OPINIÃO Quanto custa desinvestir em ciência? GONÇALO CALADO 22/11/2012 00:05 A investigação científica é a melhor caixa de ferramentas que temos para agarrar o futuro de frente. Tenhamos por isso o bom senso de não lhe cortar as pernas. Em tempos de vacas magras, e tal como qualquer outro assunto do nosso quotidiano, também a ciência é confrontada com cortes, restrições e cancelamentos de investimento. Explicamnos por a+b que o esforço toca a todos, e que a austeridade deve ser equitativa, porque só assim é justa. As folhas de cálculo que respaldam as decisões dos cortes, com muitas colunas, mostram claramente o que se ganha no próximo orçamento no que não se gasta, mas ocultam sempre o que se perde com o que não se fará. Estas contas são bem mais inconvenientes e difíceis de fazer, mas certamente mais estruturantes a longo prazo se se fizerem. A questão é válida tanto para um qualquer orçamento nacional, como para o orçamento da União Europeia, que recentemente foi motivo de uma carta aberta encabeçada por 44 laureados com o Prémio Nobel, alertando para o risco do desinvestimento em ciência proposto para os próximos anos. Este risco é de facto muito maior do que tão só expectativas profissionais goradas de quem se preparou para ser cientista, pois o conhecimento científico insiste em não deixar de ser um bem perecível que não aguenta uns anos em banhomaria à espera que as vacas engordem. Aqui os atrasos medemse em gerações, fazendo com que os investimentos anteriores valham cada vez menos. Um dos mais notórios casos a nível Se como nos filmes de ficção científica estivéssemos à beira de um ataque extraterrestre ou da colisão de um asteróide com perspectiva de aniquilação total da humanidade tal como a conhecemos, não nos poríamos à espera das mesmas vacas gordas para aumentar as mundial do que custa “não fazer” talvez seja o do relatório de Nicolas Stern sobre a economia das alterações climáticas. Apresentado em 2006, procurou demonstrar que não fazer nada, ignorando pura e simplesmente que o fenómeno existe, sairá bastante mais caro à economia global do dotações orçamentais que permitissem fazer alguma coisa que contrariasse tais catástrofes em tempo útil. que começar já a gastar dinheiro a sério para melhor se preparar para os impactos que daí podem advir. Só a partir daí é que as alterações climáticas passaram a ter o destaque na política mundial que julgo merecerem. Já a perda da biodiversidade, por exemplo, em que se tentou o mesmo caminho, ainda não encontrou o mesmo destaque, muito por falta de critérios mensuráveis claros e facilmente perceptíveis (quanto vale uma espécie em euros?), sem com isso deixar de ser um grave problema económico à escala global. Estes dois exemplos juntamse ao investimento em ciência num círculo de desígnios da humanidade que não deveriam ter preço, se essa condição não fosse ainda pior do que a de ter. Se como nos filmes de ficção científica estivéssemos à beira de um ataque extraterrestre ou da colisão de um asteróide com perspectiva de aniquilação total da humanidade tal como a conhecemos, não nos poríamos à espera das mesmas vacas gordas para aumentar as dotações orçamentais que permitissem fazer alguma coisa que contrariasse tais catástrofes em tempo útil. Facilmente todos teríamos a noção de que se não o fizéssemos, não seria apenas a economia – essa mesma que nos trava – que seria afectada, mas tudo o que nos rodeia. Mesmo com os maus usos nas guerras e outras aplicações, a investigação científica terá dado à humanidade mais bemestar que qualquer implementação de estado social e é a melhor caixa de ferramentas que temos para agarrar o futuro de frente. Tenhamos por isso o bom senso de não lhe cortar as pernas. Devemos isso às próximas gerações. Biólogo, professor auxiliar na Universidade Lusófona em Lisboa COMENTÁRIOS Os comentários a este artigo estão fechados. Saiba porquê.