CRIMES TRIBUTÁRIOS E ENCERRAMENTO DO
RECURSO FISCAL
LUIZ FLÁVIO GOMES¹
ALICE BIANCHINI²
Resumo
Resumo: O Autor aborda a questão dos crimes tributários e encerramento do recurso
fiscal destacando a importância de se proceder a propositura de ação
penal somente após decisão definitiva, pelo fisco, sobre o Débito fiscal.
Palavras - Chave
Chave: Crimes Tributários - Direito - Débitos Fiscais.
Constitui direito certo de todo contribuinte, uma vez autuado pelo
fisco, discutir administrativamente a exigibilidade ou mesmo a
existência de tributo ou contribuição, isto é, se é devido ou não. Durante
anos muito se discutiu se a Justiça criminal poderia processar e
condenar esse contribuinte, antes mesmo do encerramento da
discussão fiscal. Como preponderou por longo período o
entendimento de que o recurso fiscal não impedia a ação penal nem
a condenação (tese da independência das instâncias fiscal e penal),
milhares de pessoas foram condenadas, embora pendente algum
recurso fiscal. Hoje o panorama é bem distinto. Para o STF não há
crime tributário enquanto não constituído regularmente o crédito
respectivo.
Esse tema passou a ser debatido ardorosamente, como se sabe, após a
edição da Lei 9.430/90. Seu art. 83 determina que a representação fiscal
para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º
da Lei 8.137/90), “(...) será encaminhada ao Ministério Público depois de
proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal
do crédito tributário correspondente.”
Desde então, buscava-se a correta interpretação de tal dispositivo,
o que deu ensejo a diversos posicionamentos tanto doutrinários quanto
jurisprudenciais. Chegou-se a entender que o dispositivo estabelecia
uma relação de interdependência entre as instâncias (posição acatada
¹ Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito
penal pela USP, Consultor e Parecerista e Diretor-Presidente da TV Educativa IELF (1ª TV Jurídica da América Latina
com cursos ao vivo em SP e transmissão em tempo real para todo país – www.ielf.com.br).
² Doutora em Direito penal pela PUC-SP. Consultora e Parecerista.
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pela maioria dos doutrinadores). Mas a linha predominante nos
tribunais rechaçava por completo esse pensamento, mantendo a
convicção de que a nova Lei não tinha o condão de alterar a natureza
da ação penal dos crimes tributários.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, manifestando-se sobre o pedido
de concessão de liminar postulado na ADIn 1.571, que versava sobre a
constitucionalidade do já mencionado art. 83, por maioria de votos, em
20.03.1997, relator Ministro NÉRI DA SILVEIRA, proclamou que: (a) o art. 83 da
Lei 9.430/96 não estipulara uma condição de procedibilidade da ação
penal por delito tributário; (b) tal dispositivo dirige-se a atos da
administração fazendária; (c) o Ministério Público não se encontra impedido
de agir antes da decisão final no procedimento administrativo (Informativo
STF n. 64, 17-28 mar. 97, p. 1 e 4).
Em 10 de dezembro de 2003, entretanto, a Corte Suprema, com acerto,
decidiu que, no que tange aos delitos previstos no art. 1º da Lei 8.130/90,
há necessidade de se aguardar a decisão administrativa, para somente
então poder ser intentada a ação penal (Habeas corpus 81.611-DF, rel.
Min. Sepúlveda Pertence).
Fundamentação: o crime é material e exige a efetiva supressão ou
redução do tributo. Assim sendo, para a perfectibilização do delito, há
que se aguardar que o contribuinte, a partir do momento em que o débito
é reconhecido como devido, recuse-se a honrá-lo ou o faça em valor inferior
ao apurado.
Não se trata de condicionar sempre a ação penal à representação
fiscal de que fala o art. 83 da Lei 9.430/96, visto que o Ministério Público,
tendo indícios de materialidade e de autoria (caso de falsidade de nota
fiscal, por exemplo), pode intentar a ação penal.
Quando, no entanto, o contribuinte discute a existência do débito fiscal
no âmbito administrativo é diferente. É a autoridade administrativa quem
tem o poder de exarar decisão acerca de ser, ou não, o tributo devido,
muito embora a sua decisão possa ser revista em sede judicial.
Enquanto tramita o processo (ou recurso) administrativo, o débito
tributário ainda não está devidamente reconhecido (a materialidade da
relação tributária não está constituída), levando a que se ressinta de um
dos requisitos constitutivos do delito imputado aos réus, qual seja, tributo,
contribuição social, ou qualquer acessório devido. Inexiste, assim,
constituição inequívoca da tipicidade, o que resulta na falta de justa causa
para a propositura da ação penal.
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A concepção do delito tributário, como acaba de ser exposta, impede
vislumbrar a existência de questão heterogênea facultativa (relativa) com
a aplicação do disposto no art. 93 do CPP. Perceba-se que há ausência
de materialidade (existência) do delito tributário,
tributário o que leva a que
a denúncia não possa nem mesmo ser recebida: não pode haver
condenação (nem pedido) se não existe materialidade (crime)
(crime).
O correto, portanto, é o trancamento da ação penal.
Também não se trata, a rigor, apesar da doutrina do eminente Min.
punibilidade já que esta
Sepúlveda Pertence, de condição objetiva de punibilidade,
se caracteriza por não alterar a configuração típica, ser exterior à conduta e
fundamentar-se em razões de política criminal. A constatação, ou não, da
existência de tributo devido constitui o cerne do delito de sonegação fiscal,
tema que se vincula, como já mencionado, com a tipicidade.
Enquanto não decidido definitivamente (pelo fisco) se o tributo é devido
ou não, em jogo está a própria existência (materialidade) do crime. Nessas
situações jamais se justifica a propositura imediata de ação penal. Aliás,
quando intentada, mister se faz trancá-la ou anulá-la, como acaba de
reconhecer o STF, por decisão de sua Primeira Turma (HC 82.390, rel.
Sepúlveda Pertence).
De acordo com relato feito pelo Ministro Pertence, os acusados foram
condenados por fraude fiscal tributária, consistente na inserção de dados
inexatos em livros contábeis, com o fim de recolher imposto a menor (artigo
1º, inciso II da Lei 8.137/90). A defesa recorreu ao Supremo contra o
recebimento da denúncia antes de decisão definitiva em processo
administrativo.
O recurso pedindo o cancelamento da exigência fiscal foi apresentado
ao Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, em julho de 1995. Antes
que fosse julgado, houve o oferecimento da denúncia, recebida em junho
de 1996. A sentença concluiu que o encerramento da ação administrativa
não seria necessário para impedir o andamento da Ação Penal.
O ministro Sepúlveda Pertence observou que, no julgamento do Habeas
Corpus 81.611, o Supremo firmou o entendimento de que “nos crimes
previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90, que são materiais ou de resultado,
a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma
condição objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento
essencial à exigibilidade da obrigação tributária” .
Por maioria, os ministros da Primeira Turma acompanharam o votovista do ministro Sepúlveda Pertence, para anular o processo a partir do
recebimento
da denúncia. Foi voto vencido o ministro aposentado Moreira
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Alves, que era o relator da matéria.
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