1 Senhores e Senhoras, Inicialmente quero cumprimentar o senhor professor doutor Eduardo Antônio Conde Garcia, que acaba de encerrar seu mandato como presidente da Academia Sergipana de Medicina e a dra. Déborah Pimentel, recém empossada nesta mesma presidência, estendendo minha saudação a todos os integrantes da mesa e demais autoridades. Cumprimento também os senhores acadêmicos e os colegas médicos. Entre os presentes estão muitos antigos professores e/ou alunos da Faculdade. Pude identificar os doutores José Augusto Soares Barreto, Gileno da Silveira Lima e Henrique Batista e Silva – minha saudação a eles engloba os demais acadêmicos presentes. Estendo os cumprimentos a dois colegas, médicos veterinários, professor Hunaldo Oliveira Silva, aqui representando o Conselho Regional de Medicina Veterinária de Sergipe e a Sociedade Sergipana de Medicina Veterinária e dr. José Gerson Rezende Feitosa, professor de microbiologia da Universidade Federal de Sergipe. Cumprimentamos a dra. Anaide Freitas Araújo também professora no início da Faculdade. Faço uma saudação muito amistosa à dra. Zulmira Freire Rezende, ao dr. Luiz Carlos Rezende, à desembargadora Dra. Clara Rezende e à professora Elódia Caldas Barros, diretora da Aliança Francesa de Aracaju. Menciono, ainda, a presença de minha querida amiga dra. Cândida Mendonça. É uma alegria rever tantas pessoas queridas. Se me esqueci de citar algum nome, por favor, me perdoem. A vida nos oferece algumas surpresas maravilhosas e que chegam da maneira mais inesperada. Estava eu iniciando uma preguiçosa manhã de domingo, há pouco mais de uma semana, quando o telefone tocou: atendi e, do outro lado da linha, estava a dra. Zulmira. Quando me explicou as razões da ligação fiquei encantada: primeiro, porque seria uma ótima oportunidade para voltar a Aracaju, revendo muitos amigos e a própria cidade que me é muito cara. O segundo fator importante foi saber que meu trabalho foi lembrado, transcorridos tantos anos. Estamos todos acostumados a admitir que vivemos em um país com a memória muito fraca e tudo o que aconteceu há dez ou mais anos é um passado remotíssimo. Devido a esta visão, muitas vezes, perdemos o contato com o passado e a documentação necessária para o seu entendimento acaba se dispersando. Certamente, a Academia Sergipana de Medicina não sofre deste tipo de amnésia e deve estar se mobilizando para resgatar a memória da Medicina sergipana. Quanto a mim, fiquei muito feliz e fui buscar no meu currículo as datas de minhas aulas na Faculdade de Medicina de Sergipe. Muitas lembranças emergiram do passado. A cidade de Aracaju, com a instalação da Petrobrás 2 em Carmópolis, ensaiava os primeiros tímidos passos em direção a um progresso extraordinário. Como voltei várias vezes pude acompanhar esta etapa do desenvolvimento da capital sergipana na década de sessenta e início dos anos 70. Agora, meu retorno aconteceu depois de um período longo e tive contato com uma cidade equipada com os melhores recursos urbanos sem que se perdessem as suas características e o seu encanto original. Sem entrar em detalhes, para não me alongar, quero dizer que venho da mais antiga Universidade do Brasil, criada em 19 de dezembro de 1912, já com estrutura de Universidade. Em 16 de março de 1914 começou a funcionar o Curso de Medicina e Cirurgia e nesta primeira turma havia uma jovem chamada Maria Falce. Formou-se em 1919 e defendeu a tese “Em torno de um caso de ascaridiose hepática” conquistando o título de Doutora em Medicina. Casou-se com um colega de turma, Dr. José Pereira de Macedo. Ambos estagiaram no Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro e a Dra. Maria Falce de Macedo assumiu a regência da cadeira de Química Médica. Em 1928 fez concurso de cátedra e, em 31 de janeiro de 1929 foi empossada, em sessão solene da Universidade, na cátedra de Química Médica do Curso de Medicina. Foi a primeira mulher a ocupar uma cátedra em curso superior no Brasil. Quando conheci a recém criada Faculdade de Medicina de Sergipe, as instalações eram simples, mas a vontade de levar adiante o ideal de construir uma Escola capaz de dar boa formação aos Médicos alunos desta casa era muito firme. Meu nome foi indicado por um grande e querido amigo, o Professor Metry Bacila - aliás discípulo da Dra. Maria Falce Médico, Professor de Bioquímica e um extraordinário pesquisador. Na época, ele integrava uma comissão de avaliação da Faculdade e, como não havia um Professor de Fisiologia, ele sugeriu meu nome. Ao receber o convite, não pensei duas vezes: vivi dois anos da minha infância em Natal, dos cinco aos sete anos. Tenho deste período, lembranças maravilhosas porque lá eu freqüentei minha primeira Escola, o Jardim da Infância Modelo, lá eu me alfabetizei – orientada por minha mãe - e assimilei muitos hábitos nordestinos. O tempo foi passando, voltamos para o sul, mas continuo encantada com as frutas tropicais, adoro frutos do mar, não resisto a uma tapioca com queijo de coalho ou a um bom copo de água de coco, enfim, poderia passar o resto de minha vida em plagas nordestinas sem achar muita falta da rotina sulina. 3 Quando cheguei à Faculdade de Medicina de Sergipe, conheci duas pessoas incríveis: Dr. Antônio Garcia Filho e Dr. Lourival Bomfim (os dois na foto). A amizade com eles nasceu de uma empatia que se estabeleceu no primeiro encontro. Certamente, nas bases desta Faculdade estão o idealismo e o trabalho dedicado destes dois professores. Foram homens que enxergaram muito além dos horizontes de sua época e ousaram sonhar alto. O que poderia parecer um devaneio tornou-se realidade: a Faculdade se consolidou, foi criada a Universidade Federal de Sergipe e, hoje, esta comemoração é conduzida pela Academia Sergipana de Medicina, ou seja, a Medicina sergipana evoluiu tanto que foi possível se criar uma Academia onde estão reunidos profissionais de destaque, pessoas cujo trabalho vem dignificando a classe médica sergipana. Pensei muito em Dr. Garcia e Dr. Lourival, neste período transcorrido entre o telefonema de Zulmira e a data de hoje. A cada instante percebo que, realmente, Dr. Garcia e Dr. Lourival foram extraordinários e são necessárias pessoas com esta fibra para construir uma Faculdade sólida e competente. Revendo umas anotações antigas, cheguei a setembro de 1968 quando Dr. Garcia foi à Europa e pude ciceroneá-lo em Paris. Eu estava fazendo um Pós-Doutorado e parte de meu trabalho foi desenvolvido no Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Paris, com uma atividade também em um Serviço de Fisiologia Respiratória no Hospital Pitié Salpêtrière. Dr. Garcia visitou os Departamentos de Fisiologia e de Bioquímica da Faculdade e, no Hospital, fez questão de conhecer os serviços de recuperação. A fisioterapia, no Brasil daquele tempo, acho que estava engatinhando entretanto, na Salpêtrière havia instalações de primeira qualidade e os tratamentos mostravam resultados absolutamente fantásticos na reabilitação de pacientes com diferentes comprometimentos neurológicos ou ortopédicos. Paralelamente, Dr. Garcia estava encantado com a cidade, os museus, os restaurantes – esta possibilidade de encontrálo fora do seu ambiente de trabalho foi um privilégio muito especial. É muito gratificante ter sido lembrada e estou aqui, muito comovida, tentando recompor imagens de como aconteceram estes Cursos Intensivos 4 Integrados de Ciências Básicas. Muitos detalhes se foram, com o passar dos anos, mas sei que eu trouxe algum material miúdo emprestado da UFPR: como eram peças que estavam no Laboratório de Fisiologia sob minha responsabilidade, os empréstimos foram extra-oficiais, porque seguramente os trâmites burocráticos não iriam autorizar esta prática. Sei que fiz longas listagens do material necessário para a instalação de um laboratório básico de Fisiologia e também relacionei uma biblioteca mínima para que os alunos pudessem pesquisar e se aprofundar em assuntos de seu interesse. Falei muito em dr. Garcia e em dr. Lourival quando, na verdade, todos os professores e alunos eram extremamente gentis e receptivos, de modo que o trabalho ficava fácil com tantas pessoas dispostas a dar uma colaboração. As imagens de algumas pessoas ficaram um pouco enevoadas. Lembramos ontem, aqui mesmo em Aracaju, do saudoso dr. Nestor Piva, professor de patologia. Uma curiosidade me fez pensar e mesmo citar, muitas vezes, dr. José Machado de Souza, pediatra de meus sobrinhos. Já naquela época, ele recomendava água de coco para os casos em que havia necessidade de rehidratação. Recentemente, os supermercados do sul foram invadidos por água de coco em embalagens tipo tetrapack e nelas está uma observação em destaque: “hidratante natural”. Ou seja, o preconizado por dr. Machado, há 40 anos, tem um reconhecimento atestado até em nível comercial. Para mim, as temporadas em Aracaju sempre foram agradáveis. Meu cunhado trabalhava na Petrobrás e estava sediado em Sergipe, portanto eu me hospedava com minha irmã e estava junto de meus sobrinhos. Conheci muita gente, fiz numerosos amigos e foram amizades sólidas porque resistiram ao tempo e à distância, dois elementos altamente destrutivos. Temos hoje em Sergipe uma Universidade florescente e instituições culturais marcantes. As Universidades, as Academias e os Institutos Históricos são pequenos redutos que buscam preservar a cultura e as tradições dentro de uma sociedade cujos interesses são cada vez mais imediatistas. É importante lutarmos pela integridade destas instituições e devemos trabalhar unidos para garantir resultados compatíveis com nossos ideais. O intercâmbio entre regiões distantes, como o sul e o nordeste, mostra que existem projetos semelhantes em instituições que estão geograficamente separadas, porém têm os mesmos objetivos culturais. Somos um país de dimensões continentais, existe uma diversidade entre as várias regiões, entretanto temos traços comuns que nos mantêm unidos, apesar de algumas diferenças de costumes e até de linguagem. Formamos 5 um país único, muito rico do ponto de vista étnico, com um povo trabalhador, certamente com grandes dificuldades sócio-econômicas sobretudo porque temos tido uma sucessão de governantes incapazes e com propósitos pessoais discutíveis. Quando vejo a pujança de diferentes regiões e o progresso evidente em toda parte, acredito firmemente que somos, povo e país, maiores do que as crises geradas pelos políticos equivocados ou corruptos e, certamente, acabaremos por encontrar o nosso caminho. Cabe a nós, representantes de uma elite cultural, mostrar o valor do conhecimento, do respeito pelo passado e da necessidade de uma atualização técnico-científica para darmos nossa colaboração neste processo que visa encontrar um caminho melhor em nosso futuro. Um dos nossos grandes escritores – Érico Veríssimo, cujo centenário de nascimento transcorreu no ano passado – costumava dizer que o escritor ( e este conceito pode se estender a todos os representantes da camada mais culta da sociedade ) tem por missão “manter a lâmpada acesa”. A lâmpada de Érico Veríssimo simboliza o saber e ilumina o caminho a ser trilhado. Esta esperança de contribuir para um mundo melhor, menos desigual e mais fraterno, certamente norteia as atividades de todos nós e motiva as instituições culturais a que estamos vinculados. Feitas estas considerações, agradeço, uma vez mais, esta distinção dos Membros da Academia Sergipana de Medicina. Quem sabe agora, com menos encargos didáticos, poderemos retomar uma convivência e uma troca de ideias centradas na História da Medicina. Seria uma oportunidade para reavivar laços afetivos que me unem a Sergipe e que, meio adormecidos pela distância, foram despertados por um telefonema da dra. Zulmira, anunciando esta simpática homenagem. Muito obrigada. Discurso pronunciado em Aracaju, em 15 de março de 2006, em sessão solene da Academia Sergipana de Medicina Clotilde de Lourdes Branco Germiniani Rua Buenos Aires n º 611 apto.201 ( Água Verde ) 80250-070- CURITIBA-PR Telefone (41) 323-7696 - Telefax (41) 233-7941 Celular (41) 9977-4885 – E-mail [email protected]