ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LPP Nº 70057941460 (N° CNJ: 0518773-75.2013.8.21.7000) 2013/CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA CUMULADA COM DANOS MORAIS. VENDA DE LOTE DE TERRA LOCALIZADO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PARQUE ESTADUAL DELTA DO JACUÍ. IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. 1. A omissão da informação de que a área objeto do contrato de compra e venda possuía restrição de construção, por se tratar de área de preservação permanente, leva à invalidação do contrato celebrado. Assim, cabível a restituição à autora, dos valores relativos ao preço do lote, bem como dos valores despendidos para a construção da casa, já que devidamente comprovados. 2. Cabível, ainda, a condenação dos demandados ao pagamento de indenização por danos morais, tendo em vista que a situação vivenciada pela requerente ultrapassou os limites do razoável, já que viu frustrado o sonho de construção de sua moradia. 3. Manutenção do quantum indenizatório fixado na sentença, por razoável, proporcional e condizente com as peculiaridades do caso. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70057941460 (N° CNJ: 051877375.2013.8.21.7000) COMARCA DE ELDORADO DO SUL CARLOS ALBERTO COSME DOS SANTOS JANETE INES NIEWINSKI MANOEL RICARDO COSME DOS SANTOS SUCESSAO DE MARIA TEREZA COSME DOS SANTOS APELANTE APELADO INTERESSADO INTERESSADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo. Custas na forma da lei. 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LPP Nº 70057941460 (N° CNJ: 0518773-75.2013.8.21.7000) 2013/CÍVEL Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES.ª ELAINE HARZHEIM MACEDO (PRESIDENTE E REVISORA) E DES. GELSON ROLIM STOCKER. Porto Alegre, 17 de abril de 2014. DES.ª LIÉGE PURICELLI PIRES, Relatora. RELATÓRIO DES.ª LIÉGE PURICELLI PIRES (RELATORA) Adoto, de início, o relatório da sentença: “JANETE INÊS NIEWINSKI, qualificada na inicial, ajuizou ação ordinária de ressarcimento e anulação de contrato de compra e venda, cumulada com indenização por danos morais em face da SUCESSÃO DE MARIA TEREZA COSME DOS SANTOS, representada por CARLOS ALBERTO COSME DOS SANTOS e MANOEL RICARDO COSME DOS SANTOS, igualmente qualificados. Narrou, em síntese, que em 07/02/2005 entabulou contrato de compra e venda com os demandados, adquirindo, dessa forma, uma área de terras, situada na zona rural desse município, na localidade de Picada Sul, pelo valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais). À época, os requeridos garantiram estar o imóvel desembaraçado e livre de qualquer ônus, dívidas ou restrições de qualquer natureza. Todavia, a autora não pode concluir a construção da casa, pois o terreno adquirido se tratava de área de preservação ambiental, sendo, inclusive, objeto de Inquérito Civil, que determinou a inviabilidade de qualquer construção e ligação de água no local. Mencionou que efetuou diversas compras de material de construção, além de aterro e serviço de pedreiro. Outrossim, referiu que os requeridos não providenciaram no loteamento da área, tampouco a regularizaram. Aduziu ter sofrido dano material e abalo moral. Teceu considerações acerca do agir ilícitos dos requeridos. Postulou a anulação do negócio jurídico entabulado entre as partes, com a condenação dos demandados ao pagamento de 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LPP Nº 70057941460 (N° CNJ: 0518773-75.2013.8.21.7000) 2013/CÍVEL indenização pelos danos materiais e morais. Juntou documentos (fls. 12/27). O feito foi ajuizado na Comarca de Guaíba, sendo, após, remetidos a este Juízo. Citados, os demandados apresentaram contestação, onde alegaram que desconheciam que referida área era de preservação ambiental, uma vez que a Prefeitura concedeu autorização para construção no local, bem como a CEEE e CORSAN autorizaram ligação de água e luz. Mencionaram que não há que se falar em indenização por danos morais e materiais, porquanto inexistente ato ilícito. Postularam a improcedência da demanda (fls. 58/62) e 100/118). Juntaram documentos (fls. 120/151). Réplica às contestações (fls. 69/70 e 153/157). Durante a instrução foram ouvidas três testemunhal e colhido o depoimento pessoal das partes (fls. 242, 260 e 274). O autor apresentou seus memoriais escritos às fls. 278/283, reiterando as manifestações já lançadas aos autos, renovando pedido de procedência, quedando os demandados silentes. Os autos vieram conclusos para sentença.” Acrescento que sobreveio sentença julgando procedente a ação, para o fim de declarar a nulidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, determinando o retorno ao status quo ante; condenar os requeridos, solidariamente, à devolução de todos os valores recebidos em face do negócio, corrigidos monetariamente desde o desembolso, segundo o índice do IGP-M, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês desde a citação e condenar os requeridos, solidariamente, ao pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de danos morais, corrigido monetariamente a partir da publicação da decisão, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da data do evento danoso. Os demandados foram condenados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da condenação. Inconformado, apela o réu CARLOS COSME DOS SANTOS. Alega a existência da ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra o Município de Porto Alegre e o Estado do Rio Grande do Sul (nº 001/1.08.0084738-9), em que o agente ministerial busca a regularização fundiária do Parque Estadual Delta do Jacuí. O problema envolve uma comunidade inteira e tem dimensões muito maiores. Portanto, não pode o 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LPP Nº 70057941460 (N° CNJ: 0518773-75.2013.8.21.7000) 2013/CÍVEL presente feito ser apreciado de maneira isolada. Diz que está em curso o processo de regularização fundiária nas áreas de uso sustentável e um plano de manejo na área de proteção integral, fatos que trarão consequências diretas à lide, já que há possibilidade concreta da permanência dos autores no terreno. Afirma que não sabia que as suas terras estavam inseridas dentro de área protegida por legislação ambiental que pudesse restringir ou limitar seu uso. Refere que o auto de infração nº 1023 – série A e o Termo de Embargo nº 516 – série A foram lavrados oito meses após a assinatura do contrato de alienação do lote. A prova testemunhal coaduna-se com a tese defensiva de que ninguém sabia das restrições de uso. A venda dos lotes e edificações não eram fatos sigilosos. Assevera que alienou fração de terras e não o direito de construir e, ainda que o terreno esteja inserido em área de proteção ambiental ou de preservação permanente, a lei não veda sua alienação, e sim regulamente sua fruição. Mostra-se evidente que o contrato não garante aos promitentes compradores o direito de construir. A matrícula do todo maior onde está inserido o lote objeto da contenda não possui qualquer restrição. Portanto, de fato, estava livre e desembaraçado no momento da alienação, não constando qualquer limitação ou restrição de uso. Quanto aos danos morais, diz que a autora foi imprudente ao edificar no terreno sem o prévio licenciamento dos órgãos públicos competentes. Menciona que não há qualquer comprovação de danos passíveis de indenização. O valor fixado a título de indenização mostra-se exagerado. Finalmente, refere que os danos materiais não foram contemplados. Assim, tendo sucumbido a autora em parte significativa do pedido, deve ser condenada proporcionalmente ao decaimento de seu pedido. Requer o provimento do apelo. Recebido o apelo (fl. 307) e apresentadas as contrarrazões, subiram os autos. Observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado. É o relatório. VOTOS DES.ª LIÉGE PURICELLI PIRES (RELATORA) Conheço do recurso, pois presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade. A autora intentou a presente demanda, relatando ter adquirido dos réu um lote de terras que, posteriormente, foi declarado área de preservação permanente. Em razão de tal fato, postulou a devolução do valor pago pelo lote; a devolução dos valores gastos com a construção da moradia e, ainda, a condenação dos demandados em danos morais. 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LPP Nº 70057941460 (N° CNJ: 0518773-75.2013.8.21.7000) 2013/CÍVEL Julgada procedente, apela o réu Carlos. Adianto não ser caso de provimento do apelo. O fato de ter sido negociado um lote à autora, que posteriormente foi declarado área de preservação permanente é incontroverso, assim como incontroverso o fato de que a autora pretendia ali construir sua moradia. Não merece guarida a alegação do demandado no sentido de que teria alienado apenas a fração de terras e não o direito de construir. A prova produzida nos autos evidencia que a autora pretendia ali morar, tanto que já estava construindo sua residência. O contrato entabulado entre as partes nada referia acerca de qualquer restrição (fls. 12-14). A cláusula Segunda, assim previa: “Pelo presente instrumento e na melhor forma de direito, os Promitentes Vendedores tem, ajustado vender conforme prometem à Promitente Compradora, e estes a comprar-lhes o imóvel descrito e caracterizado na cláusula PRIMEIRA, caput, que possuem de forma livre e desembaraçada de quaisquer ônus, dívidas, arrestos ou sequestros, ou ainda de restrições de qualquer natureza, salvo os trâmites legais que pendem do processo de Abertura de Inventário, já referenciado retro, pelo preço e de conformidade com as cláusulas e condições adiante estabelecidas.” Portanto, acreditou a autora estar adquirindo um lote de terras sem restrição alguma. Como bem referiu a decisora de origem “Desta forma, ao omitir a informação de que a área objeto do contrato de compra e venda possuía restrição de construção, por se tratar de área de preservação permanente, os requeridos impuseram verdadeira proibição do exercício do direito pleno de propriedade, o que pode ser considerado vício oculto passível de desconstituir o contrato celebrado.” Ainda. Desimporta se os demandados tinham ciência da restrição, ou se ficaram sabendo posteriormente. O fato é que a autora não tinha ciência dos fatos. Conforme referiu a decisora de 1º grau: 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LPP Nº 70057941460 (N° CNJ: 0518773-75.2013.8.21.7000) 2013/CÍVEL “As razões que levaram os demandados a quebrar a confiança legitimamente depositada são irrelevantes. Se originada de ato intencional ou culposo, revela-se inaceitável sob qualquer prisma. O fato é que a ignorância da autora/compradora sobre a realidade do objeto do ajuste encontra-se flagrantemente demonstrada.” Portanto, justo o desfazimento do negócio com a devolução do valor referente ao lote vendido, bem como dos valores gastos pela autora a título de danos materiais, já que devidamente comprovados. Os danos morais, por sua vez, mostram-se evidentes. A autora disponibilizou todo o dinheiro que possuía para concretizar o negócio e construir sua casa. Nelson Antônio Bach, testemunha inquirida (colega de trabalho da autora) refere que a autora antecipou vencimentos para comprar o terreno. Diz que o comportamento da requerente mudou muito depois dos fatos, pois ficou muito abalada, tendo, inclusive, abandonado o emprego. A decepção da requerente é óbvia, já que não pôde ver concretizado seu sonho de construir sua residência. Com relação ao valor fixado, nada a reparar. Para a fixação do valor da indenização decorrente de danos morais, a jurisprudência recomenda a análise da condição social da vítima, da gravidade, natureza e repercussão da ofensa, assim como um exame do grau de reprovabilidade da conduta do ofensor e de eventual contribuição da vítima ao evento danoso. A razoabilidade, valendo-me da expressão usada por Sérgio Cavalieri Filho, deve servir ao julgador como “bússola” à mensuração do dano e sua reparação. Ao concreto, demonstrada a abusividade do ato praticado pelos demandados e levando em conta os vetores acima referidos, bem assim o caráter pedagógico da indenização e, ainda, o axioma jurídico de que a reparação não pode servir de causa a enriquecimento injustificado, mantém-se o quantum indenizatório em R$ 4.000,00, montante que se revela suficiente e condizente com as peculiaridades do caso, além de se coadunar com os parâmetros comumente adotados por esta 17ª Câmara em situações análogas. 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LPP Nº 70057941460 (N° CNJ: 0518773-75.2013.8.21.7000) 2013/CÍVEL Finalmente, com relação aos ônus sucumbenciais, nada a alterar. Ao contrário do que afirma o apelante, a autora não sucumbiu em parte do pedido, já que os danos materiais também restaram contemplados na condenação. Na sentença constou: “Restou comprovado nos autos, o desembolso de quantia destinada à compra do terreno, no valor de R$ 7.000,00, conforme cláusula terceira do contrato de fl. 13, bem como a aquisição de materiais de construção, conforme se vê nas fls. 18/26. Assim, devem os demandados restituir à autora a importância de R$ 7.636,76, referente aos materiais de construção, mais R$ 7.000,00, referente ao contrato de compra e venda, com acréscimo de juros e correção monetária.” Portanto, considerando que todos os pedidos da autora foram contemplados, a condenação da demandada ao pagamento da totalidade das custas processuais e honorários advocatícios é medida que se impõe. Fica mantida a sentença em sua integralidade. DISPOSITIVO Com essas considerações, nego provimento ao apelo. É o voto. DES.ª ELAINE HARZHEIM MACEDO (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a). DES. GELSON ROLIM STOCKER - De acordo com o(a) Relator(a). DES.ª ELAINE HARZHEIM MACEDO - Presidente - Apelação Cível nº 70057941460, Comarca de Eldorado do Sul: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO." 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LPP Nº 70057941460 (N° CNJ: 0518773-75.2013.8.21.7000) 2013/CÍVEL Julgador(a) de 1º Grau: LUCIANE DI DOMENICO HASS 8