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Entretanto continuavamao\har um para o outro, sorrindo vagamente, sem palavras. Beijavam-se, e de novo
tombavam para o lado e ficavam assim, as bocas entreabertas, os olhos aluzir.
Estava calor e muita luz no pequeno quarto do hotel
t:aratp.lO sol forte rompia pelas largas frestas do estore,
espallava-se nas paredes e na cama revoivida. O moEo
suavz,, pra um corpo envolto em serenidade; o suol desIizav'; ihe no queixo e nas axilas, misturado com a saliva
dos
L e,
jos.
m a olhar, tacteou-lhe a cata e os bragos com uma
ternura súbita:
..É it decente, molhei-te com o suor...>>
.<Oh>, segredou-lhe a rap^rrg ; tocou o peito dele
com as pontas dos dedos e depois levou-as aos lébios.
<E bom o tell suor.>>
O'companheiro sorriu para o tecto:
Se
<Ganhartís o dnxor con: o suor do teu rosto...>>
Mas de repente tornou-se sério. <<Perderis o amor
com o suor do teu rosto>>, recitou entào, e parecia que
estava aler16 no a.[to uma sentenEa muito antiga e tristemente verdadeira. <<Na bíllia do Adào e Eva...>>
<Querido,..>, implorou ela, e o mogo calou-se.
Estendidos lado a 1ado, ambos ftxavan o tecto, imórreís e silenciosos como duas ilhas suspensas naluz.
<Perderís o amor com o suor do teu rosttl>, insistiu o
moqo passado tempo. <Aí esté o que n1'o {az sentido na
bíblia do Adào e Eva.>>
<Nada dtsto faz sentido. O píor é estarnios cercados
por coisas sem sentido e lermos de aceitar o cerco">>
<<Termos?>>, perguntou ele.
Os olhos da jovem toldaram-se de iégrimas.
<<Perdoa, amoo>, disse baíxinho.
-E o companhciro, sempre vt,ltado para o tectL.
que o aceitas.>>
',<O cerco é teu, tu é
A jovem sentou-se na camà, ern silèncio' Bruscamente,
no gesto de quem desperta da m/agoa, da solidào, da derrota enfim, atirou os cabelos para trds. F'ez por sorrir e
conseguiu-o; em todo o caso, Ltm sorriso triste, ao sabor
das lígrimas que the pairavam nas faces.
<<Tesus. como estés suado.>>
io- u polrta do lengol conleEou a limpar-lhe o corpo
carinhosamente. Percorria-o com lentidào, ern rnovimentos minuciosos, cuiclados. Quando acabou estava meío
as nlarcas clue o bàton tinha cleixado
ajoellrada,
^ ^pontar
no peito dele e no travcsseiro.
.<E agora?o, brjncou.
<<Agora, nada. Vou a cheirar a bàton e tti a tabaco.>
Riran-r os dois, perdid,rs na claridade da rarde'
<<Gosto do cheiro do tabacor>, disse a mt Qa'
<<E eu do cheíro do bàton. Ifspecialmenr.e do teu bàton.>>
Sorriram novamente run para o outro, n,as ela Îttava'
-o como se o nào ouvisse jé.
<<Ele nunca fuma>>, muflnurava. <<Mas eu gosto, adoro
o cheiro do tabaco.>>
<<Mcsmo o de qr-ralquer tabaco? Estí bem, nào interessa falar nisso agora.>>
..Às vezes>, contitluou a jovem' nì-lm tom suave, esquecido, <chego a ter pena clele, como no princípio. Tal-
vez no prir:rcípio eu nao 1he tivesse ódio, e fossr: só pena
ou desgosto. Ou só remorso, nào seí, Nào sei, jó nào
percebo nada. O que sei é que agora é tarde de maís,
meu l)eus. Agora, mesmo que nào queira, nao posso
fecu
af.>>
o
Parecia dirigir-se a unla
voz ,iì-le se afastara para muito longe.
, Èabitr-ramornos;, é o nosso mai. IJma pessoa chega
a hr,b.ituar-se a viver à custa de ódio' Nào acreclitas?
A . ,, ra de ódío e da pena. Oh, querido, tu nào podes
con- >reender.rt
<<Por isso mesmo... Mais uma razà'o para mudarrllos
de assunto.>>
A moEa sacudiu a calseEa:
.lQue rarva, estou cadavez mais chata.>>
E o companheiro, com uma gargalhada:
<<!'i, acende-me um cigarro.>>
<<Estou insuportévei, sei muito bem que estou. htro
fundcL, é o egoísmo em que ele me pós que me faz {alar
assim. Desculpa, amor. Desculpas?>>
<Nào sei. Enquanto nào me deres um cigarro nao
digo seja o qlre for. E urn beíjo.>
,.(Jh, nào brinques. Se soubesses o que custa".>>
<<Outro beijo. Este nào valeu.>>
<<Cào>, gritou a rapariga, estendendo os braqos para
ele e agora com aiegria. Com alegria?
O sol e o cheíro morno do quarto ffaziam Llma sono1éncia radiosa a tudo o que os rodeavat; a sonoléncia de
um ::ciral em óguas transparentes, a lassidào luminosa clas
sear:Ì': ao meio-dia. O próprio estrondo que ressoou lé
for', pouco depoi,i - possivelmente, o choque de lrm
cal, i.o ou a qlrecla de uma folha de i:inco despegacìa
dur i':lhado -, até clsse som chegou aLt' abafado ern calor,
sen ':panto nern violència.
Jr-ie foi?>, pergllntolt o npaz a mela voz.
<rRecuar?>>,
repetiu
rapaLz.
I
''
Como resposta, a jovem prendeu-lhe a cairega, procurou-lhe o olhar. E vendo para dentro dele, pcnetl:ando-o
colrr o pensamento, dnha um al'grave e encantado'
<<Czio-dono>>, comentava conìo se estivesse a ler-lhe na
ahna, apreciando aquilo que de.:scobria para 1é do olhar
dele. <Cào-chefe.> Beijou-o nzr 1-esta: <CAo-deus'>
<<J/a agora, cào-fumador>>, troEoú o tapaz, apaìp,.ando a
mesa-de-cabeceira à procura dos cigarros.
A moEa nào lhc deu tempo' Atravessou-se nà c^ma
por cima dele e, com ufit impulso répido, alcanEou o
milgo c o isqueiro.
<<Tens o cabelo a cheirar atalsaco>>, obselcrtt o companheiro. <<Assím que chegares a casa lava a cabeEa">
<<Prefiro passar pelo cabeleireiro>>, disse ela.,Sugava o
cigarro com forga para qìie nào se apagasse. <<E o cerco,
vès? Até o cheiro fazpartedo cerco. Que chatice>>? rematou-, desistíndo de espevitar o cigarro, que s;e ttnha apa
gaco.
O r^D^z tirou-lho da mào:
,.Eu acendo, deixa,r,
<<O que mais me custa é ísso' E saber que esta é a
írldma vez e tenho de voltar ao cerco.>>
<<Tens bom remédio. Estés muito a tempc de te escapares>>, toÍnou o npaz. <<Se quiseres>>, acresaentou.
Um brago pendia-lhe fora da cama, coln o cigarro
no chào.
ouase
^toc^r
<<Impossíveb>, ouvia-a clesaba.far' E, imediatamente sentiu o rosto dela contra o seu peíto' <<Nào é ialta de coragcm, acredita. E o cerco, eles fizeram tudo,para qlle eu
nào fosse capaz de viver Por mim'>>
Tremia e nào parava de ÍaIat; aflorava-lhe c. tronco
com os ióbios, cobrindo-o, sepultando-o de palavras:
<<Amor, nào me pegas porque nào posso. Nem sequer
engané-lo, .orr-rpr".ttdes? Nào va\e. apena. As pessoas da
forga dele nr,rnca se enganam. Servem-se das coisas e o
resto nao interessa. Compreendes, atlor? l{ào vés que
nào posso?>
O tapazlevantou-lhe a cabegapmr'lhe beijar as iógrimas re viu a luz brilJrando por toda ela, ao correr da pele.
..irlào falamos nrais rrisio?r'
Clu .ot .ordou com um aceno. Largou-o, fícaram,
.u.lri ctuui na sua iiha de silèncio, ouvindo os ruídos da
ioi' pregóes do:; mariscos frescos p^ta a boa cerveja,
,r.ru,
a mrrslca da ródio que vinha da esplanada na pequena
praqa, às vezes um fado, às vezes um blue, ou ainda o vendedor anrbr-rlante de sorvetes, o tap'dz dos caramelos,
anunciando cada cor seu paladar. T:do aquilo boiava por
a\t, naclaridade do quarto, com o cansaEo e a indiferenEa
das coisas de um mundo distante.
<Fi;tés a pensar em què, querida?>
Agora o rupaz plJxava-apara sí, e afagava-a e' fazendo-o. apetecia-ihe chorar.
,,lriào dízes? Nào queres dizer em que estís a pensar?>>
.,Ohrr, respondeu ela. Quase gritott, agarrando-o com
forga, cada vez com mais forEa, <<Meu l)eus, isto uunca
devia acabar.>>
<.Sitn, nunca devia acabar,t,
<Nào devia e tem de ser, só sei que tem de ser.rt
Beijou-o na palma das màos, nos bragos, por tocler a
parte,,soltando pequenos sons dos lóbios e arrastando-se
num,lamento contínuo:
..É melhor assinr, amor. Quanto mais tempo passasse,
maisjpos custava. Ajuda-me, querido, peEo-te que me ajudes.>.
<"licontlgo>>, lTlll:mufou o moEO,
<<.tlfio digas isso, ao lnenos tu nà.o digas isso.>> Agarrou- ) pelos pulsos, pós-se a sacudir a cabega, com a boca
enterrada nas màos cleie. <<Nào. Os outros estii bem, nào
me itnporto. Mas tu, nào é justo que fales assim'>>
<Nào se trata dos outros.>>
<<Mas eles também falam assim, amor. I)esprezam,
Iavam as màos... Acham que uma mulher deve suporfar
tudo sozinha. Mesmo selî amor, custe o que custar' E o
caminho deies, que se hé-de fazer?>>
<O diabo mais o caminho deles. E tu? Aceita-lo por-
qlreéomais
fé,ctl,.>>
A
rapaúga quis tapar-lhe a boca, mas ele esqu';',zou-se,
rolando a cabega no trarresseiro.
<Paciéncia>>, disse ela. <<Talvez selaisso. Nào seí, agora
nào posso pensar,>> Deixou-se cair de borco aos soluEos.
<<Mas sofro, meu Deus.>>
De olhos abertos, a boca escancarada sobre o travesseiro, o moqo escutava. Permanecia atento como um
guerreiro vencido, um combatente abandonado em pleno
campo, Lncapaz de se levantar e de compreender a derrota. E atardebatxava sobre ele, a luz perdera a violència, desfazendo-se com mansidào pelos recantos da casa.
Virou-se para a acartcíat. Recebeu-a, rnúrna e silenciosa, e pós-se a apagar-lhe o pranto com dedos seguros,
contidos. Ao mesmo tempo falava-lhe num tom igual,
velado, um tom de recomendaEào:
<Acho que sim... Só tu é que podes resolver e nào te
levo a mal. Vés? Afinal é simples, querida. Nunca na vida
te podia Ievar a mal, nào percebes? E a i-ninh a aiuda,
aquilo que esté ao meu alcance...>> Sorriu olele mesmo,
magoado. <<Compreensào... >>
Nào póde continuar. I)eu urn salto para o tapete e foí
até à janela, envolvendo-se na coberta.
<<Nesse caso>>, disse ainda de costas pafa a cam ,
<<quanto mais deprcssa te arranjares melhor.n E acrescentou, chegando-se mais ao estore: <<Meu amor.>>
<<A que horas é a camioneta?>>
Voltou-se lentamente. A iovem 1é estava, ainda no
leito, com uma perna abandonada entre os lenEóis.
<Querido>>, murmufava quase sefena.
_
Rópido, o homem rodou sobre si mesmo, atirou il
cabeqa contra o estorggNào queria ouvi-la, nào se mexia.
Atrós,dele, a cafi).a deu um pequeno estalido. De olhos
cerr,lrdos, sentia altrz, adesfazer-se nas pólpebras e a calma
caín'Jo de novo no 1)equeno quarto varrido de claridade,
o so-: e a perna loura entre os lenqóis atnda quentes, tudo
muigo;luminoso e exacto; e também o ródio fora, os
li
banl"ii'itas sentados na esplanada, perdidos no tempo o ca"or, a{adtga, a serenidade.
Assim fícou. Sem um movimento. Até que os lébios
da rapariga voltaram a abrir-se diante dele e novalnente
os apertou entre os dentes, E foi como se respirassem
para sempre) as bocas sangrando, o sabor do bàton e o
cheiro alarunjas antigas, os cabelos sem cor diante do sol.
Esiavam ambos agorano vào da janela. A coberta desItzara pelo corpo do moqo; ele, sem a apanhar, olhava a
îaparrga. Tinha-a conffa a lttz, resplandecente e estonteada, os lóbios molhados a mexerem muito trémulos.
Mais tarde , por certo muito mais tarde , deu por ela j6
vestida, entre a pofta do quarto, acenando-lhe adeus,
adeus, a pedir-lhe urxa vez maís compreensào para um
destino, para uma decisào que tinira de ser, que nào
poclia deixar de ser. fsso, possívelmente.
A porta bateu. Mas logo depois se abriu e apareceu a
cabeqa dela a cspreitar:
<Nlo
achas que podemos sair ao mesmo tempo?
Hoje, pelo menos...>>
Airida junto da janela, com a coberta enrodilhada aos
pés, '.:,jovem fitava-tt. Viu-a baixar os olhos, sorrir com
mó,g(1a:
<triirn ao menos.,zais à camioneta, querido?>
F, e:fez que sim com um aceno.
N as nào foi. Ficou especado atrós do estore, acornpanhando-a com a vista a atravessar a pre,Ea,16 em baixo.
Em seguida vestiu-se à pressa e pagou c quarto. Nào quis
o troco, atirou-se pelas escadas estreitas, c só parou cé
f.ora, na esplanada.
<<Uma aguardente velha. Dupla,>
O rédio soltava ruídos e transmitr:auma" canEoneta francesa, salvo erro.
<Esté bem assim?>>, perguntou o criado, com a garcafa
ainda apontada para o cíltce quase cheio.
<<Chega, esté bem. A que horas é a próxima camioneta?>,
<<Agora
tem uma às oito e vinte e sete. Depois só às
nove e tal, julgo eu.>
O criado serviu a aguardente. Ia a afastar-se quando o
r^p^z o segurou pelo braEo, esvaziando o cólice duma
volta das vidragas. E, quando o criado vr:ltou, disse-ihe
para nào deitar, tapando o céiice com a mào.
<<E reserua 1930. Muito forte, faga favor cle ver.r>
O homenr apontava-ihe o rótulo da garrafa, ele é clue
nen-l sequer o olhava.
l<Ileserua legíúno. Só de casa tem para cin'ra cle dez
à
anct:s.
Leve iss,t Traga-tne antes um café quente.>>
Ljtlào despÍeg va os olhos do outro lado da praEa, cla
ian<llzr. e clo estore r--orrido que havia no peqLleno hotel,
e tir'r}ia o cigarro esquecido nos dedos'
.i<LJm café forte>, acrescentou. <<Preciso de ter a rnemória viva.>>
Virou-se, mas o criado ii16nao estai/a"
{Nao
golada;
<Oito horas, disse?>>
<Oito e vinte e sete. Nào estou bem certo dos horírios de Verào, mas 16 pergunto ló dentro,>
<<Deixe, nào vale a pene,. Obrigado.>
<<Mas nào custa nada, senhor. lF'al6 dentro um horério na caíxa do balcào. Sirvo outro cólice?>>
nào de aguardente. Talvez ì-Inì ietez.>>
<<Se nào houveq pode ser porto?>>
<<Jerez e um bom jantan>, disse o fapaz, ilais para ele
do que pata o críado. <<Se a essa hora atndt, for capaz de
<<Sim, mas
comef.>>
<Vou ver se hé.tt
<<Como?>>
<Nào sei se temos>>, disse o criado. o'.Posso Tlàzer
porto, se nào houver ierez?>>
<<Traga porto, traga o que quiser.t>
Acendeu um cigamo e olhou, à volta, as cadeiras, as
mesas de ferro, o hotel à esquina do passeio e a janela do
quarto do primeiro andar, Os olhos ficaram-se'lhe ali,
naquele estore verde ainda corrido' nas paredes peladas
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