DO
PROCESSO
JUDICIAL
POR
ATO
DE
IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA (LEI FEDERAL Nº 8.429/1992, ARTIGOS 17 E 18)
GINA COPOLA
Advogada Militante em Direito Administrativo, Pós-Graduada
em Direito Administrativo pela UNIFMU. Autora de livros e
artigos sobre temas de direito administrativo e ambiental.
SUMÁRIO: 1 A ação principal por ato de improbidade administrativa; 2 A conciliação em
ações de improbidade; 3 O ressarcimento do patrimônio público; 4 A assistência das pessoas
jurídicas de direito público ou privado; 5 A atuação do Ministério Público em ações de
improbidade; 6 A prevenção em ações de improbidade; 7 A necessária juntada de
documentos ou justificação; 8 Da defesa prévia em ação de improbidade administrativa; 9 O
despacho que recebe a ação de improbidade deve ser fundamentado; 10 A apresentação de
contestação; 11 O agravo de instrumento; 12 Da extinção do processo sem julgamento do
mérito; 13 Os depoimentos e as inquirições nos processos de improbidade; 14 Da
constitucionalidade da Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001; 15 O pagamento ou a
reversão de bens à pessoa jurídica prejudicada.
1 A AÇÃO PRINCIPAL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
O processo judicial por prática de ato de improbidade administrativa está previsto de forma
detalhada no art. 17 da Lei Federal nº 8.429, de 1992.
Reza o art. 17, caput, da LIA que "a ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo
Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da
medida cautelar".
Lê-se do dispositivo transcrito que a ação principal por ato de improbidade administrativa
segue o rito ordinário, que é aquele previsto pelos arts. 282 e seguintes do Código de Processo
Civil.
A ação principal pode ser proposta pelo eg. Ministério Público, com legitimidade também
garantida pelo art. 129 da Constituição Federal, ou, ainda, pela pessoa jurídica interessada,
que é a "Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao
patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o Erário haja concorrido ou
concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos
na forma desta lei", conforme descrito no art. 1º, caput, da LIA.
Para a propositura da ação principal não é necessário que se tenha proposto prévia ação
cautelar, mas, no caso de proposta ação cautelar e concedida a medida liminar, o prazo para a
propositura da ação principal é de 30 (trinta) dias, sob pena de intempestividade.
2 A CONCILIAÇÃO EM AÇÕES DE IMPROBIDADE
É vedada a transação, o acordo ou a conciliação nas ações de improbidade administrativa,
conforme reza o art. 17, § 1º, da LIA.
Com todo efeito, o eg. Ministério Público do Estado de São Paulo ou a pessoa jurídica
interessada, após proposta a ação principal, não estão autorizados a realizar transação, acordo
ou conciliação com os réus, uma vez que o direito protegido em ação de improbidade é
indisponível.
3 O RESSARCIMENTO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO
Reza o § 2º do art. 17 da LIA que "a Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações
necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público".
A legitimidade para pedir o ressarcimento ao Erário é da Fazenda Pública interessada, sendo
que o Ministério Público tem legitimidade ex-traordinária para tal requerimento.
Tema relevante, nesse caso, é o relativo à prescrição para requerer o ressarcimento, nos
termos do art. 37, § 5º, da Constituição Federal.
Reza o indigitado dispositivo constitucional:
Art. 37 [...]
[...]
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente,
servidor ou não, que causem prejuízos ao Erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento.
Denota-se, portanto, que as ações de ressarcimento ao Erário são imprescritíveis, porém isso
ocorre somente quando a requerente é a Fazenda Pública, por possuir legitimidade ordinária,
sendo que, no caso de o Ministério Público ser o autor da ação, que, repita-se, tem legitimação
extraordinária, o prazo prescricional é o contido na Lei nº 8.429/1992, art. 23.
Nesse sentido é a lição de Mauro Roberto Gomes de Mattos 1. Vejamos:
Por outro lado, no caso das ações de ressarcimento ao Erário, consideradas pelo art. 37, § 5º,
da CF como imprescritíveis, não se pode deixar de observar que mesmo elas não se vinculando
ao lapso do tempo, o Ministério Público, por possuir a legitimação extraordinária, terá a
contagem de prazo para exercer o seu munus público nos cinco anos legais. Após o transcurso
deste prazo, somente o ente público lesado é que terá a legitimidade ativa, em tese, para
ingressar perante o Poder Judiciário, vindicando que retorne ao Erário o que lhe foi subtraído
de maneira ilegal e imoralmente.
4 A ASSISTÊNCIA DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO OU PRIVADO
No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber,
o disposto no § 3º do art. 6º da Lei Federal nº 4.717, de 29 de junho de 1965, conforme reza o
§ 3º do art. 17 da LIA, com a redação que lhe foi dada pela Lei Federal nº 9.366, de 1996.
E reza, por sua vez, o citado § 3º do art. 6º da Lei nº 4.717/1965, que é a Lei da Ação Popular:
Art. 6º [...]
[...]
§ 3º A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de
impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde
que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou
dirigente.
Tem-se, portanto, que a pessoa jurídica interessada é litisconsorte facultativo, podendo
contestar o pedido formulado em inicial, ou, se preferir, atuar ao lado do autor, como
assistente.
Com todo efeito, o dispositivo transcrito é cristalino ao dispor que a pessoa jurídica de direito
público ou privado poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor,
mas, em momento algum, o dispositivo legal autoriza que o pedido seja contestado, para,
depois, a Administração mudar seu posicionamento no processo, e, com isso, integrar a lide ao
lado do autor para assisti-lo.
Sim, porque a pessoa jurídica pode adotar uma, e apenas uma, das seguintes posições: a)
contesta a ação; ou b) não contesta e assiste o autor; ou, ainda, c) omite-se, e não adota
nenhuma das duas primeiras hipóteses, mas, em nenhum momento, é autorizado à pessoa
jurídica que adote duas posições diversas, uma em cada momento.
É o interesse público que precisa ser defendido pela pessoa jurídica, e não o interesse político
existente em cada momento processual.
Ademais, o Município é litisconsorte facultativo em ações de improbidade administrativa, e a
ausência de citação do Município não acarreta qualquer nulidade, conforme já decidiu o eg.
Superior Tribunal de Justiça em Recurso Especial nº 506511/MG, Ministro Luiz Fux, 1ª Turma,
julgado em 25.11.2003, DJ 19.12.2003, p. 340, com a seguinte ementa:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO MUNICÍPIO - LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO NULIDADE - INOCORRÊNCIA
1. O Município, na ação civil pública proposta pelo Ministério Público, tendo como causa
petendi improbidade, é litisconsorte facultativo, por isso que a sua ausência não tem o condão
de acarretar a nulidade do processo.
E, no mesmo diapasão, é o r. acórdão do eg. STJ em Recurso Especial nº 408219/SP, Ministro
Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 24.09.2002, DJ de 14.10.2002, p. 197.
5 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM AÇÕES DE IMPROBIDADE
O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará, obrigatoriamente, como
fiscal da lei, sob pena de nulidade, conforme reza o § 4º do art. 17 da Lei nº 8.429/1992.
A legitimidade do Ministério Público para atuar em ações civis, como autor, ou como fiscal da
lei, é conferida pelos arts. 127 e 129, ambos da Constituição Federal.
Sobre o tema, irrepreensíveis são as lições de Mauro Roberto Gomes de Mattos 2:
Não pode o Ministério Público ser um órgão de acusação geral e irrestrito, pois quando ele
atua como fiscal da lei, possui a sagrada missão de defender a ordem jurídica. Se tiver que
opinar em favor do réu em ação de improbidade administrativa, por que não fazê-lo? [...]
Portanto, o Ministério Público deve funcionar como um fiel fiscal da lei, defendendo a
legalidade, mesmo que caminhe contra o interesse dos entes de direito público. O MP não é
órgão suplementar à defesa dos entes públicos. Seria uma degradação para a sociedade que o
MP fosse um órgão acessório do Poder Executivo, deixando a sua nobre tarefa de fiscalizar a
lei.
6 A PREVENÇÃO EM AÇÕES DE IMPROBIDADE
A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente
intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto, conforme reza o art. 17,
§ 5º, da Lei nº 8.429/1992, incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001.
Tem-se, portanto, que, propostas duas ou mais ações com o mesmo objeto - pode ser, por
exemplo, uma pelo Ministério Público e outra pela pessoa jurídica interessada -, restará
prevento o juízo para o qual a primeira ação foi distribuída. Essa é a regra do § 5º do art. 17 da
LIA.
7 A NECESSÁRIA JUNTADA DE DOCUMENTOS OU JUSTIFICAÇÃO
A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da
existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de
apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as
disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil, conforme reza o § 6º do art.
17 da LIA, incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001.
É cediço em direito que em ações de improbidade administrativa é necessário o
enquadramento dos requeridos nos tipos contidos na lei, com descrição dos fatos e da
conduta questionada. Não basta, portanto, a simples indicação do dispositivo supostamente
violado, sendo imperiosa a demonstração de que a conduta dos requeridos enquadra-se no
tipo da lei, tudo isso com a juntada de documentos ou com justificação que contenham
indícios suficientes da existência do ato.
Com todo efeito, na ação civil por ato de improbidade administrativa, o convencimento do
autor deve ser comprovado, vez que não resta suficiente a simples alegação de que qualquer
fato constitui improbidade administrativa.
Cássio Scarpinella Bueno 3 preleciona:
O § 6º do art. 17 da Lei nº 8.429, de 1992, parece querer deixar bem claro que tudo o que for
passível de prova já com a petição inicial deve ser produzido de plano. O que não for deve ser
justificado por que não está sendo desde já apresentado, dando-se aplicação escorreita,
destarte, ao comando do art. 282, VI, do Código de Processo Civil, isto é, pugnando-se e
justificando-se, na inicial, pela produção de outras provas, que, por uma razão ou por outra,
não puderam ser apresentadas já com a petição inicial (rectius: ser pré-constituídas). Tudo até em função da remissão expressa aos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil - em nome
de uma maior seriedade na propositura de ações de improbidade administrativa, coibindo-se,
assim, o que a praxe denomina de "aventuras processuais".
[...]
Daí que a petição inicial da ação de improbidade administrativa deve ser proporcionalmente
mais substancial do que a das outras ações que não têm esta fase preliminar de
admissibilidade da inicial em contraditório tão aguda. Nestas condições, a delimitação dos
fatos, da causa de pedir, e a produção da correspondente prova (quando disponível de
imediato) devem ser impecáveis, sob pena de comprometer, já de início, o seguimento da ação
e, até mesmo, sua rejeição com apreciação de mérito. (grifos nossos)
Conforme se depreende da doutrina acima transcrita, a petição inicial da ação civil por ato de
improbidade administrativa deve ser bem fundamentada, com impecável e minuciosa
descrição dos fatos e com a juntada de robusta documentação, sob pena de não recebimento
da ação.
8 DA DEFESA PRÉVIA EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Reza o § 7º do art. 17 da LIA, com a redação que lhe foi dada pela Medida Provisória nº 2.22545, de 2001:
Art. 17 [...]
[...]
§ 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do
requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos
e justificações, dentro do prazo de quinze dias.
Lê-se do dispositivo da LIA que, recebida a inicial, o juiz deve notificar o requerido para que
apresente manifestação por escrito. Tal referida manifestação, que é de imperiosa relevância,
é a defesa prévia ou preliminar, que pode ser ofertada pelo requerido, no prazo de quinze
dias, e com o fim de demonstrar o descabimento da ação proposta ou a inexistência de ato de
improbidade, ou até mesmo a improcedência, quanto ao mérito, da ação civil por ato de
improbidade proposta.
A defesa prévia ou preliminar apresentada pelo requerido pode perfeitamente ser
acompanhada de documentos, além das pertinentes e cabíveis razões de defesa. Com todo
efeito, trata-se da oportunidade concedida ao requerido a fim de demonstrar que as alegações
lançadas pelo autor da ação são desarrazoadas ou infundadas, ou insubsistentes, e não
encontram guarida no procedimento escolhido.
A relevância da defesa prévia em ações de improbidade administrativa já foi ressaltada pelo
Advogado e Professor Cássio Scarpinella Bueno em importante artigo intitulado "O
procedimento especial da ação de improbidade administrativa (Medida Provisória nº 2.088)",
ao ensinar que devem ser observados os §§ 6º, 7º e 8º da LIA, que dão oportunidade à
apresentação de defesa prévia ao acusado. E diz:
Os documentos, as justificações, as escusas e a conduta de quem pretende tipificar ato(s) de
improbidade administrativa serão analisados não só no decorrer do procedimento (mais
aprofundadamente na fase instrutória), mas receberão um juízo de admissibilidade expresso e
bastante profundo (até mesmo exauriente, quando a hipótese é de declaração da inexistência
do ato de improbidade ou de improcedência da ação) logo após o estabelecimento do prévio
contraditório, na forma como disciplinam os precitados §§ 7º e 8º.
E conclui, de forma elucidativa: "Daí porque a petição inicial da ação de improbidade
administrativa deve ser proporcionalmente mais substancial do que a das outras ações que
não têm esta fase preliminar de admissibilidade da inicial" 4.
A citação do requerido para a apresentação de defesa preliminar, nos termos do § 7º da LIA,
conforme se denota, resta imprescindível ao regular prosseguimento do feito e ao devido
processo legal, e, dessa forma, a sua ausência gera vício insanável, que acarreta a nulidade do
processo, conforme tem decidido a jurisprudência.
O eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em Apelação Cível nº 70005670112,
Relator Desembargador Ângelo Maraninchi Giannakos, 1ª Câmara Especial Cível, julgado em
25.08.2003, decidiu sobre a necessária citação do réu em ação de improbidade administrativa,
para o fiel cumprimento ao disposto no art. 17, § 7º, da Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de
1992, que é a LIA.
Reza a ementa do r. acórdão:
Apelação cível. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Ausência de licitação. Município
de Capão da Canoa. Citação inválida. Ausência de prévia notificação dos requeridos, conforme
o disposto no art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/1992, alterado pela Medida Provisória nº 2.225-45,
de 04.09.2001.
Prescrição reconhecida na origem. Sentença de extinção. Negaram provimento à apelação.
Lê-se, portanto, que o eg. TJRS, em decisão irreparável, determinou inválida a irregular citação
do réu, para, dessa forma, determinar o cumprimento do disposto no § 7º do art. 17 da LIA, e,
afinal, julgou extinta a ação de improbidade administrativa.
Nesse exato sentido, também decidiu o eg. TJGO, Relator Desembargador Leobino Valente
Chaves, AI 32666-8/180, 1ª C.Cív., por v.u., DJ de 09.12.2003, Livro 1.143, com a seguinte
ementa:
Agravo de instrumento. Ação civil por ato de improbidade administrativa. Art. 17, § 7º, da Lei
nº 8.429/1992. Inobservância. Nulidade relativa. A ausência de notificação para apresentar
manifestação por escrito na ação civil por ato de improbidade administrativa (art. 17, § 7º, da
Lei nº 8.429/1992) é causa de nulidade relativa. Assim, uma vez arguida oportunamente e
verificada a existência de prejuízo, impõe-se a cassação do decisum atacado. Agravo de
instrumento conhecido e provido.
Observa-se, portanto, que a ação proposta foi extinta por falta de citação válida para
apresentação de defesa prévia ou preliminar.
Ainda no mesmo sentido, cite-se r. acórdão do eg. TJMG, Relator Desembargador Hyparco
Immesi, AI 1.0000.00.279325-5/000, 4ª Câmara Cível, DJ de 08.10.2003.
Com efeito, tal significante oportunidade oferecida ao requerido concernente à apresentação
de defesa prévia não tem o condão de exaurir toda a defesa a ser apresentada nos autos, uma
vez que tal apresentação de defesa preliminar possibilita tão somente o prévio juízo de
admissibilidade da ação.
Sim, porque se não for devidamente demonstrada em defesa prévia a inocorrência do alegado
ato de improbidade administrativa, ou que a ação é improcedente, ou, ainda, que a via eleita
pelo autor restou inadequada, então o juiz, nos termos do § 8º do art. 17 da LIA, receberá a
ação proposta, em decisão devidamente fundamentada; e o requerido, então, que passará a
receber a pecha de réu na ação, terá oportunidade para apresentar sua contestação, na forma
do Código de Processo Civil.
Ademais, e conforme se depreende da simples leitura do art. 17, § 7º, da LIA, não é admissível
que se confunda a apresentação de defesa prévia com a oportunidade de apresentação de
contestação, sendo que a última é inerente a todo processo judicial.
É forçoso concluir, portanto, que a oportunidade concedida ao requerido para apresentação
de defesa prévia em ação de improbidade revela-se absolutamente imprescindível ao regular
prosseguimento do feito, e, por isso, não pode ser subtraída do processo.
Além disso, não é possível qualquer aplicação de penalidade ao requerido - entre eles a
decretação de indisponibilidade de bens - antes do oferecimento das razões de defesa
preliminar, momento em que o juiz, se convencido do cabimento da ação, poderá recebê-la e,
com isso, determinar as providências necessárias.
Com todo efeito, não há possibilidade de se decretar a indisponibilidade de bens do requerido
em sede de ação cautelar de improbidade, ou de medida liminar ou tutela antecipada
eventualmente concedida em tal espécie de ação. Nesse sentido, cite-se Mauro Roberto
Gomes de Mattos 5.
9 O DESPACHO QUE RECEBE A AÇÃO DE IMPROBIDADE DEVE SER FUNDAMENTADO
Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a
ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da
inadequação da via eleita, conforme reza o § 8º do art. 17 da LIA, incluído pela Medida
Provisória nº 2.225-45, de 2001.
E, no mesmo sentido, a decisão que recebe a ação civil por ato de improbidade administrativa
também deve ser fundamentada, nos termos do § 8º do art. 17 da LIA. Tal disposição recebe
fundamento no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, ao determinar que todas as decisões
judiciais do Poder Judiciário devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade, e também no
art. 165 do Código de Processo Civil, ao rezar que todas as decisões devem ser fundamentadas,
ainda que de modo conciso.
Sobre a necessária fundamentação que deve conter o r. despacho que recebe a ação de
improbidade, existe decisão proferida pelo eg. TRF 5ª Região, Ag 62.991/CE
(2005.05.00.019739-7), 2ª Turma, Relator Desembargador Federal Napoleão Nunes Maia Filho,
publicado no DJU 2 de 09.02.2006, com a ementa:
Constitucional. Processual civil. Ação de improbidade administrativa. Necessidade de
fundamento da decisão que recebe a sua inicial. 1. A exigência constitucional de
fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, XIII) se reflete na Lei de Improbidade
Administrativa (Lei nº 8.429/1992), impondo ao juiz que declare, tanto ao receber, como ao
rejeitar a inicial, as razões de fato e de direito que lhe formaram a convicção. 2. O recebimento
da ação de improbidade, pelo juiz, se dará após a prévia ouvida do requerido (art. 17, § 8º, da
Lei nº 8.429/1992), de modo que deverá explicitar as razões pelas quais decidiu pelo
recebimento da inicial e pela rejeição da defesa do requerido, inclusive para ensejar eventual
recurso contra esse ato. 3. AGTR provido.
E o voto do Relator é ainda mais esclarecedor, ao rezar que
também é sabido que o mero recebimento da inicial em uma ação de improbidade
administrativa já traz inúmeros malefícios à honra e ao conceito que a pessoa reveste frente à
sociedade, o que apenas corrobora a necessidade de que tal decisão seja clara, objetiva e
minuciosa, vale dizer, fundamentada.
E, no mesmo sentido, é o r. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, em Agravo de Instrumento nº 873.351.5/1-00/Boituva, Relator Desembargador Oscilo
de Lima Júnior, 11ª Câmara de Direito Público, julgado em 30.03.2009, com o seguinte excerto:
Entretanto, a decisão atacada não fundamentou, sequer de modo singelo, os motivos do
recebimento da petição inicial. Apenas recebeu a petição inicial e determinou seu
processamento nos termos do art. 17, caput, da Lei nº 8.429/1992.
Embora o § 8º do art. 17 da lei supramencionada determine a fundamentação da decisão que
rejeita a ação, é necessário que a decisão que a recebe também seja fundamentada, em
consonância com o art. 165 do Código de Processo Civil.
A única ilação possível, portanto, é no sentido de que a defesa prévia ofertada em ação de
improbidade deve ser apreciada de forma acurada pelo juiz, que poderá, diante dos termos da
defesa apresentada, arquivar a ação, ou, de outro modo, convencendo-se da necessidade do
prosseguimento do feito, poderá receber a ação, em decisão que deve sempre ser
fundamentada, conforme tem decidido a jurisprudência.
10 A APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO
Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação, conforme reza o § 9º
do art. 17 da LIA, incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001.
O dispositivo é cristalino ao dispor que somente após recebida a ação é que surge a
oportunidade para apresentação de contestação pelo requerido, que, a partir de então,
passará a ser réu na ação de improbidade.
O § 9º do art. 17 da LIA não menciona as outras formas de defesa previstas pelo art. 297 do
Código de Processo Civil - exceção e reconvenção -, motivo pelo qual a única defesa aceita é a
contestação, conforme citada pelo dispositivo da LIA.
11 O AGRAVO DE INSTRUMENTO
Da decisão que recebe a petição inicial cabe agravo de instrumento, conforme reza o § 10 do
art. 17 da LIA, incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001.
O agravo de instrumento a ser interposto nas ações de improbidade administrativa deve
observar os arts. 522 e seguintes do Código de Processo Civil, devendo ser demonstrada pelo
agravante a lesão grave e de difícil reparação experimentada com o recebimento da ação de
improbidade.
O prazo para a interposição do agravo é de 10 dias, nos termos do art. 522 do Código de
Processo Civil.
O agravante deverá, ainda, proceder a juntada de todos os documentos relacionados pelo art.
525 do Código de Processo Civil, sob pena de indeferimento do agravo de instrumento
interposto.
E, ainda, o agravante, no prazo de 3 (três) dias, deverá requerer a juntada aos autos do
processo principal de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua
interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso de agravo, sob
pena de inadmissibilidade do agravo, conforme reza o art. 526 do Código de Processo Civil.
12 DA EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO
Em qualquer fase do processo judicial, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o
juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito, conforme reza o § 11 do art. 17 da LIA,
incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001.
Com todo efeito, por se tratar de matéria de ordem pública, a inadequação da via eleita pode
ser reconhecida a qualquer tempo pelo eg. Poder Judiciário, e, portanto, o juiz pode extinguir a
ação em qualquer fase do processo judicial.
13 OS DEPOIMENTOS E AS INQUIRIÇÕES NOS PROCESSOS DE IMPROBIDADE
Reza o § 12 do art. 17 da LIA, acrescido pela MP 2.225-45, de 2001:
Art. 17. [...]
[...]
§ 12º Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos regidos por esta lei o
disposto no art. 221, caput e § 1º, do Código de Processo Penal.
Reza, por sua vez, o art. 221, caput, do CPP:
Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os
ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os
prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembleias Legislativas
Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da
União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos
em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.
Observa-se que a Lei nº 8.429/1992 tem, também, caráter penal ao utilizar-se de dispositivo da
lei adjetiva penal para regular a forma como os depoimentos e as inquirições devem ser
colhidos em sede de ação por improbidade administrativa.
Sobre o dispositivo em comento, assim ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos 6:
Partindo-se do pressuposto de que as autoridades do mais alto escalão da República possuem
vida bastante atribulada, o legislador buscou uma maior eficiência nas suas oitivas como
testemunhas, permitindo que eles marquem local, dia e hora previamente ajustados entre eles
e o juiz condutor da lide. Há disposições similares quanto aos Magistrados e membros do
Ministério Público, quando ao ajuste para a audiência (art. 33, I, da Loman e art. 40, I, da
LONMP, respectivamente).
14 DA CONSTITUCIONALIDADE DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.225-45, DE 2001
Existe discussão sobre a constitucionalidade da Medida Provisória nº 2.225-45, datada de 4 de
setembro de 2001, uma vez que reza a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de
2001, que é vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a direito processual
civil (art. 62, § 1º, I, b, da Constituição Federal).
Ocorre, porém, que, em simples confronto de datas, resta cristalino que a MP 2.225-45 é de 4
de setembro de 2001, e a EC 32, por sua vez, é de 11 de setembro de 2001, ou seja, a MP
2.225-45/2001 é anterior à EC 32/2001, motivo pelo qual, quando da edição da citada MP, não
existia a proibição constitucional, o que a torna, portanto, perfeitamente constitucional e
aplicável.
15 O PAGAMENTO OU A REVERSÃO DE BENS À PESSOA JURÍDICA PREJUDICADA
"A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos
bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso,
em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito", conforme reza o art. 18 da LIA.
Tem-se, portanto, que a sentença que decretar o ressarcimento integral do dano causado aos
cofres públicos determinará tal pagamento em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito,
conforme reza o art. 18 da LIA. E, no mesmo sentido, a sentença que decretar a perda dos
bens havidos ilicitamente determinará a reversão de tais bens em favor da pessoa jurídica
prejudicada pelo ilícito, conforme se lê do art. 18 da LIA.
A pena de ressarcimento integral do dano, conforme consta do supratranscrito art. 12, inciso I,
da LIA, é aplicada somente quando ocorre o efetivo dano ao Erário público, sendo certo,
porém, que não podemos vislumbrar a ocorrência de ato de improbidade que cause
enriquecimento ilícito do agente ou de terceiro submetido aos termos da LIA, sem que exista o
dano ao Erário. Se alguém se enriqueceu ilicitamente, tal fato ocorreu a custa de outra pessoa
física ou jurídica, e, no caso presente, é o Erário público que sofre as consequências do
enriquecimento sem causa do agente ou de terceiro.
Tal pena é constitucional, porque está expressamente prevista pelo art. 37, § 4º, da
Constituição Federal.
A perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio só pode ser aplicada após
conferida a mais ampla defesa do acusado - agente público ou terceiro submetido aos termos
da LIA -, com direito ao contraditório, nos termos do art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição
Federal.
Com efeito, a perda de bens em sede de ação civil de improbidade administrativa pode ocorrer
somente após conferido o necessário due process of law, nos termos do art. 5º, inciso LIV, da
Constituição Federal, ao rezar que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal".
E o devido processo legal é aquele em que são conferidos o contraditório e a mais ampla
defesa do acusado.
A perda de bens está limitada ao momento em que foi praticado o ato de improbidade
administrativa, não incluindo, assim, bens adquiridos anteriormente ao ato.
Além de tudo isso, e também em atendimento ao devido processo legal, a perda de bens
somente pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória, não sendo
admitida a execução provisória da sentença. Nesse exato sentido, é a lição de Marcelo
Figueiredo 7 e de Mauro Roberto Gomes de Mattos 8.
É absolutamente inconstitucional, portanto, a decretação da perda de bens do acusado por ato
de improbidade administrativa, sem que antes lhe seja conferida a mais ampla defesa, com a
possibilidade de produção de provas sobre sua inocência ou sobre a inexistência do ato de
improbidade.
Nesse diapasão é o supracitado r. acórdão proferido pelo eg. Superior Tribunal de Justiça, no
Agravo Regimental no Recurso Especial nº 422583, de onde se lê:
[...]
3. Decisum recorrido que deixou de avaliar a extensão e as consequências graves da medida
tomada, além de não ter tido o cuidado de considerar a caracterização da provisoriedade das
alegações iniciais do Ministério Público; não se elencam os fatos que demonstram os fortes
indícios de responsabilidade, além de não expor em que consistem os riscos determinantes da
decretação estatuída.
[...]
5. A decretação da disponibilidade e o sequestro de bens, por ser medida extrema, há de ser
devida e juridicamente fundamentada, com apoio nas regras impostas pelo devido processo
legal, sob pena de se tornar nula.
[...]
10. Agravo regimental provido. Recurso especial provido, para cassar os efeitos da
indisponibilidade e do sequestro dos bens do recorrente.
Ainda no mesmo sentido é o r. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, em Agravo de Instrumento nº 743.090-5/6-00, 11ª Câmara de Direito Público, Relator
Desembargador Francisco Vicente Rossi, julgado em 12.05.2008, que cita r. acórdão acima
citado prolatado pelo eg. Superior Tribunal de Justiça:
Ademais, como fixa a jurisprudência (Theotonio Negrão. CPC, 38. ed., São Paulo: Saraiva, nota
4 ao art. 7º, p. 1540): "A decretação da indisponibilidade e o sequestro de bens, por ser
medida extrema, há de ser devida e juridicamente fundamentada, com apoio nas regras
impostas pelo devido processo legal, sob pena de se tornar nula" (STJ, 1ª T., AgRg-REsp
422.583, Rel. Min. José Delgado, J. 20.06.2002, deram provimento, v.u., DJU 09.09.2002, p.
175).
Tal pena de perda de bens, conforme ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos 9, pode ser
aplicada somente para possibilitar a execução de uma sentença condenatória, fruto da
obrigação de indenizar, sob pena de inconstitucionalidade, uma vez que a perda de bens não
está prevista pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal.
Conclui-se, portanto, que o ato de improbidade administrativa praticado com enriquecimento
ilícito do agente enseja o ressarcimento do dano ao Erário mediante a perda de bens ou
valores acrescidos ao patrimônio do agente em decorrência do ato reputado como ímprobo,
sendo, porém, preservado o patrimônio adquirido pelo agente antes da prática do ato
ímprobo, e tudo isso pode ser decretado apenas e somente em sentença transitada em
julgado, não sendo admitida a execução provisória, em respeito ao direito de propriedade.
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DO PROCESSO JUDICIAL POR ATO DE IMPROBIDADE