EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE APOSENTADOS E
PENSIONISTAS – COBAP, entidade integrante do sistema confederativo
brasileiro, constituída sob a modalidade de sociedade civil, sem fins
lucrativos, CNPJ Nº 91.340.141/0001-09, sediada no SBN - Quadra 507 Sul
- Bloco A N° 61 - Brasília-DF, CEP: 70351-510, fone (61) 3326-3168, neste
ato, requer o cadastramento do novo procurador Guilherme Pfeifer
Portanova, inscrito na OAB/RS 51.998, conforme instrumento de
procuração em anexo, e PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES
UNIFICADOS – PSTU, CNPJ 73282907000164 com sede na Avenida 9 de
julho 925 –Bela Vista- SP CEP 013013000, representado, conforme
procuração em anexo, pelo advogado Bruno Colares Soares Figueiredo
Alves, OAB-SP 294.272, bem como, a recepção das pertinentes
comunicações processuais e extraprocessuais, vem à honrosa presença de
Vossa Excelência, com escopo nos artigos 102, inciso I, alínea “a” e 103,
inciso IX, ambos da Constituição Federal, propor
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
com pedido de liminar para a imediata suspensão dos
efeitos da Medida Provisória 664/2014 que, violando inúmeros comandos
constitucionais, inclusive o da Relevância e Urgência (Artigo 62), alterou
comandos da lei de benefícios do RGPS ( 8.213/91 ) restringindo direito a
benefícios de caráter alimentar substitutos do salário, benefícios estes,
que representam e recebem a natureza de direitos fundamentais,
impassíveis de serem modificados sem o devido processo legislativo e
blindados pelo próprio artigo 246 da Constituição Federal, conforme a
seguir será devidamente pormenorizado.
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PRELIMINAR – LEGITIMIDADE DA COBAP – CONFEDERAÇÃPO
BRASILEIRA DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS
A legitimidade ativa na ADI foi ampliada pela CR/88, pois nas
Constituições anteriores (1946 e 1967) competia apenas ao ProcuradorGeral da República a propositura da ação.
Assim, a atual redação constitucional dispõe o seguinte rol
taxativo de legitimados ativos:
“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e
a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº. 45, de 2004)
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito
nacional.”
Portanto, de acordo com o certificado em anexo, a Portaria 984/2008
conferiu a COBAP a natureza e inscrição no Cadastro de Entidades Sindicais
Especiais, sendo a partir desta data, uma Confederação Sindical de âmbito
Nacional, nos termos do cadastro feito no processo 46000011424200947.
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS / ATECNIA
Essa MP 664 foi feito tão “nas coxas”, tão na calada da noite, que
de forma perfunctória, podemos levantar inúmeras obscuridades, lacunas,
contradições e por consequência lógica, INCONSTITUCIONALIDADES.
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Sequer pode se apontar má técnica, mas sim, um caso puro de
ATECNIA!
Onde está dito que o auxílio-doença será somente pago após 30
dias de afastamento para os outros segurados que não o segurado
empregado?
Pode assim se afirmar que não há mais prazo mínimo de
afastamento para fins de percepção do auxílio-doença para as outras 5
categorias de segurados (contribuinte individual, empregado doméstico,
trabalhador avulso, segurado especial e facultativo), pois neste tópico vale
a máxima de onde a lei não fala, não cabe ao interprete restringir.
Tal máxima vale também para o caso do suposto arrastamento da
carência dos auxílios reclusão, por decorrência do aumentou da carência
dos B/21´s.
Aliás, se formos analisar mesmo que de forma perfunctória a MP
664, veremos inúmeras inconstitucionalidades e princípios basilares do
direito violados, em especial, o da proporcionalidade, o da ampla
repercussão, isonomia e retrocesso social.
Outro critério desproporcional é a benesse nas pensões para
quem esta "ou deveria estar" em gozo de B/31 (auxílio doença). Como que
a carência do B/21 passa a ser de 24 meses se a do B/31 é de 12 meses?
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Ora, se a MP esta "liberando" para quem esta em gozo de auxílio
doença a carência dos 24 meses, é porque, no mínimo, a partir dos 12
meses já seria a pensão por morte atuarialmente viável para a previdência
social. Isso se diz forte na proporcionalidade constitucionalmente
assegurada e na assertiva de que esta deve ser levada em conta quando se
está a restringir direitos fundamentais, não devendo serem estes
restringidos mais do que o atuarialmente possível/viável/necessário.
Isso é regra básica de hermenêutica no campo dos direitos
sociais.
Tem também o caso do auxílio doença, pois se além do redutor
da média dos últimos 12 meses ficou mantido o CC de 91% esta causa esta
ganha no judiciário, por se tratar de um duplo redutor (bis in idem), ou
seja, não pode incidir duas restrições atuarias sobre o mesmo objeto
(PBC), que afetaram a RMI dos benefícios.
Essas são pequenas e breves impressões da MP 644 que serão
mais esmiuçadas no corpo desta ADI, restando escancarada a assertiva de
PLENA INCONSTITUCIONALIDADE ( falta-lhes o requisito da urgência (Art.
62 - CF/88 ) além de ser vedado forte no comando do artigo 246 a adoção
de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja
redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de
janeiro de 1995 e 11 de setembro de 2001 (Art. 246 da CF/88), caso do
artigo 201 da Carta Magna, modificado pela da EC 20 de 1998 - Reforma
da Previdência.
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Ou seja, sob qualquer prisma que a analise, salta aos olhos a
inconstitucionalidade.
A criação de carência para benefícios de risco, essa cabe apelação
até para Cortes Internacionais ! É caso de polícia !
O que fizeram no requisito bienal de convivência por uxório –
casamento, foi outro descalabro inconstitucional, pois rasgaram a máxima
de que a boa fé é presumida e a má fé deve ser demonstrada, e mais, não
existe no código cível nem na doutrina nem da jurisprudência pátria, nada
que estipule tempo mínimo para que a União estável seja reconhecida.
O escopo era (é) evitar fraudes ? Mas é assim que se faz ? Como
não tenho como fiscalizar ou não quero ou vai sair oneroso tal fiscalização
eu corto/restrinjo direitos sociais ?
Isso não estaria afrontando princípios como o da boa fé, do não
retrocesso e tantos outros ?
URGÊNCIA ? A previdência teve SUPERVÁVIT DE 650 bilhões em
2013, correto ?
Mesmo com a DRU teria ainda a Previdência social um superávit
( segundo a ANFIP de 76 bilhões de superávit em 2013 - 65 bilhões de
desvio pela DRU) de 10 bilhões, correto ?
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Então que mentira é essa que a MP atende a urgência necessária
para estancar o déficit previdenciário ?
FALTA, POIS, O IMPRESCINDÍVEL REQUISITO DA URGÊNCIA
RESTANDO VIOLADO O ARTIGO 62 DA CF.
Conforme relatório da ANFIP resta noticiado de que nossa
Previdência que não tem competência pra ser Social registrou SUPERÁVIT
de R$ 76 bilhões em 2013.
“A Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do
Brasil (ANFIP) lança nesta quarta-feira (3) a publicação Análise da
Seguridade Social 2013.
O livro traz um estudo completo do comportamento das receitas do
Orçamento da Seguridade Social, bem como a utilização de seus
recursos, e demonstra, de forma contundente, que a Seguridade Social
vem apresentando superávit ano após ano. A obra será apresentada
na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), da Câmara dos
Deputados, às 9h30.
A Análise da Seguridade Social já está em sua 14ª edição, constituindo
uma referência no estudo detalhado do sistema de Seguridade Social.
Os números divulgados pelo governo foram analisados de forma
minuciosa para chegar a uma conclusão importante: a Seguridade
Social registrou superávit de R$ 76 bilhões em 2013.
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Além desta informação central, a publicação aborda os efeitos da crise
mundial de 2008 sobre o Brasil e as políticas anticrise adotadas, como
as desonerações e renúncias fiscais.
Detalha as fontes de financiamento da Seguridade e as principais
despesas nas áreas de Saúde, Assistência Social e Previdência. Trata
ainda de outros fatores que impactam o sistema, como a DRU
(Desvinculação das Receitas da União), e reserva um capítulo para os
Regimes Próprios de Previdência Social.
Na questão das desonerações da folha de pagamentos, a ANFIP alerta:
os valores desonerados não têm sido integralmente repostos ao caixa
da Seguridade Social.
Para a Entidade, os custos das medidas de desoneração devem ser
arcados pelo Orçamento Fiscal, e não pela Seguridade Social – que tem
recursos destinados a importantes projetos voltados para a sociedade
nas áreas de Assistência Social, Saúde e Previdência Social.”
Que grata surpresa e que grato momento chegou este ESTUDO
TÉCNICO ( O INSS só diz que esta quebrado, quando instado a demonstrar,
silencia-se, fica inerte ).
O governo federal quer acabar com os direitos sociais e
transformar o sistema numa máquina mortal arrecadatória, sob pena, das
gerações futuras não poderem usufruir de um sistema de seguridade
social ?
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Então esse é o preço ? Será que se olvidam os que assim pensam
que se os direitos sociais continuarem a serem tratados assim,
exterminados um a um, aí mesmo é que não se terá futuro ?
Quanto se locupleta a previdência ao descumprir a lei ?
Quanto se locupleta a previdência ao não conceder milhares e
milhares de benefícios, onde nem todos procuram seus direitos na esfera
judicial ?
Quanto se locupleta a previdência com o espúrio prazo
decadencial ?
Quanto se locupleta a previdência com os espúrios “acordos”
administrativos, onde mesmo após reconhecer o erro, só pagam os
últimos 5 anos retroativos e em prestações que somam uma década ?
É o verdadeiro DEVO não NEGO, PAGO quando QUISER ?
Tudo isso legitimado pelo Estado e por parte do Judiciário, há que
se dar um basta !
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VISÃO GERAL DA MP – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E
MATERIAL
A seguridade social é um sistema de proteção social constituído
por um feixe de princípios e regras destinadas a acudir o indivíduo diante
de determinadas contingências sociais, assegurando-lhe o mínimo
indispensável a uma vida digna, mediante a concessão de benefícios,
prestações e serviços ( relembrando o saudoso Desembargador Federal
Jediael Galvão Miranda).
Nesta mesma linha, Sergio Pinto Martins1 ensina que a
seguridade social tem o condão de dar aos indivíduos e a suas famílias a
tranquilidade necessária para que na ocorrência de uma contingência
(invalidez, morte, doença, desemprego), a qualidade de vida não seja
significativamente diminuída, proporcionando meios para a manutenção
das necessidades básicas dessas pessoas.
Não podemos nos olvidar que a seguridade social é um sistema
de extensa proteção social que, visa proteger as principiais necessidades
da sociedade como um todo.
1
Direito da Seguridade Social, Atlas, 2007, p. 19.
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Não podemos nos olvidar que a seguridade social deve assegurar
um mínimo essencial para a preservação da vida, conforme preceitua o
artigo 1º, inciso III, ou seja, proteção ampla e irrestrita da dignidade da
pessoa humana.
Tal conceito é um dos mais importantes pilares do Estado
Democrático de Direito, assim, tal conceito se assemelha ao antigo
conceito de la vita bona, ou seja, todos os seres humanos vivem em busca
de uma vida boa, e não de uma boa vida.
Desta forma, a nossa Lei Primária deixa claro que é papel do
Estado proteger e propiciar os meios para que o cidadão tenha uma vida
boa, ou melhor, dizendo, tenha uma vida digna.
Deste modo, o sistema de proteção social que vigora no Brasil
tem como elemento coadunador, a proteção do individuo, assim, o
desiderato praticado pela MP 664/14 recentemente editada pelo Poder
Executivo, promoveu uma verdadeira supressão ou restrição ao gozo de
direitos sociais, devendo ser absolutamente afastada, eis que, não se
coaduna com os preceitos maiores da Carta Magna.
Tal MP 664 afasta a possibilidade de atingir os objetivos
constitucionais do bem-estar e justiça social, gravados no artigo 193 da Lei
Maior.
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Ao assim proceder, o Poder Executivo acarretou na violação de
ditames constitucionais, dentre eles, alguns a seguir expostos:
Artigo 1º, III - Desrepeito do preceito pilar da Dignidade da
Pessoa Humana;
Artigo 2º - Desrespeito ao principio da separação dos poderes,
pois, como se sabe são Poderes da União, independentes e harmônicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário;
Artigo 3º, I e III- construir uma sociedade livre, justa e solidária e
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
Artigo 5º, § 1º -
Ferimento as garantias fundamentais do
cidadão, pois as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata;
Artigo 7º - Rompimento dos direitos dos trabalhadores urbanos
e rurais, que visem à melhoria de sua condição social;
Artigo 62 - Falta do binômio constituidor - Urgência e Relevância,
com usurpação do Poder Legislativo;
Artigo 150, IV - Confisco Tributário de Contribuição Social;
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Artigo 194, II - Quebra do conceito da igualdade previdenciária;
Artigo 195, §5º - Quebra da contrapartida tributária, pois há
fonte de custeio para gerar os benefícios;
Artigo 201, caput e § XI - Ferimento ao Principio ContributivoRetributivo Previdenciário;
Artigo 246 – Vedação de alteração de comando constitucional
alterado por Emenda Constitucional (a de número 20/98 no caso em tela);
Segundo o Texto Constitucional, a Ordem Social baseia-se no
primado do trabalho e objetiva o bem-estar e a justiça sociais (art. 193,
caput, da Constituição Federal).
Já os capítulos constantes no Título VIII contemplam, entre outros
assuntos, a Seguridade Social, a qual é composta pela tríade saúde,
previdência e assistência social.
Os Direitos Sociais são direitos fundamentais arrolados no
Capítulo II, do Título II, do Texto Constitucional, cujos objetos são a saúde,
a moradia, a segurança, proteção à maternidade e à infância, educação,
trabalho, lazer, previdência social e assistência aos desamparados.
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A Ordem Social, por sua vez, assegura direitos de segmentos
específicos da sociedade, todos fundamentados no primado do trabalho.
Enquanto o Capítulo destinado aos Direitos Sociais limita-se a
arrolá-los, estando incluída neste rol a previdência social, a Ordem Social a
minudencia.
Pode-se, então, afirmar que a Ordem Social é uma extensão dos
direitos fundamentais.
Ingo Wolfgang Sarlet apud Daniel Machado da Rocha (2004, p.
86), leciona que existem direitos fundamentais situados fora do catálogo,
não estando circunscritos ao Título II ou, amplo senso, à própria
Constituição Federal, conforme prevê o § 2º do art. 5º do Texto Maior.
Segundo Sarlet, citado por Daniel Machado da Rocha, “[...] No
que concerne aos direitos sociais, o Constituinte foi ainda mais audacioso,
pois, nos artigos 6º e 7º, inseriu verdadeiras ‘cláusulas abertas especiais’”
(2004, p.86). Não é diferente o entendimento esposado por Carlos Mário
da Silva Velloso, Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF):
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A amplitude dos temas inscritos no art. 6º da Constituição deixa
claro que os direitos sociais não são somente os que estão enunciados nos
artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11. Eles podem ser localizados, principalmente, no
Título VIII - Da Ordem Social, artigos 193 e seguintes. (CARLOS VELLOSO,
Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil, On-Line)
Evidente ser a Previdência Social um Direito Fundamental, tendo
sido formalmente erigida a esta condição quando da promulgação da
atual Constituição. Elevam-se a Direitos Fundamentais também os
dispositivos elencados na Ordem Social, inclusive a Preservação do Valor
Real dos Benefícios e da impossibilidade de redução do valor dos
benefícios, nada obstante não figurem no Título II do Texto Magno.
Reconhecida a essência fundamental dos preceitos insertos na
Ordem Social, restam impressos nesta todos os caracteres dos Direitos
Fundamentais, dos quais, passaremos a discorrer.
É público e notório que os Direitos Fundamentais são assim
denominados por serem prerrogativas do indivíduo em face do Estado
Constitucional ou do Estado de Direito (BASTOS, 2002, p. 257). Possuem,
pois, expressão diferenciada em comparação às demais normas de direito,
constituindo ponto culminante do ordenamento jurídico pátrio, eis que,
sendo a Constituição Federal a norma máxima, são os direitos
fundamentais o ponto supremo dela, razão pela qual merecem estrita
observância.
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Sendo, ainda, auto-aplicáveis, conforme preceitua o § 1º do art.
5º da Lei Maior, não estando sujeitos à edição de uma norma
infraconstitucional regulamentadora para serem exercidos. Assim,
segundo José Afonso da Silva apud Alexandre de Moraes (2006, p. 7)
normas constitucionais de eficácia plena. Embora a Constituição Federal
disponha que os critérios de reajuste sejam definidos em lei, a segurança
Constitucional deve ser imediatamente observada. É válido ressaltar que a
regulamentação infraconstitucional não é dispensada.
Outra importante característica dos direitos fundamentais, no
âmbito dos direitos sociais, é a denominada proibição de retrocesso.
A proibição de retrocesso é um princípio oriundo do direito
germânico segundo o qual, uma vez constituído um direito social, torna-se
impossível a sua retirada do cidadão.
Não se confere imutabilidade aos direitos sociais, e sim
impossibilidade de reformatio in pejus. É incontestável a relatividade
deste princípio, o qual só poderá ser aplicado em conjunto com outras
tutelas estatais, eis que não se encontra positivado na Constituição
Federal de nenhum Estado, embora venha crescendo sua aplicação.
Deve, portanto, ancorar-se nos princípios da segurança jurídica e
da dignidade da pessoa humana, no ato jurídico perfeito, na coisa julgada
e no direito adquirido, garantias imbuídas no texto constitucional.
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A proibição de retrocesso possui um forte liame com a segurança
jurídica e, muitas vezes, com a dignidade da pessoa humana. A aplicação
deste princípio no direito pátrio é muito facilitada, na medida em que os
direitos sociais são arrolados na Constituição. Se em países que sequer
consagram os direitos sociais na Lei Suprema se aplica a proibição, com
mais razão deve-se instituí-la no Brasil, apesar de sua tímida referência
nos julgados, ganhando robusta expressão na doutrina nacional e
alienígena.
Na Alemanha os direitos sociais estão previstos na legislação
infraconstitucional. Alguns deles são considerados propriedade do
indivíduo,
ganhando,
assim,
status
constitucional,
porquanto
a
propriedade é direito constitucional. Admitido como propriedade e, por
conseguinte, direito constitucional, o princípio da proibição de retrocesso
dos direitos fundamentais pode ser aplicado. No Brasil, como referido, não
há necessidade de grandes digressões, pois estando os direitos sociais na
Lei Maior, adequada a utilização deste princípio.
Logo, os direitos sociais assegurados na Constituição não podem
ser subtraídos. Os cidadãos não podem ser deles privados. Inclusive,
aceita-se a extensão desse princípio a matérias constitucionais
regulamentadas na legislação infraconstitucional, ou seja, uma vez
regulamentado um direito social, essa regulamentação passa a ser,
também, irretratável.
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Elevado a direito fundamental os princípios constitucionais
previdenciários, tornam-se imperiosas a sua manutenção no ordenamento
jurídico, assim como o regulamento infraconstitucional pertinente.
Assim sendo, a proibição de retrocesso impediria a desordenada
alteração legislativa e de atribuição redutora no que tange aos benefícios
previdenciários.
Nunca é demais referir que tal conclusão também encontra
amparo em outro princípio, qual seja, da segurança jurídica, já que a
proibição de retrocesso, no entendimento de alguns autores, não deve ser
aplicada isoladamente.
Oportuno, neste momento, parafrasear Ingo Wolgang Sarlet, que
afirmou,
em
palestra
no
1º
Encontro
Jurídico
Anhanguera
Educacional/Atlântico Sul de Pelotas, que: termina a liberdade do
legislador onde começa a existência mínima do indivíduo, a sua dignidade.
Ainda, refere-se exultante voto do Ministro Celso de Mello no Mandado
de Segurança n.º 2487-5:
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A cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no
processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente
aos
direitos
sociais
de
natureza
prestacional,
impedindo,
em
consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma
vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses
– de todo inocorrente na espécie – em que políticas compensatórias
venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais.” (MS
24875, STF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda Pertence,
publicado em 06/10/2006)
Alguns doutrinadores, a exemplo de Daniel Machado da Rocha
(2004, p. 85), emprestam a imutabilidade das cláusulas pétreas aos
Direitos Fundamentais de segunda geração, dos quais participa a
Previdência Social. Todavia, o Texto Constitucional considera intocáveis
apenas os Direitos e Garantias Individuais, consoante dispõe o inciso IV do
parágrafo 4º do art. 60 da Lei Máxima. Uma interpretação gramatical do
preceito citado permite concluir que os Direitos Sociais, ou seja, Direitos
Fundamentais de segunda geração são reformáveis, respeitada,
evidentemente, a proibição de retrocesso.
Essa interpretação, num primeiro momento, poderia afigurar-se
negativa, o que não parece correto porquanto engessaria demais o
ordenamento jurídico, ainda mais em sede de direitos sociais, os quais
decorrem de vivências contemporâneas e dinâmicas.
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Como se bem sabe os preceitos constitucionais ofendidos pela
MP 664/14 encerram, a toda prova, princípios, normas de regência do
direito constitucional e infraconstitucional, que devem ser observadas
tanto na prática política quanto administrativa e jurídica.
Pois, sobre todo tema tormentoso pairam correntes de raciocínio
e, diga-se de passagem, a linha de raciocínio apresentada na MP 664/14 é
lastreada na mais cristalina ausência de lógica jurídica, bem como, esta
em dissonância com os princípios constitucionais e em cláusulas pétreas,
muito embora entenda que o aludido tema, ainda vá muito além, como
estar a demonstrar.
Desta feita, como se justificar a restrição de direitos essenciais
como os direitos sociais, sob o pálido argumento de promoção do
equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, buscando
economizar com direitos sociais, direitos sociais não são custo, são
investimento na população, no individuo.
Por fim, urge consignar que o hodierno entendimento do direito
sob a ótica do pós-positivismo, dá-se no sentido de que os princípios
jurídicos deixam de possuir apenas a função de integração do direito,
conquistando o status de normas jurídicas vinculantes.
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Celso Antônio Bandeira de Mello, ao discorrer sobre o tema,
assim sinalizou:
“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma
norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de
comandos.
É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,
conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais (...) “
Desta forma, não se pode deixar de aplicar os princípios que
norteiam a Seguridade Social, frente ao ancorado numa Lei, que viola de
maneira literal os ditames principiológicos de proteção social a que todo
cidadão brasileiro tem direito.
Sobre a importância dos princípios constitucionais da seguridade
social, ensina o professor Marcus Orione G. Correia que:
“O sistema normativo é composto da atuação também dos princípios.
Portanto, estes são informadores do sistema- e não meramente
integradores deste. Uma regra que destoa de um princípio ,
obviamente não pode prevalecer,...” (in Curso de Especialização em
Direito Previdenciário, vol. 1, pág. 255, editora Juruá).”
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Importante ressaltar que as alterações da MP 664 violam o
princípio do não retrocesso social, que nas palavras do professor J.J.
Gomes Canotilho, ao examinar os contornos do princípio, assim se
manifesta:
“O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim:
o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através
de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente
garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a
criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na
prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples
desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o
núcleo essencial já realizado” (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, Livraria Almedina, Coimbra,
1998).
Não paira dúvidas, portanto, que a MP 664/14 afronta
diretamente o princípio da reciprocidade das contribuições, pois passa a
interferir no valor da renda mensal inicial por retirar o direito do segurado
perceber o valor de seu beneficio calculado com base na contrapartida
ligada ao pagamento das suas contribuições, inserido de forma
absolutamente errada na MP, eis que, o valor recolhido por este ao longo
de sua vida laboral, não guardará qualquer relação com o valor do
benefício que receberá.
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Ante esta resenha por qualquer prisma que se analise a
malfadada MP, seja pela razoabilidade, legalidade, justiça e moral, não
consegue-se deixar de vislumbrar que referida Medida Provisória 664/14,
afronta e atenta contra toda a base das garantias mínimas constitucionais.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DA CARÊNCIA E DA CONVIVÊNCIA
BIENAL PARA PENSÕES POR MORTE
Tal alteração da MP 664/2014 que instituiu carência de 24 meses
para fins de aquisição do direito à pensão, também escancara sua
inconstitucionalidade, pois cria duas exceções a exigência de carência,
quais sejam, quando o segurado falecido estava em gozo de auxíliodoença ou quando o mesmo era aposentado por invalidez.
Ora, tal distinção viola de forma direta e frontal os princípios
constitucionais da isonomia e da proporcionalidade.
Tal assertiva esta de plano demonstrada sem sequer adentrar na
premissa de direito, bastando ver o caso exemplificado abaixo.
O Segurado 1 recolhe 12 contribuições previdenciárias, sofre
acidente e fica incapaz, o que gera um o auxílio-doença.
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Se o segurado 1 falecer enquanto estiver recebendo o auxilio
doença cuja carência é de 12 meses seus dependentes terão direito à
pensão por morte.
Já o segurado 2 falece (morte súbita), antes de recolher as 24
contribuições previdenciárias, neste caso, seus dependentes não terão
direito à proteção previdenciária da pensão por morte.
Na lição de Ingo Wolfganf Sarlet, o princípio da proporcionalidade
não implica somente na vedação ao excesso me matéria de restrição de
direitos fundamentais, mas também na vedação contra omissão ou
proteção deficiente aos titulares de direitos fundamentais:
"Paralelamente à difundida função da proporcionalidade como
proibição de excesso e como decorrência da noção de deveres de
proteção do estado, desenvolve-se a ideia de que o Estado também
está vinculado por um dever de proteção suficiente (no sentido de
dotado de alguma eficácia). Deveres de proteção podem ser e são
violados quando o titular do dever nada faz para proteger
determinado direito fundamental ou, ao fazer algo, falha por atuar de
modo insuficiente.
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Daí se falar, tal como já se fez também no Brasil, de dupla face do
princípio da proporcionalidade., que passa a atuar como um critério de
controle de legitimidade constitucional de medidas restritivas de
direito (do âmbito de proteção dos direitos fundamentais), bem como
para o controle da omissão ou atuação insuficiente do Estado no
cumprimento de seus deveres de proteção" (Curso de Direito
Constitucional, 3ª Ed. RT 2014, p. 227-228)”
Fica claro que esta alteração no quesito da carência constitui
proteção deficiente - ou desproteção, situação esta que se agrava em
relação aos dependentes do segurado que não conseguiu adimplir as 24
contribuições previdenciárias, falecendo e deixando seus dependentes
desamparados, sem assistência social alguma, já o que recolheu apenas 12
contribuições previdenciárias e ficou incapacitado, receberá auxíliodoença ou aposentadoria por invalidez, e no evento óbito deixará seus
dependentes amparados pela previdência social desde que faleça em gozo
de benefício previdenciário.
Não podemos nos olvidar que o princípio constitucional da
igualdade autoriza o tratamento desigual apenas quando a situação
houver peculiaridade que justifique, do ponto de vista racional e
proporcional, o tratamento desigual pela norma.
24
____________________________________________________________________________________
Na lição do grande Dirley Cunha Júnior, escorado em Celso
Antônio Bandeira de Mello:
"O fato de a lei, por si só, conter algum fator discriminatório, qualquer
que seja ele, não é suficiente para se considerar ofendida a cláusula da
igualdade. As leis podem discriminar. Aliás, é o que mais fazem, como
acentuado acima. Contudo, as discriminações legais, segundo leciona
Celso Antônio Bandeira de Mello, só se coadunam com o dogma da
igualdade se existir uma pertinência lógica entre a distinção inserida
na lei e o tratamento distintivo dela consequente.
Por exemplo, uma lei que limita às mulheres (fator de discriminação) o
acesso ao cargo púlico de policial feminino (tratamento discriminador).
Decerto, na hipótese, dúvida não remanesce de que há evidente
correlação ou pertinência lógica entre a desigualdade legal (só as
mulheres, e não os homens) e o tratamento desigual decorrente
(ocupar cargo de policial feminino). É necessário, todavia, que essa
correlação não seja incompatível com os interesses prestigiados na
Constituição" (Curso de Direito Constitucional, 8ª Ed. JusPodium 2014,
p. 539).
25
____________________________________________________________________________________
No caso em tela a correlação é incompatível com os interesses
prestigiados na Constituição, pois tal exigência de carência para fins de
pensão por morte, ressalvando dessa exigência os dependentes de
segurados que estavam recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez, não guarda relação de pertinência lógica para discriminar,
criando duas classes de dependentes, ainda mais, quando deixa
desamparado, dependentes em situações onde o segurado em vida,
recolheu mais contribuições que o segurado que, recolhendo apenas 12,
faleceu, gerando para seus dependentes o direito à proteção
previdenciária mediante pensão por morte.
Implica, portanto, em nulidade do dispositivo trazido pela
Medida Provisória n. 664/2014, a inconstitucionalidade do novo requisito
normativo de carência para pensão por morte, em razão da ofensa a
proporcionalidade e isonomia constitucionalmente assegurados.
26
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DA OFENSA A VEDAÇÃO DO ARTIGO 246 E AO PRINCIPIO DA
CONTRA-PARTIDA CONSTANTE NO ARTIGO 195, 5º AMBOS DA
CF/88
Ao simplesmente passar os olhos pela MP 664, verifica-se de
plano o caráter intencional de uma “minirreforma” previdenciária,
restando a mesma eivada da mais pura inconstitucionalidade pois
qualquer medida provisória deve observar dois requisitos: relevância e
urgência (Art. 62 da Constituição Federal de 1988 - CF/88).
Já de plano houve violação ao artigo 246 da CF/88, pois a MP 664
alterou o artigo 201 parágrafo 11º, e isso é vedado, não sendo permitido a
utilização de medida provisória na regulamentação de artigo da
Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda
promulgada entre 1º de janeiro de 1995 e 11 de setembro de 2001, no
caso estamos a falar do artigo 201 parágrafo 11º modificado pela da EC 20
de 1998.
Só por este motivo já se deve conceder a liminar que adiante será
requerida. (VIOLAÇÃO AO ARTIGO 246 DA CF !)
27
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Viola também as medidas constantes na MP, que reduzem os
benefícios previdenciários da pensão e auxilio doença o comando de que
tais alterações devem ser sempre acompanhadas da mais que necessária e
imperiosa contrapartida, sob pena de violação do artigo 195, parágrafo 5º
da Constituição Federal.
Ora, o Governo Federal ao invés de fazer (tentar) uma reforma
previdenciária por uma Medida Provisória, deveria ter permitido e
realizado uma ampla discussão no Congresso Nacional para que fosse
debatido eventuais mudanças por meio de alteração legal, e assim, ao não
proceder, usurpado fora a competência do Poder Legislativo, utilizando
instrumento (MP) inadequado, pois tratou de matéria que não poderia
tratar.
Além do aspecto formal, deve-se observar, ainda, que o objeto
das MP´s é composto por direitos de natureza fundamental, violando
também o Princípio da Proibição de Retrocesso Social (ARE 727864 AgR /
PR), no qual se decidiu nesta Corte Suprema pela responsabilidade do
Estado no custeio de serviços hospitalares prestados por instituições
privadas em benefício de pacientes do SUS atendidos pelo SAMU nos
casos de urgência e inexistência de leitos na rede pública), tendo em vista
que se retrocedeu na garantia de direitos fundamentais conquistados e
garantidos pela própria Constituição Federal.
28
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Bem como, não obstante esta Corte já ter decidido que não existe
direito adquirido a regime jurídico (ARE 841830 AgR / RS e ARE 833399
AgR / PE) há, nesta MP 664, sem sombra de dúvidas, violação à segurança
jurídica.
A limitação dos recursos públicos faz com que os governantes
tenham a difícil missão de realizar “escolhas trágicas” (STF. ARE 639337
AgR / SP). E neste caso, é a MP 664 que representa a grande tragédia e o
extermínio dos direitos sociais e da Constituinte de 88.
Eleito pelo Governo fora, o jeito mais fácil: sobrou para a parte
mais fraca da relação, a tão sofrida classe dos trabalhadores do RGPS
Não podemos perder de vista que as “castas sociais” mais
privilegiadas de nossa sociedade não são afetadas pelas medidas, a
exemplo dos militares, magistrados e membros do Ministério Público,
esses dois últimos agraciados, no final de 2014, com aumentos salariais,
juntamente com os próprios Deputados e Senadores, os quais, alegando
falta de orçamento, negaram a mesma benesse a carreiras outras, como a
Defensoria Pública da União e Advocacia Geral da União.
Estes privilegiados continuam a dormir tranquilos na certeza de
que, se um dia, repentinamente, faltarem, seus dependentes gozarão de
uma boa pensão integral e vitalícia.
29
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Enquanto as medidas passam a vigorar sob o fundamento da
necessidade de readequação dos gastos públicos, a Presidência da
República vai gastar trezentos e vinte quatro mil reais com flores nobres,
tropicais e de campo, conforme noticiou a Folha de São Paulo no primeiro
dia do ano.
Será que alguma dessas será enviada para as viúvas que ficarão
sem pensão por não terem firmado matrimônio dois anos antes da morte
de seus esposos (segundo as regras da MP 664 não há direito à pensão
nesses casos, salvo situações excepcionais?
Resta para a parte autora duas esperanças, ou que esta nefasta
MP não sejam convertidas em lei pelo Poder Legislativo; ou que sejam
afastadas por esta Suprema Corte por vício de inconstitucionalidade.
30
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VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA E
RETROCESSO SOCIAL
As sábias palavras do Professor Ingo Sarlet, servem como uma
luva ao tópico presente.
Que também entre nós a crescente insegurança no âmbito da
segurança social (aqui tomada em sentido amplo) decorre de uma
demanda cada vez maior por prestações sociais (ainda mais em se
cuidando de sociedades marcadas pelo incremento da exclusão social) e
de um paralelo decréscimo da capacidade prestacional do Estado e da
sociedade, revela, por sua vez, o quanto assume relevo a discussão em
torno dos níveis possíveis de preservação (e, portanto, de proteção) das
precárias conquistas sociais já alcançadas.
Assim, também, nós podemos (e devemos) nos perguntar o quão
segura é (e pode ser), afinal de contas, a segurança social.
Que tal questionamento, como já anunciado, diz de perto com a
problemática da segurança jurídica e com a garantia (e garantia é
segurança) de uma existência digna para todos, igualmente dispensa aqui
maiores comentários.
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Ainda que o entendimento predominante pareça ser mesmo o de
que uma supressão pura e simples dos sistemas de seguridade social, sem
qualquer tipo de compensação, não é, em princípio, admissível, não tendo
sequer sido seriamente defendida (pelo menos não abertamente e salvo
exceções), a problemática relativa à proteção constitucional das
conquistas na esfera da justiça social permanece no centro das atenções.
Em outras palavras, cuida-se de investigar se, como e em que
medida os direitos fundamentais sociais e, de modo geral, os sistemas de
proteção social no âmbito da concretização dos direitos sociais e do
princípio fundamental da justiça social, podem ser assegurados contra
uma supressão e/ou restrições.
Convém relembrar o leitor de que, ao mesmo tempo em que a
discussão em torno da redução (e até mesmo do desmonte completo) do
Estado social de Direito e dos direitos sociais que lhe são inerentes
apresenta proporções mundiais, não há como desconsiderar que as
dimensões da crise e as respostas reclamadas em cada Estado
individualmente considerado são inexoravelmente diversas, ainda que se
possam constatar pontos comuns.
32
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Diferenciadas são, por outro lado, as soluções encontradas por
cada ordem jurídica para enfrentar o problema, diferenças que não se
limitam à esfera da natureza dos instrumentos, mas que abrangem, de
modo especial, a intensidade da proteção outorgada por estes aos
sistemas de seguridade social, o que, à evidência, não poderá deixar de
ser considerado nas linhas que se seguem, de tal sorte que também a
temática
da
proibição
do
retrocesso
reclama
um
tratamento
constitucionalmente adequado.
Tal enfoque – necessariamente diferenciado e contextualizado –
assume feições ainda mais emergenciais quando nos damos conta que a
Constituição Brasileira insere-se num ambiente significativamente diverso
do constitucionalismo europeu, onde estamos vivenciando, inclusive, o
surgimento de uma Constituição Europeia, além de ter (ainda) um caráter
marcadamente compromissário e dirigente, o que, somado ao fato – bem
lembrado por Lenio Streck – de que as promessas da modernidade entre
nós sequer foram minimamente cumpridas e que o Estado democrático (e
social) de Direito brasileiro, na condição de Estado da justiça material, não
passa de um simulacro, torna em a discussão em torno da proibição do
retrocesso na esfera dos direitos sociais absolutamente obrigatória e
inadiável." (in Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição de 1988).
33
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DA VIOLAÇÃO A PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO – ARTIGO 195 §5º
Pelo princípio da prévia fonte de custeio, podemos, também,
observar a inconstitucionalidade das alterações trazidas pela MP 644.
Dispõe o art. 195, §5º da Constituição Federal: Art. 195. A
seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e
das seguintes contribuições sociais:
...
§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá
ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de
custeio total.
Ora, no RE n° 415.454-4 (pensionistas), foi debatido à exaustão o
princípio da prévia fonte de custeio, chegando esta Corte Suprema a
conclusão de que não poderia ser majorado o coeficiente de cálculo das
pensões, sob pena de estar sendo majorado benefício sem a respectiva
fonte de custeio.
Ora, não podemos ter UM peso e DUAS medidas, se não pode ser
concedido um benefício acima do que contribuiu, poderá ser concedido
um benefício abaixo do valor contribuído?
34
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Para prejudicar o segurado pode, mas para erguer, não?
Se o Estado tem tal garantia, com maior razão esta dee também
ser aplicada aos segurados do RGPS, pois são detentores de direitos e
garantias individuais, ou seja, como não podem receber a mais do que
contribuíram (É O QUE DISS ESTA CORTE SUPREMA), também não podem
receber a menos do que contribuíram (É O QUE DEVERÁ DIZER ESTA
CORTE SUPREMA).
O Ministro Celso de Mello, sempre atento e detalhista, consignou
em seu voto no RE n° 415.454-4, essa garantia, a impossibilidade de
conceder benefício sem contribuição e de exigir contribuição sem a
outorga de benefício, verbis:
“Cumpre reconhecer, dessa forma, a indispensabi1idade da necessária
corre1ação entre custo e beneficio, pois o regime retributivo, por sua
natureza mesma, há de ser essencia1mente contributivo, qualificandose como constitucionalmente ilegítimas tanto a instituição ou
majoração de um benefício sem a correspondente fonte de custeio
quanto a exigência de contribuição sem a correspondente outorga de
beneficio, como esta Suprema Corte já teve o ensejo de advertir:
“0 REGIME CONTRIBUTIVO É, POR ESSÊNCIA, UM REGIME DE CARÁTER
EMINENTEMENTE
RETRIBUTIVO.
A
QUESTÃO
DO
EQUILÍBRIO
ATUARIAL (CF, ART. 195, §5º). CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL
SOBRE PENSÕES E PROVENTOS: AUSÊNCIA DE CAUSA SUFICIENTE.
35
____________________________________________________________________________________
- Sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração)
da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência
de caráter contributivo, deve haver, necessariamente, correlação
entre custo e benefício.
A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício
põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode
haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição.
Doutrina. Precedentes do STF.”
(RTJ 181/73-79, 76, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno).
O INSS que tem o bônus de não necessitar arcar com qualquer
benefício além do efetivamente devido, tem o ônus de conceder o
benefício efetivamente devido, a qualquer tempo, como bem ressalta o
Ministro Ceso de Mello, “uma imposição ineliminável”, “indeclinável”, em
outras palavras, uma via de mão dupla, uma previsibilidade/garantia que
serve tanto para o INSS como para os segurados.
O que o legislador quis é impor previsibilidade, garantias,
segurança jurídica, conceder o benefício correto, nem a mais, tampouco a
menor, se o INSS tem tais garantias, ela se estende na mesma proporção
aos segurados, portanto, os beneficiários têm garantia constitucional de
receber o benefício efetivamente devido, que não pode ser violado por lei
ordinária, instituída por medida provisória.
36
____________________________________________________________________________________
DO
MITO
–
DA
LENDA
URBANA
SOBRE
O
DÉFICIT
PREVIDENCIÁRIO
URGÊNCIA ? A previdência teve SUPERVÁVIT DE 650 bilhões em
2013 ! Mesmo com a DRU teria ainda a Previdência social um superávit
( segundo a ANFIP de 76 bilhões de superávit em 2013 - 65 bilhões de
desvio pela DRU) de 10 bilhões, correto ?
Então que mentira é essa que a MP atende a urgência necessária
para estancar o déficit previdenciário ?
FALTA, POIS, O IMPRESCINDÍVEL REQUISITO DA URGÊNCIA
RESTANDO VIOLADO O ARTIGO 62 DA CF.
Da mesma forma, Denise Lobato Gentil, professora do Instituto
de Economia da Universidade do Rio de Janeiro, em seu trabalho de
doutorado, concluiu que o sistema de seguridade social é financeiramente
auto-sustentável, gerando a quantia astronômica de 267 bilhões de
superávit no período de 1995 a 2005, verbis:
“Essas
conclusões
[déficit],
entretanto,
partem
de
métodos
questionáveis de aferição do problema. Primeiro, porque o resultado
financeiro da previdência é obtido a partir do cálculo do resultado
previdenciário, que, como diz Matijascic (2002, p. 205), “trata-se de
uma manobra contábil adotada pelos formuladores das políticas
econômicas dos anos 1990”.
37
____________________________________________________________________________________
Essa metodologia de aferição não considera o que foi definido pela
Constituição Federal como sendo a totalidade das receitas que estão
vinculados à previdência. Segundo, porque, o governo federal, não
gera demonstrativos financeiros e contábeis específicos do orçamento
da seguridade social e, por conseqüência, impede que se possa
constatar que o sistema, ao contrário do que usualmente se divulga,
gera um excedente de recursos de magnitude expressiva, que é
desviado para o orçamento fiscal e alocado em despesas de várias
naturezas, deixando de atender as demandas urgentes (...).”
Constata-se do confronto entre receitas e despesas, que o sistema de
seguridade social foi superavitário ao longo de todos os anos do
período 1995-2005, tendo o excedente de recursos se elevado de R$
4,3 bilhoes, em 1995, para R$ 58,1 bilhões, em 2005 (Tabelas 3 e 4).
Esse resultado financeiro demonstrou, de um lado, uma vigorosa
capacidade de geração de receitas, mesmo em fase de reduzido
crescimento e, de outro lado, uma baixa aplicação de recursos no
interior do sistema de seguridade social. Uma parte significativa dos
recursos é desviada sistematicamente, para fora do sistema. Entre
1995 e 2005, foram deslocados da seguridade R$ 267 bilhões, do quais
R$ 107 bilhões para além do limite permitido pelo mecanismo da DRU
(Tabela 5). Verifica-se também que o desvio de recursos foi muito
maior nos anos de 2004 e 2005 do que em períodos anteriores – de R$
20,8 bilhões e 26,5 bilhões respectivamente.”2
2
GENTIL, Denise Lobato. A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise
financeira do período 1990–2005. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/20572/prescricao-emmateria-de-beneficio-previdenciario, acesso em 30.jul.2012.
38
____________________________________________________________________________________
Quando se fala em análise econômica da previdência social, não
podemos deixar de falar dos minuciosos trabalhos prestados pela
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO
BRASIL – ANFIP, quem realmente tem capacidade, isenção e legitimidade3
para falar em déficit ou superávit.
Em relação ao ano de 2010, a ANFIP constata superávit, pasmem,
de R$ 58 bilhões (tabela anexo), verbis:
“A Seguridade Social apresentou em 2010 um saldo muito expressivo.
As receitas superaram as despesas em R$ 58 bilhões. Não foram
criadas receitas novas, nem ampliadas alíquotas das contribuições
sociais.
O salário mínimo, que é um dos fatores que mais impactam as
despesas, recebeu 9,7% de reajuste. Além da inflação, foram 5,8% de
reajuste real. Os benefícios previdenciários de valor acima do salário
mínimo também foram reajustes acima da inflação. Os benefícios do
bolsa-família foram ampliados.
A explicação para o aumento do saldo não foi um acréscimo da carga
tributária nem o corte de direitos. Mas, o grande crescimento
econômico de 2010, que repercutiu positivamente na arrecadação.”4
3
Lei n° 11.457/2007, destina a Receita Federal a competência de arrecadação das contribuições sociais.
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Análise da seguridade social
2010. Brasília: ANFIP, 2011, p. 69.
4
39
____________________________________________________________________________________
Referente ao ano de 2011, o superávit foi de incríveis 77 bilhões,
contudo, a ANFIP alerta que recursos do Regime Geral são desviados para
o pagamento dos benefícios de servidores e militares, verbis:
“A Seguridade Social em 2011 apresentou um grande superávit em
suas contas de receitas e de despesas.
Esse resultado positivo excedeu a conta dos R$ 77 bilhões. Em 2010, a
Seguridade já havia apresentado outro forte saldo positivo de R$ 57
bilhões. Naquele ano, a expansão acompanhou a recuperação da
economia, que cresceu 7,5%.
Neste ano, com uma evolução menor do PIB, de 2,7%, esses resultados
positivos decorrem do crescimento da arrecadação e da contenção das
despesas nas áreas da Seguridade.
(...)
Vale ressaltar que o uso das contribuições sociais para o pagamento
dos benefícios de servidores e militares também significa que o
governo reconhece a condição superavitária do Orçamento da
Seguridade Social, senão, não poderia fazê-lo.
Mas, ao contrário, apesar de desviar os recursos das contribuições
para o pagamento das despesas dos regimes próprios, o discurso
comumente repetido é o de déficit da Seguridade.
(...)
40
____________________________________________________________________________________
A Análise da Seguridade Social exclui das despesas da Seguridade,
além das despesas com os encargos previdenciários da União, relativos
aos regimes próprios, as despesas com os encargos da dívida e as
despesas com “assistência ao servidor”, que, nas diversas leis
orçamentárias, vêm sendo classificadas como da Seguridade.
Essas despesas correspondem a auxílios creche, alimentação, moradia,
transporte etc. Em hipótese alguma são despesas de assistência social,
porque, mesmo quando se destinam a servidores de baixa renda, elas
não são deferidas pelo critério universal da necessidade, mas pela
relação patronal.”
Muitos acreditam que outro interesse escuso por trás dessas
restrições a direitos sociais é a intenção de aumentar a procura pela
previdência privada (privatização da previdência)5, “sonho de consumo”
das instituições bancárias, face a grande margem de lucro obtida com tal
serviço.
De fato, há grande aumento na procura pela previdência privada,
segundo dados da Fenaprevi, houve crescimento de 16,62% nesse
seguimento nos três primeiros meses de 2011, em relação ao mesmo
período de 2010, com arrecadação, impressionante, de R$ 11,7 bilhões.6
5
DEFINI, Luiz Felipe Silveira. Previdência ou imprevidência? / org. Maria Isabel Pereira da Costa, 2. ed.
– Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.27/31.
.
41
____________________________________________________________________________________
Não há o menor sentido em impedir ou restringir os direitos dos
aposentados e pensionistas enquanto existem recursos mais que
suficientes nos cofres da Previdência Social, que é desviado para outras
finalidade que não àquelas definidas na Constituição Federal.
DO PEDIDO LIMINAR
Diante de todo o exposto e após devidamente comprovados os
fundamentos que apontam a plena e total inconstitucionalidade da MP
664/2014, eis que incompatíveis com a Constituição Federal, requer a
parte autora, seja liminarmente declarada sua inconstitucionalidade e,
assim, suspenso seus efeitos eis que presentes todos os elementos que
esta Suprema Corte condiciona a concessão de liminares.
a) O fumus boni iuris, ou seja, a plausividade jurídica das teses
expostas que desponta de toda a argumentação de mérito já acima
expendida;
b) O periculum in mora consiste no fundado receio dos
segurados brasileiros ver-se na contingência de não dispor de meios para
suprir suas necessidades já que, em se tratando de benefícios
previdenciários, resta intuitivo o risco de ineficácia do provimento
jurisdicional final, face ao caráter alimentar dos mesmos;
42
____________________________________________________________________________________
c) A
“irreparabilidade
ou
insuportabilidade
dos
danos
emergentes dos próprios atos impugnados”, mostra-se ao passo que tal
MP entrará em vigor em março de 2015 e obstará e/ou reduzirá o direito
de milhares de segurados brasileiros;
DIANTE DE TODO O EXPOSTO, requer a esta Suprema Corte
que, após concedida a medida liminar suspendendo a eficácia da
malfadada MP 664, sejam solicitadas informações aos Exmos. Srs.
Presidente da República e Presidente do Congresso Nacional, sendo citado
o Advogado-Geral da União e ouvido o Procurador Geral da República,
julgando-se, ao final, procedente a presente ação, para ser declarada a
inconstitucionalidade da MP 664/14.
Requer, ainda, a realização de auditoria externa nas contas da
previdência, conforme previsto no art. 4°, VII da Lei n° 8.213/91.
Estabelece como valor da causa R$ 1.000,00 (hum mil reais).
Termos em que, pede e espera urgente deferimento.
São Paulo, 02 de fevereiro de 2015.
GUILHERME PORTANOVA
BRUNO SOARES COLARES
OAB/RS 51.998
FIGUEIREDO ALVES
OAB/SP 294.272
43
____________________________________________________________________________________
Download

ADI_5234_STF_-_Cobap_-_03-02-2015