E STA D O D E M I N A S ● 4 ❚ REPORTAGEM DE CAPA D O M I N G O , 2 3 D E A G O S T O D E 2 0 1 5 BEMVIVER Guilherme Matos, de 7 anos, na oficina culinária com a nutricionista materno-infantil Alice Carvalhais, do Alice no País das Comidinhas Esportes, brincadeiras e reeducação alimentar são indispensáveis na luta contra a obesidade infantil. Intervenção multidisciplinar tem potencializado resultados TRANSFORMANDO VIDAS FOTOS: EULER JÚNIOR/EM/D.A PRESS CAROLINA COTTA “Aprendi com minha avó que criança tem que comer de tudo e repetir.” Não foi uma, duas ou três vezes que a psicóloga Valéria Tassara, coordenadora do setor de psicologia do Hospital Infantil São Camilo, ouviu frases como essa, que revelam um padrão de relação da família com a comida. As crianças com sobrepeso ou obesidade, na opinião da especialista, são a “ponta de um iceberg”. Cuidar apenas da criança, portanto, não é o mais eficiente. Assim como não basta cuidar apenas do que ela come. “É preciso compreender e abordar o problema de forma ampliada. Se reduzirmos o olhar para a criança e seu processo fisiológico, teremos um pensamento linear de causa e efeito que não ajuda a compreender a obesidade infantil de forma multidimensional”, defende. Estudos revelaram que crianças que passam por uma intervenção em família de forma multidisciplinar aderem melhor ao tratamento e às mudanças de hábitos. “O médico, o nutricionista e o psicólogo juntos podem alcançar a multidimensionalidade do fenômeno da obesidade e construir, em conjunto, as possibilidades de resolução”, explica. Assim funciona o grupo de Promoção da Saúde das Crianças, Adolescentes e Família do Hospital Infantil São Camilo. “Não nos ocupamos somente da saúde das crianças. O importante são as mudanças de atitude de toda a família. Se os problemas se constituem juntos, nas relações, as soluções também precisam passar por todos. Não se trata de culpar a família, mas sim de compartilhar responsabilidades”, explica Tassara. A educação alimentar é uma função da família, mas ela vem sendo influenciada pelo estilo de vida contemporâneo, marcado pelo consumismo. Os pais saem para trabalhar e não têm mais a oportunidade de fazer as refeições com os filhos. De noite, chegam tarde e não encontram ânimo para preparar uma alimentação equilibrada. “Assim, sentem uma dívida com a criança e acabam cedendo às vontades delas de comer o que quiserem, gastar o tempo da forma que preferirem. Infelizmente, acham que estão alimentando as crianças afetivamente”, diz Tassara. Para a psicóloga, problematizar a obesidade no seio dessas famílias é essencial para encontrar uma possibilidade de solução. ATENÇÃO PRECOCE Descobrir um culpado não definirá o enfrentamento do problema, mas os pais não podem se isentar das responsabilidades. Segundo a endocrinologista Flávia A nutricionista Juliana Miranda, a pediatra Roselane Lana e a psicóloga Valéria Tassara trabalham com mudança de atitudes de toda a família Quanto mais lúdico melhor Pieroni, coordenadora do programa Fitkids do Instituto Mineiro de Endocrinologia, que atua de forma multidisciplinar, com endocrinologista, nutricionista, psicólogo e educador físico, a maioria das crianças já chega em um grau muito avançado. A médica tem, por exemplo, pacientes de 6 anos já com colesterol alto, hipertensão e alteração na glicose. “Quase todas as crianças que atendo chegam já com sobrepeso ou obesidade. Mas elas podiam ser encaminhadas pelos pediatras assim que o peso passasse o esperado para a idade”, defende. Esse olhar precoce facilitaria a perda de peso. “Na criança obesa, precisamos estimular a perda de peso. Naquela com sobrepeso, podemos tentar a manutenção, já que, com o crescimento, ela pode atingir a relação peso x altura normal”, explica. Por terem metabolismo mais alto que o de um adulto, os pequenos têm maior possibilidade de gasto energético, desde que estimuladas a se exercitar. “O mais importante é mudar o pensamento e a relação da criança com a comida. Queremos que elas cresçam saudáveis, que adquiram bons hábitos. Quanto mais precocemente enfrentarem o problema com o peso, melhor para toda sua vida. Mudar hábitos aos 5 anos é mais fácil que mudar aos 60. Na infância, temos a melhor oportunidade para melhorar a expectativa de peso futura”, defende. CONTROLE EM DIA Não é raro que, em determinada idade, os pais passem a levar os filhos ao pediatra só quando adoecem. Esse descuido pode tirar dessa família um alerta importante, já que o especialista acompanha a curva de crescimento das crianças, identificando alterações. Segundo Antônio José das Chagas, presidente do Comitê de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Mineira de Pediatria e professor aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, também é importante atuar no comportamento da sociedade. “A obesidade é uma doença crônica grave. As pessoas precisam se conscientizar de que ela está crescendo em função dos maus hábitos da população.” Com a Campanha Nacional de Prevenção à Obesidade na Infância e Adolescência, a Sociedade Brasileira de Pediatria chama também a atenção dos especialistas para a curva de crescimento e peso. “Naqueles casos em que a criança ganhou mais peso do que o esperado, é imprescindível alertar a família sobre os riscos. Os pais precisam entender que isso é grave e exige uma alteração o quanto antes. A criança com 5 anos e seis quilos mais pesada que o normal para a sua idade, em 85% dos casos, será um adulto obeso. Se a criança não chega obesa à adolescência, e se o adolescente não chega obeso à vida adulta, temos uma chance de mudar essa realidade”, explica. MOVIMENTE-SE Recomendações de atividades para crianças e adolescentes prevenirem doenças cardiovasculares Crianças devem praticar, diariamente, atividade física moderada ou vigorosa por no mínimo 60 minutos. A atividade deve ser lúdica. Adolescentes podem fazer exercícios de resistência (10 a 15 repetições), com intensidade moderada, combinados com atividade aeróbica. Crianças e adolescentes devem diminuir o tempo diário de atividades sedentárias (TV, videogames, computador, tempo ao telefone celular) para no máximo duas horas. FONTE: ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE CARDIOLOGIA A abordagem multidisciplinar, como defendida pelo Instituto Mineiro de Endocrinologia, por meio do Fitkids, e pelo Hospital Infantil São Camilo, pode facilitar o processo de mudanças de hábitos. O lúdico também. A nutricionista materno-infantil Alice Carvalhais tem ajudado muitas crianças a comer melhor com o seu projeto Alice no País das Comidinhas. Entre as opções de abordagem, estão a Oficina Culinária, quando ela vai à casa da criança ensiná-la a preparar lanches saudáveis, e o Um Dia com a Nutri, com visitas ao sacolão, supermercado e restaurantes, sempre com lições de escolhas mais adequadas. Guilherme, de 7 anos, trocou os sucos industrializados e bolinhos de chocolate por biscoitos integrais e frutas. Segundo a mãe, Cíntia de Matos Martelo, de 28, ele começou a ganhar peso quando ela, preocupada porque ele voltava para casa com a merenda, cedeu e começou a mandar guloseimas para ele não ficar sem comer. Alice defende uma maior preparação dos pais e tem ensinado a eles como introduzir os melhores alimentos. “Muitos erram sem perceber, com a intenção de ajudar. Muitas mães já entregam para o filho o leite com achocolatado, sem nem saber se a criança preferiria o leite puro”, alerta. (CC) SERVIÇO Grupo de Promoção da Saúde das Crianças, Adolescentes e Famílias O programa acompanha 10 famílias a cada semestre, com encontros quinzenais com nutricionista, pediatra e psicóloga. É necessário fazer inscrição e pagar uma taxa de R$ 30. Mais informações: (31) 3489-6100 Leia mais sobre obesidade infantil em www.saudeplena.com.br