product an object of desire to the customers. After the intervention, students were asked to produce a second text, which, by definition, includes the issues discussed in the previous steps. Each utterance of the text was embedded within their respective logical form, and explicatures and implicatures were elaborated when necessary. The findings corroborated the descriptive and explanatory relevance of Relevance Theory, and suggested, among other things, that the intervention increased the extension of the cognitive environment of students, generating new text effects, especially technical ones; and revealed the crucial role of the teacher as opinion leader. Keywords: Relevance Theory. Didactic Intervention. Textual Production. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Segundo 1 do filme publicitário Closet................................................................... 50 Figura 2 – Segundo 3 do filme publicitário Closet................................................................... 52 Figura 3 – Segundo 7 do filme publicitário Closet................................................................... 53 Figura 4 – Segundo 10 do filme publicitário Closet ................................................................. 55 Figura 5 – Segundo 12 do filme publicitário Closet ................................................................. 56 Figura 6 – Segundo 15 do filme publicitário Closet ................................................................. 57 Figura 7 – Segundo 14 do filme publicitário Closet ................................................................. 58 Figura 8 – Segundo 17 do filme publicitário Closet ................................................................. 58 Figura 9 – Segundo 18 do filme publicitário Closet ................................................................. 59 Figura 10 – Segundo 18 do filme publicitário Closet............................................................... 60 Figura 11 – Segundo 21 do filme publicitário Closet............................................................... 61 Figura 12 – Segundo 23 do filme publicitário Closet............................................................... 62 Figura 13 – Segundo 26 do filme publicitário Closet............................................................... 63 Figura 14 – Segundo 27 do filme publicitário Closet............................................................... 64 Figura 15 – Segundo 28 do filme publicitário Closet............................................................... 64 Figura 16 – Segundo 30 do filme publicitário Closet............................................................... 65 LISTA DE SÍMBOLOS ∅ Elipse de elemento da forma lógica de um enunciado [x] Alguma explicatura x da forma lógica de um enunciado ¬ ‘Não’ lógico ∧ ‘E’ lógico ∨ ‘Ou’ lógico ‘Implicação’ lógica (se..., então...) x, y, z Variáveis lógicas α, β, γ Variáveis indicadoras de circunstâncias em formas lógicas -QU Perguntas do tipo “-QU” (quem, o quê, quando, quanto, onde, como, qual, etc.) SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11 2 TEORIA DA RELEVÂNCIA ............................................................................................ 14 2.1 DO MODELO SEMIÓTICO AO PROCESSO INFERENCIAL DE GRICE ................ 14 2.2 CONHECIMENTO MÚTUO E MANIFESTABILIDADE ............................................ 19 2.3 RELEVÂNCIA E OSTENSÃO ....................................................................................... 20 2.4 COMUNICAÇÃO INFERENCIAL OSTENSIVA ......................................................... 22 2.5 INTENÇÃO INFORMATIVA E INTENÇÃO COMUNICATIVA ............................... 22 2.6 MECANISMO DEDUTIVO ........................................................................................... 23 2.7 FORMA LÓGICA, EXPLICATURA E IMPLICATURA .............................................. 25 2.8 CONDIÇÕES PARA A RELEVÂNCIA......................................................................... 27 2.9 VARIÁVEIS: EXAUSTÃO E SATURAÇÃO ............................................................... 33 3 PUBLICIDADE E PROPAGANDA .................................................................................. 35 3.1 PUBLICIDADE OU PROPAGANDA? .......................................................................... 35 3.2 A ARTE DE SUSCITAR DESEJOS ............................................................................... 37 3.3 FILME PUBLICITÁRIO ................................................................................................. 39 3.4 TELEVISÃO, PROPAGANDA, CRIANÇA E ADOLESCENTE ................................. 42 4 ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................... 44 4.1 METODOLOGIA ............................................................................................................ 44 4.2 ANÁLISE DO FILME PUBLICITÁRIO CLOSET ........................................................ 49 4.3 ANÁLISE DAS PRODUÇÕES DA ESTUDANTE ....................................................... 66 4.4 ANÁLISE REMISSIVA DOS DEMAIS TEXTOS ........................................................ 85 5 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 92 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 94 ANEXOS .................................................................................................................................. 96 ANEXO A – SOLICITAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA............................. 97 ANEXO B – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .............................................. 98 ANEXO C – PRIMEIRA PRODUÇÃO TEXTUAL ............................................................... 99 ANEXO D – SEGUNDA PRODUÇÃO TEXTUAL ............................................................. 100 11 1 INTRODUÇÃO A televisão tornou-se uma grande vitrine para a venda de produtos, serviços, conceitos e tendências. Para tornar essa vitrine atraente, os publicitários envolvem estrategicamente os telespectadores com celebridades, cenários, enredos, jogos de linguagem etc. Entre os gêneros disponibilizados pela mídia televisiva para esse fim, destacam-se os comerciais. Um comercial de televisão é um filme publicitário persuasivo e sedutor cujo objetivo é motivar o telespectador a uma ação, que se traduz, na maioria das vezes, pela compra de um produto, pelo consumo de um serviço ou pela adesão a uma ideia. De acordo com Campos (2005, p. 946), “o discurso publicitário se constitui em um ato de prometer, sugerir, afirmar, apresentar valores visando modificar o ponto de vista do enunciatário”. Dito de outra forma, o discurso publicitário combina estímulos ostensivos para alterar o ambiente cognitivo do telespectador, transmitindo a mensagem desejada sem, muitas vezes, dizê-la explicitamente. Reconhecendo que há hiatos entre a mensagem dita e a mensagem compreendida, Rauen e Machado (2011, 2012) analisaram os estímulos ostensivos que compõem os filmes publicitários Troca e Closet para as Sandálias Havaianas e os processos inferenciais que são necessários para interpretá-los. A partir dessas análises, observou-se que há uma camada ostensivamente explícita, em foregrond, e uma camada que serve de pano de fundo para a primeira, em background. Em outras palavras, esses filmes são formados pelo suporte ficcional, em foreground, e pela mensagem comercial, em background. Com isso, os telespectadores são seduzidos pelo enredo do filme. Tendo em vista que a mídia televisiva exerce grande influência sobre as pessoas, em geral, e sobre os adolescentes, em especial, torna-se importante utilizá-la em sala de aula como um recurso para desenvolver nos estudantes uma leitura reflexiva e crítica. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 47), o professor de Língua Portuguesa deve promover a reflexão sobre como são veiculadas as opiniões, os valores e os saberes nos discursos orais e escritos e, acrescenta-se, nos produtos multimodais a eles vinculados. Nesse esforço, trabalhar no espaço escolar com gêneros midiáticos é de fundamental importância. Toda educação verdadeiramente comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para o desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem que satisfaça necessidades pessoais – que podem estar relacionadas às ações efetivas do cotidiano, à transmissão e busca de informação, ao exercício da reflexão. [...] 12 Cabe, portanto, à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1997, p. 25-26). Recente pesquisa do projeto “Leitura e produção de textos em ambientes interacionais e de ensino e aprendizagem” do grupo de pesquisa Análise do Discurso: Pesquisa e Ensino (GADIPE) do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina utilizou um filme publicitário como recurso para promover o aprimoramento argumentativo da produção textual de estudantes do nono ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal da cidade de Manaus (AM). Com a dissertação intitulada “Influência de intervenção didática sobre estímulos ostensivos de um filme publicitário em textos escritos por estudantes do 9º ano do ensino fundamental: estudo de caso com base na Teoria da Relevância”, Bonifácio (2011) analisou o quanto a atenção a aspectos explícitos e implícitos de um filme publicitário pode colaborar com a construção argumentativa dos estudantes numa produção textual. A autora assim conclui: Nos primeiros textos [pré-teste], prevaleceu o senso comum, a descrição em relação às imagens e enunciados verbais do filme publicitário Bar da Boa 1 – “Introdução”. A maioria dos alunos não demonstrou significativas inferências quanto às associações feitas no filme publicitário. A intervenção propiciou uma análise para que os alunos tivessem leitura mais profunda sobre os constituintes do filme e suas correlações (BONIFÁCIO, 2011, p. 197-198). Como a pesquisa de Bonifácio (2011) foi aplicada numa região com uma realidade educacional difícil, decidiu-se aplicar o estudo com estudantes da 8ª série do ensino fundamental do Colégio Dehon, na cidade de Tubarão (SC). Cabe dizer ainda que a escola esteve em reforma de novembro de 2009 a junho de 2010, tendo iniciado suas atividades letivas do ano de 2010 no início do mês de julho. Até novembro de 2010, os alunos dos nonos anos do período vespertino dessa escola não tinham professor de Língua Portuguesa (BONIFÁCIO, 2011, p. 87). Em comum com a pesquisa de Bonifácio, este trabalho propõe, com base no arcabouço da Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (2001 [1995]), uma produção textual a partir da audiência de um filme publicitário, seguida de uma intervenção reflexiva sobre os estímulos ostensivos desse produto midiático e nova solicitação de produção que, por hipótese, deve incorporar estímulos ostensivos desenvolvidos na intervenção. Para dar conta dessa proposta, três etapas compuseram esse trabalho. Na primeira aula, solicitou-se aos estudantes da oitava série do Ensino Fundamental do Colégio Dehon 13 uma primeira produção com base apenas na audiência do filme publicitário Closet. Na segunda, executou-se a intervenção didática cujo objetivo era possibilitar aos estudantes perceber as estratégias utilizadas pelos publicitários para tornar o produto objeto de desejo do telespectador. Após a intervenção didática, os estudantes produziram um segundo texto que, por hipótese, deveria incluir as questões discutidas na aula anterior. Sendo assim, o presente estudo tem o objetivo de analisar, com base na Teoria da Relevância, a influência de uma intervenção didática sobre as implicaturas do filme publicitário Closet em textos produzidos em situação pós-teste por estudantes da 8ª série do ensino fundamental do Colégio Dehon de Tubarão (SC) em agosto de 2011. De forma mais específica, quer-se verificar se há marcas da intervenção didática e do primeiro texto (pré-teste) na segunda produção textual dos estudantes (pós-teste). Além disso, pretende-se apurar as habilidades inferenciais desses estudantes, partindo-se da hipótese de que a segunda produção textual combina um conjunto de suposições memorizadas com as novas suposições implicadas a partir da intervenção da pesquisadora. Para dar conta dos objetivos propostos, este trabalho monográfico foi organizado em mais quatro capítulos dedicados, respectivamente, à fundamentação teórica de Teoria da Relevância, às noções de Publicidade e de Propaganda, à metodologia, à análise do filme publicitário e à análise dos dados e, por fim, às considerações finais. 14 2 TEORIA DA RELEVÂNCIA A Teoria da Relevância, proposta em 1986 por Dan Sperber e Deirdre Wilson no livro “Relevance: communication and cognition”, é uma teoria pragmático-cognitiva que postula que a cognição humana orienta-se pela relevância. Conforme Wilson e Sperber (2005, p. 221), a afirmação central dessa teoria é a de que enunciados geram expectativas de relevância precisas e previsíveis o suficiente para guiar o ouvinte na direção do significado do falante. Relevância é uma propriedade dos inputs – enunciados, sons, ações, visões, conclusões inferenciais, memórias, pensamentos, etc. – que são direcionados aos processos cognitivos. A constatação de que um input é relevante corresponde à constatação de que seu processamento cognitivo é compensador. Em essência, a relevância é medida pelas noções de efeito cognitivo e de esforço de processamento. Tendo isso em vista, a relevância será maior quando o efeito cognitivo superar o esforço de processamento. Este capítulo apresenta os pressupostos teóricos de Teoria da Relevância. 2.1 DO MODELO SEMIÓTICO AO PROCESSO INFERENCIAL DE GRICE De acordo com Sperber e Wilson (2001 [1995], p. 27), todas as teorias da comunicação até a semiótica moderna baseavam-se num modelo semiótico que defendia que a comunicação ocorria através dos processos de codificação e de decodificação das mensagens. Segundo esse modelo, para a comunicação ser bem sucedida era preciso que os envolvidos compartilhassem da mesma cópia do código e que o sinal não sofresse nenhuma interferência. Nos termos de Silveira e Feltes (2002, p. 18), essa estrutura se aplicaria a situações em que os interlocutores compartilham o domínio da mesma variedade lingüística, e com igual competência. Além disso, eles deveriam compartilhar, por exemplo, o mesmo conjunto de pressupostos culturais, esquemas relevantes de conhecimento de mundo, esquemas de compreensão sobre o tópico do discurso. 15 Devido a essas exigências, podem ser detectadas algumas falhas nesse modelo comunicacional, uma vez que, para ele funcionar perfeitamente, é preciso que os interlocutores compartilhassem, com igual competência, dos mesmos conhecimentos. Para Silveira e Feltes (2002, p. 19), a ideia básica desse modelo é a de que, a partir de um processo supostamente simples de envio e recepção de mensagens, codificar seria algo como empacotar uma mensagem e decodificar seria como desempacotá-la. Em outras palavras, a mensagem seria um objeto que seria empacotado e enviado ao destinatário que facilmente o desempacotaria. Por esse motivo, para Sperber e Wilson (2001 [1995], p. 32), o defeito principal desse modelo comunicacional é o de ser um modelo descritivamente inadequado, já que na compreensão humana existe algo mais do que a codificação de um sinal linguístico. Para ilustrar o argumento desses autores, seguem-se os enunciados: João: Você vai trabalhar? Pedro: A Unisul está em recesso de carnaval. Para compreender essa resposta, é necessário ir além da codificação do sinal linguístico. Ou seja, pode-se inferir e não codificar que a Unisul é o local onde Pedro trabalha e que, devido ao recesso de carnaval, Pedro não trabalhará no dia em que João o questionou. Além das falhas que podem ocorrer nesse processo de codificação e decodificação, segundo Silveira e Feltes (2002, p. 19), esse modelo comunicacional não nos permite compreender os enunciados como oferta, ordem, pedido de ação, ameaça ou repreensão que poderiam ser “interpretações possíveis em contextos específicos, já que uma habilidade interpretativa que envolve um raciocínio inferencial, não contemplada por esse modelo, passa a ser requerida”. Sendo assim, o modelo de código não considera que o mesmo enunciado em contextos distintos terá diferentes interpretações, conforme exemplos abaixo: Rosana, que está ansiosamente aguardando a promoção da geladeira duplex, ouve um comercial das casas Bahia com a oferta de uma geladeira duplex com 70% de desconto. Diante disso, ela se vira para o marido e pergunta: Rosana: Você não vai lá? Nesse exemplo, pode-se interpretar o enunciado como um pedido de ação. Ou seja, a mulher provavelmente espera que o marido vá a loja comprar a geladeira. No caso a seguir, o mesmo enunciado poderia ser interpretado como uma ameaça. 16 Rosana, que já pediu inúmeras vezes ao marido para cortar o gramado do jardim, diz a ele que se ele não o fizer, ele não vai ao futebol com os amigos à noite. Diante da indiferença do marido, ela diz em tom ameaçador: Rosana: Você não vai lá? Percebendo que o modelo semiótico não dava conta de abrigar essas situações contextuais, Grice (1967, 1975 apud Silveira e Feltes 2002) desenvolveu um modelo inferencial de comunicação através da noção de implicatura. 1 A tese de Grice é a de que há uma lacuna entre o enunciado do falante e a compreensão do ouvinte. No processo interpretativo, esse hiato deveria ser preenchido por inferência em vez de ser preenchido por decodificação. O processo inferencial proposto por Grice possibilitaria explicar os conteúdos explícitos e implícitos das mensagens. O autor sugere, em seu modelo, que há um acordo de cooperação denominado Princípio de Cooperação entre os envolvidos no processo comunicacional, isto é, entre falante e ouvinte. Esse acordo “está ligado a quatro categorias constituídas por máximas, que deveriam ser obedecidas, a fim de possibilitar uma comunicação bemsucedida” (SILVEIRA; FELTES 2002, p. 22). O Princípio de Cooperação e suas máximas: Princípio de Cooperação: Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está engajado. Categorias e Máximas: I – Quantidade a) Faça sua contribuição tão informativa quanto é requerido. b) Não faça a sua contribuição mais informativa do que é requerido. II – Qualidade a) Não diga aquilo que você acredita ser falso. b) Não diga aquilo para o qual você não dispõe de evidência adequada. III – Relação Seja relevante. IV – Maneira a) Evite obscuridade de expressões. b) Evite ambigüidade. c) Seja breve. d) Seja ordenado. No entanto, nem sempre essas máximas propostas por Grice são obedecidas. É justamente com base nessas violações que Grice fundamenta suas noções de implicatura con- 1 Segundo Sperber e Wilson, (2001 [1995], p. 75), “Grice dá o nome de implicaturas às suposições e às conclusões adicionais [...], fornecidas a fim de preservarem a aplicação do princípio cooperativo e das máximas”. 17 versacional particularizada, implicatura conversacional generalizada e implicatura convencional cuja interpretação se dá em nível inferencial. No exemplo a seguir, há violação das máximas de quantidade (Ia) – faça sua contribuição tão informativa quanto é requerido, de relação (III) – seja relevante, e de maneira (IVc) – seja breve, uma vez que aparentemente Bruna não responde adequadamente ao questionamento de Ana. Entretanto, a resposta de Bruna provavelmente satisfará Ana e, assim, mesmo com essas violações, a comunicação será bem sucedida. Ana - Você vai à aula hoje? Bruna - Tenho uma consulta agendada para as 20 horas e 15 minutos no 3º andar da Clínica Pró-vida de Tubarão com o Dr. Pedro Martins para tratar de uma dor na escapula direita que já me incomoda faz meses. Se a aula ocorrer no período noturno, uma interpretação possível é a de que Bruna não irá. PQ P – Tenho uma consulta agendada para as 20 horas e 15 minutos no 3º andar da Clínica Pró-vida de Tubarão com o Dr. Pedro Martins para tratar de uma dor na escapula direita que já me incomoda faz meses. Q – Não irei à aula. No entanto, se a aula ocorrer no período vespertino, por exemplo, pode-se inferir que Bruna irá à aula, uma vez que a consulta, em tese, não a impediria. PQ P – Tenho uma consulta agendada para as 20 horas e 15 minutos no 3º andar da Clínica Pró-vida de Tubarão com o Dr. Pedro Martins para tratar de uma dor na escapula direita que já me incomoda faz meses. Q – Irei à aula. Essas interpretações que variam de acordo com o contexto são denominadas por Grice implicaturas conversacionais particularizadas. Segundo Silveira e Feltes (2002, p. 24), Grice compreende implicatura conversacional como o resultado da soma do que é dito (decodificado); do princípio de cooperação e máximas (obedecidas, substituídas ou violadas); e do contexto. Retomando o exemplo anterior, o mecanismo de dedução das implicaturas poderia ser explicado desta forma: a partir da resposta de Bruna e do conhecimento prévio de Ana sobre o horário da aula, mesmo que Bruna tenha infringido três máximas, Ana pode concluir 18 que “sim” ou que “não”. Dessa forma, a interpretação se dá implicitamente através do processo de implicatura. Vejamos outro exemplo, tomado de Silveira e Feltes (2002), aqui adaptado. André - Fábio vai sair? Bruno - Ele está ensinando um menino. Num primeiro momento, observa-se que o uso do pronome indefinido na resposta de Bruno violou a máxima de qualidade (IIa). Entretanto, André supõe que Bruno tenha sido cooperativo e que ele não foi mais específico pelo fato de não conhecer o menino e supor que André também não o conhecia. Grice denomina essa implicatura de implicatura conversacional generalizada, uma vez que a compreensão é dependente de pistas linguísticas. Numa outra implicatura, a convencional, o significado linguístico das palavras contidas no enunciado contribui decisivamente para a interpretação. Nesse tipo de implicatura a inferência ocorre independente do contexto conversacional, conforme exemplo abaixo em que a conjunção adversativa é fundamental: Ela é mulher, mas sabe dirigir automóvel. Inferência: Mulheres não sabem dirigir. De acordo com Grice, se obedecermos ao Princípio Cooperativo e às máximas, as chances de se obter sucesso num nível implícito da comunicação aumentam, possibilitando, assim, ir além do que está explícito na mensagem. Uma das críticas feitas por Sperber e Wilson (2001 [1995]) com relação à proposta de Grice é que não se pode elevar um modelo inferencial a uma teoria geral da comunicação, já que na comunicação, além do processo inferencial, também há processos de decodificação. Para esses autores, o modelo semiótico e o modelo inferencial não são excludentes. Assim como o código tem um papel a desempenhar no processo de comunicação, sem, entretanto, explicá-lo completamente, uma teoria inferencial forte da comunicação é empiricamente inadequada. No processo inferencial, os interlocutores tentam reconhecer reciprocamente suas intenções e conhecimentos mútuos. Evidencia-se, então, nesse ponto, a noção de mutualidade (SILVEIRA; FELTES, 2002, p. 26). Na noção de conhecimento mútuo, parte-se da premissa de que falantes e ouvintes compartilham mutuamente dos mesmos conhecimentos. Todavia, na seção seguinte, se verá que essa noção é empiricamente inadequada. 19 2.2 CONHECIMENTO MÚTUO E MANIFESTABILIDADE Para Sperber e Wilson (2001 [1995]), a noção de contexto refere-se a ambientes cognitivos. Em outras palavras, o contexto não se limita às informações ligadas ao ambiente físico imediato e nem as informações contidas na memória, uma vez que o contexto é construído durante o processo comunicacional. “Um contexto é uma construção psicológica formada por um subconjunto das suposições que o ouvinte tem do mundo” (SPERBER; WILSON, 2001 [1995], p. 45-46). Embora os envolvidos no processo comunicacional possam comungar de lembranças razoavelmente semelhantes, não se pode garantir que eles relatarão igualmente um mesmo fato. Por esse motivo, questiona-se a noção de conhecimento mútuo. Por conhecimento mútuo, entende-se que falantes e ouvintes devam compartilhar, de maneira idêntica, das mesmas representações do mundo. Para Sperber e Wilson, a hipótese do conhecimento mútuo impõe uma condição de certeza relativa à mutualidade de conhecimento, especificamente sobre as suposições contextuais envolvidas. Entretanto, essa certeza não pode ser garantida. E se a certeza não pode ser garantida, a hipótese não se sustenta (SILVEIRA; FELTES, 2002, p. 26-27, negrito no original). Para o modelo semiótico, o conhecimento mútuo é uma necessidade, já que a comunicação ocorre apenas através da codificação e da decodificação de mensagens. Sperber e Wilson (2001 [1995]) não negam que as pessoas compartilham informações, porém defendem que a noção de informação partilhada é conceitualmente vaga. Ou seja, não é possível que todos construam uma mesma representação, uma vez que há diferenças nos ambientes físicos mais restritos e nas capacidades cognitivas do indivíduo. Tendo isso em vista, os autores propõem a noção de manifestabilidade. Para eles, manifesto é aquilo que pode ser inferido ou percebido. De acordo com os autores, os acontecimentos podem ser mais ou menos manifestos ao indivíduo. O conjunto desses graus de manifestabilidade das suposições compõe o que Sperber e Wilson (2001 [1995]) denominam ambiente cognitivo. Um ambiente cognitivo de um indivíduo é “o conjunto de todos os fatores que ele tem a capacidade de apreender ou inferir: todos os fatores que lhe são manifestos” (SPERBER; WILSON, 2001 [1995], p. 80). Além disso, uma suposição é manifesta dentro de um ambiente cognitivo se esse ambiente fornecer uma evidência suficiente para sua adoção. 20 O fato de os interlocutores partilharem de um ambiente cognitivo não implica que acionem as mesmas suposições, já que as pessoas não partilham de seus ambientes físicos totais. Diante disso, Sperber e Wilson (2001 [1995]) propõem as noções de ambiente cognitivo mútuo e de manifestabilidade mútua ao invés de conhecimento mútuo e de informação compartilhada, respectivamente. Num ambiente cognitivo mútuo, as suposições serão mutuamente manifesta aos interlocutores. Assim, os seres humanos conseguem de algum modo comunicar em situações onde muito se pode supor acerca do que é mutuamente manifesto para outros, onde muito se pode supor acerca do que é mutuamente manifesto para eles próprios e para os outros, mas nada se pode supor ser verdadeiramente conhecido ou suposto mutuamente (SPERBER; WILSON, 2001 [1995], p. 88). Todavia, as noções de ambiente cognitivo mútuo e de manifestação mútua não explicam o porquê de se acionar uma suposição e não outra. Pensando nisso, os autores defendem que o indivíduo tem a intenção de alterar o ambiente cognitivo de seu interlocutor. Além disso, como se verá na seção seguinte, eles argumentam que a cognição humana é guiada pelo princípio de relevância. 2.3 RELEVÂNCIA E OSTENSÃO A tese principal de Sperber e Wilson (2001 [1995]) é a de que a mente humana orienta-se pela relevância, ou seja, nossos recursos cognitivos são direcionados às informações que nos parecem relevantes. 2 Outra questão apresentada pelos autores é que os seres humanos são eficientes no processamento de informações, mas que essa eficiência só pode ser definida em relação a uma meta. No que se refere à noção de meta, elas podem ser absolutas ou relativas. As primeiras consistem em realizar algo que em qualquer momento pode ou não existir, como por exemplo, a resolução de um problema. As segundas consistem em elevar alguma variável e são conseguidas apenas até certo grau, como por exemplo, a multiplicação da prole. A efici2 De acordo com Sperber e Wilson (2002 [1995], p. 247), uma das diferenças entre a Teoria da Relevância e a abordagem de Grice é que o princípio de relevância da Teoria da Relevância é muito “mais explícito do que o princípio cooperativo e as máximas de Grice”. Outra diferença “é Grice supor que na comunicação existe um maior grau de cooperação” do que Sperber e Wilson acreditam. 21 ência das metas absolutas é uma questão de se chegar a elas com o mínimo possível de esforço. Já para as metas relativas é uma questão de se conseguir um equilíbrio entre custo e benefício. O processamento de informações é contínuo. Assim, a eficiência cognitiva pode ocorrer em longo ou em curto prazo. A eficiência cognitiva de longo prazo ocorre através do aperfeiçoamento do conhecimento que se tem, dados os recursos disponíveis. No que se diz respeito à eficiência cognitiva de curto prazo, os recursos precisam concentrar-se no processamento das informações que, possivelmente, contribuirão com baixo custo de processamento com as metas cognitivas gerais. Para que o esforço de processamento não supere o efeito cognitivo, é necessário que as novas informações conectem-se as representações já existentes no indivíduo. Quando as informações novas e antigas são usadas em conjunto como premissas num processo inferencial podem-se derivar mais informações novas. Nos termos de Sperber e Wilson (2001 [1995], p. 92), “quando o processamento de informações novas dá origem a um tal efeito de multiplicação, chamamos-lhes relevante. Quanto maior for o efeito da multiplicação, maior é a relevância”. Os autores defendem que os seres humanos objetivam o processamento mais eficiente possível de informações. “A meta cognitiva especial de um indivíduo num dado momento é sempre uma instância de uma meta mais geral: a maximização da relevância da informação processada” (SPERBER; WILSON, 2001 [1995], p. 92). Na interação humana, as pessoas recorrem a meios que possibilitem maximizar a relevância da informação, tornando-a manifesta. Esses meios podem ser, dentre outros, expressões visuais ou corporais, movimentos, sons e cheiros. Tudo isso, quando usado em prol de uma comunicação bem-sucedida, é o que os autores denominam ostensão. O comportamento ostensivo é usado para tornar manifesto a alguém alguma informação. Por exemplo, o policial utiliza o apito como recurso ostensivo para tornar manifesto ao motorista que se trata de uma blitz de trânsito. De acordo com Sperber e Wilson (2001 [1995], p. 95), todo ato de ostensão transmite uma garantia de relevância e isso torna manifesta a intenção que está atrás da ostensão. Tendo isso em vista, discute-se na próxima seção o modelo inferencial da comunicação. 22 2.4 COMUNICAÇÃO INFERENCIAL OSTENSIVA Na ostensão, há informações que simplesmente chamam a atenção e há informações que chamam intencionalmente a atenção para o primeiro nível de informações. Segundo Sperber e Wilson (2001 [1995]), é possível o primeiro nível ser recuperado sem o segundo. Em outras palavras, o falante pode ser manifesto para o ouvinte sem o ser intencionalmente. No entanto, na maioria das vezes, é necessário o reconhecimento da intenção que fica atrás da ostensão para a informação ser processada de maneira eficiente. No que se refere ao processo comunicacional, os autores postulam que cabe ao falante ser ostensivo e ao ouvinte inferir. Assim, a comunicação inferencial e a ostensão integram o mesmo processo, porém visto do ponto de vista do comunicador que se envolve com a ostensão e do ponto de vista do receptor que se envolve com a inferência. Na comunicação inferencial ostensiva, “a pessoa que comunica produz um estímulo que torna mutuamente manifesto à pessoa que comunica e aos receptores que a pessoa que comunica tenciona, por meio desse estímulo, tornar manifesto ou mais manifesto aos receptores um conjunto de suposições” (SPERBER; WILSON, 2001 [1995], p. 112). Em outras palavras, a comunicação inferencial ostensiva consiste em tornar mais manifesto possível a intenção de se tornar manifesto um nível básico de informação. Sendo assim, pode ser descrita nas noções das intenções informativa e comunicativa. 2.5 INTENÇÃO INFORMATIVA E INTENÇÃO COMUNICATIVA A intenção informativa pode ser definida como uma intenção do comunicador de causar uma modificação no ambiente cognitivo do receptor. Entende-se, aqui, a intenção como sendo um estado psicológico. Para Sperber e Wilson (2001 [1995], p. 105), “uma pessoa que comunica produz um estímulo com a intenção informativa de tornar manifesto ou mais manifesto ao receptor um conjunto de suposições {I}”. Assim, as suposições são tratadas por graus de manifestabilidade. Na comunicação por ostensão, produzem-se estímulos cujos objetivos são o de realizar uma intenção informativa e o de ter a intenção comunicativa para “tornar mutuamente 23 manifesto ao receptor e à pessoa que comunica que a pessoa que comunica tem uma intenção informativa” (SPERBER; WILSON, 2001 [1995], p. 109). Em outras palavras, cabe à intenção informativa fazer com que o receptor preste a atenção na mensagem que se deseja transmitir e cabe à intenção comunicativa fazer com que a intenção informativa transmitida pela pessoa que comunica seja mutuamente manifesta. A título de exemplo, num filme publicitário estão em jogo intenções informativas e comunicativas. Dito de outra forma, o comunicador tem a intenção informativa de alterar o ambiente cognitivo do telespectador e tem a intenção comunicativa de fazer com que o telespectador reconheça a sua intenção. Descritas as intenções comunicativas e informativas, apresenta-se o mecanismo dedutivo. 2.6 MECANISMO DEDUTIVO O mecanismo dedutivo humano, proposto pela teoria da relevância, é um sistema que explicita o conteúdo de qualquer conjunto de suposições que lhe seja submetido. Sperber e Wilson (2001 [1995]) defendem a hipótese de que o mecanismo, quando apresentado com um conjunto de suposições, deverá fazer a computação do conjunto complexo das implicações não triviais, definidas pelas suas regras de dedução, como parte do seu processamento regular de funcionamento. De acordo com Sperber e Wilson (2001 [1995], p. 141), “uma regra de dedução é uma computação que se aplica às suposições em virtude da sua forma lógica. Uma implicação lógica é uma relação sintática por existir puramente em virtude das propriedades formais das suposições [...]”. As regras de dedução podem ser analíticas ou sintéticas. Na regra analítica – eliminação-e, escolhe-se uma única suposição como entrada de dados e dá como resultado uma das suas conjuntas constituintes. Na regra sintética – modus ponendo ponens, toma-se uma suposição condicional e a sua antecedente como entrada de dados e dá como resultado a consequente da condicional. Seguem-se exemplos dessas duas regras dedutivas: Eliminação-e P∧Q João é pai de Fernanda e é casado com Laura. 24 João é pai de Fernanda. Modus Ponens – Se P então Q PQ Se João não acordar às 7 horas, ele chegará atrasado ao trabalho. P João acordou às 8 horas. Q João chegou atrasado ao trabalho. Na regra de eliminação-e, entre duas suposições verdadeiras, eliminando-se a conjunção “e”, cada suposição é isoladamente verdadeira. Na regra de modus ponens, quando P é afirmada, segue-se necessariamente Q, dada uma relação de implicação entre duas proposições. Além disso, há a regra lógica clássica de modus tollendo ponens que toma como entrada de dados um par de premissas, sendo uma proposição complexa disjunta e a outra a negação de uma das proposições em disjunção, e dá-se como resultado a outra disjunta: Modus tollendo ponens P∨Q João acordará às 7 horas ou João acordará às 8 horas. ¬P João não acordou às 7 horas Q João acordou às 8 horas. P∨Q João acordará às 7 horas ou João acordará às 8 horas. ¬Q João não acordou às 8 horas P João acordou às 7 horas. Essa regra “aplica-se somente às premissas que contêm uma ocorrência designada de conceito ou, e dá como resultado as conclusões de que essa ocorrência foi eliminada”, (SPERBER; WILSON (2001 [1995], p. 146). Sperber e Wilson creem que o sistema de regras de dedução seja eficiente para reduzir o número das suposições que o indivíduo armazena na memória, para chegar às conclusões, para fazer a extração das implicações adquiridas das informações conceituais novas e para aumentar o impacto dessas informações sobre as representações conceituais armazenadas do mundo. Assim, uma função central do mecanismo dedutivo é, portanto, a de fazer a derivação, espontânea, automática e inconscientemente, das implicações contextuais de quaisquer informações apresentadas de novo dentro de um contexto de informações antigas. Em igualdade de condições, quanto maior for o número das implicações contextuais, mais essa nova informação irá melhorar a existente representação do mundo do indivíduo. O mecanismo dedutivo está também no centro das inferências não demonstrativas espontâneas: é uma fonte primordial de suposições, e os seus processam afetam a força tanto das teses iniciais como das finais nas deduções que desempenha (SPERBER; WILSON (2001 [1995], p. 174-175). 25 Em suma, o mecanismo de dedução tem essencialmente a função de analisar e de manipular o conteúdo conceitual das suposições, sendo essa função desempenhada pelas regras de eliminação ligadas às entradas lógicas dos conceitos. Para Sperber e Wilson (2001 [1995]), os conceitos e as formas lógicas são objetos psicológicos considerados num nível abstrato. Cada conceito é composto por um endereço que desempenha a função de armazenar e de recuperar informações, e de ser constituinte de uma forma lógica. Para cada nova informação, há uma entrada específica dentro de uma entrada que pode ser lógica, enciclopédica e lexical: a) A entrada lógica refere-se a informações de caráter computacional e é formada por um conjunto finito de regras dedutivas aplicadas às formas lógicas das quais são constituintes; b) A entrada enciclopédica refere-se às informações, de caráter representacional contidas na memória do indivíduo que variam com o tempo; c) A entrada lexical, de caráter representacional, compõe-se de informações linguísticas sobre o conceito. 2.7 FORMA LÓGICA, EXPLICATURA E IMPLICATURA Buscando descrever e explicar os níveis da compreensão, Sperber e Wilson (2001 [1995]) dividem-nos em três níveis representacionais: a) o nível da forma lógica, que depende da decodificação linguística; b) o nível da explicatura, em que a forma lógica é desenvolvida através de processos inferenciais de natureza pragmática; e c) o nível da implicatura, que parte da explicatura para a construção de inferências pragmáticas. De acordo com Sperber e Wilson (2001 [1995], p. 125), a forma lógica pode ser definida como “um conjunto estruturado de constituintes que passa pelas operações lógicas formais determinadas pela sua estrutura”. Uma forma lógica é proposicional quando é semanticamente completa. Quando a forma lógica é enriquecida com traços linguisticamente codificados e contextualmente inferidos obtêm-se a explicatura do enunciado. Diferente das explicaturas, as implicaturas são suposições que não são comunicadas de maneira explícita. 26 No processamento de um estímulo verbal, assim como na análise que dele se pode fazer, sua forma linguística é encaixada em uma forma lógica, que, em geral, é semanticamente incompleta ou não proposicional. Em seguida, essa forma lógica é enriquecida pragmaticamente até a obtenção de uma explicatura, entendida como uma forma proposicional semanticamente completa para a qual se pode atribuir um valor de verdade. Em boa parte das vezes, essa forma proposicional funciona como uma premissa implicada, gerando dedutivamente uma conclusão implicada [...] denominada de implicatura (RAUEN; MACHADO, 2012). Para ilustrar esses três níveis representacionais, segue enunciado retirado do filme publicitário a ser analisado nesta pesquisa. No filme publicitário, Daniel de Oliveira representa uma pessoa que está indecisa sobre que pares de sandálias Havaianas ele deve usar dentre um conjunto de opções de sandálias de seleções de futebol. Na cena em questão, ele procura pelo par de sandálias Havaianas da seleção de futebol da Itália. Ele diz: (1) “Havaianas da Itália?” A partir desse enunciado tem-se a seguinte forma lógica: (2) (estar x, αlugar). No nível da explicatura, há várias complementações de ordem pragmática como a de identificar que se trata de sandálias, de sandálias de seleção de futebol, que o ato em questão é essas sandálias estarem em algum lugar e esse lugar é justamente o que o ator não sabe. Veja-se: (3) [AS SANDÁLIAS] Havaianas da [SELEÇÃO DE FUTEBOL DA] Itália Ø [ESTÃO] Ø [EM ALGUM LUGAR]. Preenchidas as lacunas, pode-se ainda descrever uma explicatura de alto nível que inclua a atitude proposicional em jogo. No caso, trata-se de uma questão. (4) DANIEL QUESTIONA DANIEL EM QUE LUGAR ESTÃO AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ITÁLIA. E, no nível da implicatura, pode-se chegar à suposição de que se Daniel questiona a localização das sandálias, ele provavelmente está procurando as sandálias. Veja-se: (5) Daniel provavelmente está procurando as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Itália. 27 Nesse conjunto de descrições, a versão (2) captura a forma lógica do enunciado linguístico (1), segundo a qual algo deve estar em algum lugar. A versão (4) captura o questionamento de Daniel, que inclui a explicatura (3), onde algo equivale às NAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ITÁLIA SANDÁLIAS HAVAIA- e o lugar equivale à dúvida de Daniel. A conclusão de que Daniel provavelmente está procurando as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol é uma conclusão implicada. Ou seja, é a implicatura do enunciado linguístico de Daniel. 2.8 CONDIÇÕES PARA A RELEVÂNCIA Nos estudos da comunicação e da cognição3, a relevância pode ser compreendida pelas noções de efeito contextual e de esforço de processamento de suposições. Recorrendo aos termos de Sperber e Wilson (2001 [1995], p. 199), “a avaliação da relevância, assim como a avaliação da produtividade, é uma questão de equilíbrio entre o rendimento (output) e o investimento (input): neste caso, o equilíbrio entre os efeitos contextuais e o esforço de processamento”. Sendo assim, dizer que um input – enunciado, som, ação, visão, pensamento, memória, conclusão inferencial – é relevante equivale a afirmar que o seu rendimento é satisfatório. Ou seja, torna-se viável processar uma suposição quando o efeito obtido no processamento é superior ao esforço requerido. Tendo isso em mente, comparemos os enunciados a seguir: No feriado de carnaval, muitas pessoas exageram no consumo de bebidas alcoólicas e, por isso, envolvem-se em acidentes. No feriado de carnaval, muitas pessoas exageram no consumo de bebidas alcoólicas e, por isso, envolvem-se em acidentes, como o que aconteceu no último dia 15 de janeiro no quilômetro 333 da BR 101. Quando os dois enunciados são processados tem-se efeitos contextuais semelhantes, porém há uma informação adicional no segundo enunciado que requer um esforço maior 3 Conforme Silveira e Feltes (2002, p. 37), “Sperber e Wilson (1986, 1995), tendo como ponto de partida o modelo inferencial de Grice (1975), desenvolvem uma teoria da comunicação particularmente voltada para a compreensão dos enunciados. Trata-se de uma abordagem pragmático-cognitiva que toma por base uma característica inerente à cognição humana: os indivíduos prestam atenções apenas aos fenômenos que lhes parecem relevantes. Em outras palavras, partem da idéia de que comumente prestamos atenção a estímulos que, em alguma medida, vêm ao encontro de nossos interesses ou que se ajustam às circunstâncias do momento”. 28 de processamento. Por esse motivo, pode-se dizer que o primeiro enunciado é mais relevante que o segundo, uma vez que consegue um efeito contextual similar com um menor esforço de processamento. De acordo com Sperber e Wilson (2001 [1995], p. 206), “os efeitos contextuais e o esforço de processamento são dimensões não representacionais dos processos mentais”. Por isso, eles existem mesmo que indivíduo não tenha consciência de avaliá-los e mesmo que eles não estejam representados conceitualmente. Ou seja, a relevância não precisa estar representada ou computada para ser conseguida. Um input – uma entrada – quando processado num contexto de suposições disponíveis poderá trazer efeito cognitivo através da reorganização dessas suposições. Em outras palavras, a nova informação é relevante quando ela interage com o contexto cognitivo existente e gera efeitos cognitivos. Essa interação pode ocorrer de três maneiras: (a) Fortalecimento das (fornecendo mais evidência para as) suposições existentes; (b) Contradição das (fornecendo evidência decisiva contra as) suposições existentes; (c) Combinações com as suposições existentes para dar como resultado implicações contextuais – conclusões deriváveis da junção da entrada de dados e do contexto, mas nunca somente da entrada de dados nem nunca somente do contexto (SPEBER; WILSON, 2001 [1995], p. 11). Para ilustrar esses efeitos, tome-se a seguinte situação: João, que reside em Tubarão, foi passar o carnaval em Florianópolis. Nesse cenário, supõe-se que o contexto cognitivo de João é formado por este conjunto de suposições: S1 – Eu provavelmente pegarei fila no retorno a Tubarão; S2 – Se eu não pegar fila, eu não chego tarde a Tubarão; S3 – Se eu pegar fila, eu chego tarde a Tubarão. Antes de pegar a estrada, João liga para Pedro, que já está a caminho de Tubarão, para perguntar como está o trânsito. Pedro responde que o trânsito está parado. Essa resposta faria com que João, provavelmente, pensasse: S4 – Eu pegarei fila no retorno a Tubarão. Essa nova informação gera dois efeitos cognitivos quando processada no contexto S1-3. Ela fortalece a suposição S1 e combina-se com a suposição S3 para gerar, por modus ponens, a implicação contextual S5: 29 P Q P Q S3 – Se eu pegar fila, eu chego tarde a Tubarão; S4 – Eu pegarei fila no retorno a Tubarão; S5 – Eu chegarei tarde a Tubarão. Sendo assim, já que a resposta de Pedro gerou esses efeitos, pode-se dizer que ela foi relevante. Imagine-se, agora, que Pedro responde que o trânsito está fluindo, isto é, não há congestionamento. Essa resposta geraria a seguinte suposição S6: S6 – Eu não pegarei fila no retorno a Tubarão. Essa nova suposição enfraquece a suposição S1 de que João provavelmente pegaria fila no retorno a Tubarão. De acordo com os pressupostos teóricos da Teoria da Relevância, entre duas suposições contraditórias elimina-se aquela que se tem menos evidência. Além do mais, a suposição S6 com a suposição S2 fornece evidências para a conclusão S7: ¬P ¬Q ¬P ¬Q S2 – Se eu não pegar fila, eu não chego tarde a Tubarão; S6 – Eu não pegarei fila no retorno a Tubarão; S7 – Eu não chegarei tarde a Tubarão. Assim, a informação 6 é relevante em função desses efeitos de contradição/enfraquecimento e de implicação contextual. Todavia nem sempre as informações novas são relevantes. Essas informações poderão ser irrelevantes quando são tautológicas, descontextualizadas ou fornecem evidências mais fracas do que a suposição já assumida. Resumindo, pode-se dizer que, Em igualdade de condições, quanto maiores são os efeitos cognitivos conseguidos pelo processamento de uma entrada de dados, maior é a sua relevância. No entanto, no processamento da entrada de dados, e na derivação desses efeitos, existe algum esforço mental. Em igualdade de condições, quanto menor é o esforço de processamento requerido, maior é a relevância (SPERBER; WILSON, 2001 [1995], p. 11). Além do mais, a noção de até onde vale a pena o esforço de processamento varia de indivíduo para indivíduo e conforme a situação. “As mudanças no estado de alerta no que se refere à atenção podem alterar a vontade de uma pessoa se sujeitar a um certo esforço de processamento: em algumas ocasiões, a esperança de conseguir um dado nível de efeito contextual bastará, e noutras, não” (SPERBER; WILSON (2001 [1995], p. 207). Do ponto de vista psicológico, “o conjunto de suposições que se encontra dentro da memória do mecanismo dedutivo no começo do processo de dedução pode ser dividido em 30 dois subconjuntos apropriados, cada um atuando como o contexto em que é processado o outro subconjunto” (SPERBER; WILSON (2001 [1995], p. 215). Essa definição formal possibilita esclarecer a distinção entre a informação nova que se encontra em foreground, no primeiro plano de atenção, e a informação antiga que é levada em consideração, mas que permanece em background, como pano de fundo da atenção. Desse modo, supomos que um passo crucial dentro do processamento da informação nova, e em especial da informação comunicada verbalmente, é a sua combinação com um conjunto adequadamente selecionado das suposições de fundo – que assim constitui o contexto – dentro da memória do mecanismo dedutivo. [...] No entanto, isso não quer dizer que se possa tornar em contexto qualquer subconjunto arbitrário do conjunto total das suposições disponíveis ao organismo. A organização da memória enciclopédica do indivíduo e atividade mental em que ele se encontra ocupado limita a classe dos contextos potenciais donde se pode escolher um contexto real num dado tempo (SPERBER; WILSON 2001 [1995], p. 215). Não se processam novas informações com a mente vazia, pois quando se processa uma nova informação ainda se tem na mente suposições anteriormente processadas. Sendo assim, as pessoas têm um armazém de memória de curto prazo cujos conteúdos não são simplesmente apagados. Sperber e Wilson (2001 [1995] sugerem que a escolha de um contexto para os processos inferenciais, em geral, e para a compreensão, em especial, é em parte determinada em qualquer dado momento pelos conteúdos da memória do mecanismo dedutivo, pelos conteúdos do armazém das finalidades gerais das memórias de curto prazo, e pelos conteúdos da enciclopédica e pelas informações que podem ser imediatamente tiradas do ambiente físico. Esses fatores determinam um leque de contextos possíveis. Além do mais, esses autores defendem que os seres humanos processam as informações de forma mais produtível possível, ou seja, eles tentam obter de cada nova informação um efeito contextual que supere o esforço de processamento investido. Por isso, não se determina primeiro o contexto e depois se avalia a relevância. Dito de outro modo, as pessoas esperam que a informação processada seja relevante e buscam um contexto para maximizar essa relevância. Após cada processo dedutivo, os indivíduos têm um conjunto especial de contextos acessíveis. Nesse conjunto, os contextos são ordenados conforme a acessibilidade. De acordo com a Teoria da Relevância, do mesmo modo que há esforço para processar uma informação dentro de um contexto, também há esforço para apreender um contexto. Por isso, quanto mais acessível é um contexto para um indivíduo, maior é o efeito envolvido na sua apreensão. 31 No que se refere à relevância para o indivíduo, Sperber e Wilson (2001 [1995], p. 224) afirmam que “uma suposição é relevante para um indivíduo num dado momento se, e apenas se, for relevante num ou mais dos contextos acessíveis a esse indivíduo nesse momento”. Supondo-se que o indivíduo objetiva alcançar a relevância máxima e que essa estimativa afeta o seu comportamento cognitivo, defende-se que na obtenção da relevância máxima faz parte a seleção do contexto que possibilite o melhor equilíbrio entre efeito e esforço. Quando esse equilíbrio é alcançado, diz-se que a suposição foi otimamente processada. Nesse sentido, os autores apresentam duas condições de relevância para um indivíduo: Condição de extensão 1: Uma suposição é relevante para um indivíduo quando, depois de ser processada otimamente, são em grande número os efeitos contextuais conseguidos. Condição de extensão 2: Uma suposição é relevante para um indivíduo quando é requerido um esforço pequeno para a processar otimamente (SPERBER; WILSON 2001 [1995], p. 225). Para melhor elucidar essa questão de relevância para o indivíduo, tem-se abaixo um exemplo adaptado de Sperber e Wilson (2001 [1995]): Professor: João, você fez a tarefa? João: Minha avó faleceu ontem. Passei o dia todo envolvido com isso. Depois de interpretar a resposta de João, supõe-se que o professor tenha na memória do seu mecanismo dedutivo um contexto inicial composto por estas suposições: S1 – A avó de João faleceu. S2 – João passou o dia todo envolvido com a morte da avó. S3 – Se a avó de João faleceu, ele não fez a tarefa. S4 – João só não faz a tarefa quando acontece algo muito grave. As duas primeiras suposições são expressas pelos enunciados de João. A terceira e a quarta são premissas das combinações das duas primeiras suposições. As outras suposições que a professora poderia ter tido na memória do seu mecanismo dedutivo quando interpretou a resposta de João falharam por não terem dado origem a efeitos contextuais e, portanto, foram apagadas no final do processo interpretativo. A professora pode estender esse contexto inicial através do acréscimo de várias porções de informação ao contexto, como por exemplo: Porção 1: Informações enciclopédicas sobre João, incluindo a suposição de que João é um bom aluno. 32 Porção 2: Informações enciclopédicas sobre a professora. Porção 3: Informações enciclopédicas sobre como é perder a avó. As porções 1-3 são acessíveis num único passo do contexto inicial. Cada uma dessas extensões potenciais faz com que se tornem acessíveis mais extensões, cada uma por sua vez. Por exemplo, a informação de que João é bom aluno torna acessível à porção 4: Porção 4: Informações enciclopédicas sobre ser bom aluno. São possíveis mais níveis de extensão e mais extensões a cada nível. Por isso, cada processo do pensamento deixa a mente num estado caracterizado por um contexto dado inicialmente e por possíveis extensões. Todavia, cada nova extensão de contexto tem como meta maximizar a relevância para o indivíduo. Sendo assim, a extensão da porção 4 tem relevância no contexto inicial 1-4 pelo fortalecimento da implicação contextual 4. Se tivermos razão em supor que uma cadeia de pensamentos humanos é conduzida pela procura de relevância máxima, então a mente deveria tentar escolher, a partir de quaisquer fontes que tenha à disposição, incluindo os seus próprios recursos internos, as informações que tenham a maior relevância no contextual inicial: isto é, as que tenham os maiores efeitos contextuais e que requeiram o menor esforço de processamento (SPERBER; WILSON, 2005 [1995], p. 228). De acordo com esses autores, dois princípios básicos sustentam a arquitetura conceitual de Teoria da Relevância: o cognitivo, em que a mente humana dirige-se para a maximização da relevância; e o comunicativo, em que enunciados geram expectativas precisas de relevância. Em outras palavras, os recursos cognitivos humanos dirigem-se para as informações que parecem relevantes ao indivíduo e o falante gera uma expectativa de relevância ótima pelo simples ato de se dirigir ao ouvinte. Com relação à presunção de relevância ótima, que leva em consideração os interesses da pessoa que comunica e dos receptores, os autores assim a define: Presunção de relevância ótima (a) O conjunto das suposições {I} que a pessoa que comunica tenciona tornar manifesto ao destinatário é suficientemente relevante para valer a pena ao destinatário processar o estímulo ostensivo. (b) O estímulo ostensivo é o mais relevante que a pessoa que comunica podia ter utilizado para comunicar {I} (SPERBER; WILSON, 2001 [1995], p. 242). 33 Sendo assim, o falante, almejando a relevância ótima do ouvinte, buscará o estímulo ostensivo relevante o suficiente para que a nova informação mereça ser processada cognitivamente por ele. 2.9 VARIÁVEIS: EXAUSTÃO E SATURAÇÃO Conforme Rauen (2008), em tese, a aplicação contínua e exaustiva do princípio cognitivo de relevância implica na obtenção de informações relevantes. Todavia, precisam ser levadas em consideração as variáveis de exaustão dos recursos cognitivos e as variáveis de saturação dos estímulos salientes. Sendo limitados os recursos de energia, o indivíduo deve controlar o gasto energético para não desgastar precocemente sua habilidade de fornecer recursos cognitivos. Quando os organismos não conseguem monitorar o dispêndio de energia, os efeitos tendem a ficar cada vez menos eficazes até que sobrevenha o limite de exaustão. Dito de outra forma, mesmo que o indivíduo seja guiado pelo princípio de relevância, sua eficiência no processamento dependerá de suas capacidades energéticas. Segundo Rauen (2008, p. 42), há duas consequências não triviais para o processamento de informações numa variável de exaustão: a) embora, em tese, um organismo possa aumentar o custo de processamento para obter maiores efeitos cognitivos, essa estratégia tem de ser compensada por estratégias de minimização de custos, mesmo que a eficiência também seja minimizada em termos de efeitos cognitivos; b) A eficiência cognitiva em termos da otimização de efeitos cognitivos em relação ao custo de processamento é inversamente proporcional ao tempo de investimento de energia para a obtenção desses efeitos cognitivos, de forma que o aumento de custo implica aumento de eficiência apenas em curto prazo e abaixo de um ótimo de Pareto (RAUEN, 2008, p. 42). Então, mesmo que se possa aumentar o custo de processamento visando maiores efeitos cognitivos, há um limite a partir do qual o investimento energético não surte mais o efeito desejado. A título de exemplo, o estudante, em tese, tende a aumentar o custo de processamento para compreender a explicação do professor, porém a compreensão pode se tornar cada vez mais difícil à medida que as matérias se sucedem até um limite de exaustão em que ela é quase que inatingível. Cabe ressaltar que para que isso não ocorra, o professor tem a 34 possibilidade de utilizar outras linguagens para viabilizar a compreensão por parte do estudante. A segunda variável refere-se ao processo de saturação. Para Rauen (2008, p. 43), essa variável refere-se “a capacidade de um estímulo sucessivamente repetido sensibilizar o organismo, de modo que sua consideração ainda gere algum efeito cognitivo que compense o esforço cognitivo dispensado”. Em outras palavras, repetir sucessivamente uma suposição tende a deixá-la mais forte ou mais factual, até um limiar teórico de saturação quando ela passa a ser trivial, tornando-se irrelevante. Intuitivamente, os publicitários têm utilizado a reiteração de suposições, baixando, assim, o dispêndio energético de processamento dos consumidores. A título de exemplo, no filme publicitário Closet, reitera-se um evento de escolha das sandálias Havaianas em foreground até que essa reiteração atinja um limiar de saturação para além do qual essa discussão torna-se transparente e não mais surte a relevância desejada. Todavia, para que essa camada mais evidente seja processada, é preciso que ela se sustente em suposições factuais em background, pois essa camada de informação não pode estar desconectada do ambiente cognitivo dos telespectadores. Em outras palavras, há uma mensagem ostensivamente explícita em foreground e a mensagem última pretendida pelo anunciante em background nos comerciais. O background costuma ser o mesmo em todos os comerciais de um produto de uma mesma marca, fixando-a no ambiente cognitivo do telespectador. Por outro lado, o foreground modifica-se a cada novo comercial, gerando, em tese, novos estímulos ostensivos que despertam a atenção do telespectador até um limiar de saturação. Após considerações sobre as reiterações de suposições nos comerciais de televisão, direcionam-se o olhar, no capítulo seguinte, às noções de publicidade e de propaganda que são fundamentais para compreensão do que vem a ser um comercial de televisão e o quanto ele influência a sociedade contemporânea. 35 3 PUBLICIDADE E PROPAGANDA Este capítulo apresenta aspectos centrais sobre publicidade e propaganda. Na primeira seção, questiona-se se os termos publicidade e propaganda são equivalentes. Na segunda, discorre-se sobre as estratégias utilizadas pelos publicitários para encantar o consumidor pelo o que se anuncia. Na terceira seção, apresentam-se as características dos filmes publicitários. Na quarta seção, discute-se a influência da mídia televisiva sobre as crianças e os adolescentes. 3.1 PUBLICIDADE OU PROPAGANDA? Na língua portuguesa, os vocábulos publicidade e propaganda ora são usados como sinônimos, ora como complementares e ora como distintos. No que se refere à etimologia, conforme Bueno (1986, p. 3216), o termo propaganda, provém do latim propagare, deriva de uma das congregações da Igreja Romana, a Propaganda Fidei, fundada para propagar a fé. Além disso, esse vocábulo diz respeito à ação de propagar ideias, doutrinas e também produtos que são artefatos da indústria e do comércio. Já o termo publicidade, segundo Bueno (1986, p. 3256), provém do latim publicus e se refere à divulgação, isto é, tornar público no sentido de divulgado. Segundo Farias (2006, p. 1), “enquanto a publicidade tem a finalidade de divulgar comercialmente um produto ou um serviço, a propaganda visa a um objetivo ideológico, religioso, filosófico, político, econômico ou social”. Então, segundo esse autor, cabe à publicidade vender e à propaganda impulsionar reflexões. O Serviço à Pastoral da Comunicação reconhece que há diferenças, principalmente relacionadas à origem dos dois vocábulos, porém afirma que “com o tempo, ambos os termos publicidade e propaganda ganharam identidade própria e, genericamente, passaram a designar toda ação capaz de tornar público ou divulgar um fato, num sentido semelhante ao dos atuais veículos de comunicação em massa” (SEPAC 2003, p. 15). Para Santos (2005, p. 16), a indefinição dos termos reflete nos cursos intitulados “Publicidade e Propaganda” em que se têm os dois termos coordenados, levando-se a inferir 36 que se trata de coisas diferentes ou, pelo menos, complementares. “Se forem sinônimos, o correto não seria só publicidade ou só Propaganda? Ou ainda, se são campos distintos, a qual dos significados de publicidade e a qual dos significados de propaganda se relaciona à formação proporcionada pelo curso? (SANTOS, 2005, p. 16). Segundo Brito (2008, p. 7), “o termo propaganda é usado quando a veiculação na mídia é paga, já publicidade refere-se à veiculação espontânea”. Todavia, Santos (2005, p. 17), defini-os de maneira diferente. Nas palavras do autor, Publicidade: é todo o processo de planejamento, criação, produção, veiculação e avaliação de anúncios pagos e assinados por organizações específicas (públicas, privadas ou do terceiro setor). Nessa acepção, as mensagens têm finalidade de predispor o receptor a praticar uma ação específica (por exemplo, comprar um produto, abrir conta em um determinado banco, reciclar embalagens etc.). Essa ação tem localização no tempo e no espaço podendo ser quantificada. Propaganda: visa a mudar a atitude das pessoas em relação a uma crença, a uma doutrina ou a uma ideologia. Embora muitas vezes utilize as mesmas ferramentas da publicidade, a propaganda não tem finalidade de levar as pessoas a praticarem uma ação específica ou imediata. Ela visa a uma mudança das atitudes do público em relação a uma idéia. Tem lugar na mente dos indivíduos ou no imaginário social e é de difícil quantificação (SANTOS, 2005, p. 17, negrito no original). Sandmann (2003, p. 10) considera o termo propaganda mais abrangente do que publicidade. Para ele, o vocábulo publicidade “é usado para venda de produtos ou serviços e propaganda tanto para propagação de idéias como no sentido de publicidade” (SANDMANN, 2003, p. 10). Em Carvalho (1998, p. 10) encontra-se a definição de que “a publicidade é mais ‘leve’, mais sedutora que a propaganda”, porém, a autora, em termos gerais, utiliza os vocábulos publicidade e propaganda como sinônimos. Em suma, entende-se, aqui, que cabe à publicidade divulgar comercialmente um produto ou um serviço visando um retorno financeiro e cabe à propaganda disseminar mensagens ideológicas a fim de mudar ou consolidar crenças e atitudes. Em outras palavras, a publicidade visa um retorno imediato e a propaganda um retorno em longo prazo. Por esse motivo, defende-se que os dois vocábulos são complementares, isto é, quando um anúncio publicitário é lançado espera-se que ele impulsione o consumidor imediatamente a compra do produto, mas também se tem a expectativa de modificar ou consolidar, conforme o caso, a crença do consumidor com relação aquele produto. Dessa forma, reconhecendo que, semanticamente, o limiar entre os termos publicidade e propaganda é tênue, opta-se, nesta pesquisa, por usá-los como sinônimos. 37 3.2 A ARTE DE SUSCITAR DESEJOS A publicidade tornou-se uma fábrica simbólica cujas principais funções são a de suscitar desejos e a de realizar sonhos. Desta forma, adquirir produtos passou a ser sinônimo de felicidade. Conforme Carvalho, “ao contrário do panorama caótico do mundo apresentado nos noticiários dos jornais, a mensagem publicitária cria e exibe um mundo perfeito e ideal, verdadeira ilha da deusa Calipso, que acolheu Ulisses em sua Odisséia [...]” (1998, p. 11). Todavia, ainda conforme a autora, essa mensagem ultrapassa o limite dos sonhos, mesclando prazer e realidade. Dito de outro modo, o texto publicitário cria um cenário de contos de fada para, no fim, transmitir a mensagem última pretendida, isto é, vender o que é anunciado. De modo geral, a publicidade objetiva transmitir com eficácia a mensagem de um anunciante. Para alcançar esse fim, os publicitários utilizam estratégias verbais e não verbais para tornar o que é anunciado mágico e encantador. Segundo Carvalho (1998, p. 25), “a estratégia para conquistar o público por meio da projeção e da identificação depende do registro da linguagem, isto é, o texto e a imagem da mensagem publicitária devem estar adequados ao segmento de mercado que se destina”. Ou seja, na construção de um texto publicitário é preciso levar em consideração o público que se deseja atingir. Dentre as estratégias discursivas utilizadas pelos publicitários, destaca-se a argumentação falaciosa. A falácia é um argumento logicamente inconsistente, possível de ser invalidado e incapaz de ser provado. Argumentos destinados à persuasão, como no caso dos anúncios publicitários, podem parecer convincentes mesmo contendo falácias. Dentre as falácias usadas nos anúncios publicitários, têm-se as falácias de apelo ao povo, de apelo à autoridade e de apelo ao novo. A utilização de falácias na publicidade demonstra que os seres humanos não se orientam necessariamente pela lógica estrita. Além disso, de acordo com Carvalho (1998, p. 106), os publicitários constroem a mensagem privilegiando fatos que estão em emergência para atrair a atenção do consumidor e, acrescenta-se, para diminuir o esforço cognitivo necessário para a compreensão do anúncio. A título de exemplo, na Copa do Mundo de Futebol, os meios de comunicação voltam-se aos assuntos relacionados ao futebol, sendo assim se a campanha publicitária abordar essa temática, que, em tese, já faz parte do ambiente cognitivo de boa parte da população, é bem provável que o anúncio torne-se relevante ao consumidor. Em outras palavras, o anúncio precisa estar atrelado a questões que já estão no ambiente cognitivo do consumidor para que se tenha 38 uma diminuição do esforço cognitivo necessário para processá-lo e, por isso, seja um estímulo ostensivo merecedor de atenção. Sendo assim, “o texto publicitário, qualquer que seja a mensagem implícita, é o testemunho de uma sociedade de consumo e conduz a uma representação da cultura a que pertence, permitindo estabelecer uma relação pessoal com a realidade particular” (CARVALHO, 1998, p. 106). Dessa forma, a publicidade recorre estrategicamente a elementos específicos da sociedade para, a partir deles, dar ênfase aos aspectos que se conectam ao produto ou ao serviço que se deseja vender ou a mensagem que se deseja transmitir. Por esse motivo que nos textos publicitários há mensagens explícitas e mensagens que são inferidas a partir do que é dito. Em outros termos, o consumidor, na maioria das vezes, é persuadido explicitamente e é seduzido implicitamente. Entende-se persuasão por convencimento e sedução por encantamento. Além do mais, o produto precisa parecer esteticamente agradável. Quanto mais atraente for o produto, mas as pessoas desejarão tê-lo. Dentre os recursos estéticos utilizados pelos publicitários, tem-se a composição das cores presentes no cenário e na embalagem do produto anunciado. Segundo César (2001, p. 185), o homem, que é atraído psicologicamente pelos tons, reage de maneira mais emotiva do que racional diante das cores. Por esse motivo, segundo o autor, é que a propaganda e os meios de comunicação abusam das cores para despertar sensações, atrair e influenciar o consumo. A propaganda, então, primeiro trata de fazer a estética da mercadoria, transformando-a num desejável distintivo para o consumidor, que espera obter certo êxito particular. Depois, quando o distintivo for transferido ao consumidor por meio da aquisição da mercadoria, procura-se fazer a estética do consumidor, cuja ostentação de bens fascinantes se supõe atrair sentidos e desejos dos outros, tal como a mercadoria é produzida para atrair os sentidos e os desejos do consumidor, graças à imagem criada pela propaganda (VESTERGAARD; SCHRODER, 2000, p. 173). Na publicidade, apresenta-se uma saudade do que era bom e um futuro promissor se o consumidor adquirir o produto ou o serviço anunciado. Com isso, o presente torna-se incompleto e marcado pela falta. Sendo a incompletude inerente do ser humano, a publicidade busca trabalhar justamente com ela para despertar nos consumidores o desejo pelo que se anuncia. Vestergaard e Schroder (2000, p. 132) acreditam que a propaganda torna-se um espelho mágico, fundamentando-se no desejo subconsciente de um mundo melhor. Além disso, a informação torna-se argumento de persuasão e de sedução nas campanhas publicitárias. De acordo com Gomes (2003, p. 35), “persuadir supõe convencer e, para tanto, é preciso motivar”. Na publicidade, a informação é ostensivamente manipulada para 39 motivar e para induzir o público a adquirir um produto ou um serviço que supostamente satisfaria suas necessidades fisiológicas, chamadas primárias, ou psicológicas, chamadas secundárias. Conhecidas, em linhas gerais, algumas estratégias utilizadas pelos publicitários para seduzir e para persuadir o consumidor, na seção seguinte, apresentam-se, especificamente, características de filmes publicitários que é o objeto de análise desta pesquisa. 3.3 FILME PUBLICITÁRIO A televisão tornou-se uma grande vitrine para a venda de produtos, serviços, conceitos e tendências. Para tornar essa vitrine ostensivamente relevante, os publicitários envolvem os telespectadores com celebridades, cenários, enredos, jogos de linguagem, entre outras estratégias. De acordo com Cabral (1991, p. 9), atualmente a maioria dos produtos veiculados na mídia televisiva não busca atender necessidades expressas, mas suscitar desejos. Um dos gêneros disponibilizados pela mídia televisiva para esse fim é o comercial. O comercial de televisão é um filme publicitário persuasivo e sedutor cujo objetivo é motivar o telespectador a uma ação, que se traduz, na maioria das vezes, pela compra de um produto, pelo consumo de um serviço ou pela adesão a uma ideia. Nesta luta para atrair a simpatia do público, suscitar seu interesse e seu desejo e, na medida do possível, desencadear o reflexo de compra de um produto, a arma mais sofisticada, a mais bem afinada dos anunciantes continua sendo o filme publicitário, o das salas de cinema e, sobretudo, aquele que aparece na televisão (RAMONET, 2002, p. 34). Sendo assim, esses filmes precisam combinar em poucos segundos estratégias visuais e discursivas relevantes o suficiente para tornar manifestos os desejos dos telespectadores. Conforme Elin e Lapides (2006, p. 44), o mercado estabeleceu como duração padrão para os comerciais de televisão 15, 30 e 60 segundos. Nesse curto espaço de tempo, o publicitário deve “chamar a atenção do espectador, manter seu interesse no que está sendo apresentado, convencê-lo por meio de algum tipo de mensagem, e por fim motivá-lo à ação”. Trata-se de uma produção condensada de estímulos intencionalmente abertos para esses fins. 40 De acordo com Cabral (1991, p. 78), os primeiros três segundos de exibição são fundamentais para o filme publicitário, uma vez que nesse período o telespectador interessa-se pelo comercial ou dele se alheia. Por isso, o comercial precisa transmitir a mensagem de maneira clara, simples, direta e objetiva. A mensagem central, o tema e a história são fundamentais para a produção dos comerciais. A mensagem é inserida na história. O tema desponta do conceito de criação e em função da parte visual e sonora que compõem o comercial. A história é contada através da linguagem verbal e não verbal viabilizada por técnicas como os ângulos de câmera, a iluminação, o ritmo, o som, o enquadramento, etc. Vale destacar que, em função das características próprias dos comerciais de televisão, eles são produzidos levandose em conta os interesses do anunciante, as particularidades da linguagem cinematográfica e as características do veículo de comunicação. No que diz respeito às técnicas de ângulo e de enquadramento da câmera, destacase que elas são essenciais para direcionar o olhar do telespectador ao que se quer que ele observe. Ou seja, a câmera torna-se uma personagem importante para a trama. Nos filmes publicitários, é o jogo dos planos que impõe o ritmo cinematográfico. O plano consiste na distância entre a câmera e o objetivo filmado. Dentre os tipos de plano, têm-se o plano geral, o plano conjunto, o plano médio, o plano americano, o primeiro plano e o plano detalhe. O plano geral é a visão panorâmica na qual se destaca o cenário; o plano conjunto é mais reduzido que o plano geral e passa a chamar a atenção para as personagens; o plano médio mostra as personagens bem visíveis, porém ainda de corpo inteiro; o plano americano exibe a personagem dos joelhos para cima; o primeiro plano apresenta a personagem ocupando a tela inteira; e o plano detalhe foca apenas em um objeto. Em virtude desse contexto cinematográfico, “na estrutura de cada filme publicitário, podemos distinguir duas partes diferentes e dissociáveis: o suporte ficcional e a mensagem comercial” (RAMONET 2002, p. 56). Dito de outro modo, os filmes publicitários são formados pelo suporte ficcional, em foreground, e pela mensagem comercial, em background. Com isso, os telespectadores são seduzidos pelo enredo do filme. A título de exemplo, no comercial Troca para as Sandálias Havaianas tem-se uma mulher que prefere trocar de companhia a retirar as Havaianas, porém essa troca é apenas um simulacro para a mensagem última pretendida pelo anunciante. Isto é, independente da companhia ou da ocasião use sempre Sandálias Havaianas. De acordo com Ramonet (2002, p. 53), “o filme publicitário é um gênero discreto. Nas salas, ele não é anunciado; nas emissoras, os programas de televisão sequer o mencionam. Esta discrição que parece contrária à sua obstinada preocupação de eficácia, mostra-se 41 necessária para fazer-se aceitar”. Em outras palavras, o filme publicitário precisa aparecer naturalmente nos intervalos da programação televisiva para que o telespectador tenha a sensação de que a programação é contínua, isto é, o intervalo das programações não pode ser o momento em que ele se afasta da televisão. Além do mais, o filme publicitário é visto como um espetáculo, já que ele apresenta o produto, “cujos méritos elogia, numa dramatização que termina inevitavelmente num happy end, isto é, precisamente a descoberta do produto-milagre que permite aceder à felicidade” (RAMONET, 2002, p. 63). Na maioria das vezes, o filme publicitário procura ser risível. Segundo esse mesmo autor, a comédia é uma das categorias em que se enquadram os filmes publicitários, porém ela é usada, ou acrescenta-se, mais usada, quando a marca já se impôs no mercado. Dito de outro modo, a marca precisa estar razoavelmente estabelecida para trazer a comédia para o anúncio, pois quando ela está conquistando espaço é necessário demonstrar as suas qualidades que se sobressaem das da concorrência e, para isso, é necessário, em sua maioria, que o comercial tenha um caráter descritivo ou testemunhal. Outra estratégia utilizada pelos publicitários é associar o produto anunciado às celebridades para tornar a mensagem mais convincente. Um exemplo são os comerciais das Sandálias Havaianas que focam não apenas no produto, mas também nos usuários que, em sua maioria, são artistas que estão em destaque na mídia. Assim, a criação e o esforço de manutenção de ídolos associam essa produção àquela do fenômeno religioso ou àquela de heróis da pátria. Ressalvado que a imagem criada (pelo imaginário) é mais um teatro com personagens estereotipadas (criam-se papéis – personificação: do latim persona, significando “máscara”). Acrescenta-se, ainda, que os comerciais buscam valorizar, diferenciar e tornar familiar o que está sendo anunciado. Por esse motivo, os publicitários têm utilizado nos comerciais uma linguagem coloquial e/ou uma linguagem utilizada pelo público-alvo que se deseja atingir. Com isso, eles objetivam aproximar o telespectador do produto ou do serviço, tornando-os familiar. Sendo assim, é bem provável que o telespectador familiarize-se com o contexto e isso talvez o impulsione a comprar o que está sendo anunciado. Por fim, a cada novo comercial planta-se no telespectador um novo desejo de compra. Um desejo que supostamente será satisfeito quando o produto for comprado. No entanto, essa satisfação logo é esquecida, uma vez que outros produtos são lançados e novos desejos tornam-se manifestos. 42 3.4 TELEVISÃO, PROPAGANDA, CRIANÇA E ADOLESCENTE Os meios de comunicação, em geral, e a televisão, em particular, exercem forte influência sobre as atitudes, os valores e os comportamentos dos seres humanos. Além do mais, a televisão acompanha o percurso existencial das pessoas, sendo, na maioria das vezes, ditadora de padrões sociais. No que se refere à criança e ao adolescente, isso é ainda mais forte, uma vez que a televisão “é a mídia mais consumida e a atividade de lazer mais freqüente entre crianças e adolescentes” (SAMPAIO, 2004, p. 172). Além disso, em tese, esse público é mais vulnerável por estar em processo de formação social, cultural e pessoal. Dentre os gêneros presentes na mídia televisiva, destacam-se as propagandas veiculadas nos intervalos dos programas. Segundo Ferreguett (2009, p. 35), todos os integrantes da moderna sociedade do consumo são influenciados pela propaganda, sendo difícil escapar de sua influência. Então, crianças e adolescentes são constantemente estimulados a desejarem novos produtos e, consequentemente, artefatos simbólicos a eles vinculados, visto que “ao adquirir um objeto, estamos comprando também a identidade e o valor que foi atribuído a ele por meio da propaganda” (FERREGUETT, 2009, p. 38). Na sociedade atual, as crianças e os adolescentes estão ocupando cada vez mais papéis no que se refere à compra do produto. Por esse motivo, é que eles tem se tornado alvo da publicidade. Para Sampaio (2004, p. 150), o descobrimento do potencial de consumo da criança e do adolescente funciona como mola propulsora de sua presença e de sua expressividade na mídia. Assim, “a criança e o adolescente deixam de ser uma questão de interesse particular de pais e educadores, tornando-se alvo do interesse da propaganda, particularmente da publicidade, e do marketing” (SAMPAIO, 2004, p. 147). Mesmo quando não é direcionada a criança e ao adolescente, a propaganda utiliza estratégias para encantá-los, em especial através de melodias e de cores. Conforme Ramonet (2002, p. 63), as crianças atentam-se mais a forma e ao ritmo da propaganda do que a sua mensagem comercial, porém “elas retêm os slogans ou refrões e se tornam como que repetidoras, retransmissoras, caixas de ressonância que reproduzem incansavelmente as fórmulas da publicidade que ouviram. Depois, no centro comercial, a criança se tornará a voz da publicidade no ouvido dos pais”. Ou seja, os publicitários conseguem mais efeito com um menor custo. 43 Outra questão, conforme Ferreguett (2009, p. 38), são os apelos sedutores da propaganda sustentados por meio da criação de estereótipos individuais e coletivos. Ou seja, a sociedade estabelece padrões e a propaganda oferece meios para alcançá-los. Vale ressaltar que muitas vezes é a própria propaganda que impõe os estereótipos a serem conquistados. Assim, o anunciante cria e personifica objetos e serviços que coincidam com atributos dados aos estereótipos que passam a nos representar. O ideal masculino é normalmente representado por imagens do homem vigoroso e bem-sucedido; o feminino é de beleza e sensualidade; o dos idosos é a sabedoria e a realização pessoal na terceira idade; o da criança, a pureza, a inocência e a alegria. (FERREGUETT, 2009, p. 38). Reconhecendo que a propaganda, conforme Ferreguett (2009, p. 39), “atua sobre nossas carências materiais e psíquicas e oferece uma espécie de compensação encantadora à rotina diária da compra de objetos industrializados”, torna-se importante trazer para a sala de aula o estudo analítico sobre as mensagens implícitas nesse produto midiático. 44 4 ANÁLISE DOS DADOS Este capítulo destina-se a descrição metodológica da pesquisa e as análises do filme publicitário e das produções textuais. Na primeira seção, descrevem-se os aspectos metodológicos e as hipóteses de pesquisa. Na segunda, apresenta-se a análise do filme publicitário Closet. Na terceira, analisam-se as produções textuais em situação pré e pós-teste da estudante escolhida. Na quarta seção, faz-se uma análise remissiva das produções textuais dos demais estudantes. 4.1 METODOLOGIA Esse trabalho monográfico integra o projeto de pesquisa “Interpretação, leitura e produção de textos em ambientes interacionais e de ensino e aprendizagem” vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem. Assim como outras pesquisas derivadas desse projeto, defende-se a hipótese de que a forma lógica, a explicatura e a implicatura, propostas pela Teoria da Relevância, possibilitam uma descrição empírica e uma explicação adequada dos processos ostensivo-inferenciais envolvidos na comunicação. Sendo assim, esses três níveis representacionais serão utilizados, aqui, para analisar o filme publicitário, num primeiro momento, e as produções textuais dos estudantes, por fim. Para tanto, o trabalho foi composto pelas seguintes etapas: a) A pesquisadora analisou, com o aparato descritivo e explanatório da Teoria da Relevância, o filme publicitário Closet das Sandálias Havaianas; b) Na primeira aula, foi solicitado aos estudantes da oitava série do Ensino Fundamental do Colégio Dehon a produção de um texto expositivo-argumentativo tendo como base apenas a audiência do filme publicitário Closet; c) De posse das primeiras produções textuais, a pesquisadora elaborou a intervenção didática destacando, principalmente, os estímulos ostensivos não contemplados nessas produções; d) Na segunda aula, executou-se a intervenção didática com o objetivo de ampliar a percepção dos estudantes para as estratégias utilizadas pelos publicitários para tornar o produto objeto de desejo do telespectador; 45 e) Após a intervenção didática, na terceira aula, os estudantes produziram um segundo texto que, por hipótese, deveria incluir as questões discutidas na intervenção didática. Três hipóteses impulsionam essa pesquisa: a) A primeira hipótese, de ordem operacional, é a de que o arcabouço teórico da Teoria da Relevância possibilitará descrever e explicar os processos inferenciais necessários para: compreender para além da mensagem ostensivamente explícita e compreender o caminho cognitivo percorrido pelo aluno ao produzir o texto; b) A segunda hipótese, de trabalho, é a de que a segunda produção textual combinará um conjunto de suposições da memória enciclopédica do aluno com as novas suposições implicadas a partir da intervenção da pesquisadora; c) A terceira hipótese, de trabalho, é a de que será possível encontrar na segunda produção textual indícios das suposições do primeiro texto (pré-teste), indícios das suposições decorrentes das interações na intervenção didática e indícios de novas suposições. No que se refere à execução da pesquisa, destacam-se aqui aspectos da delimitação da escola, da seleção dos estudantes, da obtenção dos textos e da intervenção docente. Com relação à escola, escolheu-se o Colégio Dehon de Tubarão por ser uma escola situada próximo ao local de trabalho da pesquisadora e por ser uma escola que é conhecida por oportunizar aos estudantes momentos de reflexão e de crítica. Além do mais, trata-se de um contraponto com a escola pública de Bonifácio, uma vez que o Colégio Dehon é uma escola particular. No Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série trabalhamos com uma metodologia que permite ao aluno utilizar-se dos conhecimentos apreendidos em sala para resolver situações do cotidiano. O incentivo à pesquisa, à experimentação e à argumentação são práticas adotadas em todas as disciplinas. A proposta pedagógica do colégio no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª aproxima o ensino das novas tecnologias, do cotidiano dos adolescentes, e busca através da contextualização dos conteúdos e de recursos diversificados, desenvolver a responsabilidade, a autonomia e o pensamento crítico (UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA/COLÉGIO DEHON). No que diz respeito aos sujeitos da pesquisa, escolheu-se a última série do Ensino Fundamental por serem estudantes que estão processo de transição da pré-adolescência para a adolescência e, por isso, estão numa fase de questionamentos. A turma escolhida foi indicada pela docente responsável pelas aulas de Língua Portuguesa por ser uma turma interessada e participativa. Tendo escolhido a escola e os sujeitos, passamos a coleta dos dados. Durante a coleta dos dados, todas as interações aluno-aluno e pesquisadora-aluno foram gravadas mediante 46 autorização expressa do Colégio. Na primeira aula, no dia 31 de agosto de 2011, a pesquisadora explicou aos estudantes o motivo que a trazia; entregou folhas com os enunciados verbais do filme publicitário; procedeu à leitura em voz alta desses enunciados; mostrou por três vezes o filme publicitário Closet; e solicitou que fosse feita uma produção textual com base no que eles haviam assistido. Na segunda aula, foi discutida com os estudantes cena após cena do filme através de perguntas e respostas para que percebessem as mensagens implícitas e explícitas. Com a intervenção didática, objetivou-se que os estudantes compreendessem que, segundo Rauen (2008, p. 28), “certos aspectos da interpretação dependem apenas do significado da sentença, e outros dependem de fatores contextuais. Certos aspectos são explícitos (parte do que é declarado, afirmado ou dito), enquanto outros são implícitos (parte do que é indicado, sugerido ou implicado)”. No dia seguinte à intervenção didática, solicitou-se que os estudantes fizessem uma nova produção textual com base na audiência do filme e nas discussões da aula anterior. Cabe ressaltar que nesse momento os estudantes não estavam de posse da primeira produção. Partiu-se da hipótese de que o segundo texto seria composto, através de suposições memorizadas que derivam da produção do primeiro texto, das experiências derivadas da discussão e das vivências pessoais entre esses eventos que explicariam suposições novas emergentes somente na segunda produção, mas que não adviessem das experiências gravadas anteriormente. Com relação aos aspectos analíticos, o primeiro passo consistiu na digitação dos textos dos estudantes, respeitando a grafia original dos textos. Após a digitação dos dados, a fase seguinte foi destinada a aplicação dos conceitos de forma lógica, de explicatura e de implicatura nos enunciados do filme, das produções textuais e das interações ocorridas na intervenção didática. Cabe destacar que na análise da segunda produção textual, foram incluídos turnos de interações da intervenção didática. Os resultados obtidos nessa fase implicaram a avaliação da hipótese operacional. Realizada a análise dos enunciados, investiu-se na avaliação da influência da intervenção didática na segunda produção textual dos estudantes. Para tanto, foi adotada a metodologia, proposta por Rauen (2010), de depreensão de suposições em reescrita palimpséstica de produções textuais em casos de mediação pedagógica. Na análise das informações, levou-se em consideração que, antes da primeira produção textual, os estudantes assistiram ao filme publicitário Closet e, provavelmente, realizaram algumas suposições sobre o filme. Para esse processo, tem-se esta formulação: 47 A1= P.C1 Conforme essa formulação, as suposições derivadas da audiência do filme publicitário A1 decorrem da ambientação dos enunciados verbais e não verbais do filme publicitário P no ambiente cognitivo C1 dos estudantes. Assim, a primeira produção textual ocorreu após a audiência do filme publicitário. A formulação abaixo reflete a contextualização dos estímulos ostensivos do filme no conjunto de suposições que compõe o ambiente cognitivo inicial de cada estudante. P1 = T1.C2 (A1(P.C1) Então, os enunciados da produção textual P1, elaborada antes da mediação pedagógica, decorrem da ambientação da primeira proposição do tema da produção textual T1 no ambiente cognitivo C2 dos estudantes que, por sua vez, decorre da audiência do filme publicitário. Após a primeira produção textual, houve a intervenção didática cujo objetivo era problematizar o filme publicitário. Dessa forma, nesse momento, os estudantes poderiam ter a seguinte formulação de suas suposições: A2 = M.C3(P1(T1.C2(A1(P.C1) Nessa formulação, as suposições derivadas da audiência da mediação pedagógica A2 decorrem da ambientação dos enunciados verbais e não verbais da mediação pedagógica M no ambiente cognitivo C3 dos estudantes que, por sua vez, decorre das ambientações anteriores. A segunda produção textual ocorreu após a intervenção didática. Pode-se medir a influência da intervenção pelas marcas presentes nesse segundo texto. P2 = T2.C4(A2(M.C3 (P1(T1.C2(A1(P.C1)))))) Nessa formulação, os enunciados da produção textual P2, elaborada depois da mediação pedagógica M, decorrem da ambientação da segunda proposição do tema da produção textual T2 no ambiente cognitivo C4 dos estudantes que, por sua vez, decorre das ambientações anteriores. 48 A partir do exposto, os enunciados da produção textual P2 podem ter originado de: a) um enunciado verbal ou não verbal da própria propaganda P; P2 = T2.C4(A2(M.C3(P1(T1.C2(A1(P.C1)))))) b) uma suposição derivada da ambientação dos enunciados verbais e não verbais da propaganda P no ambiente cognitivo C1 dos estudantes ou mesmo da ambientação da primeira proposição do tema da produção textual T1 no ambiente cognitivo C2 dos estudantes que, por sua vez, decorre da audiência da propaganda e que são depreensíveis dos enunciados da primeira produção textual P1; P2 = T2.C4(A2(M.C3(P1(T1.C2(A1(P.C1)))))) c) um enunciado verbal ou não verbal decorrente da gravação da mediação pedagógica e depreensível somente na segunda produção textual; P2 = T2.C4(A2(M.C3(P1(T1.C2(A1(P.C1)))))) d) uma suposição derivada da ambientação dos enunciados verbais e não verbais da mediação no ambiente cognitivo C4 e depreensível somente na segunda produção textual. P2 = T2.C4(A2(M.C3(P1(T1.C2(A1(P.C1)))))) Tendo sido apresentadas as formulações dessa pesquisa, a terceira hipótese de trabalho poderia ser confirmada com a identificação das marcas da intervenção no segundo texto (pós-teste) e com o aprimoramento argumentativo dos estudantes. Após os procedimentos metodológicos, tem-se, na próxima seção, a análise do filme publicitário Closet com base na Teoria da Relevância. 49 4.2 ANÁLISE DO FILME PUBLICITÁRIO CLOSET4 De acordo com a agência AlmapBBDO5, o filme publicitário Closet6 foi produzido pouco antes da Copa do Mundo da África do Sul em 2010. Naquela ocasião, a empresa São Paulo Alpargatas lançou a coleção Havaianas Teams com 32 modelos de sandálias com as cores e com os símbolos das Seleções de Futebol que disputaram o campeonato mundial. O filme é protagonizado por um casal de personagens interpretados pelos atores Daniel de Oliveira e Vanessa Giácomo. Há também um locutor que encerra o comercial repetindo o nome da marca. O cenário consiste num cômodo repleto de prateleiras e de armários com peças de vestuário, e a narrativa é cronológica e linear. A linguagem é informal, com itens lexicais como ‘bunitinho’, ‘vamubora’ e ‘péra’, sugerindo maior familiaridade entre o telespectador e o produto anunciado. A trilha sonora é composta por três elementos: os enunciados das personagens, a música e os efeitos sonoros. A música, um samba com predominância de instrumentos de percussão, é constante durante as cenas, passando do primeiro plano sonoro, mais alto, ao segundo plano, mais baixo, quando cede lugar aos diálogos7. Os enunciados são os que seguem. Daniel de Oliveira: “Havaianas da Itália?” “Aqui!” “Tetracampeã!” “Mas têm também as da Alemanha! Tricampeã mundial! Não é mole não!” “Brasil é covardia, né!?” “França mandou bem em 98!” “Uruguai levou duas, tem história!” 4 Esta análise compõe o capítulo de livro a ser publicado por Rauen e Machado em 2012. 5 A Almap (Alcântara Machado Publicidade) foi fundada em 1956 por Alex Periscinoto e Caio de Alcântara Machado. Em 1988, a Almap associou-se a BBDO do Grupo Omnicom. Em 1993, passou a ser comandada por Marcello Serpa e José Luiz Madeira. A AlmapBBDO está entre as três maiores agências de publicidade do Brasil. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/AlmapBBDO>. Acesso em: 26 mar. 2011. 6 O filme está disponível no site oficial das Sandálias Havaianas no endereço http://br.havaianas.com/ptBR/about-havaianas/campaigns/. A ficha técnica é a que segue. Título: Closet; Diretor de Criação: Marcello Serpa; Produtora: Cine; Fotografia: Marcelo Brasil; Trilha/Locutor: Play it again; Finalizadora: Digital 21; Planejamento: Cintia Gonçalves e Fernanda Barone; Aprovação: Carla Schimitzberger, Rui Porto, Christina Assumpção, Eliana Vilches e Giuliana Tranquilini; Anunciante: São Paulo Alpargatas; Produto: Havaianas; Criação: Marcelo Nogueira; Direção: Clovis Mello; RTVC: Luana Aghata Rodrigues e Gabriel Aguiar Dagostini; Montador/Editor: João Branco e Clovis Mello; Atendimento: Cristina Chacon, Gabriela Manisck e Marina Leal; e Mídia: Carla Durighetto, Camila Bertoli e Carolina Cabral. 7 Segundo Elin e Lapides (2006, p. 219), a música “define o humor, o ritmo, a noção de espaço, o colorido e a emoção de uma peça”. Para eles, a música pode ser uma “ferramenta mnemônica, capaz de combinar as imagens de forma até mais eficaz do que as transições, os efeitos ou outros elementos visuais”. 50 “Muito difícil!” “Qual escolho?” Vanessa: “Ah vai com a vermelhinha pra combinar com a camiseta!” “Ai que bunitinho, pronto!” “Vamubora!” Daniel de Oliveira: “Não tem respeito nenhum!” “Péra aí, meu amor!” Narrador: “Havaianas, Havaianas, Hava!” Conhecida a transcrição dos enunciados, tem-se à análise do filme publicitário Closet com base na Teoria da Relevância. Figura 1 – Segundo 1 do filme publicitário Closet Na primeira cena (figura 1), enquadrada em plano geral, Daniel de Oliveira (doravante Daniel) está no fundo de um closet. O som ambiente inicia-se de forma suave e aumenta gradativamente. Com base nesse contexto inicial, podem-se projetar as seguintes suposições: S1 – Daniel está em um closet (do input visual); S2 – Closets servem para guardar peças de vestuário (suposição factual); S3 – S1∧S2S4 (por modus ponens conjuntivo); S4 – Daniel provavelmente está procurando uma peça de vestuário (conclusão implicada). 51 Na transição do segundo 1 para o segundo 2, Daniel movimenta seu corpo como se estivesse procurando algo. Simultaneamente, o som da percussão dá a cena um ar de suspense. Ele, então, questiona-se: (1) “Havaianas da Itália?” Antes de prosseguir, vale destacar que os enunciados das personagens serão descritos em quatro versões. Na versão (a), apresentam-se os elementos linguísticos; na versão (b), descrevem-se as formas lógicas subjacentes (as circunstâncias das proposições eventualmente necessárias serão indexadas por letras gregas); na versão (c), apresentam-se os preenchimentos das entradas lógicas para compor a explicatura; e na versão (d), encaixam-se as explicaturas numa descrição que inclui a respectiva atitude proposicional. Além disso, será considerada a seguinte convenção: as remissões aos enunciados linguísticos serão apresentadas entre aspas duplas – “Havaianas da Itália?”; as expressões linguísticas serão apresentadas entre aspas simples – ‘havaianas’; as entradas enciclopédicas serão apresentadas em versalete – HAVAIANAS; e as referências no mundo serão apresentadas sem qualquer indicativo – havaianas. Veja-se a análise do enunciado (1): (1a) “Havaianas da Itália?”; (1b) (estar x, αlugar); (1c) [AS SANDÁLIAS] Havaianas da [SELEÇÃO DE FUTEBOL DA] Itália Ø [ESTÃO] Ø [EM ALGUM LUGAR]; (1d) DANIEL QUESTIONA DANIEL EM QUE LUGAR ESTÃO AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ITÁLIA. Nessa descrição, a versão (1b) captura a forma lógica do enunciado linguístico (1a), segundo a qual algo deve estar em algum lugar. A versão (1d) captura o questionamento de Daniel, que inclui a explicatura (1c), onde algo equivale às LEÇÃO DE FUTEBOL DA ITÁLIA SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SE- e o lugar equivale à dúvida de Daniel. Com base nessas novas pistas verbais e não verbais, é possível ampliar o contexto cognitivo do telespectador: S4 – Daniel provavelmente está procurando uma peça de vestuário (premissa implicada do processamento anterior); S5 – Daniel questiona Daniel em que lugar estão as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Itália (do input linguístico); S6 – S4∧S5S7 (por modus ponens conjuntivo); 52 S7 – Daniel provavelmente está procurando as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Itália (conclusão implicada). No segundo 3 (figura 2), o enquadramento passa de geral a médio. Nesse plano, de um lado, os sujeitos ficam suficientemente próximos a ponto de identificá-los e, de outro, a cena fica ampla o bastante para que se possa situar o local em que eles se encontram. Figura 2 – Segundo 3 do filme publicitário Closet Nesse segundo, constata-se que Daniel encontrou as Havaianas da Seleção de Futebol da Itália. O fundo musical, agora um samba, e a expressão facial de satisfação da personagem reforçam a ideia de descontração. (2a) “Aqui!”; (2b) (estar x, αlugar); (2c) ∅ [AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ITÁLIA] ∅ [ESTÃO] aqui [NAS MÃOS DE DANIEL]; (2d) DANIEL AFIRMA PARA DANIEL QUE AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ITÁLIA ESTÃO NAS MÃOS DE DANIEL. Com esse enunciado é possível ampliar o contexto. S8 – Daniel afirma para Daniel que as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Itália estão nas mãos de Daniel (do input linguístico e visual); S9 – S8S10 (por modus ponens); S10 – Daniel encontrou as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Itália (conclusão implicada). Entre os segundos 3 e 4, Daniel admira as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Itália e afirma: 53 (3a) “Tetracampeã!”; (3b) (ser x, y); (3c) Ø [A SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ITÁLIA] Ø [É] tetracampeã [DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL]; (3d) DANIEL AFIRMA PARA DANIEL QUE A SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ITÁLIA É TETRACAMPEÃ DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL. Esse enunciado permite a seguinte ampliação de suposições. S11 – Daniel afirma para Daniel que a Seleção de Futebol da Itália é tetracampeã da Copa do Mundo de Futebol (do input linguístico); S12 – S11S13 (por modus ponens); S13 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Itália, porque a Seleção de Futebol da Itália é tetracampeã da Copa do Mundo de Futebol (conclusão implicada). Entre os segundos 6 e 8 (figura 3), ainda em plano médio, Daniel presta atenção às sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Alemanha. Figura 3 – Segundo 7 do filme publicitário Closet Nesse intervalo, Daniel produz três enunciados: (4a) “Mas têm também as da Alemanha!”; (4b) ∧ (ter x, αinclusão, βlugar); (4c) Mas têm também as ∅ [SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL] da Alemanha Ø [NAS MÃOS DE DANIEL]; (4d) DANIEL AFIRMA PARA DANIEL QUE TÊM TAMBÉM AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ALEMANHA NAS MÃOS DE DANIEL. (5a) “Tricampeã mundial!”; (5b) (ser x, y); 54 (5c) ∅ [A SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ALEMANHA] ∅ [É] tricampeã mundial [DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL]; (5d) DANIEL AFIRMA PARA DANIEL QUE A SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ALEMANHA É TRICAMPEÃ MUNDIAL DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL. (6a) “Não é mole não!”; (6b) ¬(ser x (ser x, y), y); (6c) ∅ [SER A SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ALEMANHA TRICAMPEÃ MUNDIAL DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL] não é mole não; (6d) DANIEL AFIRMA PARA DANIEL QUE A SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ALEMANHA SER TRICAMPEÃ MUNDIAL DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL NÃO É MOLE NÃO. Com esses enunciados o ambiente cognitivo do telespectador é novamente ampliado. S14 – Daniel afirma para Daniel que têm também as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Alemanha nas mãos de Daniel (do input linguístico); S15 – S14S16 (por modus ponens); S16 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Alemanha (conclusão implicada); S17 – Daniel afirma para Daniel que a Seleção de Futebol da Alemanha é tricampeã mundial da Copa do Mundo de Futebol (do input linguístico); S18 – Daniel afirma para Daniel que Seleção de Futebol da Alemanha ser tricampeã mundial da Copa do Mundo de Futebol não é mole não (do input linguístico); S19 – S17∧S18S20 (por modus ponens conjuntivo); S20 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Alemanha, porque a Seleção de Futebol da Alemanha é tricampeã mundial da Copa do Mundo de Futebol (conclusão implicada). Nesse ponto, instala-se um conflito. S13 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Itália, porque a Seleção de Futebol da Itália é tetracampeã da Copa do Mundo de Futebol (premissa implicada do processamento anterior); S20 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Alemanha, porque a Seleção de Futebol da Alemanha é tricampeã mundial da Copa do Mundo de Futebol (nova premissa implicada); S21 – S13∧S20S22 (por modus ponens conjuntivo); S22 – Daniel provavelmente está indeciso sobre qual par de sandálias Havaianas ele deve usar (conclusão implicada). Esse ciclo de escolha de pares de sandálias Havaianas vai se repetir por mais três vezes na propaganda: Brasil (figura 4), França (figura 5) e Uruguai (figura 6), respectivamente. (7a) “Brasil é covardia, né!?”; (7b) (ser x, y); (7c) ∅ [USAR AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DO] Brasil é covardia ∅ [COM AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ITÁLIA E COM AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ALEMANHA]; 55 (7d) DANIEL AFIRMA PARA DANIEL QUE USAR AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DO BRASIL É COVARDIA COM AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ITÁLIA E COM AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ALEMANHA. Com essas informações, um novo conjunto de suposições é agregado. S23 – O Brasil é pentacampeão da Copa do Mundo de Futebol (suposição factual); S24 – O Brasil é a seleção com o maior número de títulos em Copas do Mundo de Futebol (suposição factual); S25 – Daniel afirma para Daniel que usar as Havaianas da Seleção de Futebol do Brasil é covardia com as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Itália e com as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Alemanha (do input linguístico); S26 – Daniel não pega as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol do Brasil (do input visual); S27 – S23∧S24∧S25 ∧S26S28 (por modus ponens conjuntivo); S28 – Daniel provavelmente não deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol do Brasil, porque a Seleção de Futebol do Brasil é superior à Seleção de Futebol da Itália e a Seleção de Futebol do Brasil é superior à Seleção de Futebol da Alemanha (conclusão implicada). Figura 4 – Segundo 10 do filme publicitário Closet Neste momento, Daniel aprecia as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da França. O enquadramento da cena permanece em plano médio. (8a) “França mandou bem em 98!”; (8b) (mandar x, y, αmodo, β lugar, γ tempo); (8c) ∅ [A SELEÇÃO DE FUTEBOL DA] França mandou bem Ø [NA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL DA FRANÇA] em [19]98; (8d) DANIEL AFIRMA PARA DANIEL QUE A SELEÇÃO DE FUTEBOL DA FRANÇA MANDOU BEM NA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL DA FRANÇA EM 1998. 56 Figura 5 – Segundo 12 do filme publicitário Closet Com essas informações, acrescentam-se mais suposições. S29 – Daniel afirma para Daniel que a Seleção de Futebol da França mandou bem na Copa do Mundo de Futebol da França em 1998 (do input linguístico); S30 – A Seleção de Futebol da França venceu a Seleção de Futebol do Brasil na final da Copa do Mundo de Futebol da França em 1998 (suposição factual); S31 – S29∧S30S32 (por modus ponens conjuntivo); S32 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da França, porque a Seleção de Futebol da França venceu a Seleção de Futebol do Brasil na final da Copa do Mundo de Futebol da França em 1998 (conclusão implicada). Daniel, em seguida, aprecia as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol do Uruguai e afirma: (9a) “Uruguai levou duas, tem história!”; (9b) (levar x, y) ∧ (ter x, y, αlugar); (9c) Ø [A SELEÇÃO DE FUTEBOL DO] Uruguai levou [VENCEU] duas [COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL] ∧ Ø [A SELEÇÃO DE FUTEBOL DO URUGUAI] tem história Ø [EM COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL]; (9d) DANIEL AFIRMA PARA DANIEL QUE A SELEÇÃO DE FUTEBOL DO URUGUAI VENCEU DUAS COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL E A SELEÇÃO DE FUTEBOL DO URUGUAI TEM HISTÓRIA EM COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL. 57 Figura 6 – Segundo 15 do filme publicitário Closet Com base nesse contexto, podem-se projetar as seguintes suposições: S33 – Daniel afirma para Daniel que a Seleção de Futebol do Uruguai venceu duas Copas do Mundo de Futebol e a Seleção de Futebol do Uruguai tem história em Copas do Mundo de Futebol (do input linguístico); S34 – S33S35 (por modus ponens conjuntivo); S35 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol do Uruguai, porque a Seleção de Futebol do Uruguai venceu duas Copas do Mundo e a Seleção de Futebol do Uruguai tem história em Copas do Mundo de Futebol (conclusão implicada). Com isso, a suposição de que Daniel está indeciso é fortalecida. S13 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Itália, porque a Seleção de Futebol da Itália é tetracampeã da Copa do Mundo de Futebol (premissa implicada); S20 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Alemanha, porque a Seleção de Futebol da Alemanha é tricampeã mundial da Copa do Mundo de Futebol (premissa implicada); S28 – Daniel provavelmente não deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol do Brasil, porque a Seleção de Futebol do Brasil é superior à Seleção de Futebol da Itália e a Seleção de Futebol do Brasil é superior à Seleção de Futebol da Alemanha (premissa implicada); S32 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da França, porque a Seleção de Futebol da França venceu a Seleção de Futebol do Brasil na final da Copa do Mundo de Futebol da França em 1998 (premissa implicada); S35 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol do Uruguai, porque a Seleção de Futebol do Uruguai venceu duas Copas do Mundo e a Seleção de Futebol do Uruguai tem história em Copas do Mundo de Futebol (premissa implicada); S36 – S13∧S20∧S28 ∧S32 ∧S35S37 (por modus ponens conjuntivo); S37 – Daniel certamente está indeciso sobre qual par de sandálias Havaianas ele deve usar (conclusão implicada). No segundo 14 (figura 7), Vanessa Giácomo (doravante Vanessa) entra no closet. 58 Figura 7 – Segundo 14 do filme publicitário Closet No segundo 17, Vanessa demonstra impaciência com a indecisão de Daniel. Chama-se a atenção para a maneira descontraída que se faz a inversão de papeis, mulher prática (figura 8) e homem indeciso (figura 9). Figura 8 – Segundo 17 do filme publicitário Closet No segundo 18 (figura 9), Daniel confessa ser difícil escolher as sandálias Havaianas. 59 Figura 9 – Segundo 18 do filme publicitário Closet (10a) “Muito difícil!”; (10b) (ser x, y); (10c) ∅ [A ESCOLHA DE QUAL PAR DE SANDÁLIAS HAVAIANAS USAR] ∅ [É] muito difícil; (10d) DANIEL CONFESSA PARA DANIEL E PARA VANESSA QUE A ESCOLHA DE QUAL PAR DE SANDÁLIAS HAVAIANAS USAR É MUITO DIFÍCIL. Com esse enunciado, projetam-se as seguintes suposições: S38 – Vanessa provavelmente está impaciente com a demora e com a indecisão de Daniel para escolher as sandálias Havaianas (do input visual); S39 – Daniel provavelmente não sabe que sandálias Havaianas Daniel deve escolher para Daniel usar (input visual); S40 – Daniel confessa para Daniel e para Vanessa que a escolha de qual par de sandálias Havaianas usar é muito difícil (input linguístico); S41 – S38∧S39∧S40S42 (por modus ponens conjuntivo); S42 – Daniel provavelmente pedirá ajuda a Vanessa para escolher as sandálias Havaianas (conclusão implicada). Ainda no segundo 18, a inferência em S42 é confirmada pela pergunta de Daniel. 60 Figura 10 – Segundo 18 do filme publicitário Closet (11a) “Qual escolho?”; (11b) (escolher x, -QU, αfinalidade); (11c) ∅ [EU/DANIEL] escolho qual ∅ [PAR DE SANDÁLIAS HAVAIANAS] ∅ [PARA EU/DANIEL USAR]; (11d) DANIEL QUESTIONA VANESSA QUAL PAR DE SANDÁLIAS HAVAIANAS DANIEL DEVE ESCOLHER PARA DANIEL USAR. Segundo Sperber e Wilson (2001 [1995]), perguntas são interpretações de pensamentos desejáveis: interpretações de respostas que o falante consideraria como relevantes caso fossem verdadeiras. A hipótese em jogo é a de que o ouvinte de um enunciado interrogativo recupera sua forma lógica e a integra numa descrição com a forma “O falante pergunta QU-P”, em que QU-P é uma pergunta indireta. Os autores distinguem duas classes de perguntas: as perguntas sim-não e as perguntas-QU. As primeiras têm uma forma lógica e uma forma proposicional total; as segundas, uma forma lógica, mas nenhuma forma proposicional total. No caso em questão, Daniel fez uma pergunta-QU e deseja que Vanessa complete a entrada lógica correspondente ao pronome ‘qual’. Com base nessa interação, o ambiente se amplia da seguinte forma: S43 – Daniel questiona Vanessa qual par de sandálias Havaianas Daniel deve escolher para Daniel usar (do input linguístico); S44 – S43S45 (por modus ponens); S45 – Vanessa provavelmente deve escolher qual par de sandálias Havaianas Daniel deve escolher para Daniel usar (conclusão implicada). No segundo 21 (figura 11), Vanessa resolve a dúvida de forma prática, optando por um modelo que combina com a camiseta de Daniel. A cena remete a uma partida de futebol, quando o movimento de Vanessa lembra aquele realizado pelo árbitro ao penalizar o jogador com cartão vermelho. 61 (12a) “Ah vai com a vermelhinha pra combinar com a camiseta!”; (12b) (ir x, αinstrumento, βfinalidade (combinar x, y)); (12c) ∅ [VOCÊ/DANIEL] vai com a [SANDÁLIA HAVAIANA] vermelhinha pra ∅ [A SANDÁLIA HAVAIANA VERMELHINHA] combinar com a camiseta ∅ [VERMELHINHA USADA POR VOCÊ/DANIEL]. (12d) VANESSA AFIRMA QUE DANIEL DEVE IR COM AS SANDÁLIAS HAVAIANAS VERMELHINHAS PARA AS SANDÁLIAS HAVAIANAS VERMELHINHAS COMBINAREM COM A CAMISETA VERMELHINHA USADA POR DANIEL. Figura 11 – Segundo 21 do filme publicitário Closet Para Sperber e Wilson (2001 [1995]), enunciados imperativos relacionam descritivamente o pensamento do falante com um estado de coisas desejável. No caso, Daniel, ao recuperar a forma proposicional P desse enunciado imperativo, deve integrá-lo numa descrição na forma de ‘Vanessa propõe fazer P’. Propor a Daniel fazer P, por sua vez, é analisado como uma descrição de um estado de coisas desejável. No caso, como o estado de coisas é desejável do ponto de vista de Vanessa, pode-se classificá-lo como requisitivo, como as ordens, as solicitações, os apelos, os desejos positivos, por exemplo. Esse enunciado, além disso, gera a inferência que os critérios de escolha de Vanessa não são os mesmos critérios de escolha de Daniel. Vejam-se: S46 – Vanessa afirma que Daniel deve ir com as sandálias Havaianas vermelhinhas para as sandálias Havaianas vermelhinhas combinarem com a camiseta vermelhinha que Daniel está usando (do input linguístico); S47 – S46S48 (por modus ponens); S48 – Vanessa escolhe as sandálias Havaianas vermelhas para Daniel usar (conclusão implicada); S49 – Daniel escolhe as sandálias Havaianas pela importância de cada Seleção de Futebol em Copas do Mundo de Futebol (dos inputs verbais e não verbais); S50 – As sandálias Havaianas vermelhas representam a Seleção de Futebol da Sérvia (do input visual e suposição factual); 62 S51 – A Seleção de Futebol da Sérvia não venceu nenhuma Copa do Mundo de Futebol (suposição factual); S52 – S49∧S50∧S51S53 (por modus ponens conjuntivo); S53 – Os critérios de escolha das sandálias Havaianas de Vanessa não são os mesmos critérios de escolha de Daniel (conclusão implicada). Após entregar e elogiar as sandálias Havaianas vermelhas, Vanessa convoca Daniel para ir embora e, na sequência, ouve-se um apito, lembrando o apito de um árbitro. Com base nessa situação, é possível inferir que a posição de Vanessa será definitiva, assim como as decisões dos árbitros são definitivas numa partida de futebol. (13a) “Ai que bunitinho, pronto!”; (13b) (ficar x, y, αinstrumento); (13c) Ai que [COMO] ∅ [DANIEL] ∅ [FICOU] bunitinho ∅ [COM AS SANDÁLIAS HAVAIANAS VERMELHINHAS], pronto; (13d) VANESSA AFIRMA COMO DANIEL FICOU BUNITINHO COM AS SANDÁLIAS HAVAIANAS VERMELHINHAS, PRONTO. Figura 12 – Segundo 23 do filme publicitário Closet (14a) “Vamu bora!”; (14b) (ir x, αtempo, βlugar); (14c) Ir ∅ [DANIEL E VANESSA] embora ∅ [DO CLOSET]; (14d) VANESSA PROPÕE A DANIEL QUE DANIEL E VANESSA DEVEM IR EMBORA DO CLOSET. Esses enunciados, mais a expressão de desaprovação de Daniel que sugere não ser desejável de seu ponto de vista a sugestão de Vanessa, possibilitam a expansão do contexto cognitivo do espectador: S54 – Vanessa afirma como Daniel ficou bunitinho com as sandálias Havaianas vermelhinhas (do input linguístico); S55 – Daniel provavelmente desaprova a escolha de Vanessa (do input visual); 63 S56 – O movimento de Vanessa ao escolher as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Sérvia equivale ao movimento do árbitro ao penalizar um jogador com cartão vermelho (do input visual e suposição factual); S57 – O árbitro tem autoridade para tomar decisões mesmo contra a vontade dos jogadores (suposição factual); S58 – S54∧S55∧S56∧S57S59 (por modus ponens conjuntivo); S59 – Daniel provavelmente deve usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Sérvia mesmo contra a vontade de Daniel (conclusão implicada); S60 – Vanessa propõe a Daniel que Daniel e Vanessa devem ir embora do closet (do input linguístico); S61 – S60S62 (por modus ponens); S62 – Daniel provavelmente deve ir embora do closet com Vanessa (conclusão implicada). Figura 13 – Segundo 26 do filme publicitário Closet Diante da escolha de Vanessa, Daniel lamenta-se: (15a) “Não tem respeito nenhum!”; (15b) ¬(ter x, y); (15c) ∅ [VANESSA] não tem nenhum respeito ∅ [PELAS SELEÇÕES QUE VENCERAM AS COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL]; (15d) DANIEL LAMENTA PARA DANIEL QUE VANESSA NÃO TEM RESPEITO NENHUM PELAS SELEÇÕES QUE VENCERAM AS COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL. Com isso, o contexto é novamente ampliado. S63 – Daniel lamenta para Daniel que Vanessa não tem respeito nenhum pelas seleções que venceram as Copas do Mundo de Futebol (do input linguístico); S64 – Daniel provavelmente está insatisfeito com a escolha de Vanessa (do input visual); S65 – S63∧S64S66 (por modus ponens conjuntivo); S66 – Daniel provavelmente não quer usar as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Sérvia (conclusão implicada). 64 No segundo 27 (figura 14), o vídeo destaca as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Sérvia que Daniel colocou no chão provavelmente para vesti-las. Figura 14 – Segundo 27 do filme publicitário Closet Essa cena permite ao telespectador as seguintes suposições: S67 – Daniel coloca as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Sérvia no chão (do input visual); S68 – S67S69 (por modus ponens conjuntivo); S69 – Daniel provavelmente usará as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Sérvia (conclusão implicada). No segundo 29 (figura 15), Daniel pede a Vanessa que o espere e corre obediente ao encontro da atriz. Figura 15 – Segundo 28 do filme publicitário Closet 65 (16a) “Pera aí, meu amor!”; (16b) (esperar x, αlugar); (16c) Esperar aí [NO LOCAL EM QUE VOCÊ ESTÁ], meu amor; (16d) DANIEL PEDE A VANESSA QUE VANESSA ESPERE NO LOCAL EM QUE VANESSA ESTÁ. A situação possibilita a seguinte inferência: S70 – Daniel pede a Vanessa que Vanessa espere no local em que Vanessa está (do input linguístico); S71 – Daniel coloca as sandálias Havaianas da Seleção de Futebol da Sérvia (do input visual); S72 – Daniel corre ao encontro de Vanessa (do input visual); S73 – S70∧S71∧S72 S74 (por modus ponens conjuntivo); S74 – Daniel obedece a Vanessa (conclusão implicada). Por fim, no segundo 30 (figura 16), enquanto o locutor encerra o comercial repetindo o nome da marca das sandálias Havaianas, destaca-se na cena trevos de quatro folhas8 com as cores que simbolizam a bandeira do Brasil. Ao centro há dois modelos de Havaianas da seleção brasileira, sugerindo desejo de boa sorte à seleção brasileira na Copa do Mundo da África do Sul. Figura 16 – Segundo 30 do filme publicitário Closet 8 O trevo de quatro folhas apresenta quatro em vez dos três folíolos comuns na maioria das espécies do gênero Trifolium a que pertencem os trevos. Conforme tradições celtas, encontrar um trevo de quatro folhas é um sinal de boa sorte. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Trevo-de-quatro-folhas>. Acesso em: 20 abr. 2011. 66 4.3 ANÁLISE DAS PRODUÇÕES DA ESTUDANTE Nesta seção, apresentam-se as análises das produções textuais de uma estudante, ficcionalmente chamada de Amanda. Cabe ressaltar que foram escolhidos os textos dessa estudante pelo fato de haver uma mudança significativa entre a primeira e a segunda produção textual. Posto isso, analisa-se o primeiro texto (pré-teste), isto é, o texto produzido apenas com base na audiência do filme publicitário. Na sequência, analisa-se o texto escrito após a intervenção didática. Essa segunda análise incluirá turnos da intervenção. Torna-se importante destacar que a transcrição respeitou a escrita da estudante. Primeira produção textual (pré-teste) As campeãs [1º Parágrafo] (1) O comercial das sandálias Havaianas, está nos mostrando um homem escolhendo qual sandália irá usar. (2) As sandálias são estampadas com os países que já ganharam copas do mundo (Uruguai, Itália, Alemanha, Brasil). (3) O homem está pegando as havaianas e falando os títulos que elas tem, ele diz “Muito difícil!”, “Qual escolho?”, sua mulher escolhe uma de acordo com sua camisa. (4) Mas a intenção do homem em escolher uma sandália seria de acordo com os títulos conseguidos. [2º Parágrafo] (5) O comercial foi feito em época de copa do mundo, justamente para fazer as pessoas comprar as sandálias com as seleções. (6) Intenção de vender, pois é a época mais propícia para vender. (7) O Produto citado no comercial, as sandálias, foram feitos especialmente para esse acontecimento, a Copa do mundo. [3º Parágrafo] (8) O comercial nos transmite que os homens são mais interessados em futebol do que as mulheres. Conhecida a primeira produção textual da estudante, tem-se abaixo a análise do primeiro enunciado. Em primeiro lugar, repete-se a estrutura linguística do texto. Em seguida, apresenta-se a forma lógica subjacente ao enunciado (as circunstâncias das proposições eventualmente necessárias serão indexadas por letras gregas). Depois, apresenta-se o preenchimento das entradas lógicas, compondo uma primeira descrição da explicatura. Por último, tem-se a explicatura contendo a respectiva atitude proposicional. (1a) O comercial das sandálias Havaianas, está nos mostrando um homem escolhendo qual sandália irá usar; (1b) (estar mostrando x, y (estar escolhendo x, y (ir usar x, -QU, γtempo)), z, αlugar); (1c) O comercial [DE TELEVISÃO] das sandálias Havaianas está nos [AOS TELESPECTADORES E À AMANDA] mostrando Ø [NA TELEVISÃO] um homem Ø [QUE ESTÁ] escolhendo qual sandália [HAVAIANA] Ø [O HOMEM] irá usar Ø [NUM TEMPO QUE SUCEDE O ATO DE ESCOLHER]; 67 (1d) AMANDA AFIRMA QUE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS ESTÁ MOSTRANDO AOS TELESPECTADORES E À AMANDA NA TELEVISÃO UM HOMEM QUE ESTÁ ESCOLHENDO QUAL SANDÁLIA HAVAIANA O HOMEM IRÁ USAR NUM TEMPO QUE SUCEDE O ATO DE ESCOLHER. A descrição acima captura a ideia de que alguémi [AMANDAi] afirma algo P, tal que P significa que algoj [O COMERCIAL DAS SANDÁLIAS HAVAIANASj] está mostrando algok [O HOMEMK] a alguéml [AOS TELESPECTADORES E À AMANDAl] em algum lugarm [NA TELEVISÃOm] e alguémn [O HOMEMp] HOMEMn] está escolhendo algoo [UMA SANDÁLIA HAVAIANAo] para alguémp [O usar em algum tempoq [AQUELE QUE SUCEDE O ATO DE ESCOLHERq]. Nesse primeiro enunciado, Amanda apenas narra o que ocorreu explicitamente na cena. Ou seja, a estudante relata que o comercial de televisão Closet das sandálias Havaianas mostra um homem numa situação corriqueira, isto é, escolhendo uma sandália para usar. Amanda segue o primeiro parágrafo descrevendo como as sandálias Havaianas são apresentadas. Todavia, no segundo enunciado, a estudante ultrapassa o nível da decodificação e infere que os países representados nas sandálias Havaianas já ganharam Copas do Mundo, conforme enunciado abaixo. (2a) As sandálias são estampadas com os países que já ganharam copas do mundo (Uruguai, Itália, Alemanha, Brasil); (2b) (ser estampado x, y (ganhar x, y, γ tempo)); (2c) As sandálias [HAVAIANAS] são estampadas com os [SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL DOS] países que [OS PAÍSES] já ganharam copas do mundo Ø [DE FUTEBOL] (Uruguai, Itália, Alemanha, Brasil) Ø [NUM TEMPO QUE ANTECEDE AO COMERCIAL]; (2d) AMANDA AFIRMA QUE AS SANDÁLIAS HAVAIANAS SÃO ESTAMPADAS COM OS SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL DOS PAÍSES QUE JÁ GANHARAM COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL (URUGUAI, ITÁLIA, ALEMANHA, BRASIL) NUM TEMPO QUE ANTECEDE AO COMERCIAL. Observa-se que, provavelmente, a inferência presente no segundo enunciado resulta das evidências fornecidas pelo ator através dos enunciados: “Havaianas da Itália?”; “Tetracampeã!”; “Mas têm também as da Alemanha! Tricampeã mundial! Não é mole não!”; “Brasil é covardia, né!?”; “França mandou bem em 98!”; “Uruguai levou duas, tem história!”. Conforme Sperber e Wilson (2001 [1995]), para que a comunicação inferencial seja bem sucedida é preciso que a pessoa que comunica forneça evidências ao receptor sobre a sua intenção e que o receptor infira essa intenção a partir das evidências fornecidas. Todavia, no que se refere à publicidade, quanto menos explícita for a evidência mais forte ela será, isto é, o telespectador deve ser levado a crer que chegou sozinho à conclusão. 68 No terceiro enunciado, Amanda descreve que o homem estava indeciso com que Havaiana escolher e, por isso, solicitou a ajuda de sua mulher que, então, escolheu uma Havaiana que combinava com a camiseta dele. Veja a descrição e a análise desse enunciado: (3a) O homem está pegando as havaianas e falando os títulos que elas tem, ele diz “Muito difícil!”, “Qual escolho?”, sua mulher escolhe uma de acordo com sua camisa; (3b) ((estar pegando x, y) ∧ (estar falando x, y (ter x, y)) ∧ (dizer x, y ((ser x, y) ∧ (escolher x, -QU, αfinalidade))) ∧ (escolher x, y, z, αconformidade); (3c) O homem está pegando as [SANDÁLIAS] havaianas e Ø [O HOMEM] Ø [ESTÁ] falando os títulos que elas [AS SELEÇÕES REPRESENTADAS NAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] tem [têm] Ø [E ENTÃO] ele [O HOMEM] diz Ø [SER] muito difícil Ø [ESCOLHER UMA SANDÁLIA HAVAIANA] Ø [E O HOMEM PERGUNTA] Ø [PARA A MULHER DO HOMEM] qual Ø [SANDÁLIA HAVAIANA] Ø [O HOMEM] escolhe Ø [e] sua mulher [A MULHER DO HOMEM] escolhe Ø [PARA O HOMEM] uma Ø [SANDÁLIA HAVAIANA] de acordo com sua camisa [A CAMISA DO HOMEM]; (3d) AMANDA AFIRMA QUE O HOMEM ESTÁ PEGANDO AS SANDÁLIAS HAVAIANAS E, ENTÃO, O HOMEM ESTÁ FALANDO OS TÍTULOS QUE AS SELEÇÕES REPRESENTADAS NAS SANDÁLIAS HAVAIANAS TÊM E O HOMEM DIZ SER MUITO DIFÍCIL ESCOLHER UMA SANDÁLIA HAVAIANA E O HOMEM PERGUNTA PARA A MULHER DO HOMEM QUAL SANDÁLIA HAVAIANA O HOMEM ESCOLHE E A MULHER DO HOMEM ESCOLHE PARA O HOMEM UMA SANDÁLIA HAVAIANA DE ACORDO COM A CAMISA DO HOMEM. Cabe destacar que, conforme suposições abaixo, Amanda inferiu que o homem e a mulher são casados. S1 – Homens e mulheres casam-se (suposição factual); S2 – Sandálias fazem parte do vestuário (suposição factual); S3 – Esposas normalmente escolhem as roupas para os maridos (suposição factual); S4 – A mulher do comercial escolhe a sandália Havaiana para o homem do comercial (input visual e linguístico); S5 – S3∧S4S6 (por modus ponens conjuntivo); S6 – O homem e a mulher presentes no comercial são casados (conclusão implicada). No quarto enunciado, a estudante ressalta que a intenção da mulher difere da intenção do homem. (4a) Mas a intenção do homem em escolher uma sandália seria de acordo com os títulos conseguidos; (4b) ∧ (ser x (escolher x, y, αfinalidade, βtempo) α modo, βtempo)); (4c) Mas a intenção do homem em Ø [O HOMEM] escolher uma sandália [HAVAIANA] Ø [PARA O HOMEM USAR] Ø [NUM TEMPO QUE SUCEDE O ATO DE ESCOLHER] seria de acordo com os títulos conseguidos Ø [PELAS SELEÇÕES REPRESENTADAS NAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] Ø [NUM TEMPO QUE ANTECEDE AO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS]; (4d) AMANDA AFIRMA QUE A INTENÇÃO DO HOMEM EM O HOMEM ESCOLHER UMA SANDÁLIA HAVAIANA PARA O HOMEM USAR NUM TEMPO QUE SUCEDE O ATO DE ESCOLHER SERIA DE ACORDO COM OS TÍTULOS CONSEGUIDOS PELAS SELEÇÕES REPRESENTADAS NAS SANDÁLIAS HAVAIANAS NUM TEMPO QUE ANTECEDE AO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS. 69 Com esse enunciado, o item lexical ‘mas’ dá evidências de que, para Amanda, o homem e a mulher utilizaram diferentes critérios de escolha. S1 – A mulher escolhe as sandálias Havaianas que combinam com a camisa do homem (do input visual e linguístico); S2 – O homem escolhe as sandálias Havaianas pelas histórias das seleções em Copa do Mundo (do input visual e linguístico); S3 – S1∧S2S4 (por modus ponens conjuntivo); S4 – O homem e a mulher usam critérios diferentes para escolher as sandálias Havaianas (conclusão implicada). Nos três primeiros enunciados, Amanda descreve os acontecimentos que levaram o homem a usar a sandália Havaiana vermelha. Todavia, o terceiro e o quarto enunciado ressaltam que diferença de critérios entre o homem e a mulher foi relevante a estudante. Além disso, até o momento, a estudante capta apenas a mensagem ostensivamente explícita em foreground. Dito de outra forma, a estudante não percebe que a diferença de critérios entre o homem e a mulher é apenas um simulacro para algo que já está decidido: o homem sairá impreterivelmente de sandálias Havaianas. A partir do quinto enunciado, Amanda vai além da decodificação do sinal linguístico e passa a recorrer apenas a mecanismos inferenciais. Acompanhe a descrição do enunciado. (5a) O comercial foi feito em época de copa do mundo, justamente para fazer as pessoas comprar as sandálias com as seleções; (5b) (ser feito x, y, α tempo, βfinalidade (fazer x, y (comprar x, y))); (5c) O comercial [DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] foi feito Ø [PELOS PUBLICITÁRIOS] em época de copa do mundo Ø [DE FUTEBOL] Ø [PARA VENDER SANDÁLIAS HAVAIANAS ESTAMPADAS COM OS SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL QUE DISPUTAVAM A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL], justamente para Ø [O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] fazer as pessoas comprarem as sandálias [HAVAIANAS] com Ø [OS SÍMBOLOS DAS] seleções [DE FUTEBOL]; (6c) AMANDA AFIRMA QUE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS FOI FEITO PELOS PUBLICITÁRIOS EM ÉPOCA DE COPA DO MUNDO DE FUTEBOL PARA VENDER SANDÁLIAS HAVAIANAS ESTAMPADAS COM OS SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL QUE DISPUTAVAM A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL, JUSTAMENTE PARA O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS FAZER AS PESSOAS COMPRAREM AS SANDÁLIAS HAVAIANAS COM OS SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL. Veja-se agora a possível cadeia de inferências percorrida pela estudante para chegar ao enunciado cinco. S1– As pessoas identificam-se com a Copa do Mundo (suposição factual); 70 S2 – As sandálias Havaianas são estampadas com os símbolos de seleções de futebol (do input visual); S3 – O comercial foi feito no período da Copa do Mundo de Futebol (suposição factual); S4 – S2∧S3S5 (por modus ponens conjuntivo); S5 – Os telespectadores comprarão as sandálias Havaianas por elas terem estampados os símbolos das seleções que participam da Copa do Mundo de Futebol (conclusão implicada). Esse enunciado demonstrou que Amanda aproximou-se da mensagem em background, uma vez que ela deu ênfase ao fato do comercial ter sido criado em época de Copa do Mundo, do produto anunciado ser ilustrado com os símbolos de seleções de futebol e, além disso, de que isso não ocorreu coincidentemente. Ou seja, a estudante argumenta que o fato de as sandálias Havaianas serem estampadas com os símbolos de seleções em época de Copa do Mundo é uma estratégia para vender o produto. No sexto enunciado, a estudante reforça o argumento de que o publicitário criou esse comercial tendo como mote um evento esportivo. (6a) Intenção de vender, pois é a época mais propicia para vender; (6b) (ter x, y (vender x, y) αmotivo (ser x, y (vender x, y)); (6c) Ø [O ANUNCIANTE] Ø [TEM] intenção de vender Ø [AS SANDÁLIAS HAVAIANAS COM OS SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL EM ÉPOCA DE COPA DO MUNDO DE FUTEBOL] Ø [PARA OS TELESPECTADORES], pois Ø [A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL] é a época mais propicia para Ø [AS SANDÁLIAS HAVAIANAS] vender Ø [AS SANDÁLIAS HAVAIANAS COM OS SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL] Ø [PARA OS TELESPECTADORES]; (6d) AMANDA AFIRMA QUE O ANUNCIANTE TEM INTENÇÃO DE VENDER AS SANDÁLIAS HAVAIANAS COM OS SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL EM ÉPOCA DE COPA DO MUNDO DE FUTEBOL PARA OS TELESPECTADORES, POIS A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL É A ÉPOCA MAIS PROPICIA PARA AS SANDÁLIAS HAVAIANAS VENDER AS SANDÁLIAS HAVAIANAS COM OS SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL PARA OS TELESPECTADORES. Esse enunciado permite acionar as seguintes suposições: S1 – O anunciante das sandálias Havaianas tem a intenção de vender as sandálias Havaianas (suposição factual); S2 – Os produtos com os símbolos das seleções de futebol são vendidos em época de Copa do Mundo de Futebol (suposição factual); S3 – As sandálias Havaianas são estampadas com os símbolos das seleções de futebol em época de Copa do Mundo de Futebol (input visual e linguístico); S4 – S1∧ S2∧S3S5 (por modus ponens conjuntivo); S5 – A Copa do Mundo de Futebol é uma época propícia para vender as sandálias Havaianas com os símbolos das seleções de futebol (conclusão implicada). No sétimo enunciado, a estudante reforça a suposição anterior. 71 (7a) O Produto citado no comercial, as sandálias, foram feitos especialmente para esse acontecimento, a Copa do mundo; (7b) (ser feito x, y, αfinalidade, βtempo); (7c) O Produto citado no comercial [DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS], as sandálias [HAVAIANAS COM OS SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL], foram feitos Ø [PELO ANUNCIANTE] especialmente para esse acontecimento, a Copa do mundo [DE FUTEBOL] Ø [NA ÉPOCA DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL]; (7d) AMANDA AFIRMA QUE O PRODUTO CITADO NO COMERCIAL DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS, AS SANDÁLIAS HAVAIANAS COM OS SÍMBOLOS DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL, FORAM FEITOS ESPECIALMENTE PARA ESSE ACONTECIMENTO, A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL NA ÉPOCA DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL. No último enunciado, Amanda conclui que o comercial transmite aos telespectadores a mensagem de que os homens são mais interessados em futebol do que as mulheres. Ou seja, mesmo mencionando que as sandálias Havaianas usaram como mote um evento esportivo, a estudante dedica maior parte do texto as diferenças existentes entre homens e mulheres, principalmente no que se refere ao futebol. De acordo com a Teoria da Relevância, entre duas suposições concorrentes, aquela para a qual se atribui mais força é a que será relevante. Sendo assim, as diferenças de gêneros são mais relevantes para a estudante do que qualquer outra coisa, razão pela qual a maior parte de sua produção textual é dedicada a essa discussão. (8a) O comercial nos transmite que os homens são mais interessados em futebol do que as mulheres; (8b) (transmitir x, y (ser x, y, αintensidade (ser x, y)), z); (8c) O comercial [DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] nos [AOS TELESPECTADORES E À AMANDA] transmite que os homens são mais interessados em futebol do que as mulheres Ø [SÃO INTERESSADAS EM FUTEBOL]; (8d) AMANDA AFIRMA QUE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS TRANSMITE AOS TELESPECTADORES E À AMANDA QUE OS HOMENS SÃO MAIS INTERESSADOS EM FUTEBOL DO QUE AS MULHERES SÃO INTERESSADAS EM FUTEBOL. De acordo com o que foi defendido pela aluna em seu primeiro texto, o efeito contextual atingido por ela é o de que o comercial utiliza a temática da Copa do Mundo para impulsionar as vendas das sandálias Havaianas e o de que o comercial dá ênfase as diferenças que há entre homens e mulheres. Contudo, a segunda interpretação parece ser a mais significativa; por isso, a estudante não a abandonou, isto é, começou e concluiu o texto dando ênfase a variável de gênero. Analisada a primeira produção textual, segue abaixo a análise do segundo texto produzido por Amanda, isto é, aquele escrito após a intervenção da pesquisadora. Cabe destacar que, durante a análise dessa produção, serão colocados turnos de interações de onde os enunciados podem ter sido derivados – ao todo, a interação gerou 310 turnos. Na transcrição 72 das interações, optou-se por identificar as falas da pesquisadora por ‘P’, as falas de cada aluno individualmente por ‘A’ e as falas em grupo por ‘Alunos’. Segunda produção textual (pós-teste) Comercial Havaianas [1º Parágrafo] (1) O comercial Havaianas mostra um homem indeciso com a sandália que irá usar. (2) As sandálias são estampadas com nomes de seleções. (3) O homem vai falando os títulos de copas do mundo que algumas seleções obtiveram, com tantas sandálias, com tantas seleções, com tantas histórias, o homem fica indeciso. [2º Parágrafo] (4) Então, chega a sua esposa. (5) Ele pergunta qual escolher. (6) A mulher diz “Ah, vai com a vermelhinha para combinar com a camiseta”. (7) O homem não gostou muito da decisão da esposa, pois o objetivo dele era escolher uma sandália de acordo com a sua história, não de acordo com sua camiseta. [3º Parágrafo] (8) Se olharmos atentamente, percebemos que não havia havaianas da Argentina, o que mostra a rivalidade entre as seleções do Brasil e Argentina. [4º Parágrafo] (9) O publicitário usou várias estratégias nesse comercial. (10) Como por exemplo, colocou o cenário um pouco mais neutro, para centralizar no homem e nas sandálias. (11) Ele também repete várias vezes algumas partes, tentando sempre focar nas sandálias, posicionando as câmeras de uma maneira que centralize as Havaianas. [5º Parágrafo] (12) O publicitário usou a copa do mundo como tema, para atrair mais pessoas, pois é uma época que todos estão envolvidos com o futebol. [6º Parágrafo] (13) Esse comercial mostra um pouco da influência que a mulher pode ter sobre o homem, pois a mulher apareceu no final como se fosse um juiz de uma partida de futebol, impondo a sua opinião e tendo autoridade. (14) Foi também uma maneira de dar “sorte” para o Brasil na Copa do Mundo, pois no do final comercial, aparece um trevo de quatro folhas e as havaianas do Brasil no centro. [7º Parágrafo] (15) O comercial, também, chama a atenção de que os atores que fazem o comercial são famosos no Brasil, e casados na vida real. (16) Podemos pensar, que não são todas as pessoas, que podem ter um closet com todo aquele “acervo” de sandálias. [8º Parágrafo] (17) Muitas das coisas que compramos hoje em dia, são influenciadas pelos comerciais. [9º Parágrafo] (18) Nem sempre, temos essa visão crítica sobre os comerciais de televisão. (19) Muitas vezes não percebemos que podemos ser manipulados pelos comerciais, que sempre estão nos incentivando a comprar. Conhecido o texto, segue-se com as análises dos dois primeiros parágrafos. (1a) O comercial Havaianas mostra um homem indeciso com a sandália que irá usar; (1b) (mostrar x, y (ir usar x, y)); (1c) O comercial [DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS] Havaianas mostra um homem indeciso com a sandália [HAVAIANA] que Ø [O HOMEM] irá usar; (1d) AMANDA AFIRMA QUE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS MOSTRA UM HOMEM INDECISO COM A SANDÁLIA HAVAIANA QUE O HOMEM IRÁ USAR. 73 (2a) As sandálias são estampadas com nomes de seleções; (2b) (ser estampadas x, y); (2c) As sandálias [HAVAIANAS] são estampadas com os nomes de seleções [DE FUTEBOL]; (2d) AMANDA AFIRMA QUE AS SANDÁLIAS HAVAIANAS SÃO ESTAMPADAS COM OS NOMES DE SELEÇÕES DE FUTEBOL. (3a) O homem vai falando os títulos de copas do mundo que algumas seleções obtiveram, com tantas sandálias, com tantas seleções, com tantas histórias, o homem fica indeciso; (3b) (ir falando x, y (obter x, y, αtempo) z, αlugar) ∧ (ficar x, y) ∧ (ficar x, y) ∧ (ficar x, y); (3c) Ø [NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] o homem vai falando os títulos de copas do mundo Ø [DE FUTEBOL] que [OS TÍTULOS DE COPAS DO MUNDO] algumas seleções obtiveram Ø [EM UM TEMPO ANTERIOR AO DO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] e o homem fica indeciso com tantas sandálias [HAVAINAS] Ø [DISPONÍVEIS NO CLOSET DO HOMEM] e Ø [O HOMEM FICA INDECISO] com tantas seleções Ø [ESTAMPADAS NAS SANDÁLIAS HAVAINAS DISPONÍVEIS NO CLOSET DO HOMEM] e Ø [O HOMEM FICA INDECISO] com tantas histórias Ø [EM COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL ESTAMPADAS NAS SANDÁLIAS HAVAIANAS DISPONÍVEIS NO CLOSET DO HOMEM]; (3d) AMANDA AFIRMA QUE NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS O HOMEM VAI FALANDO OS TÍTULOS DE COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL QUE ALGUMAS SELEÇÕES OBTIVERAM OS TÍTULOS DE COPAS DO MUNDO EM UM TEMPO ANTERIOR AO DO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS E O HOMEM FICA INDECISO COM TANTAS SANDÁLIAS HAVAINAS DISPONÍVEIS NO CLOSET DO HOMEM E O HOMEM FICA INDECISO COM TANTAS SELEÇÕES ESTAMPADAS NAS SANDÁLIAS HAVAINAS DISPONÍVEIS NO CLOSET DO HOMEM E O HOMEM FICA INDECISO COM TANTAS HISTÓRIAS EM COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL DAS SELEÇÕES DE FUTEBOL ESTAMPADAS NAS SANDÁLIAS HAVAIANAS DISPONÍVEIS NO CLOSET DO HOMEM. (4a) Então, chega a sua esposa; (4b) ∧ (chegar x, αlugar, βtempo, γlugar); (4c) então Ø [ENQUANTO O HOMEM FICA INDECISO SOBRE QUE SANDÁLIA HAVAIANA ESCOLHER] chega a sua esposa [A ESPOSA DO HOMEM] Ø [NO CLOSET EM QUE O HOMEM ESTAVA] Ø [NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS]; (4d) AMANDA AFIRMA QUE ENQUANTO O HOMEM FICA INDECISO SOBRE QUE SANDÁLIA HAVAIANA ESCOLHER A ESPOSA DO HOMEM CHEGA NO CLOSET EM QUE O HOMEM ESTAVA NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS. (5a) Ele pergunta qual escolher; (5b) (perguntar x, y (escolher x, -QU, αfinalidade), z, αlugar); (5c) ele [O HOMEM] pergunta Ø [A SUA ESPOSA/A ESPOSA DO HOMEM] qual Ø [SANDÁLIA HAVAIANA O HOMEM DEVE] escolher Ø [PARA O HOMEM USAR] Ø [NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS]; (5d) AMANDA AFIRMA QUE O HOMEM PERGUNTA A SUA ESPOSA/A ESPOSA DO HOMEM QUAL SANDÁLIA HAVAIANA O HOMEM DEVE ESCOLHER PARA O HOMEM USAR NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS. (6a) A mulher diz “Ah, vai com a vermelhinha para combinar com a camiseta”; (6b) (dizer x, y (ir x, αinstrumento, βfinalidade (combinar x, y)) z, αlugar); (6c) a mulher [A ESPOSA DO HOMEM] diz Ø [AO HOMEM] vai com a [SANDÁLIA HAVAIANA] vermelhinha pra ∅ [SANDÁLIA HAVAIANA VERMELHINHA] combinar com a camiseta ∅ [VERMELHINHA USADA PELO HOMEM] Ø [NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS]; (6d) AMANDA AFIRMA QUE A ESPOSA DO HOMEM DIZ AO HOMEM QUE O HOMEM DEVE IR COM A SANDÁLIA HAVAIANA VERMELHINHA PARA AS SANDÁLIAS HAVAIANAS VERMELHINHAS COMBINAREM COM A CAMISETA VERMELHINHA USADA PELO HOMEM NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS. 74 (7a) O homem não gostou muito da decisão da esposa, pois o objetivo dele era escolher uma sandália de acordo com a sua história, não de acordo com sua camiseta; (7b) (¬ gostar x, y, αintensidade, βcausa (ser x, y (escolher x, y, αconformidade) ∧ (¬ser x, y (escolher x, y, αconformidade)), αlugar); (7c) O homem não gostou muito da decisão [DA ESCOLHA DA SANDÁLIA HAVAIANA VERMELHINHA] da esposa [DO HOMEM], pois o objetivo dele [DO HOMEM] era Ø [O HOMEM] escolher uma sandália [HAVAIANA] de acordo com a sua Ø [DA SELEÇÃO REPRESENTADA NA SANDÁLIA HAVAIANA] história Ø [EM COPA DO MUNDO DE FUTEBOL], Ø [E O OBJETIVO DO HOMEM] não Ø [era] Ø [O HOMEM ESCOLHER UMA SANDÁLIA HAVAIANA] de acordo com a sua camiseta [A CAMISETA DO HOMEM] Ø [NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] ; (7d) AMANDA AFIRMA QUE O HOMEM NÃO GOSTOU MUITO DA DECISÃO DA ESCOLHA DA SANDÁLIA HAVAIANA VERMELHINHA DA ESPOSA DO HOMEM, POIS O OBJETIVO DO HOMEM ERA O HOMEM ESCOLHER UMA SANDÁLIA HAVAIANA DE ACORDO COM A HISTÓRIA DA SELEÇÃO REPRESENTADA NA SANDÁLIA HAVAIANA EM COPA DO MUNDO DE FUTEBOL, E O OBJETIVO DO HOMEM NÃO ERA O HOMEM ESCOLHER UMA SANDÁLIA HAVAIANA DE ACORDO COM A CAMISETA DO HOMEM NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS. Nos dois primeiros parágrafos, Amanda descreve a mensagem que estava em foreground nesse comercial de televisão, isto é, o dilema do homem, interpretado pelo ator Daniel de Oliveira, ao escolher um par de sandálias Havaianas com estampas de seleções de futebol que já conquistaram Copas do Mundo e o fato de a mulher, interpretada pela atriz Vanessa Giácomo, ter utilizado um critério de escolha que não vinha ao encontro dos critérios que Daniel estava utilizando. Nesses dois primeiros parágrafos, nota-se que, embora as cenas do comercial sejam descritas com mais detalhes, eles possuem mensagem semelhante ao primeiro parágrafo da primeira produção textual da estudante, com a adição apenas da informação de que o homem não gostou da decisão da esposa. Para confirmar essa afirmação, seguem abaixo os parágrafos citados. Cabe destacar que os enunciados da segunda produção estão apresentados em negrito, os enunciados da primeira produção estão apresentados em sublinhado e o enunciado que provavelmente derivou da intervenção didática está apresentado em itálico. (1) O comercial Havaianas mostra um homem indeciso com a sandália que irá usar. (1) O comercial das sandálias Havaianas, está nos mostrando um homem escolhendo qual sandália irá usar. (2) As sandálias são estampadas com nomes de seleções. (2) As sandálias são estampadas com os países que já ganharam copas do mundo (Uruguai, Itália, Alemanha, Brasil). (3) O homem vai falando os títulos de copas do mundo que algumas seleções obtiveram, com tantas sandálias, com tantas seleções, com tantas histórias, o homem fica indeciso. (3) O homem está pegando as havaianas e falando os títulos que elas tem, ele diz “Muito difícil!”, “Qual escolho?”, sua mulher escolhe uma de acordo com sua camisa. (4) Mas a intenção do homem em escolher uma sandália seria de acordo com os títulos conseguidos. (4) Então, chega a sua esposa. (5) Ele pergunta qual escolher. (6) A mulher diz “Ah, vai com a vermelhinha para combinar com a camiseta”. (7) O homem não gostou muito da decisão da esposa, pois o objetivo dele era escolher uma sandália de acordo com a sua história, não de acordo com sua camiseta. 75 O enunciado que está em itálico dá indícios de que os turnos 241, 242 e 243 foram relevantes para a estudante. 241 P: Como ele reage à decisão dela? 242 A: Ele não gosta, mas não dá pra contestar a mulher. 243 A: Mulher não se contesta. Com essas interações, o ambiente cognitivo de Amanda foi ampliado. S1 – O homem escolhe as Havaianas com base na história das seleções em Copas do Mundo de Futebol (input visual e linguístico); S2 – A mulher escolhe as Havaianas vermelhas por combinarem com a camiseta do homem (input visual e linguístico); S3 – S1∧S2S4 (por modus ponens conjuntivo); S4 – O critério do homem não equivale ao critério da mulher (conclusão implicada). S5 – As sandálias Havaianas vermelhas são da Sérvia (input visual); S6 – A Sérvia não venceu nenhuma Copa do Mundo (suposição factual); S7 – S1∧S2∧S5∧S6S8 (por modus ponens conjuntivo); S8 – O homem não gosta da escolha da mulher (conclusão implicada). Segue abaixo a análise do segundo parágrafo. (8a) Se olharmos atentamente, percebemos que não havia havaianas da Argentina, o que mostra a rivalidade entre as seleções do Brasil e Argentina; (8b) (olhar x, y, αintensidade) (perceber x, y (¬haver x, αlugar) ∧ (mostrar x (¬haver x, αlugar)); (8c) Se olharmos [NÓS/OS TELESPECTADORES E A AMANDA] atentamente Ø [O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS], percebemos [NÓS/OS TELESPECTADORES E A AMANDA] que não havia Ø [NO CLOSET DO HOMEM] [SANDÁLIAS] havaianas da Ø [SELEÇÃO DE FUTEBOL DA] Argentina Ø [QUE TAMBÉM POSSUI HISTÓRIA EM COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL/FOI BICAMPEÃ MUNDIAL] o que [NÃO HAVER NO CLOSET DO HOMEM SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ARGENTINA] mostra [AOS TELESPECTADORES E À AMANDA] a rivalidade entre as seleções do Brasil e [DA] Argentina; (8d) AMANDA AFIRMA QUE SE OS TELESPECTADORES E A AMANDA OLHAREM ATENTAMENTE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DA SANDÁLIAS HAVAIANAS OS TELESPECTADORES E A AMANDA PERCEBERÃO QUE NÃO HAVIA NO CLOSET DO HOMEM SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ARGENTINA QUE TAMBÉM POSSUI HISTÓRIA EM COPAS DO MUNDO DE FUTEBOL/FOI BICAMPEÃ MUNDIAL E NÃO HAVER NO CLOSET DO HOMEM SANDÁLIAS HAVAIANAS DA SELEÇÃO DE FUTEBOL DA ARGENTINA MOSTRA AOS TELESPECTADORES E À AMANDA A RIVALIDADE ENTRE AS SELEÇÕES DO BRASIL E DA ARGENTINA. Nesse parágrafo, Amanda aborda o fato de as sandálias Havaianas da Argentina não estarem no closet do homem, já que a seleção de futebol da Argentina já foi bicampeã mundial. Sendo assim, esse parágrafo possui um input não acionado na primeira produção textual. Esse input pode ter surgido a partir da interação da pesquisadora com os estudantes: 76 144 A: Eu vi também que não tinha as Havaianas da Argentina, ela levou duas e, além de ele não pegar, não tinha na prateleira dele. 145 A: Não tinha também a Espanha. 146 A: É que a Espanha venceu depois, por isso que não tem. 147 A: É mais a Argentina já tinha vencido. 148 P: Isso mesmo. Essa propaganda foi feita antes da Copa do Mundo em que a Espanha venceu. Então, até então, a Espanha não tinha ganhado. Mas a Argentina já tinha... 149 A: Ah, mas não dá, né? A Argentina não dá. 150 P: Não dá? 151 A: O Brasil tem uma rixa com a Argentina? 152 P: Rixa? 153 A: É, assim, uma rivalidade. 154 A: E a Havaiana tem que representar o país e pra isso não dá de um brasileiro fica indeciso com a Havaiana da Argentina, né. 155 P: Não? 156 A: Só o que faltava. 157 P: Só o que faltava? 158 A: Como a Havaiana representa o Brasil e o Brasil é rival da Argentina, não dá pra ter a Havaiana dá Argentina. Seguem-se as prováveis inferências seguidas pela estudante para a construção desse enunciado. S1 – O homem fica indeciso com as sandálias Havaianas que tem estampadas as seleções que possuem história em Copas do Mundo de Futebol (suposição factual); S2 – A Argentina já venceu a Copa do Mundo de Futebol (suposição factual); S3 – S1∧S2S4 (por modus ponens conjuntivo); S4 – O homem provavelmente ficará indeciso com a sandália Havaiana da Argentina (conclusão implicada). Essa suposição, contudo, será contradita pelo fato de não haver não closet do homem sandálias Havaianas com estampas da seleção da Argentina. Tendo isso em vista, um novo conjunto de suposições é agregado. S1 – As seleções de futebol do Brasil e da Argentina possuem uma grande rivalidade nos campeonatos (suposição factual); S2 – O homem é brasileiro (suposição factual); S3 – S1∧S2S4(por modus ponens conjuntivo); S4 – O homem provavelmente não usará uma sandália Havaiana que tem a estampa da seleção de futebol da Argentina (conclusão implicada); S5 – S4S6 (por modus ponens); S6 – O homem não tem em seu closet uma sandália Havaiana da seleção de futebol da Argentina (conclusão implicada). A seguir, têm-se os enunciados que compõem o terceiro parágrafo. (9a) O publicitário usou várias estratégias nesse comercial; (9b) (usar x, y, αlugar, βfinalidade); 77 (9c) O publicitário usou várias estratégias nesse comercial [DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] Ø [PARA CONVENCER O TELESPECTADOR A COMPRAR AS SANDÁLIAS HAVAIANAS]; (9d) AMANDA AFIRMA QUE O PUBLICITÁRIO USOU VÁRIAS ESTRATÉGIAS NESSE COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS PARA CONVENCER O TELESPECTADOR A COMPRAR AS SANDÁLIAS HAVAIANAS. (10a) Como por exemplo, colocou o cenário um pouco mais neutro, para centralizar no homem e nas sandálias. (10b) (colocar x, y, αfinalidade (centralizar x, y, αlugar)); (10c) Ø [O PUBLICITÁRIO USOU VÁRIAS ESTRATÉGIAS PARA CONVENCER O TELESPECTADOR A COMPRAR O PRODUTO] como por exemplo Ø [O PUBLICITÁRIO] colocou o cenário Ø [DO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] um pouco mais neutro para centralizar no homem e nas sandálias [HAVAIANAS]; (10d) AMANDA AFIRMA QUE O PUBLICITÁRIO USOU VÁRIAS ESTRATÉGIAS PARA CONVENCER O TELESPECTADOR A COMPRAR O PRODUTO COMO, POR EXEMPLO, O PUBLICITÁRIO COLOCOU O CENÁRIO DO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS UM POUCO MAIS NEUTRO PARA CENTRALIZAR NO HOMEM E NAS SANDÁLIAS HAVAIANAS. (11a) Ele também repete várias vezes algumas partes, tentando sempre focar nas sandálias, posicionando as câmeras de uma maneira que centralize as Havaianas; (11b) ∧ (repetir x, αinclusão, βquantidade, y, γmodo (tentar focar x, y, αlugar, βmodo (posicionar x, y, αmodo (centralizar x, y)))); (11c) Ele [O PUBLICITÁRIO] também [ALÉM DE OUTRAS ESTRATÉGIAS] repete várias vezes algumas partes Ø [DO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS], tentando sempre focar Ø [O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] nas sandálias [HAVAIANAS], posicionando as câmeras de uma maneira que centralize as [SANDÁLIAS] Havaianas; (11d) AMANDA AFIRMA QIE O PUBLICITÁRIO ALÉM DE OUTRAS ESTRATÉGIAS TAMBÉM REPETE VÁRIAS VEZES ALGUMAS PARTES DO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS, TENTANDO SEMPRE FOCAR O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS NAS SANDÁLIAS HAVAIANAS, POSICIONANDO AS CÂMERAS DE UMA MANEIRA QUE CENTRALIZE AS SANDÁLIAS HAVAIANAS. Nesses enunciados, Amanda apresenta algumas estratégias utilizadas pelo publicitário. Torna-se importante evidenciar que a entrada lexical ‘publicitário’ não foi usada no primeiro texto, uma vez que ele se deteve mais as descrições das cenas e as evidências mais explícitas. Dessa forma, provavelmente esses enunciados foram construídos a partir das seguintes interações: 031 P: Então, aqui gente. Essa primeira cena... Vamos pensar um pouquinho primeiro no posicionamento da câmera, ou seja, a câmera tá mais próxima, tá mais afastada? 032 A: Tá mais afastada. 033 P: Quando o publicitário afasta a câmera o que será que ele deseja? 034 A: Mostrar o ambiente. 035 P: Mostrar o ambiente? Perfeito. E que ambiente é esse? 036 Alunos: Um closet. 037 P: E é comum ter closet? É uma coisa normal, assim, todo mundo tem? 038 Alunos: Não. 039 A: Nem todo mundo tem. 040 P: Quem normalmente tem? 041 A: Só quem pode, né. 042 P: Só quem pode? E quem é que pode? 78 A turma ri e cochicha. Na gravação, o áudio não conseguiu capturar as falas dos alunos. 043 A: Quem tem poder aquisitivo maior. 044 P: Quem tem maior poder aquisitivo? A turma ri e cochicha. Na gravação, o áudio não conseguiu capturar a fala dos alunos. 045 P: Bem, agora vamos pensar um pouquinho nas cores. O que tá mais chamativo na cena? 046 Alunos: A blusa dele. 047 A: A camiseta vermelha. 048 P: O único personagem, né? Então, todo o cenário está bem neutro, né? O closet branco, as peças todas numa tonalidade um pouco mais suave e o personagem principal com uma camiseta vermelha. Por quê? 049 A: Pra destacar. [...] 134 P: Bem, todas as cenas como vocês já disseram são bem repetitivas, não são? 135 A: São. 136 P: Ou muda completamente? De uma cena para outra muda totalmente o cenário, a posição do ator? Vamos pensar um pouquinho na gente... Quando a gente lê uma matéria várias vezes pra que é? 137 A: Pra entender, pra gravar. 138 A: Pra não esquecer. 139 P: Agora, vamos pensar um pouquinho no publicitário... Por que será que ele montou um comercial com cenas repetitivas? 140 A: Pra gente decorar os modelos e depois ir lá comprar. 141 A: Pra isso entrar na nossa cabeça. Abaixo, apresentam-se as inferências que provavelmente possibilitaram a ampliação do contexto cognitivo da estudante. S1 – O publicitário é responsável por criar comerciais de televisão (suposição factual); S2 – Os comerciais de televisão tem o objetivo de levar o telespectador a comprar o que é anunciado (suposição factual); S3 – S1∧S2S4 (por modus ponens conjuntivo); S4 – Os publicitários utilizam estratégias para que os comerciais de televisão levem o telespectador a comprar o que é anunciado (conclusão implicada). S5 – O cenário do comercial de televisão das sandálias Havaianas está neutro (input visual); S6 – As sandálias Havaianas e o homem estão com cores mais fortes do que as cores do cenário (input visual); S7 – S5∧S6S8 (por modus ponens conjuntivo); S8 – O publicitário tem o objetivo de dar destaque as sandálias Havaianas e ao homem (conclusão implicada). S9 – No comercial de televisão das sandálias Havaianas o rito de escolha de uma sandália Havaiana repete-se várias vezes (input visual); S10 – S9S11 (por modus ponens conjuntivo); S11 – O telespectador provavelmente irá memorizar as sandálias Havaianas (conclusão implicada). Agora, segue abaixo a descrição do quinto parágrafo. (12a) O publicitário usou a copa do mundo como tema, para atrair mais pessoas, pois é uma época que todos estão envolvidos com o futebol; (12b) (usar x, y, αfinalidade (atrair x, y, αmotivo (ser x, y (estar envolvido x, y)))); 79 (12c) O publicitário usou a copa do mundo Ø [DE FUTEBOL] como tema para atrair mais pessoas [PARA O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS E PARA O PRODUTO QUE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS ESTÁ ANUNCIANDO], pois Ø [A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL] é uma época [EM] que todos estão envolvidos com o futebol; (12d) AMANDA AFIRMA QUE O PUBLICITÁRIO USOU A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL COMO TEMA PARA ATRAIR MAIS PESSOAS PARA O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS E PARA O PRODUTO QUE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS ESTÁ ANUNCIANDO, POIS A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL É UMA ÉPOCA EM QUE TODOS ESTÃO ENVOLVIDOS COM O FUTEBOL. Nesse parágrafo, a estudante retoma a ideia defendida por ela na primeira produção textual de que as sandálias Havaianas utilizaram um evento esportivo como mote para vender as sandálias, embora na primeira produção essa estratégia dos publicitários tivesse sido mais enfatizada. Uma hipótese para isso é a de que o primeiro texto citou apenas essa estratégia e o segundo listou também outras. (12) O publicitário usou a copa do mundo como tema, para atrair mais pessoas, pois é uma época que todos estão envolvidos com o futebol. (5) O comercial foi feito em época de copa do mundo, justamente para fazer as pessoas comprar as sandálias com as seleções. (6) Intenção de vender, pois é a época mais propícia para vender. (7) O Produto citado no comercial, as sandálias, foram feitos especialmente para esse acontecimento, a Copa do mundo. A seguir, apresentam-se os dois enunciados que compõem o sexto parágrafo. (13a) Esse comercial mostra um pouco da influência que a mulher pode ter sobre o homem, pois a mulher apareceu no final como se fosse um juiz de uma partida de futebol, impondo a sua opinião e tendo autoridade; (13b) (mostrar x, y (poder ter x, y, z, αmotivo (aparecer x, αtempo, βmodo (ser x, y (impor x, y) ∧ (ter x, y))))); (13c) Esse comercial [DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] mostra um pouco da influência que [INFLUÊNCIA] a mulher pode ter sobre o homem, pois a mulher apareceu no final Ø [DO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] como se Ø [A MULHER] fosse um juiz de uma partida de futebol, impondo a sua opinião [DA MULHER] e tendo autoridade Ø [SOBRE O HOMEM]; (13d) AMANDA AFIRMA QUE ESSE COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS MOSTRA UM POUCO DA INFLUÊNCIA QUE A MULHER PODE TER INFLUÊNCIA SOBRE O HOMEM, POIS A MULHER APARECEU NO FINAL DO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS COMO SE A MULHER FOSSE UM JUIZ DE UMA PARTIDA DE FUTEBOL, IMPONDO A OPINIÃO DA MULHER E TENDO AUTORIDADE SOBRE O HOMEM. (14a) Foi também uma maneira de dar “sorte” para o Brasil na Copa do Mundo, pois no final comercial, aparece um trevo de quatro folhas e as havaianas do Brasil no centro; (14b) (ser x, αinclusão, y (dar x, y, z, αlugar, βmotivo (aparecer x, αlugar, βtempo) ∧ (estar x, αlugar)); (14c) Ø [O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] foi também uma maneira de Ø [AS SANDÁLIAS HAVAIANAS] dar “sorte” para o Brasil [A SELEÇÃO BRASILEIRA] na Copa do Mundo Ø [DE FUTEBOL], pois no final do comercial [DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS], aparece um trevo de quatro folhas e as [SANDÁLIAS] havaianas do Brasil Ø [ESTÃO] no centro Ø [DA TELA DA TELEVISÃO]; 80 (14d) AMANDA AFIRMA QUE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS FOI TAMBÉM UMA MANEIRA DE AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DAREM “SORTE” PARA A SELEÇÃO BRASILEIRA NA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL, POIS NO FINAL DO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS, APARECE UM TREVO DE QUATRO FOLHAS E AS SANDÁLIAS HAVAIANAS DO BRASIL ESTÃO NO CENTRO DA TELA DA TELEVISÃO. Esses enunciados trazem duas novas informações que não foram mencionadas na primeira produção da estudante. Primeiro, a semelhança que há entre o movimento feito pela atriz e o movimento feito pelos árbitros em jogos de futebol. Segundo, o fato de aparecer no final do comercial um trevo de quatro folhas com as cores que simbolizam a bandeira do Brasil, sugerindo desejo de boa sorte à seleção brasileira. Provavelmente, essas informações derivaram destas interações: 204 P: Então, vamos aproveitar esse momento para refletir... E agora essa cena? Vamos pensar um pouquinho na posição que ela faz ao entregar a sandália pra ele, a expressão corporal dele, ou seja, como que ele reage ao ouvi-la. O que ela diz pra ele agora? 205 Alunos: Vai com a vermelhinha pra combinar com a camiseta. Que bunitinho, pronto! Vamu embora! Todos riem 206 P: Tá, ela diz isso pra ele. E era esse critério que ele tava utilizando? 207 Alunos: Não 208 A: Ele tava levando em consideração a história de cada seleção. 209 P: E quando ela chega, ela pega o time que tem mais história? 210 Alunos: não. 211 A: É que ela não conhece os times. 212 A: Ela pega só por causa da cor. 213 P: Que time ela pegou? 214 Alunos: Sérvia. 215 P: E a Sérvia tem história em Copa do Mundo? 216 A: Acho que nunca jogou. 217 A: E se jogou, nunca passou da primeira fase. 218 P: Por que será que o publicitário usa essa estratégia, quebrando totalmente o clima? 219 A: Pra dá humor. 220 P: Pra dá humor? 221 A: É, assim o comercial interage mais com a gente. 222 A: A cena tava muito repetitiva, aí não tinha interação. 223 P: E com esse tom de humor tem? 224 A: Bem mais. 225 P: Esse gesto dela lembra alguma coisa ou alguém? 226 A: Ah, lembra o juiz. 227 P: O juiz faz isso? 228 A: Faz quando ele quer mostrar autoridade. 229 A: Quando ele quer acabar com o jogo também. 230 P: E o som? Como fica? 231 A: A música para. 232 P: Para? 233 A: É, para e fica tipo um apito. 234 P: Hum... E quando o juiz quer chamar a atenção do jogador quais os recursos que ele utiliza? 235 A: Cartão, apito... 236 A: Tipo como ela tá fazendo. 81 237 P: Quando o juiz toma uma decisão, ela é definitiva? 238 A: Sim, ele é a autoridade no campo. 239 P: E será que ela exerce alguma autoridade sobre ele? 240 A: Oh, se exerce. Todos riem. 241 P: Como ele reage à decisão dela? 242 A: Ele não gosta, mas não dá pra contestar a mulher. 243 A: Mulher não se contesta. [...] 271 P: Agora, vamos à última cena. E aqui? 272 A: Tem duas Havaianas do Brasil no centro. 273 P: Hum... E as cores? 274 A: São as cores do Brasil. 275 P: E essas cores simbolizam o que? 276 A: A bandeira. 277 P: E a bandeira tem esse formato? 278 Alunos: Não. 279 P: Esse formato lembra alguma coisa? 280 A: Ah, um trevo de quatro folhas. 281 P: Isso mesmo. Todos aplaudem. 282 P: E o que o trevo de quatro folhas... 283 Alunos: Sorte. 284 A: Sorte para o Brasil na Copa do Mundo. No sétimo parágrafo, Amanda refere-se ao fato de os atores serem famosos e de formarem um casal na vida real. No que se refere ao décimo sexto enunciado, que compõem esse parágrafo, a estudante dá ênfase ao fato de que nem todas as pessoas podem ter um closet com tantas sandálias à disposição. (15a) O comercial, também, chama a atenção de que os atores que fazem o comercial são famosos no Brasil, e casados na vida real; (15b) (chamar atenção x, αinclusão, y (ser x (fazer x, y) y) ∧ (ser x, y, αlugar))); (15c) O comercial [DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS], também [ALÉM DE OUTRAS COISAS], chama a atenção Ø [DOS TELESPECTADORES E DE AMANDA] de que os atores que [OS ATORES] fazem o comercial [DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] são Ø [ATORES] famosos no Brasil, e Ø [OS ATORES QUE FAZEM O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] Ø [SÃO] casados na vida real; (15d) AMANDA AFIRMA QUE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS, ALÉM DE OUTRAS COISAS, CHAMA A ATENÇÃO DOS TELESPECTADORES E DE AMANDA DE QUE OS ATORES QUE FAZEM O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS SÃO ATORES FAMOSOS NO BRASIL, E OS ATORES QUE FAZEM O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS SÃO CASADOS NA VIDA REAL. (16a) Podemos pensar, que não são todas as pessoas, que podem ter um closet com todo aquele “acervo” de sandálias; (16b) (poder pensar x, y (¬ser x (poder ter x, y), y),y); (16c) Podemos [OS TELESPECTADORES E A AMANDA] pensar Ø [SOBRE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS], que não são todas as pessoas, que [AS PESSOAS] podem ter um closet Ø [EQUIVALENTE AO CLOSET DO HOMEM MOSTRADO NO COMERCIAL DE TELEVISÃ O DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS] com todo aquele “acervo” de sandálias [HAVAIANAS]; (16d) AMANDA AFIRMA QUE OS TELESPECTADORES E A AMANDA PODEM PENSAR SOBRE O COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS QUE NÃO SÃO TODAS AS PESSOAS QUE PODEM TER UM CLOSET EQUIVALENTE AO CLOSET DO HOMEM MOS- 82 TRADO NO COMERCIAL DE TELEVISÃO DAS SANDÁLIAS HAVAIANAS COM TODO AQUELE ACERVO DE SANDÁLIAS HAVAIANAS. Há evidências de que esses enunciados são consequências de duas sequências de interações: 247 P: Pois é... Sempre que o publicitário vai montar um comercial, ele pensa desde a fala do personagem, quem vai ser o personagem, o que aquele ator representa. E esses atores, o que eles representam? 248 A: Eles são atores famosos. 249 A: Eles são casados na vida real. 250 A: E eles são bem certinhos. 251 P: Certinhos? 252 A: É, a imagem deles é boa, porque eles nunca se envolveram em baixaria. 253 P: Hum... E por que será que os comerciais escolhem atores famosos? 254 A: Por que aí a gente vai querer usar aquilo, porque, assim, se o famoso usa é por que é bom. 255 A: Por exemplo, se o Ronaldinho faz um comercial de chuteira e eu quero comprar uma chuteira, aí eu vou querer comprar uma chuteira igual a do Ronaldinho, né. 256 P: E isso acontece com vocês? 257 Alunos: Não. 258 P: Então, vocês não se deixam influenciar? 259 Alunos: Não. 260 A: Ah, só às vezes, né. Por que se todo mundo tá usando você acaba querendo usa também. 261 P: É? 262 A: É, não é sempre, mas às vezes é. 033 P: Quando o publicitário afasta a câmera o que será que ele deseja? 034 A: Mostrar o ambiente. 035 P: Mostrar o ambiente? Perfeito. E que ambiente é esse? 036 Alunos: Um closet. 037 P: E é comum ter closet? É uma coisa normal, assim, todo mundo tem? 038 Alunos: Não. 039 A: Nem todo mundo tem. 040 P: Quem normalmente tem? 041 A: Só quem pode, né. 042 P: Só quem pode? E quem é que pode? A turma ri e cochicha. Na gravação, o áudio não conseguiu capturar a fala dos alunos. 043 A: Quem tem poder aquisitivo maior. No parágrafo seguinte, a estudante coloca-se enquanto consumidora e afirma que boa parte das compras é resultado da influência que os comerciais exercem sobre as pessoas. (17a) Muitas das coisas que compramos hoje em dia, são influenciadas pelos comerciais; (17b) (ser influenciado x (comprar x, y, αtempo) y); (17c) Muitas das coisas [PRODUTOS] que [OS TELESPECTADORES E A AMANDA] compramos hoje em dia são influenciadas pelos comerciais [DE TELEVISÃO]; (17d) AMANDA AFIRMA QUE MUITAS DAS COISAS QUE OS TELESPECTADORES E A AMANDA COMPRAM HOJE EM DIA SÃO INFLUENCIADAS PELOS COMERCIAIS DE TELEVISÃO. 83 Nesse parágrafo, Amanda deu ênfase ao consumismo. Essa questão pode ter sido recuperada dos seguintes turnos: 023 P: O que normalmente ela [a propaganda] faz com o consumidor? 024 A: Influencia. 025 P: E no que a propaganda normalmente nos influencia? 026 A: Nos influencia a comprar. 027 P: Nos influencia a comprar. E será que o modo como nós nos vestimos é influenciado pela mídia em geral, pela propaganda, pela televisão? 028 A: É e muito. [...] 244 P: Uma questão pra gente pensar é o consumo, né? Essa propaganda motiva o consumo? 245 A: Sim, o consumismo. 246 A: Pra que ter vários pares de Havaianas. Por fim, Amanda conclui o texto falando sobre o olhar crítico que é preciso se ter sobre os comerciais de televisão. (18a) Nem sempre, temos essa visão crítica sobre os comerciais de televisão; (18b) (¬ ter x, y, αtempo); (18c) Nem sempre, temos [OS TELESPECTADORES E A AMANDA] essa visão crítica [QUE AMANDA CONSIDERA ESTAR TENDO AGORA] sobre os comerciais de televisão; (18d) AMANDA AFIRMA QUE NEM SEMPRE OS TELESPECTADORES E A AMANDA TÊM ESSA VISÃO CRÍTICA QUE AMANDA CONSIDERA ESTAR TENDO AGORA SOBRE OS COMERCIAIS DE TELEVISÃO. (19a) Muitas vezes não percebemos que podemos ser manipulados pelos comerciais, que sempre estão nos incentivando a comprar; (19b) (¬perceber x, y (poder ser manipulado x, y), αfrequência) ∧ (estar incentivando x, y (comprar x, y), αfrequência); (19c) Muitas vezes não percebemos Ø [OS TELESPECTADORES E A AMANDA] que podemos Ø [OS TELESPECTADORES E A AMANDA] ser manipulados pelos comerciais [DE TELEVISÃO], que [OS COMERCIAIS DE TELEVISÃO] sempre estão nos [OS TELESPECTADORES E A AMANDA] incentivando a comprar Ø [O PRODUTO ANUNCIADO PELO COMERCIAL DE TELEVISÃO]; (19d) AMANDA AFIRMA QUE MUITAS VEZES OS TELESPECTADORES E A AMANDA NÃO PERCEBEM QUE OS TELESPECTADORES E A AMANDA PODEM SER MANIPULADOS PELOS COMERCIAIS DE TELEVISÃO QUE SEMPRE ESTÃO INCENTIVANDO OS TELESPECTADORES E A AMANDA A COMPRAR O PRODUTO ANUNCIADO PELO COMERCIAL DE TELEVISÃO. Há consideráveis evidências de que esses enunciados foram escritos a partir das seguintes interações: 286 P: Quando a gente vê a propaganda a gente se dá conta de todos esses detalhes? 287 Alunos: Não. 288 A: A propaganda convence a gente e a gente nem percebe. 289 P: Pois é... Vamos pensar um pouquinho em propaganda de cerveja. O que ela normalmente mostra? 290 A: Alegria, mulher gostosa... 291 P: Mostra briga? 84 292 A: Não, é tudo uma harmonia, são todos amigos. 293 A: Só festa, futebol, churrasco... 294 P: E a cerveja é sinônimo de felicidade? 295 A: Não, muito pelo contrário. 296 P: Então, o que o publicitário faz? Ele pega os aspectos positivos e foca neles como se não houvesse nada de negativo atrelado aquele produto, né? 297 A: É, e a gente nem se dá conta disso. 298 P: Pessoal, nosso horário está chegando ao fim. Agora, pra finalizar, eu vou fazer algumas perguntas pra vocês. Certo? 299 Alunos: Certo. 300 P: Pelo o que vocês assistiram desse comercial, do que vocês vão sempre lembrar? 301 Alunos: Das Havaianas. 302 A: E da mulher também, porque ela que dá a graça do comercial. 303 P: E vocês vão lembrar o que das Havaianas? 304 A: Que elas têm história. 305 P: Vocês costumam acreditar em tudo que passa na televisão ou vocês questionam se aquilo é verdade. 306 A: Às vezes eu até me questiono, mas a maioria não se questiona. 307 A: Agora eu vou olhar os comerciais de uma forma diferente. 308 P: É? 309 A: É. A gente tem que ficar mais atento, pois eles são muito espertos. Toca o sinal. 310 P: Pessoal, foi muito bom conversar com vocês... Amanhã eu volto pra última etapa da pesquisa. Cabe ressaltar que na segunda produção textual Amanda abandou o argumento de que esse filme publicitário transmite a mensagem de que os homens são mais interessados em futebol do que as mulheres. Ou seja, pôde-se perceber que no segundo texto a estudante apresentou um olhar mais técnico a respeito do filme, isto é, ela deu ênfase às estratégias usadas pelo publicitário para persuadir e para seduzir o telespectador a comprar as sandálias Havaianas. Sendo assim, na segunda produção, a estudante incluiu em seus argumentos um maior número de estímulos ostensivos presentes no filme. Todavia, isso não quer dizer que a primeira produção textual da estudante não tinha sido satisfatória. Aliás, muito pelo contrário, já no primeiro texto a estudante demonstrou certa habilidade inferencial, principalmente ao mencionar que o comercial utilizou um evento esportivo como mote para vender as sandálias Havaianas com os símbolos das seleções de futebol. Em suma, no que se refere à segunda produção textual, destaca-se que a intervenção da pesquisadora possibilitou o alargamento do ambiente cognitivo da estudante, gerando, assim, novos efeitos textuais. Além disso, vale à pena enfatizar que o segundo texto apresenta fortes marcas da pesquisadora, enquanto professora, e é isso que será discutido na análise remissiva das produções dos demais estudantes. 85 4.4 ANÁLISE REMISSIVA DOS DEMAIS TEXTOS Nesta seção, apresenta-se uma análise remissiva das produções textuais dos demais estudantes participantes dessa pesquisa, destacando-se o que foi recorrente nos textos. De forma geral, nos primeiros textos (pré-teste), os estudantes iniciam descrevendo a mensagem que está em foreground no filme publicitário Closet, isto é, eles descrevem a indecisão do homem ao escolher uma sandália Havaiana com os símbolos de seleções e a decisão da mulher por escolher de forma objetiva uma sandália Havaiana que, segundo ela, combinava com a roupa dele. Para ilustrar essa afirmação, seguem-se abaixo os primeiros parágrafos de duas produções textuais. Cabe destacar que os nomes apresentados são fictícios. Primeira produção textual (pré-teste) Bárbara Havaianas da Copa do Mundo [1º Parágrafo] O comercial de chinelos da Havaianas, retrata a dúvida de um homem em decidir com qual havaianas deve usar. Nota-se que o homem possui uma coleção de havaianas com estampas de várias seleções, que ocupam um lugar privilegiado em seu closet. [2º Parágrafo] Para escolher qual havaianas deve usar, ele usa como argumento as conquistas de cada seleção. Em meio a dúvida, sua esposa chega e escolhe uma vermelha da Sérvia, para combinar com a camiseta vermelha. Primeira produção textual (pré-teste) Camila Havaianas, todo mundo usa [1º Parágrafo] A propaganda das Havaianas mostra um homem escolhendo suas havaianas de acordo com a história do time e seus títulos. Então ele pede ajuda para sua namorada pra qual ele deveria escolher. Ela pega um chinelo vermelho e diz que aquele combinaria com a camiseta dele. Ele, então diz “Não tem respeito nenhum”, coloca o chinelo e sai. No decorrer dos textos, os estudantes, em sua maioria, destacam que esse filme publicitário foi criado em época de Copa Mundo para impulsionar as vendas do produto que trazia estampado os símbolos das seleções. Destaca-se que isso foi tão importante para a Bárbara, de tal modo, que ela intitulou seu texto “Havaianas da Copa do Mundo”. Primeira produção textual (pré-teste) Bárbara 86 Havaianas da Copa do Mundo [3º Parágrafo] O objetivo do comercial, é mostrar a nova coleção das havaianas, pois como era época de copa do mundo, seria um ótimo momento de vender havaianas com temas de seleções de futebol. [4º Parágrafo] Como a marca Havaianas é muito forte e conhecida no Brasil, um comercial aumenta muito a divulgação da marca, a nova coleção e estimula o desejo de consumo, aumentando as vendas. Primeira produção textual (pré-teste) Camila Havaianas, todo mundo usa [2º Parágrafo] Uma propaganda mostra um tipo de material e a maioria delas mostra um produto com a intenção de vendê-lo. Uma propaganda coloca o produto a ser vendido centro das atenções, que para mim, é para mostrá-lo importante. [3º Parágrafo] Esse comercial foi apresentado em época de copa, com a intensão [intenção] de vender os chinelos dos times para os torcedores. [4º Parágrafo] A marca “havaianas” é conhecida no mundo inteiro e cada país ia compra a da sua seleção para mostrar que estava torcendo. O fato de os estudantes terem relatado que o filme traz estrategicamente a Copa do Mundo mostra que eles possuem um conhecimento enciclopédico que lhes permite gerar inferências adequadas, isto é, eles podem não possuir conhecidos técnicos para perceber como o telespectador é induzido à compra, mas eles já possuem um olhar crítico para perceber que a temática do futebol não foi apresentada pelo publicitário inocentemente. Além disso, já na primeira produção, os estudantes demonstraram ter um conhecimento enciclopédico do que vem a ser a principal intenção de um filme publicitário, ou seja, dar destaque para, então, vender o que é anunciado. No que se referem aos textos escritos após a intervenção da pesquisadora, percebeu-se que os estudantes embasaram os seus argumentos nos conhecimentos técnicos discutidos na intervenção. Em outras palavras, pôde-se inferir que as novas suposições provenientes daquela discussão foram relevantes aos estudantes, uma vez que elas estiveram presentes nos textos escritos após o teste. Para ilustrar essa questão, têm-se abaixo duas tabelas destacandose nos textos de Bárbara e de Camila as marcas da intervenção. Segunda produção textual (pós-teste) - Bárbara Vendo o comercial com outros olhos Turnos de interações da intervenção didática [1º Parágrafo] O comercial de televisão Closet, anuncia a venda de chinelos da Havaianas. O comercial mostra a dúvida de um homem em escolher qual ha- 195 P: E agora? 196 A: Agora a câmera tá focando no rosto indeciso dele, mas mesmo assim aparece a Havaiana no fundo. 87 vaianas deve usar. 197 P: E o olhar dele? 198 A: Está perdido. 199 A: Parece um retardado. Todos riem. 200 P: Retardado? 201 A: É, ficar assim só por causa de uma Havaiana. [2º Parágrafo] As havaianas tinham como tema as seleções de futebol, já que era época de copa do mundo. Com isso as vendas aumentariam, pois os torcedores iriam querer ter uma para usar, ficando assim em ritmo de copa do mundo. 074 P: E o que ele diz agora? 075 A: Havaianas da Itália? Tetracampeã. 076 P: Tetracampeã do que? 077 A: Da copa do mundo. 078 A: Campeonato mundial. [...] 128 P: E o que ele diz agora? 129 A: Uruguai levou duas, tem história. 130 P: Tem história? 131 A: É, na Copa do Mundo. 132 P: Em nenhum momento ele fala que está se referindo a Copa do Mundo, né? 133 A: Ele não diz, mas a gente sabe. [3º Parágrafo] O cenário possuía uma cor neutra, pois o ponto de destaque era o Daniel e principalmente as havaianas. 045 P: Bem, agora vamos pensar um pouquinho nas cores. O que tá mais chamativo na cena? 046 Alunos: A blusa dele. 047 A: A camiseta vermelha. 048 P: O único personagem, né? Então, todo o cenário está bem neutro, né? O closet branco, as peças todas numa tonalidade um pouco mais suave e o personagem principal com uma camiseta vermelha. Por quê? 049 A: Pra destacar. 050 A: Pra combinar com a sandália que a mulher vai escolher. [4º Parágrafo] O foco da câmera sempre estava para as havaianas, com isso o telespectador conseguia ver com mais detalhes os chinelos. 098 P: E o posicionamento da câmera mudou? 099 A: Continua o mesmo. 100 P: Por que será que continua o mesmo? 101 A: Pra mostrar mais as Havaianas. 102 A: Assim a gente conhece bem. 103 A: Muda a Havaiana, mas o foco é o mesmo, fica repetido. [5º Parágrafo] A música de fundo era um samba. Quando a mulher entra em cena e decide com que havaianas ele devia usar, tocou um apito, o que representou que ela era como se fosse um juiz e o jogo havia acabado. 063 P: E sobre o som nessa hora? Vocês lembram se tinha ou não música? 064 A: Tinha uma musiquinha. 065 P: Como é que era a musiquinha? 066 A: Era uma sambinha alegre. 067 P: Um sambinha? E o que o samba... 068 A: É brasileiro! 069 P: É brasileiro, isso. E normalmente quando se houve um samba é porque se está tenso, porque se está bravo? 070 A: Não, é para relaxar, curtir mesmo. [...] 225 P: Esse gesto dela lembra alguma coisa ou alguém? 226 A: Ah, lembra o juiz. 227 P: O juiz faz isso? 228 A: Faz quando ele quer mostrar autoridade. 229 A: Quando ele quer acabar com o jogo também. 230 P: E o som? Como fica? 88 231 A: A música para. 232 P: Para? 233 A: É, para e fica tipo um apito. 234 P: Hum... E quando o juiz quer chamar a atenção do jogador quais os recursos que ele utiliza? 235 A: Cartão, apito... 236 A: Tipo como ela tá fazendo. 237 P: Quando o juiz toma uma decisão, ela é definitiva? 238 A: Sim, ele é a autoridade no campo. 239 P: E será que ela exerce alguma autoridade sobre ele? 240 A: Oh, se exerce. [6º Parágrafo] Se olharmos atentamente, percebemos que não havia havaianas da Argentina, o que mostra a rivalidade entre as seleções do Brasil e Argentina. 144 A: Eu vi também que não tinha as Havaianas da Argentina, ela levou duas e, além de ele não pegar, não tinha na prateleira dele. 145 A: Não tinha também a Espanha. 146 A: É que a Espanha venceu depois, por isso que não tem. 147 A: É mais a Argentina já tinha vencido. 148 P: Isso mesmo. Essa propaganda foi feita antes da Copa do Mundo em que a Espanha venceu. Então, até então, a Espanha não tinha ganho. Mas a Argentina já tinha. 149 A: Ah, mas não dá, né. A Argentina não dá. 150 P: Não dá? 151 A: O Brasil tem uma rixa com a Argentina? 152 P: Rixa? 153 A: É, assim, uma rivalidade. 154 A: E a Havaiana tem que representar o país e pra isso não dá de um brasileiro fica indeciso com a Havaiana da Argentina, né. 155 P: Não? 156 A: Só o que faltava. 157 P: Só o que faltava? 158 A: Como a Havaiana representa o Brasil e o Brasil é rival da Argentina, não dá pra ter a Havaiana dá Argentina. [7º Parágrafo] Todos esses itens, poderiam ser percebidos se olharmos atentamente o comercial. Muitas vezes somos influenciados pela propaganda, o que nos leva a compra, aumentando a venda da empresa. 023 P: O que normalmente ela [a propaganda] faz com o consumidor? 024 A: Influencia. 025 P: E no que a propaganda normalmente nos influencia? 026 A: Nos influencia a comprar. 027 P: Nos influencia a comprar. E será que o modo como nós nos vestimos é influenciado pela mídia em geral, pela propaganda, pela televisão? 028 A: É e muito. A segunda produção de Bárbara, assim como a de Amanda e a de Camila, apresenta evidências da intervenção didática da pesquisadora/professora e isso demonstra que aquilo que o professor diz é tomado como verdade pelo aluno. Em outros termos, os textos de Amanda, de Bárbara e de Camila servem para ilustrar não que os estudantes não utilizam me- 89 canismos inferenciais, mas que o professor tem um papel fundamental como formador de opinião. Segue-se abaixo o texto de Camila. Segunda produção textual (pós-teste) – Camila Havaianas, Havaianas, Hava! [1º Parágrafo] No filme publicitário Closet, o publicitário utilizou diversas estratégias para induzir os consumidores a comprar as Havaianas; como sempre focar o produto, independente da situação mostrada no comercial; o cenário e os detalhes desse ser brancos para realçar o produto e o ator; usar atores conhecidos e de grande influência; cenas repetitivas para fixar no consumidor o produto, cada vez mais; a câmera colocada sempre em um ângulo em que as havaianas estejam em 1º ou 2º plano; usar o evento da copa do mundo como a grande estratégia para vender as sandálias com as seleções; a música de fundo alegre como o samba; movimentos e falas dos atores; para fechar o comercial, com um trevo de quatro folhas para lhe dar boa sorte na copa. Turnos de interações da intervenção didática 023 P: O que normalmente ela [a propaganda] faz com o consumidor? 024 A: Influencia. 025 P: E no que a propaganda normalmente nos influencia? 026 A: Nos influencia a comprar. 027 P: Nos influencia a comprar. E será que o modo como nós nos vestimos é influenciado pela mídia em geral, pela propaganda, pela televisão? 028 A: É e muito. [...] 045 P: Bem, agora vamos pensar um pouquinho nas cores. O que tá mais chamativo na cena? 046 Alunos: A blusa dele. 047 A: A camiseta vermelha. 048 P: O único personagem, né? Então, todo o cenário está bem neutro, né? O closet branco, as peças todas numa tonalidade um pouco mais suave e o personagem principal com uma camiseta vermelha. Por quê? 049 A: Pra destacar. 050 A: Pra combinar com a sandália que a mulher vai escolher. [...] 055 P: E aqui? Vocês lembram o que ele fala aqui? Os alunos cochicham. Na gravação, o áudio não conseguiu capturar a fala dos alunos. 056 A: Havaianas da Itália?Aqui. 057 P: Havaianas da Itália? Certo. E agora vamos pensar um pouquinho no posicionamento da câmera... 058 A: Mostra a Havaiana da Itália, a prateleira e o homem. 059 A: Agora está destacando a Havaiana da Itália. 060 P: Aqui, o cinema chama de plano médio. O que é o plano médio? A câmera mostra o ambiente, só que tem o objetivo de focar em determinados produtos ou personagens... E a câmera é mostrada sempre da cintura pra cima. O que agora a câmera quer mostrar? É o personagem? A gente consegue ver o rosto dele perfeitamente, identificá-lo? 061 A: Não. 062 A: O foco é na Havaiana da Itália e o resto fica mais pra trás. [...] 063 P: E sobre o som nessa hora? Vocês lembram se tinha ou não música? 064 A: Tinha uma musiquinha. 065 P: Como é que era a musiquinha? 066 A: Era uma sambinha alegre. 067 P: Um sambinha? E o que o samba... 068 A: É brasileiro! 90 069 P: É brasileiro, isso. E normalmente quando se houve um samba é porque se está tenso, porque se está bravo? 070 A: Não, é para relaxar, curtir mesmo. [...] 074 P: E o que ele diz agora? 075 A: Havaianas da Itália? Tetracampeã. 076 P: Tetracampeã do que? 077 A: Da copa do mundo. 078 A: Campeonato mundial. 079 P: E o que tem aqui nas prateleiras. 080 A: Havaianas. 081 A: Havaianas, muitas Havaianas. [...] 098 P: E o posicionamento da câmera mudou? 099 A: Continua o mesmo. 100 P: Por que será que continua o mesmo? 101 A: Pra mostrar mais as Havaianas. 102 A: Assim a gente conhece bem. 103 A: Muda a Havaiana, mas o foco é o mesmo, fica repetido. [...] 104 P: E aqui? O que ele diz nesse momento? 105 A: Brasil é covardia. 128 P: E o que ele diz agora? 129 A: Uruguai levou duas, tem história. 130 P: Tem história? 131 A: É, na Copa do Mundo. 132 P: Em nenhum momento ele fala que está se referindo a Copa do Mundo, né? 133 A: Ele não diz, mas a gente sabe. [...] 134 P: Bem, todas as cenas como vocês já disseram são bem repetitivas, não são? 135 A: São. 136 P: Ou muda completamente? De uma cena para outra muda totalmente o cenário, a posição do ator? Vamos pensar um pouquinho na gente... Quando a gente lê uma matéria várias vezes pra que é? 137 A: Pra entender, pra gravar. 138 A: Pra não esquecer. 139 P: Agora, vamos pensar um pouquinho no publicitário... Por que será que ele montou um comercial com cenas repetitivas? 140 A: Pra gente decorar os modelos e depois ir lá comprar. 141 A: Pra isso entrar na nossa cabeça. [...] 247 P: Pois é... Sempre que o publicitário vai montar um comercial, ele pensa desde a fala do personagem, quem vai ser o personagem, o que aquele ator representa. E esses atores, o que eles representam? 248 A: Eles são atores famosos. 249 A: Eles são casados na vida real. 250 A: E eles são bem certinhos. 251 P: Certinhos? 252 A: É, a imagem deles é boa, porque eles nunca se envolveram em baixaria. 253 P: Hum... E por que será que os comerciais escolhem atores famosos? 91 254 A: Por que aí a gente vai querer usar aquilo, porque, assim, se o famoso usa é por que é bom. 255 A: Por exemplo, se o Ronaldinho faz um comercial de chuteira e eu quero comprar uma chuteira, aí eu vou querer comprar uma chuteira igual a do Ronaldinho, né. [...] 271 P: Agora, vamos à última cena. E aqui? 272 A: Tem duas Havaianas do Brasil no centro. 273 P: Hum... E as cores? 274 A: São as cores do Brasil. 275 P: E essas cores simbolizam o que? 276 A: A bandeira. 277 P: E a bandeira tem esse formato? 278 Alunos: Não. 279 P: Esse formato lembra alguma coisa? 280 A: Ah, um trevo de quatro folhas. 281 P: Isso mesmo. Todos aplaudem. 282 P: E o que o trevo de quatro folhas... 283 Alunos: Sorte. 284 A: Sorte para o Brasil na Copa do Mundo. [2º Parágrafo] Foram trinta segundos de comercial, mas cada milésimo foi pensado e calculado pelo publicitário para influenciar o consumidor a comprar o produto. 019 P: A propaganda nada mais é do que um filme de curta duração que se utiliza das mesmas estratégias que o cinema, certo? Tá, então é um filme de curta duração, normalmente em torno de 30 segundos e qual é o objeto principal de uma propaganda? [...] 286 P: Quando a gente vê a propaganda a gente se dá conta de todos esses detalhes? 287 Alunos: Não. 288 A: A propaganda convence a gente e a gente nem percebe. Em suma, percebeu-se nas segundas produções textuais que o professor exerce uma grande influência sobre a argumentação dos estudantes. Dito de outra forma, os estudantes creem no que o professor diz e isso se reflete em seus textos. Sendo assim, os professores precisam estar preparados para problematizar os mais variados tipos de textos, uma vez que os estudantes, em sua maioria, utilizam a seguinte regra dedutiva, como se ela estivesse préinstalada na arquitetura do sistema cognitivo: Se o professor disse P, então P O professor disse P P. 92 5 CONCLUSÃO Essa monografia, a partir da pesquisa de Bonifácio (2011), analisou, com base no arcabouço teórico da Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (2001 [1995]), a influência de uma intervenção didática sobre as implicaturas do filme publicitário Closet em textos produzidos em situação pós-teste por estudantes da 8ª série do ensino fundamental do Colégio Dehon de Tubarão (SC) em agosto de 2011. De forma mais específica, a pesquisa verificou se há marcas da intervenção didática e do primeiro texto (pré-teste) na segunda produção textual dos estudantes (pós-teste). Além disso, pretendia-se apurar as habilidades inferenciais desses estudantes, partindo-se da hipótese de que a segunda produção textual combinaria um conjunto de suposições memorizadas com as novas suposições implicadas a partir da intervenção da pesquisadora. Para dar conta dessa proposta, três etapas compuseram esse trabalho. Na primeira aula, solicitou-se aos estudantes uma primeira produção com base apenas na audiência do filme publicitário. Na segunda, executou-se a intervenção didática cujo objetivo era possibilitar aos estudantes perceber as estratégias utilizadas pelos publicitários para tornar o produto desejado pelos telespectadores. Após a intervenção, os estudantes produziram um segundo texto que, por hipótese, deveria incluir as questões discutidas na aula anterior. Dessa forma, o corpus consiste nas interações da intervenção didática e nas duas produções textuais. A presença da câmera, instrumento de coleta de dados, não prejudicou as interações na aula destinada à intervenção, já que os estudantes demonstraram não se intimidar com o fato de a aula ser gravada. No que diz respeito às hipóteses dessa pesquisa, cabe ressaltar que os resultados confirmam que a forma lógica, a explicatura e a implicatura, propostas pela Teoria da Relevância, possibilitam uma descrição empírica e uma explicação adequada dos processos ostensivo-inferenciais envolvidos na comunicação. Em outras palavras, o mecanismo operacional dessa teoria possibilitou compreender para além da mensagem ostensivamente explícita no filme publicitário Closet e possibilitou compreender o provável caminho cognitivo percorrido pelos estudantes ao produzir os textos. A hipótese de que a segunda produção textual (pós-teste) combinaria um conjunto de suposições da memória enciclopédica do estudante com as novas suposições implicadas a partir da intervenção da pesquisadora/professora foi corroborada. Além disso, a segunda pro- 93 dução evidencia que algumas informações tornadas ostensivas pela pesquisadora/professora foram mais manifestas para os estudantes do que outras. Notou-se que as marcas da intervenção da pesquisadora/professora predominaram sobre as marcas do primeiro texto e estas sobre as marcas de novas suposições, sugerindo, desse modo, que o professor exerce influência na argumentação dos estudantes. No que se refere à coesão e à coerência, percebeu-se que os estudantes possuem domínio satisfatório das noções de estrutura textual. Cabe ressaltar, contudo, que o foco dessa pesquisa não foi o de analisar a competência escrita dos estudantes, mas foi o de analisar a habilidade inferencial deles. Nos primeiros textos (pré-teste), pôde-se notar que os estudantes conseguiram ir além da mensagem em background, demonstrando tanto conhecimento enciclopédico a cerca dos assuntos relativos à Copa do Mundo e de sua utilização estratégica para a venda de sandálias, como competências para utilizar esse conhecimento em inferências pertinentes. Isso difere dos dados obtidos por Bonifácio (2011), uma vez que naquela pesquisa a maioria dos estudantes não foi capaz de mobilizar suposições mais amplas sobre as questões abordadas na propaganda Bar da Boa 1 – “Introdução”. Com relação aos segundos textos (pós-teste), houve evidências de que os aspectos técnicos enfatizados pela pesquisadora/professora foram empregados como base da argumentação. Em geral, os alunos deixaram de ser descritivos para construírem sua argumentação baseando-se em aspectos técnicos. Em Bonifácio (2011), houve um alargamento do ambiente cognitivo, mas esse alagamento tem de ser cotejado com o estágio inicial dos estudantes. Em outras palavras, as duas pesquisas conseguiram demonstrar que a discussão técnica das propagandas amplia de alguma forma a percepção de mundo dos estudantes, mas o espectro dessa ampliação depende do estágio inicial dos alunos. Vale destacar que essa pesquisa consistiu principalmente numa tentativa bem sucedida não somente de verificar a aplicabilidade da Teoria da Relevância, mas, sobretudo, de refletir sobre o papel professor como formador de opinião. Em suma, foi possível perceber que os ambientes cognitivos dos alunos foram alargados da primeira para a segunda produção textual e que a intervenção didática foi decisiva para que eles fundamentassem a argumentação com conhecimentos técnicos. Trata-se de uma evidência significativa de demonstrar o papel decisivo do professor como promotor do aprimoramento argumentativo da produção textual dos estudantes. 94 REFERÊNCIAS BONIFÁCIO, Ligiane Pessoa dos Santos. Influência de intervenção didática sobre estímulos ostensivos de um filme publicitário em textos escritos por alunos do 9º ano do ensino fundamental: estudo de caso com base na teoria da relevância. 2012. 215 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem)-Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2011. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. ______. ______. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2012. BRENO, Brito. Práticas de Propaganda: apostila 1. Piauí: Associação de Ensino Superior do Piauí, 2008. 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SAMPAIO, Ines Silvia Vitorino. Televisão, publicidade e infância. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2004. SANDMANN, Antônio José. A linguagem da propaganda. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2003. SANTOS, Gilmar. Princípios da publicidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. SERVIÇO À PASTORAL DA COMUNICAÇÃO. Publicidade: a criatividade na teoria e na prática, laboratório. São Paulo: Paulinas, 2003. SILVEIRA, Jane Rita Caetano da; FELTES, Heloísa Pedroso de Moraes. Pragmática e cognição: a textualidade pela relevância e outros ensaios. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. SPERBER, Dan; WILSON, Deirdre. Relevância: comunicação e cognição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA. Colégio Dehon. Disponível em <http://www.unisul.br/dehon/o-colegio.html>. Acesso em: 22 fev. 2012. VESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. A linguagem da propaganda. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. WILSON, Deirdre; SPERBER, Dan. Teoria da Relevância. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, Tubarão, v. 5, n. esp., p. 221-268, set./dez. 2005. 96 ANEXOS 97 ANEXO A – Solicitação para a realização da pesquisa Universidade do Sul de Santa Catarina Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Tubarão, 1º de agosto de 2011 Ilma. Sra. Liene Correa Gonçalves de Faveri Assistente Pedagógica Colégio Dehon Prezada Senhora: Desenvolvo no curso de Especialização em Gramática de Texto: leitura, análise e produção na Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL a monografia intitulada “Interpretação textual de filme publicitário: estudo de caso com estudantes da 8ª série do ensino fundamental com base na Teoria da Relevância”. Tendo isso em vista, venho solicitar a Vossa Senhoria autorização para a execução de coleta de dados para o meu trabalho, orientado pelo Professor Dr. Fábio José Rauen. Além disso, comprometo-me a manter sob absoluto sigilo o nome dos estudantes, bem como qualquer pista que permita identificá-lo. Sem mais para o momento, coloco-me à disposição para mais esclarecimentos. Atenciosamente, _____________________________ Suelen Francez Machado 98 ANEXO B – Consentimento livre e esclarecido Universidade do Sul de Santa Catarina Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Autorizo Suelen Francez Machado a utilizar, em sua monografia, as gravações em áudio e em vídeo dos estudantes da 8ª série 02 do Ensino Fundamental do Colégio Dehon. Além disso, declaro que fui informada sobre os procedimentos de coleta dos dados e que poderia não autorizar a participação dos estudantes na pesquisa. Tubarão – SC, 1º de agosto de 2011 _____________________________ Liene Correa Gonçalves de Faveri 99 ANEXO C – Primeira produção textual Universidade do Sul de Santa Catarina Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Após assistir à propaganda “Closet”, produza um texto do tipo expositivoargumentativo. Nesse texto, você deve expor o que você assistiu e apresentar suas ideias e/ou opiniões sobre as mensagens transmitidas nessa propaganda. Não se esqueça de que ao se posicionar frente às questões que foram apresentadas no vídeo, você deve apresentar os argumentos que servem de base para seu ponto de vista. Algumas orientações: atribua um título ao seu texto; utilize caneta esferográfica com tinta preta ou azul para escrever seu texto; e produza um texto com, no mínimo 20 (vinte), e, no máximo 30 (trinta), linhas. ALUNO(A):_________________________________________IDADE:____________ Título: 100 ANEXO D – Segunda produção textual Universidade do Sul de Santa Catarina Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Após assistir à propaganda “Closet” e participar da intervenção oral da pesquisadora, produza um texto do tipo expositivo-argumentativo. Nesse texto, você deve expor aquilo a que você assistiu e apresentar suas ideias e/ou opiniões sobre as mensagens transmitidas nessa propaganda. Não se esqueça de que ao se posicionar frente às questões que foram apresentadas no vídeo, você deve apresentar os argumentos que servem de base para seu ponto de vista. Algumas orientações: atribua um título ao seu texto; utilize caneta esferográfica com tinta preta ou azul para escrever seu texto; e produza um texto com, no mínimo 20 (vinte), e, no máximo 30 (trinta), linhas. ALUNO(A):_________________________________________IDADE:____________ Título: